AMEAÇANDO

Há uma mímica da ameaça, inesquecível, para os ameaçados. A severidade do olhar une­-se ao timbre verbal, graduado pela falsa ou legítima irritação, finalizada no gesto intimativo, anunciando a penalidade vindoura ao criminoso em potencial. O mais característico é o dedo indicador, energicamente apontado, agitando­-se na marcação das frases indignadas. Ou a mão em lâmina, na direção do acusado, escandindo o ritmo em que se denuncia o delito, dividindo em fatias a motivação reprovada. “Ameaçar com o dedo” é fórmula dos Povos arianos, vestígio de aceno religioso em ritual acusativo. Todas as divindades do Castigo e da Vingança, Eumênides, Erínias, Nêmesis, fixavam o acusado designando­-o com o dedo indicador, in digitu, tornando­-o o indigitado, suspito, réu, incluído na evidência culpável pelo dedo infalível das Deusas punidoras, as Fúrias inexoráveis, espetando le doigt menaçant. As Deusas morreram, mas o dedo ficou. Outro tradicional gesto de Ameaça era o Arremangado, arregaçar as mangas, anúncio de luta corporal, vulgar no Portugal do século XVI. Arreganhar os dentes, pelo encolhimento ou compressão dos lábios, exibindo a dentadura, advertência da agressão nos felinos, imitada pelos homens. Gil Vicente no Clérigo da Beira (1526) lembra Nuno Ribeiro que sempre arreganha os dentes quando lhe falam em satisfazer dívidas.