Eu desejava ver um pôr do sol... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se ponha...
– Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem – ele ou eu – estaria errado?
– Vós, respondeu com firmeza o principezinho.
– Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance no mar, farão todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis (Saint-Exupéry).1
Nem todos os juristas admitem a existência das ações mandamentais, mantendo-se a maioria fiel à classificação ternária das ações cognitivas (ações declaratórias, constitutivas e executivas).2
Inegável, no entanto, a existência de pretensões mandamentais, em que se busca o provimento jurisdicional que tenha “por fito preponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o Juízo manda”.3
Como anota Pontes de Miranda, com o trabalho de Georg Küttner, em 1914, é que se passou a haver a preocupação com a ação mandamental, embora ainda reste alguma balbúrdia sobre o tema:
O que antes de tudo importa saber-se é que, com a ação de direito material, se propõe a “ação”, a lide, cujo rito depende da lei processual, e o que se espera é a sentença que mande. Entenda-se: a sentença favorável. Muito diferente é o que se passa com as ações condenatórias, cujo peso 3 de executividade permite que se proponha a ação executiva de sentença. Há, no procedimento da ação executiva de sentença, como no da ação executiva de título extrajudicial, o pedido inicial de citação. Mas esse mandado, que é para se citar, nada tem com a sentença na ação de condenação (5 de condenatoriedade, 3 de executividade), porque a sentença condenatória apenas deu ensejo à propositura da ação executiva e o ato de mandado, para a citação, nada tem de sentencial. Daí o gravíssimo erro de James Goldschmidt que o efetive. Ora, aí, a ação, sendo de condenação, sendo típica, somente tem 1 de mandamentalidade, e algumas vezes 2, rarissimamente 3 ou 4 (3, na ação de pedido de prêmio ao achador; 4, na ação confessória e na negativa...). A confusão, corriqueira, entre mandado intraprocessual, que depende de mero despacho, ou decisão interlocutória, e o mandado sentencial, tem levado a grandes erros. Sempre que alguém ordena ou manda, sem ter conteúdo e eficácia de sentença o mandamento, de modo nenhum se pode falar de sentença mandamental, seja ela de força mandamental (5), seja de eficácia mandamental imediata (4), ou mesmo mediata (3).4
Na sentença mandamental, o juiz não substitui, pelo seu provimento, a vontade da parte – o juiz manda ou impõe uma determinada conduta. Enquanto na ação executiva é o juízo que transforma a realidade, praticando o fato (expropriando o bem, na execução de quantia certa contra devedor solvente; retirando o esbulhador do prédio, pelo mandado de reintegração; imitindo o autor na posse etc.), na ação mandamental expede-se mandado ao sucumbente (embora caiba ao oficial de justiça intimar ou notificar) para que atue (ou se omita) nos termos do comando judicial.
Pontes de Miranda dá o conceito:
A ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o juízo manda. Alude-se, no étimo, à mão, a manus, e a semelhantes palavras de velhas línguas. Porque quase só se trabalhava com a mão, formou o Mann, o homem, em tantas zonas do mundo. Com a mão, aponta-se, mas o mandamento refere-se ao movimento da mão e à premência de obedecer. Foi grave erro dos juristas menosprezarem a busca dos pesos de mandamentalidade nas ações e sentenças.5
No dispositivo da sentença mandamental, dispõe-se:
Julgo procedente a demanda para determinar a expedição de mandado determinado ao réu...;
Acolho a pretensão para mandar o réu não mais turbar a posse autoral, sob pena de...;
Assim, mando o órgão público demandado reintegrar o autor no cargo.6
Em alguns momentos, a ordem jurídica já prevê a pena pelo descumprimento do mandado judicial, como se vê, por exemplo, na ação de depósito (arts. 902 e 904 do CPC) ou no interdito proibitório (art. 932 do CPC), assim como na multa por descumprimento do mandado judicial (CPC, art. 14, parágrafo único). Tem o autor pretensão à aplicação de pena pelo descumprimento do mandado, pois a pretensão à pena serve, meramente, como meio de coerção. Note-se que, aí, não se trata da cominação de pena pecuniária referida no art. 287 do CPC que, expressamente, se reporta aos arts. 644 e 645 do mesmo Código, os quais estão incluídos no capítulo referente à execução de fazer e de não fazer (tratando-se, assim, de pretensão condenatória).7
Todos os atos estatais têm como característica o poder de coerção, e o provimento judicial não é exceção, pois, embora ainda resolvendo questão referente a relação material estritamente privada, a sentença é ato processual, inserida em relação jurídica de direito público, vinculativa, alcançando, até mesmo, terceiros na relação processual (como se vê, por exemplo, nos arts. 362 e 341, ambos do CPC).8
Incabível trancar-se a ação penal pela via do habeas corpus, sob a alegação de que a ordem judicial não era de ser cumprida por ter sido concernente à proibição de circulação de jornal, embora a decisão do juiz tivesse vindo a ser cassada pelo Tribunal ad quem. A ilegalidade da ordem não se mostrava tão frontal que de pronto pudesse ter-se como incabível de cumprir-se (Revista Trimestral de Jurisprudência, 114, p. 1.036, rel. Min. Aldir Passarinho).
Desobedecer ordem judicial a pretexto de consulta a departamento jurídico de entidade bancária ou pretender que a ordem não deveria ser aquela, mas outra, mandado de busca e apreensão, p. ex., constitui, em tese, o delito de desobediência, previsto no art. 330 do CP (TACRIM-SP, rel. Fortes Barbosa, Julgados do Tribunal de Alçada Criminal, nº 91, p. 142).
O desrespeito à ordem legal, decorrente de liminar em embargos de obra nova, constitui ilícito penal, não permanecendo apenas na esfera civil ou administrativa. Constitui o delito tipificado no art. 330 do CPC (TACRIM-SP, rel. Corrêa Dias, Julgados do Tribunal de Alçada Criminal, 75, p. 368).
Somente se vislumbra crime de desobediência no desatendimento pelo agente a ordem direta e especial da autoridade competente. Praticando o réu, ato objeto de pedido subscrito por seu advogado e indeferido pelo magistrado, não há falar em desobediência, salvo se despacho teve conhecimento inequívoco e pessoal, inclusive quanto ao exato sentido da determinação (TACRIM-SP, rel. Valentim Silva, em Juricrim-Franceschini 1/625).
