A Esfinge de Tebas perguntou a Édipo qual era o animal de quatro patas pela manhã, duas ao meio-dia e três ao anoitecer. O desventurado herói disse ser o Homem, engatinhando na infância, andando na fase viril, amparando-se num bastão na velhice. Esse apoio à senectude data do primeiro ancião trôpego. Bordão de peregrinos. Cajado de pastores. Bastão de guerra oriental. Báculo prelatício. Instrumento de suplício, morrer sob bastonadas. A moca do valentão português. O quiri do capadócio brasileiro. Caceteiros. Briga de pau. Les Jeux de Canne et Bâton. Pauliteiros. Oriente, Egito, Grécia, Roma, Ásia Menor, África moura e negra. Borduna indígena do Brasil. Arma do vilão medieval proibido de usar armas nobres de metal. Cetro dos Reis em milênios. Nascera do galho de árvore, empunhado com fúria. Vara resistente e pontuda é a lança. Pau afiado, spede, spatha, será a espada. Espada de madeira nos preliminares gladiadores e nos jogos infantis de todo o Tempo. Sugerira a Esgrima, sucessão rápida de atitudes no manejo agressivo do varapau. Esgrima é proteção. Grima é um pequeno cacete roliço, percutido no bailado dos Cucumbis na Bahia e recurso dos malandros provocadores, carregando-o oculto na manga da camisa. Vara de cego. Perna de velho bambo. Todos com sua gesticulação adequada e lógica. Aristocratização da cachamorra, pesada e bruta, é a Bengala, Cana da Índia, denunciando origem. Insígnia militar, bastão dos Marechais, Mestres de Campo, com borlas de ouro ou prata. Alto índice de Elegância no século XVII, feita de madeiras raras, ébano, marfim. A marcha com tacões altos equilibrava-se na Canne pomme d’or. Luís XIV jogando pela janela de Versailles sua inseparável bengala para não espancar o Marquês de Puyguilhem, o insolentíssimo Lauzun. Quando, como e por que o cacete de combate, ajuda do decrépito, matador legal no Egito e Roma, guia de cegos, companheiro de caminhantes, passa a constituir complemento gracioso da distinção pessoal? Os histriões da Etrúria vieram para Roma no ano 389 antes de Cristo, trazendo a bengala usada nas representações teatrais. Destinavam-se a dar mais graça aos movimentos, facilitando o desenvolvimento mímico. A mão ocupada é lastro compensador para segurança da gesticulação comunicante. A mão vazia, infuncional na destinação expressiva, é uma angústia nos momentos da conversação. Parece membro sobressalente e desnecessário. Reduzida a uma vareta, ouro, ébano, marfim, estava na mão dos Cônsules, Imperadores, Pontífices, Generais, Almirantes, Príncipes do Senado. Entre os dedos de Cícero ou de Petrônio Arbiter. Seria, restituída às dimensões mais avultadas, aliada característica na exibição do Passeio. Bâton de Promenade, Spazierstock dos Junkers alemães, permitindo o passo donairoso, galhardo, expositor. Guardaria uma lâmina de aço, punhal curto, fino estilete, Swordstick, disfarçado na aparência pomposa. Atributo dos Nobres e usança de Lacaios, havia de ferir a Voltaire e matar Damião de Goes. Bastões longos, hierárquicos, distinção fidalga, privilégio do Mordomo-Mor, dominariam o século XVII, apresentando-se flexíveis e flagelantes sob a Revolução, Diretório, Consulado, Império na França. Badine de Filipe Égalité, de Robespierre. Juncos rijos, com extremidades de chumbo, manejados pelos provocantes demisoldes. Badine de Musset e de Barbey d’Aurevilly. Dos boêmios letrados de 1900 no Brasil. Bengala de luxo, caixa forrada de pelúcia, homenageando as Potestades. Infalível ajuda ao lento D. João VI, solene General Pinheiro Machado, poeta Luís Murat, juiz Pedro Lessa. Reapareceram, finas, punho dourado, com uma flor de seda, nas insinuantes cariocas. Vendo-as, dizia Emílio de Menezes: Bem-galinhas! A Bengala condicionava o gesto, precisando-o, pautando os acenos maiores e típicos. Possuiu devotos e céticos. Fiéis e perjuros. Conquistados e desdenhosos. Meio-dia e crepúsculo. Jamais desaparece totalmente, vivendo nas sobrevivências obstinadas. Gestos de bengala, ampliando o indivíduo. Réplicas. Eloquência das bengaladas.