PALLIDA MORS

Sempre que meus netos querem representar almas do outro mundo, cobrem­-se de branco. Invariavelmente essas almas do meu sangue vêm visitar o avô na salinha de livros. Bailam, falando fino, e desaparecem. Estudei a cor branca248 no Tempo e espaço, lembrando­-a figurar a Morte e os Mortos em qualquer paragem do Mundo. Antes do contato europeu já existia a convenção na África Negra. E na Austrália. Quando o vermelho é símbolo da Vida, o branco anuncia os sobreviventes da Morte. Os fantasmas são vultos alvadios. O espectro africano é alvo. A imagem do Pavor é ficar branco, o off­-colour dos ingleses. O inferno poético era a Regio Pallida. Havia um subalterno deus Pallor, filho do Inferno e da Noite. Encarregava­-se de empalidecer os viventes em serviço dos genitores terríficos. Branco, pureza, limpidez, casta candura integral, superavam a restituição do Morto a esse estado alvinitente, despido da carne que peca pelos órgãos incorrigíveis. Imagino Goethe virginal e Voltaire inocente! Envolvidos totalmente pelos lençóis de linho, meus netos constituem adoráveis espectros. Qualquer outra cor não lhes permitirá essa aparição sobrenatural. Branco é a cor inicial, primeira, fonte de todas. Disco de Newton. Voltar à origem é purificar­-se. Estilização do esqueleto. Embranquecer.

248 Made in Africa, São Paulo, 2001.