Se o descumprimento ao mandado é por parte de agente público, quer em ação da qual o órgão que integra seja parte, quer em processo inter alios, é caso de prevaricação, embora alguns julgados o tipifique como desobediência, dependendo, evidentemente, do elemento subjetivo do injusto, isto é, o antigo dolo específico:
Prefeito municipal que se recusa a dar cumprimento à decisão proferida em mandado de segurança. Delito desclassificado para prevaricação. Apelação provida. Inteligência dos arts. 330 e 319 do Código Penal. A recusa ao cumprimento de ordem judicial constitui fato do qual emerge a dedução necessária de que o agente assim procede para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, pois não há, em princípio, outra explicação para esse comportamento. Não pode estar isento de dolo aquele que não cumprir a ordem do magistrado (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. May Filho, Revista dos Tribunais, nº 527, p. 408).
Delegado de Polícia que se recusa a instaurar inquérito policial requisitado por Promotor de Justiça comete o crime de prevaricação e não de desobediência, por se tratar de infração praticada por funcionário público contra a administração pública
(TACRIM-SP, rel. Reynaldo Ayrosa, Julgados do Tribunal de Alçada Criminal, nº 78, p. 386).
Consuma-se o crime de prevaricação, e não o de desobediência, desde que apurado haver o funcionário público agido por interesse ou sentimento pessoal ao deixar de cumprir o ato de ofício (TACRIM-SP, rel. Reynaldo Ayrosa, Revista dos Tribunais, nº 588, p. 331).
Celso Delmanto9 comenta sobre o crime de desobediência:
Sujeito ativo funcionário: São encontradas três posições: a) Não pode ser (TJ-SP, Ap. 127.718, Revista dos Tribunais, 487, p. 289; TACRIM-SP, Revista dos Tribunais, 395, p. 315); b) Pode ser (TACRIM-SP, Revista dos Tribunais, nº 418, p. 249) e c) Depende de sua função: o funcionário público só pode praticar desobediência se age como particular, pois, se atua na condição de funcionário, o delito será outro (Supremo Tribunal Federal, Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 103, p. 139). Poderá ser, se não era de sua função cumprir a ordem; se era seu dever, não há desobediência, mas pode haver o delito de prevaricação do art. 319 do Código Penal (Supremo Tribunal Federal, Revista Trimestral de Jurisprudência, 92, p. 1.095; ...).
De qualquer forma, seja a ordem dirigida a particular ou a servidor público, deverá ser a mesma legal e ser expressa e clara, devendo o mandado conter terminologia acessível ao jurisdicionado, além da cominação expressa da pena de desobediência, com a transcrição do dispositivo penal.
O saudoso Mestre Hely Lopes Meirelles deu o seguinte conceito:
Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual líquido e certo, não amparado por habeas corpus lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.10
Ao lado do habeas corpus (sobre o qual aqui não nos ocuparemos, porque o presente trabalho enfatiza o campo cível), temos o mandado de segurança como a ação mandamental típica.
O mandado de segurança é ação de impugnação de atos estatais, embora não caiba contra lei em tese (Súmula 266) nem contra ato judicial passível de recurso com efeito suspensivo ou correição (Súmula 267, Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 91, p. 181 e nº 85, p. 120).11 Também não cabe para impugnar decisão judicial com trânsito em julgado, pois não substitui a ação rescisória (Súmula 268).
O provimento que se busca com o writ é nitidamente mandamental, isto é, o juiz não substitui, com sua atividade, a atividade administrativa: o juiz manda que o administrador proceda de determinada forma. Assim, o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança (Súmula 269), e sua concessão não produz efeitos patrimoniais em relação ao período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria (Súmula 271; Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 70, p. 734).
A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso de mandado de segurança contra omissão da autoridade (Súmula 429), pelo que o pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo decadencial para sua interposição (Súmula 430).
Caberá mandado de segurança por exclusão do cabimento de habeas corpus ou habeas data. Assim, quando não se tratar de direito de locomoção ou direito de informação, o remédio a ser adotado será o mandado de segurança:
Penhora. Bens de terceiro. Mandado de segurança objetivando impedir. Não sendo o mandado de segurança sucedâneo dos embargos de terceiro, não é via idônea para livrar da penhora bens que se alega não pertencerem ao executado. Denegação da ordem (TA Cív.-RJ, Ac. unân. da 6ª Câm., reg. em 05.01.90, MS 434/89, rel. Juiz Sérgio Cavalieri, ADV-Jurisprudência, 47.876).
Se o mandado de segurança, historicamente, é uma derivação do habeas corpus, também o habeas data é derivação do mandado de segurança individual, do qual, também, bifurcou-se o mandado de segurança coletivo. Pode-se imaginar uma árvore, que tem como tronco o remédio protetor do direito de locomoção e como ramos os mandados de segurança, o habeas data, um pouco distantes a ação de inconstitucionalidade (art. 103) e a arguição de preceito fundamental (art. 102, parágrafo único).
Todos esses remédios processuais buscam, basicamente, o meio célere de controlar a Administração Pública, através do Judiciário, sem tolher sua atuação por sentenças condenatórias.12
“Juízo de Direito da Terceira Vara da Fazenda Pública
Sentença
Processo nº 95.001. 106.993-8 (5318), ajuizado em 29/09/95
Ação de Mandado de Segurança
Autor: A. J. S.
Advogado: Defensora Pública Doutora Miriam Castro Neves
Impetrado: Coordenador de Feiras Livres do Município do Rio de Janeiro
Procurador do Município: Doutora Patrícia Félix Tassara
Ministério Público: Doutora Ana Cristina Filgueiras
MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO DECADENCIAL. Prevalência da norma constitucional em face da norma federal que institui, irrazoavelmente, o prazo de 120 dias para o ajuizamento da ação mandamental. Não subsiste a legislação processual federal (Lei nº 1.533/51, art. 18 [revogada pela Lei 12.016/2009, sendo in casu a disposição correspondente o art. 23]) que institui prazo decadencial para o mandado de segurança se a norma constitucional – art. 5º, LXIX – não restringe temporalmente a utilização deste poderoso instrumento de garantia dos direitos individuais.13
DEVIDO PROCESSO DE LEI. Inocorrência de sua vulneração. Não se vislumbrando violação aos princípios constitucionais asseguradores da participação do interessado na decisão administrativa – o devido processo de lei – descabe a anulação do ato administrativo que denegou a licença de ambulante.
