A BUSCA REDOBRADA DE ERIC POR SOLUÇÕES mostrava que ele entendia a urgência da situação deles melhor do que Willy imaginava. A única saída que ele não tentou foi diminuir a disparidade de seus rankings se degenerando. Em julho, Eric subiu para o 58º lugar.
Mas voltava para casa no instante em que os espectadores juntavam os restos do piquenique. Nos intervalos, ele a treinava. Embora se recusasse a jogar partidas formais, nas longas sessões de trocas de bolas no Riverside, Eric tentava todos os caminhos, desde bajulações, intimidações e ofensas até lisonjas e aplausos — todos métodos já testados por Max. Embora, ao relaxar, Willy conseguisse voltar à consistência sagaz e intensa das encarnações de outrora, a competência durante o treino não era garantia de que, sob as condições de uma competição, ela não se agarraria ao seu pior inimigo. E mesmo estas récitas tinham um defeito imperceptível: o que Willy poderia dizer, mas não diria.
Rebaixando-se, Eric entrou com Willy num satélite de duplas mistas. Raciocinou que seria benéfico jogarem como aliados. Mas assim que seus pés tocaram na linha de fundo, Eric, o Atencioso, virou Eric, o Babaca. Ou dominava a quadra inteira, roubando bolas que caíam a menos de um metro do território da esposa, ou cobria a rede com tamanha eficiência que a bola nunca chegava ao fundo da quadra. Não confiava nela e era um jogador individual por natureza. Qualquer bola que viesse era sua por direito. No segundo set, as discussões eram tantas que o casal reunia uma multidão de espectadores menos fascinados com a rivalidade estupenda entre as duplas do que com as ofensas que Eric e Willy disparavam um contra o outro. Com Eric a seu lado, é claro que venceram, mas, por ter tocado na bola pouquíssimas vezes, Willy não viu a vitória como sua. Fingindo uma lesão, Eric se retirou do “time”.
O projeto de união seguinte era participarem do mesmo torneio, para reviverem e reescreverem de modo mais favorável o Chevrolet. Mais uma vez, isso ditava que Eric deveria jogar abaixo de suas possibilidades, mas contanto que o torneio misto de chave pequena não interferisse em sua agenda, ele estava disposto a fazê-lo.
As partidas masculinas e femininas da primeira rodada foram jogadas simultaneamente, em quadras adjacentes. No meio do segundo set de Willy, que estava indo bem, um de seus aces instigou comemorações. O fato de sua partida estar atraindo atenção incitou Willy a bater com força na bola. Porém, a façanha seguinte não inspirou reação da plateia. Na metade de um ponto trivial, os assobios se intensificaram de novo. A trilha sonora e a imagem não estavam em sincronia, como se o jogo tivesse sido pessimamente dublado.
Desconcertada, Willy ergueu o rosto e viu a plateia de sua arquibancada de pé, entortando o pescoço para ver além da cerca verde às suas costas. Na troca de quadras, Willy murmurou para uma espectadora da primeira fila:
— Por que toda essa comoção?
— Não sei o que ele está fazendo aqui, mas tem um tenista do top 100 atrás de você. O nome dele é Over-sei-lá-o-quê. Ele é incrível! — a mulher sussurrou: — Espero que ainda tenha lugar na arquibancada. Boa sorte! — Acenando, ela passou para o outro lado da cerca.
Instantes depois, todos os espectadores que estavam na quadra de Willy tinham ido embora ou subido até o topo da arquibancada para conseguir uma visão melhor da partida de Oberdorf. Diminuída, Willy desperdiçou a vantagem que tinha. Mesmo com a esposa eliminada, Eric teve de jogar pelo resto daquele torneio sórdido, e isso o deixou aborrecido. Sem saber mais o que fazer, como presente de aniversário atrasado Eric mandou a esposa para um psicólogo esportivo.
* * *
— POR QUE VOCÊ quer jogar tênis profissionalmente?
— É só o que eu quero desde os 5 anos.
— Isso não é resposta… E você não precisa se deitar, a não ser que esteja cansada.
O psicólogo era estrábico. Quando a pupila esquerda se voltava para a janela por iniciativa própria, parecia ansiar pelo dia de verão e pelos jogos de beisebol no Central Park. Porém, só aquele olho tinha um gosto evidente por esportes, e ela se perguntou o que o teria levado a se especializar naquela área. De cintura rotunda e braços finos, o dr. Milton Edsel não parecia se entregar a nenhuma atividade mais vigorosa que croqué. Ela não conseguia descobrir de onde era seu sotaque; na verdade, seu inglês bem articulado parecia estrangeiro exatamente pela falta de sotaque. Imigrantes instruídos eram cautelosos com a língua que pegavam emprestada, assim como um livro da biblioteca que relutariam em estragar.
— Talvez haja uma atividade na vida de todos que expressa quem eles são… que define quem eles são — especulou Willy. — Talvez para algumas pessoas seja a dança ou a pintura; talvez seja só a reflexão. No meu caso, é o tênis. Na primeira vez que entrei em contato com uma bola, me senti em casa.
— Mas nada no que você descreve explica por que você tem de se sustentar jogando tênis. — A abordagem terapêutica dele, ela deduziu, era ser completamente obtuso.
