a grande guerra

 

 

 

 

 

Tecnológica, portanto, militarmente, a Rússia de Nicolau II não tinha a menor condição para enfrentar os chamados Impérios Centrais, a Alemanha prussiana do kaiser e o Império Austro-Húngaro.

Mas a guerra veio, a partir de um incidente isolado, o assassinato do arqueduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, por um jovem terrorista sérvio (iugoslavo), na cidade sérvia de Sarajevo (28 de junho de 1914).

Foi em 1914 que acabou o século XIX e começou o XX.

Desde o fim das guerras napoleônicas, em Waterloo (1815), a Europa conhecera um raríssimo século praticamente sem guerras de grande monta. De 1815 a 1914, a Europa, sempre teatro de guerras contínuas, desfrutara de um século de paz, excetuados conflitos localizados ou periféricos: a luta pela unificação da Itália, conflitos nos Bálcãs entre turcos, búlgaros e sérvios, ou a guerra franco-prussiana (1870-1), confrontação de exércitos, com poucos danos à população civil.

Nesse século, a burguesia europeia pôde consolidar seu poder. A ciência e a técnica se desenvolveram extraordinariamente. As instituições burguesas, nascidas da Revolução Francesa, pareciam ser o próprio sinônimo de civilização. A classe operária, filha da Revolução Industrial, aos trancos e barrancos, descobria seus canais de luta, conquistava espaços, assegurava direitos, alargava sua humanidade e seu acesso aos bens da civilização. E o imperialismo colonialista ia bem, obrigado, na África e na Ásia.

A guerra de 1914 caiu como uma bomba nesse Shangri-lá.

Não é de simples leitura o espectro das causas da Primeira Guerra Mundial. Aí entra, sobretudo, a disputa de mercados pela indústria inglesa, mais antiga, e a emergente indústria alemã. Os conflitos do capital internacional e os problemas das minorias nacionais oprimidas pelos grandes impérios. O espírito de revanche da França contra a Alemanha, que a derrotara em 1871.

No fundo, uma guerra de imperialismos, de expansionismos antagônicos, de rivalidades comerciais e conflitos de fronteiras.

Mas o que levou a Primeira Guerra a suas dimensões mundiais foi o complexo e delicado sistema de alianças em que se equilibrava o chamado Equilíbrio Europeu.

Na Primeira Grande Guerra, defrontaram-se, de um lado, a Tríplice Entente, Inglaterra, França e Rússia, do outro, a Tríplice Aliança, entre os Impérios Centrais, a Alemanha e o Império Austro-Húngaro.

A Itália lutou ao lado da Entente. Assim como o Japão, a primeira nação asiática a entrar numa guerra que era essencialmente europeia.

E, por fim, os Estados Unidos da América: pela primeira vez, uma nação da América declarava guerra e mandava exércitos para lutar em solo europeu.

Esta guerra não era mais como as outras, um conflito entre uma nação e outra, a partir de alguma diferença localizada.

Era uma conflagração geral, o Armagedom, a batalha que antecede o Apocalipse.

Para a Europa, foi o Apocalipse, a perda definitiva do seu peso político e militar, a hegemonia dos Estados Unidos, a ascensão da União Soviética. Hitler e o nazismo seriam, logo depois, o último gesto (suicida) de um país europeu para recuperar os poderios de outrora.

Na próxima Guerra Mundial, americanos e soviéticos dividiriam entre si a Europa, como um bolo de aniversário.

A Grande Guerra começou quando a Rússia declara guerra ao Império Austro-Húngaro (29 de julho de 1914), em decorrência da invasão da Sérvia (Iugoslávia) pelos austríacos. Os sérvios eram eslavos, como os russos, que sempre aspiraram a um papel de protetores dos eslavos, sonhando com um pan-eslavismo, fusão de todos os povos dessa origem (polacos, tchecos, eslovenos, sérvios, croatas, búlgaros, ucranianos), sob a direção russa (sonho que o comunismo viria a realizar).

Por força das alianças e tratados, a mobilização russa e austríaca arrastou consigo o resto da Europa (França, Inglaterra, Itália), numa carnificina que durou quatro anos, de 1914 a 1918.

Contra a Alemanha, do kaiser Guilherme II, e o Império Austro-Húngaro, de Francisco José, a Rússia de Nicolau II foi um fracasso militar completo. Apesar dos imensos efetivos de suas tropas, desde os primeiros combates, os exércitos de Nicolau II sentiram na carne que não eram páreo para os exércitos tecnologicamente mais bem equipados do Ocidente, dos Impérios Centrais, conduzidos pelo talento excepcional de generais como Hindenburg e Ludendorff.

“A consciência vinha de fora”, falando a voz dos canhões.

A guerra faria, em três anos, o que os milhares de pregadores e agitadores bolcheviques não conseguiriam nem em um século. O recrutamento de enormes contingentes de camponeses russos para servir de bucha de canhão nos ensanguentados pantanais da Galícia polonesa despertou nessa gente apática e conformista (os Aliócha…) uma brusca consciência política.

Para os camponeses russos, a guerra foi a cidade, o contato com ideias novas, propostas de uma nova vida, a consciência de seus direitos e a coragem de lutar por eles.

Convocando centenas de milhares de jovens camponeses, o czarismo acabava de praticar sua contradição, uma contradição fatal.

Sob a forma de contingentes armados, o campo russo vomitava sobre as cidades seus problemas, sua queixa primordial, sua vontade de poder.

A Revolução de 1917 foi uma revolução de operários, camponeses e soldados. Foi desta Revolução que se apossou a elite intelectual e política que os bolcheviques representavam, um quadro de militantes e teóricos, perfeitamente coordenados em suas ideias centrais.

O Partido de Lênin daria às convulsões da massa insurreta uma forma, um destino, um sentido duradouro.

Que seria das convulsões libertárias da massa russa, sem as diretrizes políticas e ideológicas de um partido, como o de Lênin? Certamente, derrubaria o czarismo, que já caía de podre. E, provavelmente, acabaria entregando o poder à burguesia, mais culta, mais preparada administrativamente, a única classe capaz de preencher os quadros de governo de uma nação complexa, com compromissos internacionais, problemas imensos que exigiam alta competência. Os operários das fábricas e os camponeses em armas não tinham condições de fornecer esses quadros.

Entregar o poder à burguesia? Pois foi isso o que a massa russa fez, em fevereiro de 1917, no primeiro round da Revolução.

No início desse ano, começaram a circular notícias sobre graves agitações na Rússia, ainda resistindo, mas já derrotada. Nesse momento, Trótski encontrava-se a milhares de quilômetros do palco de operações do que era a sua vida, a Rússia, a Revolução. Depois de fugir pela França e pela Espanha, estava nos Estados Unidos, em Nova York, onde desembarcara no dia 13 de janeiro de 1917.

Nos Estados Unidos, ficou dois meses, articulando-se com grupos de socialistas e sindicalistas norte-americanos, que já conheciam seu nome e sua saga. Pouco conheceu da vida norte-
-americana. Mas deixou-se impressionar pela pujança tecnológica dos Estados Unidos (primeira vez em sua vida que tinha telefone em casa).

E, em seu internacionalismo utópico, chegou a fantasiar que grande papel os Estados Unidos teriam na construção do socialismo futuro e na realização da sociedade perfeita…

Em 27 de março, com a família e partidários, Trótski parte de Nova York, a bordo do Christianiafjord, um navio norueguês, que iria levá-lo, que iria levá-los de volta ao olho do ciclone da Revolução.

 

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Lênin: “Transformar a guerra imperialista em guerra civil…”.
Desenho: Maiakóvski.