AMBULANTE. Caráter precário do ato administrativo municipal que autoriza o comércio em via pública.
Autorização de uso é o ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre o bem público.
Denegação da segurança.
Diz o impetrante que é feirante há 42 anos, exercendo a sua atividade nos últimos 15 anos na Ilha do Governador, ofício pelo qual se sustenta e à sua família, e que foi surpreendido pelo cancelamento de sua matrícula, desconhecendo os motivos para tal. Aduz que solicitou certidão do processo administrativo, mas que tal lhe foi negado, pelo que, rogando liminar, pede a concessão da segurança para que não se veja impedido de exercer as suas atividades.
O despacho inicial remeteu a cognição da liminar para após o recebimento das informações, oportunidade em que foi denegada pela ausência de demonstração da plausibilidade jurídica.
Nas informações (fls. 13-16), alega a autoridade impetrada que a Administração Municipal pode a qualquer momento cancelar as autorizações e permissões referentes a matrículas concedidas a feirantes, ainda que este não tenha praticado qualquer ato que o ordenamento jurídico sancione. Aduziu que a matrícula do impetrante fora cancelada e não foi restabelecida, porque o impetrante é aposentado por invalidez e pretendia comercializar produtos diversos da anterior atividade, quais sejam, frutas e legumes.
Alertou que o ora impetrante não atendeu às exigências da Municipalidade, restando inerte no processo administrativo, pelo que espera, a final, a denegação da segurança.
Na oportunidade a que se refere o art. 228 do Código Judiciário, o Município ratificou o fundamento da informação da autoridade impetrada.
O Ministério Público oficiou pela denegação da ordem.
É o relatório.
Rejeita-se a arguição de decadência à ação mandamental.
Lembrou o Ministro Carlos Mário Velloso (‘Conceito de Direito Líquido e Certo’, em Curso de Mandado de Segurança, São Paulo, RT, 1986, pp. 85 e seguintes) que tal prazo não tem razão científica, pois: “O prazo mencionado é, na verdade, arbitrário. Fixado, na doutrina e na jurisprudência, o conceito de direito líquido e certo que autoriza o ajuizamento do writ – incontroversos os fatos ou provados estes documentalmente, é possível o aforamento da segurança –, o prazo de 120 dias não se justifica” (cf. a declaração de voto no Ag. Reg. ao MS nº 21.356-6, STF, Pleno, Relator o Ministro Paulo Brossard, julgado em 12 de setembro de 1991).
Observe-se, ainda, que o requisito constitucional prevalente – desde a criação do procedimento mandamental na década de 30 – resume-se na expressão direito líquido e certo, que, na exuberante jurisprudência e na incontrovertida doutrina sobre o tema, significa fato demonstrável documentalmente ou que, ao menos, não sofra impugnação quanto à sua existência (ver, por todos, o clássico Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública, SP, RT, 1987, 11ª ed., p. 3; a superveniência da Constituição de 1988 não alterou tal entendimento).
Reflexamente, se não se conhecesse da segurança por se acatar o requisito temporal posto pelo art. 18 da Lei nº 1.533/51 [revogada pela Lei 12.016/2009, sendo in casu a disposição correspondente o art. 23], estaria o julgador inutilmente negando a eficácia da norma constitucional, decorrente do disposto no art. 5º, LXIX – no título sobre os direitos e garantias fundamentais –, posto que a mesma pretensão poderia retornar em procedimento comum, no qual, aliás, seria desnecessária a produção de provas orais ou periciais.
No mérito, como bem está anotado nas informações da digna autoridade apontada como coatora, não se vislumbra a vulneração aos princípios constitucionais do due process of law, mesmo porque o ora impetrante participou do processo de decisão, peticionando e, até mesmo, nele ficando contumaz pelo inatendimento das exigências, fundadas em normas genéricas e abstratas, feitas pela Administração Pública. Os efeitos devastadores desta contumácia somente poderiam conduzir, como efetivamente ocorreu, à denegação da concessão da licença.
Quanto ao mais, é inegável o caráter da autorização administrativa para o comércio em via pública, como reiteradamente tem decidido este Juízo.
O Código Civil estabelece, no seu art. 65 [corresponde ao art. 98, CC/2002], que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios, restando, para o domínio privado, todos os demais.
Pelo disposto no art. 66 [corresponde ao art. 99, CC/2002] do mesmo Código, os bens públicos estão classificados em: a) os de uso comum do povo, tais como mares, rios, estradas, ruas e praças; b) os de uso especial, tais como os edifícios ocupados por serviços públicos específicos, como escolas, quartéis, hospitais e c) os dominicais, também chamados de bens do patrimônio disponível, que são aqueles que o Poder Público utiliza como deles utilizariam os particulares, e que podem, por exemplo, ser alugados ou cedidos, neste caso, obedecendo-se às regras de licitação e contratação administrativa.
Através do processo de desafetação, os bens públicos podem ser alterados na sua respectiva classificação.
Pelo sistema constitucional em vigor, os bens podem ser da União (art. 20), dos Estados (art. 26) e dos Municípios (os restantes, inclusive as ruas e praças).
Cabe ao Município, no seu poder de organização da comunidade local instituído pelo art. 30 da Constituição, legislar sobre os assuntos de interesse local e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, o que abrange, através do respectivo ordenamento jurídico (leis, decretos e regulamentos), dispor, no Código de Postura e no Código Tributário (e respectivas leis extravagantes), sobre os ambulantes ou camelôs.
Plácido e Silva, no seu clássico Vocabulário Jurídico, diz: ‘AMBULANTE. Termo usado na linguagem comercial e de Direito Fiscal, para designar o comerciante que, não possuindo estabelecimento fixo, vende as suas mercadorias, transportadas por si mesmo ou por veículos, de porta em porta, ou seja, de um a outro lugar. Vendedor ambulante. Mascate, bufarinheiro. Não tendo um ponto certo ou comercial para sede de seus negócios, o ambulante terá o seu domicílio comercial, ou sede de seu negócio, no lugar em que for encontrado. Segundo as regras das leis fiscais, o ambulante está sujeito a registro, devendo estar munido de sua patente, para que possa efetuar suas vendas. O ambulante ou vendedor ambulante, pode negociar ou vender por conta própria ou por conta de outrem. Seu comércio, que se diz comércio ambulante, é compreendido como comércio a varejo’.