— É o que o Eric diz — resmungou Willy. — Mas me explica uma coisa: estou te pagando para me convencer a abandonar minha profissão?
— Me preocupa que você diga que “é” o tênis. Talvez neste caso o esporte tenha uma importância excessiva.
— É o que o Eric diz — Willy rosnou de novo. — Ele acha que levo meu ranking para o lado pessoal. Que o vejo como se fosse minha classificação como pessoa.
— E é verdade?
Confusa, Willy também olhou pela janela.
— É. E não é — ela levantou a mão. — Sem sermão. A WTA me classifica a respeito de tudo o que eu gosto em mim mesma.
— Você gosta de si mesma?
— Não quando jogo mal.
— Por que você acha que joga mal?
— Por que não gosto de mim mesma? — ela postulou com sarcasmo. — Belo círculo vicioso, mas não é só isso.
— Seu ranking já foi…?
— Duzentos e catorze. Meu treinador alega que eu devia ter continuado a subir; que eu tinha capacidade de ser bem lucrativa. Mas ultimamente o Max me descreve no passado.
— O que você acha que aconteceu?
— O Eric aconteceu.
— Você menciona seu marido com frequência.
— É o que o Max diz.
— Os outros estão sempre te dizendo alguma coisa. Eu quero saber o que você pensa. Por que você está aqui?
— Porque meu ranking é um escândalo. Eu treino, eu jogo muito bem; eu começo uma partida, e eu empesteio o ambiente. Há dois anos que meu jogo é um lixo.
— Você gosta de falar mal de si mesma. Sua voz… há nela certa alegria.
— Autodestruição é um dos únicos prazeres que me resta — resmungou Willy. — Sei que não faz sentido, mas entreguei a afeição que eu tinha por mim mesma a outra pessoa.
— Você quer dizer que se apaixonou?
— É a maneira mais convencional de descrever isso — ela grunhiu. — Sofri uma lesão terrível no joelho há dois anos. Tem gente que acha que foi aí que meu problema começou. Eu acho que começou no torneio anterior, o Chevrolet. Foi no dia em que meu marido me ultrapassou numericamente. Ambos fomos para a final. Ele ganhou. Depois disso, eu tive um bloqueio. Um bloqueio no qual você nem acreditaria.
Enfim, Edsel abriu um sorriso.
— Não se esqueça de qual é a minha área. Eu acreditaria, sim.
— Fiquei tão grata quando me casei. Eu praticamente nunca tive namorado, e estava me sentindo sozinha. Meu treinador… — ela decidiu pular esta parte. — Digamos que eu queria que meu treinador agisse como meu treinador. Que ele amasse o meu jogo.
— Você também queria que seu marido amasse o seu jogo? Já que, pelo que você diz, sra. Novinsky, você é seu jogo?
— Acho que sim. E agora eu o decepcionei.
— Ele te disse isso?
— Não, eu… tudo bem, eu decepcionei a mim mesma. Ele fala que não importa se eu ganho ou não, que ele me ama por aquilo que sou…
— Você fala num tom sarcástico.
— Estou sendo sarcástica. O que eu sou sem o que eu faço? Não sou quem eu era quando estava vencendo, dr. Edsel. Eu virei uma merda completa. E parece loucura, mas me sinto traída.
— Por você mesma?
— Pelo Eric. Ficava feliz de ter um homem que entendia meu tipo de vida, mas não esperava um companheiro que, quando comparado a mim, me faria parecer um cocô.
— Talvez eu não tenha compreendido. Você acredita que, se o seu marido perdesse as partidas dele, sua classificação melhoraria? Vocês dois estão em rankings diferentes — Edsel tornava a se utilizar da idiotice beligerante.
— Como evitar que eu me compare com o tenista com quem eu divido a cama? E olha, o Eric é incrível. Quando nos conhecemos as jogadas dele eram horríveis, ele mal conseguia manter a bola dentro da quadra. Mais ou menos um ano depois, eu estava morando com um McEnroe. Ou, se me dá licença, um Stefan Edberg — ela acrescentou secamente: — O Eric acha que o McEnroe era grosseiro.
— Você me disse que ele é o número 58. Não é nenhum McEnroe. Você exagera a habilidade de seu marido?
— Talvez. Um pouco.
— Deixando de lado o fato de que ele é homem e bate na bola com mais força, você acha que o talento dele é muito maior que o seu?
Willy se empertigou na cadeira e levantou a cabeça.
— Não. Não, não acho. Se eu conseguisse superar minha loucura, teria pelo menos tanto talento quanto ele.
— Você compreende que não importa. A capacidade dele não tem nada a ver com a sua.
— Sim, racionalmente, faz todo o sentido — Willy estava começando a se zangar.
— Mas o que há de errado em ser racional?
— Dr. Edsel, você não entende! Eu passei a desprezar meu marido! E não é justo! Ele faz tudo o que pode por mim! Ele é um homem íntegro!
— Entendo. Então não só ele é um John McEnroe, como também é um exemplo em outros aspectos. Talvez eu deva conhecer esse marido. Acho que nunca conheci alguém tão perfeito.
— Pare de me ridicularizar. Ele pode não ser perfeito, mas não merece a pessoa que eu me tornei. Odeio o Eric, odeio a mim mesma, eu odeio até…
— Prossiga.
— O tênis — Willy abaixou a cabeça. — Talvez seja por isso que eu esteja sendo castigada.
