Quinhentos séculos antes de Jesus Cristo, o Homem de Neandertal acocorava-se. Marcellin Boule, estudando a curvatura nos fêmures dessas criaturas do Pleistoceno médio, explicou que les possesseurs se tenaient habituellement dans une position accroupie. Época de Wurm, última invasão glacial, formação da grande massa dos limos superficiais. Água. Gelo. Lama. S’asseoir sur les talons era defender-se dos terrenos excessivamente úmidos. Marcel Mauss, fixando a sistemática de Repouso, dividiu-a entre a Humanidade que se assenta ou se acocora. Vous pouvez distinguer l’Humanité accroupie et l’Humanité assise. Essa posição anterior ao gênero humano continua funcional e contemporânea. Toute l’humanité, excépté nos societés, l’a conservée. Notadamente nos orientais, pretos muçulmanos, Povos da Oceania, nos Ameríndios e pelos nossos sertões. Euclides da Cunha desenhou a figura: “E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo – cai é o termo – de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável”.231 Assim o Jeca-Tatu paulista come, cisma, trabalha, planeja.232 Nota ainda Marcel Mauss: L’enfant s’accroupie normalement. Nous ne savons plus nous accroupir. Posição desaconselhada pelos educadores e fisiologistas de livro. O general Baden-Powell revalorizou-a no seu Scouting for Boys, desde 1908, na lição hindu. Ficar de cócoras é a posição do Escoteiro nos acampamentos, Fogos do Conselho, Jamboree. Noto que nas feiras e mercados a normalidade é ficar sentado no solo, jeito de rendeiras, ou de joelhos. A tendência acentuada pela elevação cômoda dos tabuleiros e locais de vendagem popular vai fazendo desaparecer o acocoramento, sentado sem que as nádegas toquem o chão, apoiadas nos calcanhares, ou da região talar, sem fletir o pé, modelo necessariamente inicial no Paleolítico. Mesmo no Oriente atual, árabes, mouros, Japão, China e seu Mundo, permanece a maioria assentada com as pernas dobradas modelo de Buda. A espontaneidade da posição atesto nos meus filhos crianças e netos de dois anos. Não é comum nem anormal. A girl norte-americana acocora-se facilmente. É a posição habitual das Atendentes nos aviões. As demoiselles dos magazines em Paris preferem ajoelhar-se, para corrigir a saia das freguesas. Suas colegas, de Marrocos ao Iraque, põem-se de cócoras. Durante um almoço, numa churrascaria na estrada de Ponta Negra, setembro de 1972, algumas jovens senhoras vieram falar comigo e com minha mulher. Apenas duas curvaram-se. As demais agacharam-se acocoradas, no breve diálogo. Resistem poucas tarefas exigindo o accroupissement aos operários. A universidade dos gabinetes sanitários oferece cadeira e não mais a indispensabilidade de acocorar-se, atitude primária na defecação. As mulheres banhavam-se de cócoras, indígenas, africanas, damas do Brasil Velho, como a Venus Accroupie, de Daidalos, escultor milenário da Bitínia. Nas antigas refeições, os indígenas serviam-se acocorados. Presentemente sentam-se ao redor das esteiras, imitando os “brancos”. Posição repousante dos desportistas.