Ambulante, assim, é o comerciante que não possui estabelecimento fixo, transportando suas mercadorias consigo. É o sucessor do antigo mascate, que tanto serviços prestou à formação da nacionalidade, pois levava suas mercadorias às casas das cidades, aldeias e fazendas.
Alguns ordenamentos jurídicos municipais admitem a ocupação de trechos específicos das vias públicas por camelôs, que, assim, deixam de ser “ambulantes”, no sentido de que devem deambular, sem ter ponto fixo. Assim, para estes Municípios, compreende-se como ambulante aquele que não tem ponto fixo e, como camelô, o que ocupa espaço predeterminado.
Quanto ao camelô, diz o Dicionário Aurélio: ‘CAMELÔ (do francês camelot). Substantivo, masculino. Mercador que vende nas ruas, em geral nas calçadas, bugigangas ou outros artigos, apregoando-os de modo típico’.
Também as leis municipais exigem, por necessidade de organizar a atividade comercial por razões sanitárias e de defesa do consumidor, que ambulantes e camelôs dependam de autorização para o exercício de suas atividades.
Tais autorizações, por seu caráter precário, podem ser, a qualquer tempo, cassadas pelo autoridade pública, sem que possam os respectivos titulares arguir eventual direito adquirido, nos termos dos atos normativos regedores da espécie, que geralmente estipulam: ‘A autorização do ambulante ou camelô é pessoal e intransferível e concedida a título precário’.
Hely Lopes Meirelles, estudando a utilização dos bens públicos, afirma que podem ter um uso especial:
‘Uso especial é todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fluir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento...’ (Direito Administrativo Brasileiro, 15ª edição, Revista dos Tribunais, 1990, p. 428).
Diz que essa utilização pode se dar por autorização de uso; por permissão de uso, por cessão de uso, por concessão pessoal de uso, ou por concessão de direito real de uso.
Sobre a autorização leciona:
‘Autorização de uso é o ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração consente na prática determinada atividade individual incidente sobre um bem público. Não tem forma nem requisitos especiais para a sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o Poder Público, bastando que se consubstancie em ato escrito, revogável sumariamente a qualquer tempo e sem ônus para a Administração. Essas autorizações são comuns para ocupação de terrenos baldios, para a retirada de água em fontes não abertas ao uso comum do povo e para outras utilizações de interesse de certos particulares, desde que não prejudiquem a comunidade nem embaracem o serviço público. Tais autorizações não geram privilégios contra a Administração ainda que remuneradas e fruídas por muito tempo, e, por isso mesmo, dispensam lei autorizativa e licitação para o seu deferimento’ (op. cit., p. 429).
Como de Direito Administrativo brasileiro não é codificado, vinculado tão somente ao que dispõe a Constituição da República e com autonomia das pessoas políticas (União, Estados e Municípios) para sobre ele dispor, o que acarreta certa confusão não só na terminologia, como nos conceitos, temos que a autorização não raro é confundida com a permissão, a admissão, a licença e até mesmo com a concessão. Contudo, sobre seu conceito, os tratadistas concordam que a autorização ‘é ato administrativo discricionário, unilateral, pelo qual se faculta, a título precário, o exercício de determinada atividade material, que sem ela seria vedada’ (Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Princípios Gerais do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1969, vol. I, p. 493).
A precariedade rege a autorização que o Município concede ao ambulante e ao camelô.
A Administração Municipal desnecessita de lei formal para conceder a autorização, porque dela não decorrem direitos, salvo o de exercitar, enquanto válida, a atividade autorizada. Aliás, por razões de Política da Administração, sequer interessa ao Poder Municipal a existência de tal norma que, se existente, poderá restringir a discricionariedade administrativa.
A autorização somente está submetida aos próprios termos da norma que a prevê ou do despacho que a concedeu. Se houver norma, a ela ficará vinculado o despacho.
Pode a autorização ser suspensa ou revogada a qualquer tempo, sem que se exija, para sua eficácia, qualquer procedimento administrativo, da mesma forma que pode ser concedida a autorização sem que necessite passar sob o procedimento licitatório. Sobre o disposto no art. 21, XII, da Constituição Federal, que se refere à ‘autorização, concessão ou permissão’, ensina Jessé Torres em matéria por tudo aplicável ao presente tema: ‘As autorizações aventada no art. 21, XII, da Constituição Federal estariam sujeitas à licitação? Parece que não, dada sua índole (unilateralidade e discricionariedade do Poder Público na outorga, e interesse privado na exploração do objeto da autorização)’ (Comentários à Lei das Licitações e das Contratações da Administração Pública, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1994, p. 20).
Se a autorização foi concedida por prazo determinado (como, por exemplo, três meses) também poderá ser revogada neste prazo, embora aí se exija a cientificação prévia do autorizado, para não vulnerar o devido processo de lei a que se refere o art. 5º, LIV, da Constituição.
Pode a lei municipal estabelecer a cobrança de tributo (por exemplo, de imposto sobre serviços), sobre a atividade do ambulante, atividade que pode ser exercitada por empresas legalmente constituídas. Também poderão ser cobradas taxas (inclusive de expediente) para a expedição da autorização, que, nem por isto, perderá o seu caráter precário.
Eventuais excessos da Administração Pública, como, por exemplo, o confisco de mercadorias de pessoas encontradas comerciando sem autorização, ou que tenham extrapolado dos respectivos termos, poderão ser corrigidos pelo Poder Judiciário através dos remédios próprios, inclusive com as cautelares e tutelas antecipadas cabíveis, requeridas não só pelo titular do direito lesionado como por seu sindicato ou associação, estes na defesa dos interesses coletivos da respectiva categoria profissional.
Ressalte-se que, em face do princípio da autoexecutoriedade, na defesa do interesse público de preservação do bem público, independe a Administração Pública de autorização judicial para o exercício do poder de polícia, nos termos da respectiva legislação que o instituiu.
No caso presente, inexistindo abuso de poder, resolve-se
JULGAR IMPROCEDENTE a demanda, denegando a segurança.
Sem ônus sucumbenciais, nos termos da Súmula 512 da Suprema Corte.
Oficie-se à autoridade impetrada, comunicando esta decisão.
Cientifique-se, pessoalmente, a diligente Defensora Pública em exercício perante este Juízo.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 2 de abril de 1996.”
“ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
Juízo de Direito da 5a Vara de Fazenda Pública
Cartório da Dívida Ativa do Município
Mandado de Segurança
Processo nº 2000.001.034862-0
Impetrante: S. V. S/A
Impetrado: Secretário Municipal de Fazenda e Coordenadoria do ISS, IVVC e Taxas do Município do Rio de Janeiro
DECISÃO
Mandado de Segurança. Rito. Conversão. Admissibilidade.
Princípio do aproveitamento dos atos processuais ou da adequação do procedimento à pretensão deduzida em Juízo. Dever legal do magistrado.
As partes não têm poder de disponibilidade sobre o rito processual. O procedimento não foi criado para a parte, mas sim para a atuação de uma função soberana do Estado. Daí a inaceitabilidade de qualquer tese que defenda a livre disponibilidade ou a fungibilidade de procedimentos e ritos.
Saber se a violação de um rito acarreta nulidade já é um problema que se insere na estrutura das nulidades, não na disponibilidade dos ritos. A impropriedade do rito não conduz à nulidade, porque a violação da forma do processo não conduz àquela nulidade. Mas o Juiz, o Tribunal, ao detectarem a impropriedade, têm o dever legal de fazer a adaptação que será feita com o aproveitamento daquilo que não lesou a parte.
Alega a impetrante – pessoa jurídica de direito privado – que tem como objetivo social a prestação de serviços de instalações industriais, impugnando glosa relativa ao ISS, no período de 11/95 a 10/96, não recolhido ao Município do Rio de Janeiro, onde se encontra estabelecida.
Sustenta que os serviços que geraram a autuação foram realizados fora do Município do Rio de Janeiro e sendo serviços de construção civil, o ISS é devido nos locais onde realizados, consoante reza o art. 12, alínea “b”, do Dec.-lei nº 406/1968, e não serviços de montagem industrial, como pretendeu a autoridade fazendária, caso em que seria aplicável a alínea “a” do referido art. 12.
Cinge-se o tema em debate em delimitar-se a real natureza dos serviços prestados pela impetrante, o que, como bem salientou o ente público, ao se manifestar sobre o pedido de liminar, demanda dilação probatória inadmissível nos estreitos lindes do mandado de segurança.
Afigurando-se inadequado para os fins colimados o rito procedimental do mandado de segurança, cabe ao magistrado determinar a sua conversão para o rito ordinário, onde deverá ser feita a prova pericial, assegurando-se o caráter dialético do processo, inexistindo qualquer prejuízo à defesa, assim em observância aos princípios da Efetividade e Economia Processuais.
A relevância de tema tão empolgante – conversão do rito erroneamente utilizado – já fora tratado pela doutrina e jurisprudência, sob a égide da ordem jurídica anterior.
Trata-se da aplicação do Princípio do Aproveitamento dos Atos Processuais que se extrai do disposto no art. 250 e seu parágrafo único, do Código de Processo Civil, que ora se transcreve:
‘Art. 250. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quando possível as prescrições legais.
Parágrafo único. Dar-se-à o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa’.
Não se pretende com isso defender-se a tese da fungibilidade do rito processual, com a qual não se comunga, sem embargo das opiniões em contrário.
Há que se distinguir entre a pretendida adoção da disponibilidade do rito processual e a validade do ‘processo’. Aquela inadmissível, quer para as partes, quer para o magistrado, por se tratar de interesse público, sobre o qual não se pode transigir. Esta última aplicável, adotando-se o princípio do aproveitamento dos atos processuais decorrente do art. 250 do Código de Processo Civil.
Tal distinção restou consagrada, em 1981, no VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada (ENTA), tendo sido aprovada, por 15 votos a favor, 1 contra e 2 abstenções, a tese do emérito processualista, então relator, Adroaldo Fabrício, conclusivamente, nos seguintes termos:
‘a) Inexiste para as partes ou para o Juiz, a faculdade de substituir o procedimento sumaríssimo pelo ordinário, submetendo a causa a este quando a lei prescreve aquele;
b) Contudo, a erronia do rito não conduz à invalidade do processo, devendo-se aproveitar todos os atos realizados;
c) Relativamente aos atos processuais ainda não consumados no momento em que se constata a inadequação do rito, deve ser o procedimento sumaríssimo adotado, nada importando o estágio de andamento e o grau de jurisdição em que se encontra o feito’.
Extraem-se do referido voto do professor Adroaldo Furtado Fabrício as seguintes lições, p. 203/205:
‘.... Não me filio à ideia da fungibilidade do rito, exatamente porque a minha ótica é outra. Não porque propriamente eu parta daquela ideia contra a qual teriam algumas restrições de todas as formas processuais. Não propriamente por isso, mas porque o procedimento hoje, no processo eminentemente publicístico, o procedimento atende sobretudo interesses de ordem pública, não sendo instituído para favorecer, para beneficiar as partes ou uma delas. Não foi em contemplação da comodidade das partes ou de uma delas que se instituiu no nosso caso mais específico, um procedimento abreviado, acelerado, com supressão de atos a que se dá o nome sumaríssimo, embora ele não chegue sequer a ser sumário, pelo menos substancialmente.
O interesse aí envolvido, parece-me ser, sobretudo, um interesse estatal em extrair da função jurisdicional, do trabalho jurisdicional, um rendimento maior.
(...)
O que a lei tem em mente é isto: obter maior operacionalidade, maior rendimento, maior celeridade na entrega da prestação jurisdicional. E esse interesse é indiscutivelmente público.
Portanto, o procedimento, ou rito, ou a forma do processo, como queiram dizer, não é objeto possível de convenção das partes, de transigência, de renúncia pelas partes.
(...)
Não extraio, entretanto dessa recusa à preferibilidade ou à conversibilidade do rito, a consequência rigorosa que alguns extraem, de dar pela nulidade de todo o processo que tenha se submetido à forma errônea. Parece-me que o processo vale, porque devemos ter presente outros critérios que são os próprios princípios inspiradores das normas processuais em matéria de nulidades, especialmente os princípios contidos nos arts. 244, 245 e 250 do CPC. Princípios estes, em última análise, de aproveitabilidade dos atos da conversão.
O que se tem de fazer, diante de um processo que se submeteu à forma inadequada, é verificar o que é aproveitável dentro daquilo que já se processou e o que pode ser aproveitado. Despreza-se o inaproveitável, com as eventuais repetições que se façam necessárias, aproveita-se aquilo que se possa enquadrar, que se possa encaixar no rito adequado.