— Você usou a voz passiva.
— Parece algo que meu pai diria.
— Você gosta do seu pai?
— Ele é um homem frustrado. Quer que as filhas também sejam frustradas. Imagino que essa seja a versão doentia que ele tem de intimidade.
— Da mesma forma como você quer que seu marido fique frustrado contigo. Por que você não consegue imaginar uma relação em que os dois sejam bem-sucedidos?
— Bela fantasia, mas não serve de nada. Você tem alguma noção de como é ver a pessoa com quem você vive conseguir tudo o que você deseja? Dinheiro, troféus, aplausos, um futuro… enquanto eu me afundo em dívidas. Como você se sentiria se fosse exonerado, ou seja lá o que acontece a vocês, enquanto sua esposa vai para o consultório todos os dias e ganha algumas centenas de milhares por ano como terapeuta esportiva?
— Sortudo. Nosso financiamento da casa própria ficaria em dia.
— Mas você se sentiria homem?
— Você gostaria de se sentir homem?
— Claro que sim. Toda mulher que é boa no que faz gostaria.
— Eu acho — ele sorriu pela segunda vez — que você é uma ótima jogadora.
— É o que o Eric diz — ela resmungou. — Só que os elogios dele me soam condescendentes. Parecem ofensas.
— E as ofensas dele devem soar como ofensas. Portanto, tudo que sai da boca de seu marido te ofende.
— Nossa, não deve ser delicioso ser casado comigo?
— Seu pai te pressionou muito?
Willy bufou.
— Meu pai não me pressionou nem um pouco. Quando eu era nova, isso me deixava com raiva, e meu objetivo era provar que ele me subestimava. Agora me pergunto se ele não plantou uma semente de dúvida que virou uma árvore na minha cabeça. Hera venenosa.
— Hera venenosa é um arbusto.
— Agora você está falando que nem o Eric. Ele é tão pedante.
— É a primeira coisa negativa que você diz a respeito de seu marido. E se você o “odeia”, deve pensar coisas horríveis sobre ele com certa frequência.
Willy esfregou a testa.
— Eric não tem culpa de ser um prodígio no tênis. Quando penso coisas cruéis a respeito dele, sinto vergonha. De qualquer forma, eu sou a culpada por minha derrocada no ranking. A única coisa que o Eric fez foi se casar comigo.
— Você fica assustada porque em algum momento não vai poder mais jogar tênis profissionalmente?
— Claro. Daqui a uns meses eu posso simplesmente sair do ranking, o que para mim significa desaparecer do mundo.
— Você disse que sofreu uma lesão grave há dois anos. E se o acidente tivesse sido pior? Já que você “é” o tênis? E se você nunca mais pudesse jogar? Como você teria lidado com isso?
— Mas não foi pior — ela declarou, exaltada. — Eu estou bem.
— Tenho certeza de que está — Edsel disse para tranquilizá-la. Embora olhasse para o próprio colo, mantendo o decoro, o olho esquerdo girou para encará-la, como se fosse capaz de enxergar coisas que o olho bom não veria. — Mas ainda que coloquemos sua carreira nos trilhos outra vez, você vai se deparar com essa muralha daqui a poucos anos.
— Tenho consciência de que a aposentadoria precoce no tênis é inevitável, e abandonar o circuito seria difícil para mim mesmo na melhor das circunstâncias. Eu só quero deixar essa parte da minha vida para trás com alguma coisa, entende? Tênis é a única coisa que me interessa. Se eu fizesse papel de boba nesse campo, eu preferiria… morrer — ela virou o rosto, constrangida.
O terapeuta manteve a serenidade.
— Literalmente?
— Alguns dias. Você me acha infantil — como Edsel não enfrentou a acusação, Willy fechou a cara. — Eu sou infantil. Saber disso não me torna nem dez minutos mais madura.
— Tênis é a “única” coisa que te interessa. Você não se interessa também por seu marido?
— Sim — ela respondeu com impaciência —, mas não vou me sujeitar ao casamento sob hipótese alguma, então talvez eu não me interesse o bastante por ele. Quando nos conhecemos, pensei que o Eric serviria de alívio para as pressões do circuito. Agora não é só a minha carreira que está em jogo quando entro em quadra, mas também o meu casamento. Ele não é um porto seguro; é uma pressão a mais para que eu prove minhas habilidades. Foi por isso que eu tive o bloqueio no Chevrolet. Pode parecer que não, já que hoje em dia eu sou uma desgraça, mas sou uma mulher orgulhosa, dr. Edsel. Não faço o gênero de dona de casa. Detesto cozinhar e fazer faxina, e a perspectiva de virar uma idiota servil enquanto meu marido fica famoso me deixa com ânsia de vômito.
O olho vesgo de Edsel vagou em sua direção e para variar as duas pupilas ficaram em sincronia. Naquele olhar coeso brilhou uma afeição embrionária.
— Deixa eu ver se entendi direito. Seu apreço por si mesma depende do tênis, já que você “é” o tênis…
— Gostaria que você parasse de repetir isso. Soa ridículo.
— É mesmo? — ele perguntou inocentemente e puxou o dedo seguinte. — Seu casamento está em jogo… está na linha de fundo. Sua relação com seu treinador depende, pressuponho, de seu desempenho?
