PUXAR OU TORCER A ORELHA

A orelha era dedicada a mnemosine Deusa da memória, mãe das nove Musas. A Fé e a Ciência, no plano do Conhecimento, entravam pela audição. Os velhos Mestres puxavam o pavilhão auricular aos estudantes para que decorassem ou não esquecessem quanto aprendiam nas aulas. Processos de mnemotécnica. Valia castigo, excitando a retentiva dos alunos desatentos ou vadios. Quando alguém puxa a própria orelha, pune­-se de não haver ouvido a voz da Razão em tempo oportuno. É o gesto simbólico do Arrependimento. Na Romagem dos Agravados de Gil Vicente (1533), a vendedora de peixe Maria do Prado, lastima­-se:

Se tu não deras à golhelha,

Nunca o nosso agravo fora,

Nem eu torcera a orelha.

“Dar a golhelha” era falar demasiado, imprudentemente. Assim, puxar a orelha, significa “lembre­-se”. Torcê­-la, vale confessar, “pequei!”. Em Siracusa, Apolo Cintio belisca, vellit, de vellicatio, a orelha do pastor Titiro.223

223 Virgílio, Égloga, VI­-3.