(...)
A qualquer momento, porém, no meu modo de ver, em que a impropriedade seja detectada, seja constatada, cabe ao Juiz, de qualquer grau de jurisdição proceder à adaptação.
A adaptação não atingirá senão os atos futuros, os atos ainda não realizados, ainda não alcançados pela preclusão.
Adotar a forma correta, adotar a forma adequada, prescrita em lei, é possível, até mesmo, como destaquei, em segundo grau de jurisdição.
Não é, pois, irrelevante a conversão, ainda que tardia, do procedimento adotado.’
Transcrevem-se, outrossim, do VI ENTA, as lições do mestre Humberto Theodoro Júnior, atribuindo ao magistrado o dever legal de conversão do rito:
‘(...) Como entender, pois, que a parte, na sua conveniência pessoal, possa dispor de um rito, de um procedimento, que não foi criado para ela, mas sim para a atuação de uma função soberana do Estado? Daí a inaceitabilidade de qualquer tese que defenda a livre disponibilidade ou a fungibilidade de procedimentos e ritos.
Saber se a violação de um rito acarreta nulidade já é um problema que se insere na estrutura das nulidades, não na disponibilidade dos ritos.
Por isso dou o meu inteiro aplauso, minha inteira aprovação à tese do juiz Adroaldo Fabrício, que foi muito feliz no seu posicionamento.
A impropriedade do rito não conduz à nulidade, porque a violação da forma do processo não conduz àquela nulidade. Mas o Juiz, o Tribunal, ao detectarem a impropriedade, têm o dever legal de fazer a adaptação, que será feita com o aproveitamento daquilo que não lesou a parte, que é aproveitável’.
O mestre uruguaio Eduardo Couture, em sua célebre obra Introdução ao Estudo do Processo Civil, tradução de Mozart Victor Russomano, 3ª ed. Rio de Janeiro, José Kofino, Editor, 1951, p. 68, já destacava o caráter efetivo do processo e a sua finalidade pública e privada:
‘(...) Esse fim é privado e público ao mesmo tempo.
É privado, no que diz respeito às próprias partes, por ter feito cessar o conflito. Ao autor assegura a efetividade de seu direito, quando sua pretensão é justa: ao réu assegura a improcedência da ação, quando a oposição é justa.
Ao lado dêsse interêsse privado, todavia, o processo tem uma finalidade que interessa à comunidade. Essa finalidade de caráter público consiste em garantir a efetividade integral do direito. O processo é um instrumento de produção jurídica e uma forma incessante de realização do Direito. Este se realiza, positivamente, nas sentenças judiciais e a elas se chega mediante o processo. Êste, como se tem dito mantém a lex continuitatis do direito’ (...)
Inadmissível, na processualística moderna, o afastamento aos princípios da efetividade e da economia processuais.
Evidencia-se a preocupação de utilização do processo como verdadeiro instrumento do direito material, positivando-se, na reforma do Poder Judiciário, o direito constitucional da parte à celeridade processual, in verbis:
‘LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.
Isto porque como já dizia Rui Barbosa ‘justiça tardia não é justiça’.
A negativa à duração razoável do processo com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação passa a constituir verdadeira negativa do acesso à jurisdição, princípio fundamental insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
O direito à denominada ordem jurídica justa, aí incluída a celeridade, é a tônica da processualística moderna, destacando-se, sobre o tema, os ensinamentos de Ada Pelegrini Grinover, Paulo Bonavides, Sálvio de Figueiredo, dentre outros.
No caso, a conversão do mandado de segurança em ação de rito ordinário nenhum prejuízo trará à defesa.
Ao revés, na linha do acesso à denominada ordem jurídica justa, garantir-se-à à parte a celeridade e a efetividade do processo, evitando-se, ao final, a sua extinção sem julgamento do mérito, bem como novo ajuizamento, com recolhimento de custas e taxa judiciária.
Neste sentido, há muito decidira o mestre Athos Gusmão Carneiro, cassando sentença extintiva sem julgamento de mérito, por erro de rito procedimental, relator de acórdão proferido pela 1ª C. CTJRS, j. 25.02.1986 (RT 610, p. 191):
Procedimento sumaríssimo
Valor da causa – Vinculação ao salário mínimo – Decisão de 1º grau que entende correta a vinculação ao maior valor de referência – Processo extinto sem julgamento do mérito por inadequação do rito – Inadmissibilidade – Inaplicabilidade da Lei 6.205/1975 ao processo civil – Vício que, ademais, se existente, importaria apenas erro de forma, não acarretando anulação do feito – Aplicação dos arts. 250 e 275, I, do CPC.
‘Não se anula o processo, por erro de forma, quando possível, sem prejuízo ao contraditório, o aproveitamento dos atos praticados. Regra fundamental do art. 250 do CPC. Cassação da sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito.’
Na mesma linha de entendimento, vale transcrever trechos extraídos de acórdão unânime proferido pela 7ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em 05.05.1987, relator o Juiz Régis de Oliveira (RT 622, p. 126/127):
‘(...) Daí impor-se o provimento parcial para determinar-se a adaptação ao rito de execução, efetuando-se a penhora, servindo a contestação como embargos, que se processarão nos mesmos autos.
Assim, atende-se à legislação processual sem causar maiores danos às partes. Evita-se nova propositura de ação, economizando-se tempo, ganha-se em rapidez processual, realizando-se apenas e tão somente um ato a penhora, solicitada pela própria devedora.’
Na mesma esteira vem decidindo os nossos Tribunais:
Superior Tribunal de Justiça
Acórdão: REsp 62.318/SP (1995.00.12.531-5)
Recurso Especial
Decisão: Por unanimidade, não conhecer do Recurso Especial.
Data da decisão: 05.09.1995
Órgão julgador: Terceira Turma
Ementa
Processual e civil – Conversão de rito sumaríssimo em ordinário – Inexistência de prejuízo – Cessão de compromisso de venda e compra não registrado – Perdas e danos – Matéria de fato.
I – A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que, inexistindo prejuízo para a parte adversa, admissível é a conversão do rito sumário para o ordinário.
II – No compromisso de compra e venda de imóvel, a cessão avençada, comprovado que o compromissário também vendeu o bem a terceiro que o registrou, perde validade, restando ao prejudicado, reparação em perdas e danos.