Willy ergueu o queixo.
— É uma relação profissional.
O olho vesgo se voltou para ela de novo.
— E você não é próxima de sua família? Ou melhor, você só é capaz de suportar a expectativa deles por sua queda quando você já demonstrou que não é um fracasso?
Ela entrara ali jurando que manteria a dignidade por meio da discrição, mas Walnut Street vinha povoando seus pensamentos.
— Minha irmã, Gert, passou os últimos dois anos esfregando as mãos que nem uma criança gananciosa prestes a receber uma herança. Parece que o fato de que a arrogante aqui caiu de bunda a redime de sua existência ajuizada. Minha mãe está esperando que eu rasteje de volta para o útero, que é o lugar que me cabe, ou melhor: que eu dê logo entrada no Golden Autumn e babe pelos corredores para que ela possa enxugar meu queixo e me dar ervilha amassada de colherzinha. Meu pai… me criou à própria imagem, e ficou horrorizado quando reconheceu a própria credulidade na minha. Desde então ele pisa nela em vez de pisar na dele mesmo. Como você se sentiria se tivesse de entrar neste ninho de ratos com um ranking de 902?
Edsel ainda estava com os dedos que usara para enumerar você mesma, seu casamento, seu treinador e sua família empurrados para trás com o indicador da mão oposta.
— Você tem poucos amigos?
— O tênis exige muito, eu…
— Sem amigos — Edsel avaliou os dedos com o olho bom. — O que mais te resta?
— Qual é o sentido disso?
— Tudo na sua vida, segundo você, depende do seu sucesso no tênis. Em suma, não só o seu bloqueio em um torneio específico não me surpreende como fico bobo de que você sequer consiga passar a bola por cima da rede.
Willy encarou o psicólogo; não sabia o que pensar dele.
— Você está zombando de mim?
— Você zomba tanto de si mesma que é só o que enxerga por todos os lados — Edsel enfiou o lápis na espiral de seu caderno. — Sua situação não é incomum. De um modo geral, as mulheres são mais emotivas que os homens no campo dos esportes. Isto é ao mesmo tempo uma força e uma fraqueza. Na verdade, forças muitas vezes se convertem em fraquezas, e precisamos ver se as suas podem ser revertidas ao que eram antes. A autocrítica te ajudou a estabelecer padrões elevados para si mesma, mas agora o chicote está fora de controle e te arrancando a pele. Comparar-se com os outros serviu de estímulo no passado, mas agora faz com que você se sinta imprestável. E talvez uma parte de você queira ver Eric como seu superior. Em todo caso, homens não gostam de ser ofuscados, nem nos anos 1990. Quando amamos alguém sentimos uma vontade torturante de fazer o que a pessoa deseja. Talvez você esteja perdendo de propósito, como um favor ao seu marido, você não acha?
— Não sou altruísta, dr. Edsel. Acho essa teoria completamente inacreditável.
— Foi uma ideia à toa. Ou talvez você esteja sofrendo um curto-circuito. Todos os tenistas são seus inimigos; seu marido é seu amigo; seu marido é tenista. Não encaixa. Entendo muito bem como sua mente poderia pegar fogo.
— Será que o Eric — Willy batucou os dedos no sofá — teve um papel nisso?
— Claro que teve, mas em que sentido você está falando?
— Eu me questiono se ele teria chegado tão longe se eu não tivesse aparecido. Se eu não o inspirei a me derrotar.
— Essa pessoa que você está descrevendo não é nenhum modelo de virtude, mas sim um homem sanguinário, competitivo e até mesmo destrutivo.
— Sim — ela disse alegremente. — Igual à esposa dele.
— Vou te passar uma tarefa — anunciou Edsel, deixando o caderno de lado. — Quero que você jogue por lazer. Você deve ter feito isso quando era criança. Foi uma época boa?
— A melhor.
— Tente se lembrar de como você se sentia naquela época. A vibração das cordas da raquete em suas mãos. Quando você jogar a bola para fora, curta tê-la jogado para fora. Pois você acha que se sente “em casa” dentro de quadra hoje em dia?
— Pelo contrário, me sinto banida.
— Vá para casa — ordenou dr. Edsel, e Willy se levantou para ir embora.
Ele tocou no braço de Willy quando ela se dirigia à porta.
— Acho que você tem que decidir por que está vindo aqui. Você quer salvar sua carreira ou seu casamento?
— A esta altura? Se eu salvo um, salvo o outro.
— Talvez você deva tentar descasar os dois.
— Descasar é uma palavra agourenta, dr. Edsel.
— E se eu lhe dissesse que você não vai conseguir salvar sua carreira no tênis sem desmanchar seu casamento?
Willy empalideceu.
— Talvez eu procure outro terapeuta.
— Não se assuste: foi uma pergunta hipotética. Por enquanto, vá jogar por diversão. Se você não estiver se divertindo, pare e tente outro dia.
Willy seguiu pelo corredor.
— Sra. Novinsky — ele disse baixinho, junto à porta. — Você está mancando.
* * *
— WILLY, O QUE houve? Meu bem, você está chorando!
Willy separou as mãos, que lhe cobriam a boca.
— Eu fiz… — ela parou para tomar fôlego; o ar chiou.
— Devagar — Eric pegou um Kleenex.
