ÉRICO VERÍSSIMO E OS GESTOS MEXICANOS

“Tenho um interesse especial pelos gestos folclóricos. No México observei alguns que não encontrei em nenhum outro dos países que até agora tenho visitado. Devo esclarecer que o mexicano em geral é uma pessoa que gesticula pouco; quanto ao índio puro, este às vezes não parece mais rico em gestos que uma estátua. Com que mímica nós os brasileiros designamos o dinheiro? Esfregando repetidamente o indicador contra o polegar. Creio que é um gesto quase universal. Pois no México se designa o dinheiro, o peso, formando um círculo com esses dois mesmos dedos, na configuração da moeda. Muitas vezes quando um brasileiro convida outro, de longe, para tomar um cafezinho ou um trago, é natural que estique o polegar e o indicador, formando linhas paralelas, e a distância entre uma e outra indicará a quantidade do líquido. O mexicano usa desse mesmo gesto para dar ideia de tempo ou de volume. Se de longe grito a um amigo: Vamos, hombre! ele poderá fazer esse mesmo gesto para dizer: Esperame un poquito! E usará ainda a mesma mímica para indicar a quantidade de tequila que deseja em seu copo. Há um gesto de cortesia, de agradecimento, que consiste em erguer a mão aberta e dar­-lhe uma volta rápida de um quarto de círculo, mantendo­-a nessa postura. Significa: Gracias! No seu saboroso livro Cornucopia de México, José Moreno Villa faz referência às três maneiras com que o mexicano indica a altura de pessoas, animais e coisas. No primeiro, dobra e apinha os dedos mínimo, anular e médio, esticando o indicador apoiado no polegar, como a reproduzir as linhas dum revólver. No segundo, ele abre bem a mão, com todos os dedos juntos, e projeta­-a no ar, como uma faca ou uma serra. No último caso, quando se trata de coisas, usa a mão da mesma maneira, mas com a palma voltada para baixo, como se fosse pousá­-la sobre uma superfície plana. Todos esses gestos talvez não tenham muita importância nem ajudem a compreender melhor o mexicano; menciono­-os por achá­-los curiosos. É possível que outro, com mais argúcia que eu, possa descobrir neles um sentido oculto, a chave ou, melhor, uma das muitas chaves dos incontáveis cofres secretos da alma mexicana.”160

160 Érico Veríssimo, México, História duma viagem, 262­-263. Editora Globo. Porto Alegre, 1957 (1905­-1975).