III – Matéria de fato não se reexamina em especial (Súmula 07/STJ).
IV – Recurso não conhecido. (Relator Ministro Waldemar Zveiter, DJ 06.11.1995, p. 37.569).
Acórdão: REsp 19.798/RS (1992.00.05.634-2)
Recurso Especial
Decisão: Por unanimidade, negar provimento ao Recurso.
Data da decisão: 30.03.1993
Órgão julgador: Quarta Turma
Ementa
Execução. BRDE. Contrato de financiamento. Operação bancária, ainda que praticada por autarquia, não rende ensejo a execução fiscal; e não fere a lei federal a decisão da instância ordinária determinante de sua conversão ao rito previsto no Código de Processo Civil.
– Recurso especial não atendido.
Unânime. (Relator: Ministro Fontes de Alencar, DJ 17.05.1993, p. 9.340).
Acórdão: REsp 13.573/SP (1991.00.16.241-8)
Recurso Especial
Decisão: Por unanimidade, conhecer, em parte, do Recurso Especial, pelo fundamento da alínea ‘c’, mas lhe negar provimento.
Data da decisão: 30.06.1992
Órgão julgador: Terceira Turma
Ementa
Processual civil. Alteração do procedimento. Ausência de prejuízo. A conversão do procedimento sumaríssimo em ordinário, quando possível, e sem qualquer prejuízo para a parte adversa, não contraria as disposições pertinentes da Lei Processual Civil. (Relator: Ministro Cláudio Santos).
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo [Extinto]
Processo: 0508239-3
Proc. Princ.: 3
Recurso: Apelação Cível
Origem: Guarulhos
Julgador: 12ª Câmara
Julgamento: 20.06.1994
Relator: Campos Mello
Decisão: Unânime
Publicação: MF 3019/NP
Usucapião – Bem móvel – Veículo apreendido por autoridade policial – Artigos 552 e 619 do Código Civil – Prescrição aquisitiva a ser demonstrada no curso da lide – Cabimento – Investigações policiais aparentemente inconclusivas – Circunstância que não obsta o exercício do direito de ação – Extinção do processo afastada (artigo 267, I e VI, do Código de Processo Civil) – Recurso parcialmente provido, determinando-se o prosseguimento do feito, adaptando-se ao rito sumaríssimo do artigo 275, II ‘a’, do Código de Processo Civil.
Ministério Público – Bem Móvel – Desnecessidade – Artigo 82 do Código de Processo Civil – Recurso Improvido.
Tribunal de Justiça do Paraná
Acórdão: 13.894
Descrição: Apelação Cível
Relator: Des. Ulysses Lopes
Comarca: Londrina – 1ª Vara Cível
Órgão julgador: Primeira Câmara Cível
Publicação: 25.08.1997
Ementa
Decisão: Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Ementa: Processo Civil. Ação Monitória. Sentença extintiva que reconhece carência da ação, e remete as partes à via ordinária. Ajuizamento anterior de embargos ao mandado. Conversão do rito especial em ordinário. Aproveitamento da ação.
Acórdão: 5.102
Descrição: Apelação Cível
Relator: Des. Adolpho Pereira
Comarca: Toledo – Vara Crime Inf. Juv. Fam. e Anexos
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível
Publicação: 01.02.1988
Ementa
Ação de alimentos – Propositura contra o pai que é casado – Inexistência de investigação de paternidade ou de documento que reconheça a filiação – Extinção da ação sem julgamento do mérito.
1 – O fato de a parte ter requerido o rito especial, inadequadamente colocado na inicial, não deveria prejudicá-la. Se não foi dada oportunidade ao apelante de emendar a inicial (art. 284 do CPC), já que o procedimento não fica adstrito a escolha da parte, deveria o Dr. Juiz determinar a conversão para o rito ordinário uma vez que era possível e não causava prejuízo as Partes.
2 – Só quando o pedido substantivo tem respaldo na Lei 5.478/1968 que dispõe sobre a ação de alimentos, e que é exigida a prova pré-constituída da obrigação de alimentar do devedor. Na espécie, o pedido foi fundamentado no art. 4º da Lei 883/1949, que dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos e autoriza, para efeito da prestação de alimentos, o filho acionar o pai em segredo da justiça, em que deveria se estribar a decisão da relação material.
3 – Existem os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, e como a ação de alimentos e promovida pelo filho ilegítimo sem prova pré-constituída, tem ela o rito ordinário.
4 – Recurso provido para cassar-se a sentença e de terminar-se o prosseguimento do processo até final decisão de mérito, adequando-se o procedimento ao rito ordinário com aproveitamento dos atos praticados.
Decisão: Unânime.
Tribunal de Alçada de Minas Gerais
Acórdão: 0111602-3 – Apelação (Cv.)
Ano: 1991
Comarca: Belo Horizonte
Órgão Julg.: Segunda Câmara Esp. Temporária.
Relator: Juiz Kelsen Carneiro
Data Julg.: 17.10.1991
Dados Publ.: Não Publicado
Decisão: Unânime
Ementa
Execução por título extrajudicial – Descaracterização do título – Conversão em ordinária de cobrança – Por economia processual, o juiz, ao verificar que a cambial não possui as características de título executivo, deve converter a execução em ação de cobrança, que se operará no rito ordinário com as defesas e exceções de direito.
O Mandado de Segurança – poderoso instrumento de garantia dos direitos fundamentais – não pode ser interpretado de forma a obstar o exercício destes mesmos direitos, mormente, o acesso à jurisdição.
Aliás, quanto à efetividade e economia processuais, em tema de mandado de segurança, esta magistrada já teve oportunidade de se pronunciar em artigo publicado na revista Doutrina nº 9, Rio de Janeiro, Instituto de Direito, 2000, p. 38/41, Informativo ADV nº 21, p. 331 e na Revista da EMERJ, vol. 3, nº 9, p. 136/140.
Ante tais considerações, determino a conversão do presente mandamus em ação de rito ordinário.
Indefiro, por ora, o pedido liminar, que se conhece como antecipação parcial dos efeitos da tutela para suspender a exigibilidade do crédito tributário, visto que as alegações e documentos constantes dos autos não conseguiram afastar a presunção de legitimidade dos atos estatais, demandando a produção de prova pericial para verificar-se a real natureza dos serviços prestados.