Willy permaneceu de olhos fechados, e como a cegueira não lhe garantiu privacidade suficiente, ela virou o rosto para a parede. Precisava se concentrar para conseguir falar, e sua pronúncia foi precisa, assim como a de Milton Edsel.
— Eu fiz minha “tarefa”. Fui ao Riverside para me divertir.
— Você não parece ter feito seu dever de casa direito.
— Joguei contra o Randy, lembra dele?
— Aquele dos cordões dourados? Que não joga nada, e é só garganta.
Willy gemeu:
— Eu perdi.
— Você está brincando. — Eric marcou outra sessão.
* * *
— VIVEMOS NUMA CULTURA de celebridades. Mas poucos alcançam a fama. Como você acha que tantos anônimos conseguem administrar isso?
— Não tenho a mínima ideia — Willy já havia ponderado sobre a questão. — Toda essa administração me deixa desconcertada. Edsel, você está tentando me convencer a desistir de novo?
— Talvez você tenha que se permitir desistir para seguir em frente. Se você continuar equiparando fracasso à morte… a morte de tudo que importa para você, a morte de seu casamento… essa ideia vai apavorá-la e levá-la ao bloqueio. De alguma forma, um monte de outras tenistas se adapta a uma vida que ficou, muitas vezes, desesperadamente aquém de seus objetivos. Nem todas elas se tornam esposas robóticas ou suicidas, tampouco se divorciam.
— Você está falando igual a minha mãe: “Não tenha muitas esperanças.”
— Tenha esperanças, mas não ponha tanto em risco.
— Arriscar tudo era o que caracterizava meu jogo. Sempre me entreguei de corpo e alma. Meus pais se protegem esperando o fracasso… eles, digamos, fracassam por antecipação, como se isso suavizasse o golpe. O que não é verdade. Já te contei sobre o jantar que eles fizeram para mim quando ainda estava no colégio? Quando entrei para as finais do New Jersey Classic e meus pais não puderam ir?
— Não puderam ou não quiseram?
— Eles sempre davam uma desculpa. Reuniões de departamento, alguém que teve uma parada cardíaca no asilo. Simplesmente nunca alteravam a rotina deles. Mas prometeram que a gente “comemoraria” naquela noite. Bom, eu venci. Entrei em casa cheia de gás, sabe? E minha mãe estava servindo o jantar. Um ensopado de atum insosso com um macarrão molenga e creme de espinafre. Banana e manjar de sobremesa. Fiquei péssima.
— O que você esperava?
— Filé! Champanhe! Bolo! Era um jantar de vitória!
— Como seus pais iriam saber que você tinha vencido?
— Esta é a questão, Edsel. Minha mãe preparou a mesma comida que ela serve no asilo: sem gosto, sem cor e reconfortante. Ela fez um jantar de consolação. Então tive um acesso de raiva e ela chorou. Independentemente de quantos troféus levasse para casa, eles sempre preparavam o lenço para quando eu chegasse em lágrimas… Por que você está sorrindo?
— Porque você consegue enxergar a derrota até num ensopado.
— Vá direto ao ponto e diga: eu sou doida.
O olho desgarrado apontou para o teto, mas o bom tentou consolá-la.
— Talvez sua mãe só conseguisse demonstrar quanto te amava através do conforto. É difícil se sentir próximo dos vitoriosos. Eles não parecem precisar de simpatia.
— É solitário estar no topo? — Willy indagou com petulância. — Pergunte ao Eric.
— Vamos voltar à sua tarefa. Você achou que seria fácil, certo?
— Ah, eu simplesmente aproveitei mais uma oportunidade de fracassar em alguma coisa. Nem consigo me divertir.
— Eu falei para você parar se começasse a ficar chateada.
— Eu estava no meio da partida, Edsel. O que eu podia fazer? Falar para o Randy: “Me desculpe, mas estou começando a me odiar e meu psicólogo disse que eu tenho de parar?” Dá um tempo.
O olho vesgo afundou, apontando para a bochecha, entristecido.
— Você costuma se descrever usando termos que fazem sua situação parecer cômica. Mas não te vejo rir.
— É cômico! Edsel, eu leio o jornal. O primeiro caderno inteiro, genocídio no mundo muçulmano, africanos matando uns aos outros. Essas pessoas têm problemas de verdade. E enquanto isso eu me debulho em lágrimas porque não ganho um torneio de tênis. Minha carreira não é nada diante desse quadro global, não tem relevância nem para o jogo. Outras mulheres com bons slices de backhand vão tomar o meu lugar. Eu penduro as raquetes? Grandes coisas.
— Pôr sua situação em perspectiva não parece animá-la.
— Detesto autocomiseração — Willy resmungou. — O que só faz com que eu sinta ainda mais pena de mim mesma.
— Quando uma moça tenta com todas as forças obter o que mais deseja e suas aspirações são frustradas, você não acha que a história dela também é um pouco triste?
— Não sei — admitiu Willy, as mãos atrás da cabeça. — Em todos os romances que leio, o herói prevalece. Ele enfrenta obstáculos, é claro, senão não haveria livro. Mas no final é sempre Rocky. Ninguém escreve sobre as pessoas que ficam para trás. Então continuo esperando um dia virar a página da minha própria vida e ver que no último capítulo tudo acaba bem.
