significado do símbolo

E nas zonas de tudo,

na candura de tudo, extremo, passa

certo mistério mudo

CRUZ E SOUSA, “ESQUECIMENTO”

Na lata do poeta tudo-nada cabe,

pois ao poeta cabe fazer

com que na lata venha caber

O incabível

GILBERTO GIL, “METÁFORA”

[…] da determinação para a indeterminação, sendo esta a determinação final de sua [Mallarmé] luta pela conquista do impreciso: a determinação da indeterminação.

MALLARMÉ, TRADUÇÃO: DÉCIO PIGNATARI

Vamos despir a experiência sígnica dos simbolistas, levantando os sete véus de Ísis em que eles a vestiram. A experiência é extraordinariamente concreta.

Mas eles a mitificaram, camuflando-a. Simularam-se hierofantes, celebrantes de um rito esotérico. Monges, praticantes de uma solidão aristocrática. Filósofos gregos, cultores de um saber imemorial.

O culto do oculto.

Que se esconde por detrás da parafernália simbolista? Que concreta experiência sígnica?

A chave dos Grandes Mistérios simbolistas é encontrada pela análise semiótica, ao nível dos signos.

A experiência simbolista consistiu, basicamente, na descoberta do signo icônico. Na capacidade de ler/escrever o signo não verbal.

Os simbolistas foram os primeiros modernos. Neles, a produção de textos poéticos se resolve em problemática do signo, resolução emblematizada no próprio nome-totem do movimento, o primeiro a ter nome semiótico.

O que os simbolistas chamaram de símbolo era, nada mais, nada menos, que o pensamento por imagens. Aquilo que as teorias modernas da linguagem chamam de ícone. O Oculto, que o curitibano Dario Vellozo cultuava, apenas (apenas?), a impossibilidade de traduzir o ícone com palavras.

Ícones dizem sempre mais que as palavras (símbolos) com que tentamos descrevê-los, esgotá-los, reduzi-los.

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Capa da revista simbolista Hórus. Muito rico visualmente o mundo dos
simbolistas brasileiros: revistas do movimento são as mais bonitas que o
Brasil já vira. Na paginação. No desenho das capas. Na diagramação. Naquilo
que se chama, hoje, “consciência icônica”. Aqui, os quase arábicos arabescos
compõem uma dinâmica simétrica em torno das letras (título na horizontal,
data na vertical), como se atraídos ou repelidos por elas. No nome da revista,
os arabescos se apossam da forma das letras, deformando-as, através de
intervenções como que vegetais.

 

Não verbal, o ícone nunca é exaustivamente coberto pelas palavras, restando sempre uma área transverbal, uma mais-valia, um sexto sentido além das palavras. Os simbolistas intuíram essa terra-de-ninguém-que-seja-palavra. E, nela, plantaram sua bandeira.

Daí, seu célebre “amor ao vago”.

O problema do texto poético simbolista é a programação do indeterminado, a “determinação da indeterminação”.

À luz do verbo, todo ícone é inesgotável. Nem com todas as palavras do mundo se pode esgotar a abertura, o plural, a multivalência semântica de um desenho, um esboço, uma foto, um esquema, uma rima (ícones). As palavras estarão sempre aquém, sempre menos; além, um campo de possíveis, “oculto”, “mistério”, “inefável”.

“Mistério” é palavra grega, de um radical que significa “fechar a boca”. Só há mistérios para o código verbal.

Cinco sentidos, cinco códigos.

A consciência icônica inovadora do simbolismo não se revela apenas na iconização do verbal, como na grafia fantasista da palavra “lírio”, grafada pelos simbolistas como “lyrio”, a letra Y funcionando como ícone (desenho) da flor/referente. Revela-se, ainda, na revolução que associamos às Correspondances de Baudelaire ou ao soneto das vogais de Rimbaud.

No poema de Baudelaire, a natureza “é um templo”, onde o homem passa “através de florestas de símbolos” e “os perfumes, as cores e os sons se respondem”.

Rimbaud, por sua vez, atribui cor a cada som vogal, numa fonética cromática, aparentemente arbitrária, fútil e gratuita.

A — branco.

  O — preto.

    U — roxo.

      I — vermelho

        e

          E — verde.

Sim, toda vogal tem um aroma e uma cor,

Que sabemos sentir, que poderemos ver de

Cima do Verso, de dentro do nosso Amor.

PETHION DE VILAR, 1901

Esta intersemioticidade sensorial, explicitada por Baudelaire, nas Correspondances, incorporada pelo programa simbolista, ocorre em plano trans, infra ou ultraverbal, no plano icônico, no plano do Mistério e do Oculto, para quem olha os signos com telescópios verbais.