ATUALIDADES DE TEOFRASTO

Teofrasto é do Século IV (372­-287 a.C.). Faz­-me companhia o seu Caractères na versão de La Bruyère, 1688. Escreveu meio milhar de volumes. Diógenes Laércio cita 462, os essenciais, ainda por ele vistos na primeira metade da terceira centúria na Era Cristã. 230.808 versos. Restam fragmentos de três estudos. O sucessor e divulgador de Aristóteles no Liceu faleceu além de centenário e sem nenhuma vontade de morrer, justamente quando começava a aprender a ser sábio. Não havia então sábio de nascença ou nomeação. Os temperamentos humanos foram motivos de atenção preferencial. As 28 mentalidades fixadas até o ano 314 antes de Cristo são nossas contemporâneas. Não apenas o genérico psicológico, que é imutável, mas determinados aspectos íntimos, que pensava peculiaridades do meu tempo, constituíam expressões cotidianas na vida coletiva de Atenas. Numerei os Caractères e mantive o francês de La Bruyère, fiel ao raro critério de Les plus grandes choses n’ont besoin que d’être dites simplement. A gesticulação decorrente não diferia da Era Eletrônica. Um “facadista” abraça Emílio de Menezes (1866­-1918), ajeita­-lhe a gravata, sacode o pó, retira um fiapo na gola do paletó, e pede vinte mil-réis emprestado. – “Bote o fiapo onde estava!”, responde o poeta. Havia em Atenas a semelhança funcional: Il affecte d’apercevois le moindre duvet qui se sera attaché à votre habit, de le prendre, et de le souffler à terre (II). Fingir conter dificilmente o acesso de riso pela frase de banal humorismo de amigo poderoso: Et quoiqu’il n’ait nulle envie de rire, il port à sa bouche l’un des bouts de son manteau, comme s’il ne pouvoit se contenir et qu’il voulût s’empêcher d’eclater (II). O irreversível tenor de banheiro? Ce sont ces mêmes personnes que l’on entend chanter dans le bain! (IV) E a pergunta tão carioca e fatal. “Que há de novo?”, já caracterizando um personagem da comédia Verso e Reverso, de José de Alencar em 1857, motivando as ironias de Machado de Assis em 1893? Reaparece na Pantagrueline Prognastication (1533), de Rabelais. Lá está a réplica ateniense, tal e qual: Que nous direz­-vous de bon? N’y a­-t­-il rien de nouveau? (VIII). Era atividade normal em Atenas. “Pois todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma outra coisa se ocupavam, senão de dizer e ouvir alguma novidade”, registava­-se três séculos depois.123 O dorminhoco durante a representação, acordando ao ruído final do espetáculo, tem seu sósia: Il endort à une espectacle, et ne se réveille que longtemps après qu’il est fini (XIV). O palavrão inevitável depois do imprevisto tropeção? Il ne lui arrive jamais de se huerter à une pierre qu’il rencontre en son chemin, sans lui donner de grandes malédictions. Vivem as imitações tropicais. Maus sonhos, angustiosos, opressivos pela visão dos Mortos obrigam as confidências e tentativas interpretativas, incluindo Psicanálise. Os sonhos serão mensagens sobrenaturais, merecendo entendimento. Lorsqu’il lui arrive d’avoir, pendant son sommeil, quelque vision, il va trouver les intérpretes des songes (XVI). É milenar a má educação de escarrar, assoar­-se, falar com a boca cheia, entre comensais. Ce n’est pas tout: il crache ou se mouche en mangeant, il parle la bouche pleine (XIX). Ou teimar em assuntos repugnantes durante a refeição. Choisit le temps du repas pour dire qu’ayant pris médecine depuis deux jours, il est allé par haut et par bas, et qu’une bile noir et recuit étoit mélée dans ses déjections (XX). O barbeiro de Aracati, convidado a participar da Marujada pelo Natal, fardou­-se de Almirante logo pela manhã e passou o dia em grande gala, sem atender os fregueses. Teofrasto conhece um figurante de cavalgata pomposa que ne garde qu’un riche robe dont il est habillé, et qu’il traîne le reste du jour dans la place publique (XXI). Ao sórdido avarento grego il n’est permis à personne de cueiller une figue ou quelquer olives qui seront tombées de l’arbre (X), bem recordará a réplica brasileira do usuário vil, negando dar uma barata morta por destiná­-la ao almoço de um canário. Il sait éviter dans la place la rencontre d’un ami pauvre qui pourroit lui demander quelque secours (XXII), afastando a oportunidade melancólica de auxiliar quem teria sido obsequioso conviva. O parler haut, et ne pouvoir se réduire à un ton de voix moderé (IV), é vulto comum de rusticidade ou petulância insolente. Aquele que vemos offrir à servir de guide dans un chemin détourné qu’il ne connaît pas, et dont il ne peut ensuite trouver l’issue (XIII) é usual na falsa prestimosidade interesseira. O maldizente insaciável dos pecados alheios, excluindo os circunstantes, integra­-se no saboroso pormenor: Si alors quel’un de ceux qui l’écoutent se lève et se retire, il parle de lui presque dans les mêmes termes (XXVIII). Os personagens de Teofrasto já eram velhos há vinte e três séculos...

123 Atos dos Apóstolos, 17, 21.