Edsel se levantou e revirou as prateleiras, voltando com um exemplar surrado de Judas, o obscuro.
— Leia uns livros antigos — ele recomendou. — A era atual não combina com seu estado de espírito.
— Thomas Hardy? Meu pai adora.
— É — Edsel sorriu. — Eu já imaginava.
* * *
AS SESSÕES COM EDSEL não remediaram a ansiedade de Willy, e sim levaram-na ao ápice. Em meados de julho ela participava do New Jersey Classic, sediado no velho terreno de Newark onde competira quando era júnior. Talvez isso a tenha irritado tanto. Afinal, era humilhante passar pelo qualifying se já tinha vencido o torneio seis anos antes.
Ninguém dava atenção às partidas de qualificação, mais um motivo para a dificuldade de se concentrar sem interrupção. Enquanto tenistas tagarelas passeavam pelas arquibancadas, Willy perdeu no tiebreak do terceiro set, por 15-13. Ela arremessou a raquete no microfone, quase acertou o juiz, e o som do aro batendo contra a rede foi amplificado pelos alto-falantes e pareceu uma pequena explosão nuclear. Advertida por “conduta grosseira”, Willy teria ganhado uma falta se já não tivesse perdido. Eric estava presente para dar apoio moral, o que foi uma lástima. Ele ficou branco como giz e não lhe dirigiu a palavra durante a viagem de trem de volta para casa.
Tudo bem. Sim, ela tinha perdido a cabeça. Sim, ou até certo ponto, ela se arrependia. Sim, foi feio atirar a raquete no juiz, gritar palavrões em público, e sim, ela sabia que Eric ligava para as aparências.
Mas não estava simplesmente arrependida. Antes daquela época difícil, Willy pensava pouco na gestalt brutalmente desagradável do bom perdedor. Os vencedores, claro, deviam ser gentis, mas a cortesia caía no círculo do campeão assim como o maná do céu. A gentileza da própria Willy após o triunfo — enaltecendo a luta justa, a maestria da adversária — só contribuíra para a sua glória; quanto maior o adversário, mais nobre o campeão. E veja: depois de provar sua superioridade como atleta, provava também ser generosa! A cortesia era sempre sincera; Willy só poderia ser grata a uma antagonista que cooperara tanto entregando o último ponto. Era tão fácil amar o inimigo quando ele fora derrotado que bom vencedor nem é uma expressão oportuna.
Mas o que era arrancado do vencido? Ele não poderia chorar, xingar ou fugir. Enquanto campeões poderiam se entregar ao instinto — à generosidade irrestrita e ao entusiasmo —, o derrotado era obrigado a conter todos os seus impulsos. Perder, afundar em uma onda de desalento e ódio de si próprio, já não era (era) ruim o suficiente? Não, uma segunda submissão aguardava após o jogo. Willy fora compelida a fazê-lo no Chevrolet: comentar a genialidade daquela vaca gorda enquanto elucidava as próprias deficiências, prestando homenagem à última pessoa na face da terra a quem tinha vontade de elogiar. Forçar os derrotados a demonstrar uma generosidade genuína — isto é, generosidade a certo custo — era como pedir aos necessitados uma boa doação para a caridade. O bom perdedor é um mentiroso que mostra consideração, que disfarça bem suas verdadeiras emoções e, portanto, poupa a todos do dissabor físico de suas cólicas intestinais, das obscenidades que lhe passam pela cabeça, dos espasmos em seu coração. Que custo teria para Eric e para aquele punhado de espectadores perdoar uma breve demonstração de ressentimento e umas poucas e merecidas imprecações?
A cortesia exigida do derrotado era uma paródia para os derrotados que existiam por todos os cantos, que mereciam tanto a emancipação quanto os que viviam confinados à cadeira de rodas ou os obesos. Como Edsel frisara, o mundo estava cheio de perdedores. Quantos indivíduos promissores galgavam o ápice de suas profissões? A grande maioria afundava, então, por que não havia um porta-voz para os profissionais de segunda categoria, os segundos colocados, os penúltimos, a horda abatida? Ninguém defenderia seu direito de arremessar a raquete? Ao longo da viagem de volta, Willy sabia que devia se desculpar. Sua recusa era um manifesto político.
* * *
— VOCÊ SÓ SE interessa pela maneira como me comporto — disse Willy, jogando blusas dentro da mala. — Não importa como me sinto, contanto que eu não te envergonhe. Eu não consegui ganhar cinco match points, dois dos quais eu desperdicei com dupla falta. Que ser humano normal não gritaria?
— Qualquer adulto maduro com um pouquinho de autocontrole. — Era uma diferença antiga, insolúvel: Willy dava valor à sinceridade, Eric ao decoro. — Você me preocupa, Willy. Vivendo com a cabeça fora de órbita desse jeito. Você nunca tinha ataques em público.
— O que você sabe sobre a derrota? Você não tem noção de como me sinto! — ela declarou em meio a uma avalanche de meias. O número de vezes por ano que Willy e Eric se viam arrumando malas dava à relação uma textura tumultuosa, como se estivessem sempre fugindo, às pressas, para a “casa da mamãe”.
— Parece que o Edsel não está te fazendo muito bem. Quem sabe não é melhor a gente procurar outra pessoa.
— Típica solução americana. Buscar ajuda. E se o analgésico não estiver fazendo efeito, muda de marca. Bom, se isso te interessa, o Edsel é racional demais. “Então seu marido está prestes a participar do Aberto dos Estados Unidos e você não consegue passar do qualifying de um satélite; por que isso deveria ter relevância? Por que não ficar feliz por ele? E um montão de gente é um fiasco no que faz, o que te torna tão especial assim? Bem-vinda ao clube!”
— Certo. E o que o Upchuck fala, então? Pois imagino que é para lá que você está indo.
— Ao menos ele entende…
— Aquele sujeitinho asqueroso não está dividindo sua agonia. Ele vê que a gente está com problemas e está dando pulos de alegria. Já que obviamente você vai para o Wetspot e abre o seu coração. Mas ele não dá a mínima para a sua carreira!
— Então quem dá?
— Eu dou!
— Quem foi que investiu nela, literalmente? O Max!
— Mas o que ele está comprando? — Eric esbravejou. — Ele está pagando pelo seu corpo, Willy. Pronto para dar o bote…
— Você não consegue acreditar que alguém ficaria do meu lado por me achar talentosa?
— Willy, você está em 924 no ranking, ele investiu milhares de dólares em você nos últimos dois anos e ainda paga seu plano de saúde, financia as passagens de avião e sua hospedagem nos hotéis, isso sem falar que ele te deixa usar a academia dele…
— Escola.
— Escola, com acesso permanente a um quarto no alojamento que ele poderia dar a algum cliente mais jovem e mais lucrativo.
— Por que você está fazendo isso? Não sou um desastre grande o suficiente? Você ainda tem que me destruir um pouco mais com suas próprias mãos?
— Porque estou cansado de ser conivente com uma piada feita totalmente às minhas custas. Ele está me fazendo de bobo, Willy. Não tenho de ficar quieto, aguentando essa humilhação, só porque você está enfrentando dificuldades. Por que ele gastaria toda essa grana com você? Quando ele é o treinador mais famoso na Costa Leste e pode escolher um dos jogadores do top 200, que recompensaria a atenção dele com dinheiro? A esta altura, como você planeja ressarcir o cara?
— Obrigada — disse Willy, fechando a mala. — Não só sou um zero à esquerda, um buraco negro que engole dinheiro, como também sou uma piranha.
— Você está é vulnerável. Ele vê que você está fraca, que você e eu brigamos muito e que se outro homem enfiar a mão debaixo da sua blusa você vai se sentir desejada. Mas eu desejo você. Isso tem de bastar. Estou avisando: não dou a mínima se você está em 5.007 no ranking. Mas pode me chamar de antiquado, não vou ser feito de corno. Tive um monte de oportunidades na estrada e te poupei dos detalhes porque eu nunca, jamais considerei a hipótese de pular a cerca. Então eu volto para cá e você nem é capaz de enxergar quais são as verdadeiras intenções daquele velho nojento de Connecticut. É impossível não me perguntar em quais cantadas mentirosas você não cairia.
— Você está enganado, totalmente enganado… O que você está fazendo?
— Só checando uma coisa — ele estava revirando o armário debaixo da pia, onde Willy guardava o diafragma.
* * *
QUANDO WILLY ENTROU na biblioteca, estava tarde, as luzes estavam apagadas. Pressupôs que Max já tivesse encerrado o dia, mas viu a luz fraca da salinha de vídeo refletida nas prateleiras da parede oposta. Willy caminhou devagar, tomando o cuidado de não esbarrar nas mesas de leitura, e encontrou Max sentado diante da tela, o uísque na mesa ao lado e o controle remoto na mão. Parou atrás dele para assistir ao vídeo: tênis.
— Ela é fantástica — comentou Willy. Ele não tinha se mexido desde que ela entrara ali, mas não tomou um susto quando ela falou.
— Não é? — concordou Max, ainda concentrado na fita. — Graciosa, ágil, inventiva. E linda. Pequena mas totalmente proporcional. Que fogo essa mulher tem.
— Nova aquisição?
— Antiga. Mas uma de minhas melhores — Max se virou e ergueu a sobrancelha ao ver que o brilho do aparelho distorcia as feições dela. Abriu a boca, admirado. — Você realmente não está se reconhecendo, não é?
— Essa sou eu?
Max riu.
— Você está mal. Está com ciúme de si mesma — ele apertou o botão de pausa; o rosto de Willy congelou numa careta. Max rebobinou e reprisou o ponto. — New Freedom; levei a câmera. Você estava quilômetros à frente das adversárias. Elas não chegavam nem a seus pés.
— Eu também não chego mais aos meus pés, não consigo nem amarrar meu tênis.
— Ainda bem que existe o velcro. Aceita uma bebida?
— Claro.
— O que a traz aqui a esta hora? — Max acendeu o abajur do canto habitual e destrancou o armário de bebidas.
— Está tudo bem? Está feliz em me ver?
— Estou — ele aproveitou a oportunidade para tocar de leve em seu pescoço. A mão dele estava quente.
— Me saí mal.
— Qualifying do New Jersey? — ele lhe entregou uma dose de uísque do tamanho de um suco de maçã.
— Tiebreak longo; uma devolução sem peso que eu devia ter batido com força — ela deu de ombros, acostumada a abreviar desastres demorados. — Eu quis dizer que me comportei mal. Tentei decapitar o juiz com a raquete. Meu linguajar foi pouco educado. Eric ficou furioso. Faz diferença?
— Sempre achei seu temperamento magnífico. Pena que perdi essa — ele bateu seu copo contra o dela num brinde, e ambos se estatelaram nas poltronas perpendiculares.
— Max… — Willy umedeceu a borda do copo e passou o dedo pela circunferência. — Por que não sinto que estou competindo contigo?
— Minha época já passou.
— Você ainda consegue me fazer correr de um lado para o outro da quadra mesmo ficando parado. Por que você não me deixa com raiva?
— Resposta simples? Você não é apaixonada por mim — ele declarou com frieza. — Resposta complexa? — Max prosseguiu, já que ela não se apressou em corrigi-lo. — Temos uma hierarquia. Sou seu professor. Hierarquias mantêm a paz. Por que você acha que o índice de divórcios cresceu? O sistema antigo funcionava. Casamentos não eram relações de igual para igual porque a batalha estava ganha antes de sequer começar. Se você fosse uma esposa como a sua mãe, que diz “sim” para tudo, o Oberachiever jamais te irritaria. Você simplesmente ficaria grata pelos palpites bondosos dele. — Antes que Willy pudesse protestar, Max levantou a mão. — Pena que você não pode agir assim.
— Não entendo. Segundo você, se o Eric não me derrotasse, eu não o respeitaria. Ele me derrotando, eu não respeito a mim mesma. Como é que duas pessoas podem…?
— Em geral, elas não podem — Max declarou alegremente. — Só existem duas opções, Will: lutar ou se submeter. Você não se rende e ele ainda te derrota? — Max sorriu. — Talvez você acabe matando-o.
Willy se contorceu.
— Algum tempo atrás eu li uma matéria sobre o casamento de dois engenheiros. O marido foi demitido e não conseguia achar emprego. A mulher atuava numa área menos especializada e ganhava muito dinheiro. Foi o que ele fez, ele a matou. Contei essa história para a Marcella e para aquela turma, no vestiário. Todas mulheres. Elas simpatizaram com o cara. Mas na mesma conversa elas esperavam que eu estivesse morrendo de alegria pela carreira meteórica do Eric, e não com desejos homicidas. Como é que pode?
— Nada mudou — afirmou Max, enchendo o copo dela. — A subserviência da esposa ao marido ainda é considerada a regra. O contrário é anormal.
— Como foi que você conseguiu ficar dez anos casado? Você era famoso.
— O truque das laranjas e das maçãs. Fingir que é impossível comparar a profissão dos dois. O que é mentira, claro; outras pessoas o classificam, quer você queira ou não. No entanto, a Angela lidava com os meus torneios com uma complacência enorme. Ela tinha um negócio próprio de design… Eu nunca soube muito a respeito. E a Angela infernizava a minha vida quando a plateia ia para casa, o que nivelava bastante o nosso placar.
— Já tentei essa saída. Ela aumenta a diferença no placar. A vítima ganha pontos extras pela resignação.
— Você acha que o Oberjock iria aguentar suas entrevistas para a ESPN enquanto ele garantiria que no apartamento onde você nunca aparece sempre houvesse papel higiênico no banheiro?
— Em uma palavra? Não.
— Se você pudesse fazer um acordo com o diabo, trocaria de lugar com ele?
— Engraçado, eu fiz essa mesma pergunta a ele. Claro, eu trocaria 924 por 58 em um milésimo de segundo.
— Às custas de transformar seu marido em abóbora?
A hesitação de Willy foi insignificante.
— Sim.
— Que amor, hein?
— Sou jovem e egoísta.
— Eu não.
Ela o olhou de forma mais intensa e parou de brincar com o copo.
— Observar você nesses últimos dois anos tem sido tão… — Max ergueu a mão desocupada no ar, num gesto indefeso, depois recolheu-a. — Se Lúcifer me oferecesse o contrato, eu assinaria agora mesmo. Se eu pudesse, te daria meu álbum de recortes de presente.
— E você ficaria com o meu? De jeito nenhum.
Max pôs o drinque em cima da mesa e se ajoelhou aos pés de Willy.
— Você poderia ficar com o meu top 10. Eu gravaria seu nome na minha taça do All England. Não ligo.
— Você não vai conseguir me convencer de que não liga para o tênis.
Ele segurou sua mão.
— Não ligo para o meu tênis. Sou superior à ambição, menina. O que eu quero a ATP não pode me oferecer.
— A gente só quer aquilo que não tem — Willy lutou contra uma agitação crescente. — A grama é mais verde.
— Sua grama é muito verde, realmente.
Ele passou a mão em torno do pescoço de Willy e lhe deu um beijo. Ele já tinha feito isso antes, mas sempre recuara, fingindo que nada tinha acontecido. Dessa vez, não recuou. Aconteceu.
— Eu disse que a gente tem uma hierarquia, Will — Max sussurrou em tom rouco, a poucos centímetros de seu rosto. — Você acha que eu quis dizer que eu estou no topo. Não é o caso. Você está no banco do motorista desde os 17 anos. Então vá em frente. Me domine.
Ele puxou-a para si e beijou-a de forma mais intensa. Ao arrastá-la para o chão e imprensá-la contra o tapete, não pareceu a Willy que ele estivesse sendo dominado.