Determino, outrossim, à autora que, no prazo de 5 (cinco) dias junte aos autos cópia do auto de infração sob comento.
Anote-se na D.R.A. que o demandado é o Município do Rio de Janeiro. Cite-se. Ciência ao Ministério Público.
Intimem-se.
Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2000.
MARIA CRISTINA BARROS GUTIÉRREZ SLAIBI
Juíza de Direito”
O novo remédio constitucional foi introduzido pela Constituição de 5 de outubro, nos termos seguintes:
Art. 5º, LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
O mandado de segurança coletivo é remédio jurídico processual, com fundamento constitucional, de caráter sumário, para a defesa de interesses coletivos, em que se busca provimento jurisdicional predominantemente mandamental.
O objeto do mandado de segurança coletivo é a tutela dos direitos previstos no art. 21 da Lei 12.016/2009.
Distinguem-se o MS individual e o MS coletivo justamente no interesse que protegem: no MS individual porta-se pretensão própria, em legitimação ordinária, enquanto no MS coletivo discute-se interesse coletivo, como se vê, por exemplo, no seguinte acórdão que, embora já reportado no capítulo I, desta obra, merece, ainda, nova lembrança:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS.
A Associação que impetra mandado de segurança não atua, no processo, como mandatária dos respectivos associados. A Constituição da República ao atribuir às associações legitimidade para impetrar mandamus coletivo outorgou-lhe legitimação extraordinária para defender em nome próprio direito alheio. Não se trata, portanto, do fenômeno da representação, mas sim o da substituição processual, onde prescindível a autorização expressa aludida no artigo 5º, inciso XXI, da CRFB. Aplicação do Enunciado nº 629 da Súmula do STF. O Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua competência constitucional, entende que é cabível a dedução do valor das subempreitadas no cálculo do preço do serviço para fins de cobrança de ISS. Posicionamento em contrário revela ocorrência de dupla incidência do imposto. RECURSO PROVIDO. EMPREITADA E SUBEMPREITADA (TJ-RJ, AC 24616/05, 11ª Câmara Cível, rel. Des. José Carlos Figueiredo, julg. 22.03.2006).14
Eis o dispositivo instituidor do mandado de injunção:
Art. 5º, LXXI – Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
É, destarte, remédio jurídico processual que intenta suprir a falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Veja-se a lição de Irineu Strenger15 sobre o significado da expressão injunction no direito anglo-americano:
No sentido usual da linguagem comum, injunção designa ato ou efeito de injungir, fazer imposição, ordem formal ou pressão das circunstâncias. Vocábulo originário do latim injunction (unir, impor, ajuntar), é usado para indicar obrigação imposta que se apresenta em caráter de ordem formal, cujo cumprimento não pode ser desatendido. A injunção, decorrente de um poder ou autoridade atribuída à pessoa que a determina, revela-se a ordem caráter imperativo, que não se discute, mas se cumpre.
Em termos jurídicos, a injunção pode ser definida como ordem com a qual o juiz impõe uma obrigação de fazer ou de não cumprir um ato determinado, cuja violação constitui um atentado ao direito.
Fala-se, assim, de prohibition ou restrictive injunction, ou ainda de mandatory injunction, esta última determinando a obrigação de fazer ou não fazer.
Em decorrência, o mesmo mestre deu o seguinte conceito:
Mandado de injunção é o procedimento pelo qual se visa a obter ordem judicial que determine a prática ou a abstenção de ato, tanto da administração pública, como do particular, por violação de direitos constitucionais fundada na falta de norma regulamentadora.
Nítido, assim, o caráter mandamental do mandado de injunção, cuja denominação é até mesmo redundante, pois tanto “mandado” ou “injunção” significam “ordem” ou “comando”.
O caráter do mandado de injunção é suprir, pelo provimento jurisdicional, a falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Luís Roberto Barroso16 dissente da opinião de Hely Lopes Meirelles e de José da Silva Pacheco, filiando-se à corrente majoritária, no sentido de que:
Em consequência, afigura-se fora de dúvida que a melhor inteligência do dispositivo constitucional (art. 5º, LXXI) e de seu real alcance está em ver no mandado de injunção um instrumento de tutela efetiva de direitos que, por não terem sido suficiente ou adequadamente regulamentados, careçam de um tratamento excepcional, qual seja: que o Judiciário supra a falta de regulamentação, criando a norma para o caso concreto, com efeitos limitados às partes no processo. O objeto da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competente para originar a regra, criando ele próprio, para os fins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante, independentemente de regulamentação e porque não foi regulamentada.
No provimento que dá procedência à injunção não cabe mandar que o órgão público emita a norma, pois, se assim fosse, desnecessário o remédio jurídico previsto no art. 103 ou até mesmo aquele previsto no art. 102, parágrafo único.
Mandado de injunção. Texto constitucional autoexecutável – Art. 53, II, ADCT.
Se o próprio requerente sustenta que o texto constitucional em que se baseia é autoexecutável, independendo, pois, de regulamentação, incabível é o mandado de injunção. Ademais, ainda que cabível o mandado de injunção, o requerente não comprovou, com a exordial, sua legitimação para a causa. Finalmente, se for admitida a tese da autoridade impetrada, no sentido de que a concessão do benefício pleiteado, previsto no art. 53, II, do ADCT, está a depender de lei regulamentadora, ainda assim a relação processual injuncional não poderá constituir-se validamente perante esta Corte, por incompetência – art. 102, inciso I, g. Processo que se declara extinto (STJ, Ac. un. da C.E., publicado em 21.08.89, MI 04-DF, rel. Min. Pádua Ribeiro, Impte. R. F. C. F., ADV-Jurisprudência, 46.148).
MANDADO DE INJUNÇÃO. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA INSCRITA NO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 7.783/89, QUE REGE O DIREITO DE GREVE NA INICIATIVA PRIVADA, ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. MANDADO DE INJUNÇÃO UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DO MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO CONHECIMENTO. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. Este Tribunal entende que a utilização do mandado de injunção como sucedâneo do mandado de segurança é inviável. Precedentes. 3. O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa 4. Mandado de injunção não conhecido. (STF. ac. Unânime, Plenário, publ. em 18.08.2006, MI 689-PB, rel. Min. Eros Grau).
Observe-se, no entanto, que, se não é objeto do mandado de injunção obter provimento jurisdicional ao órgão legislador no sentido de que faça a norma jurídica, pode ser objeto da injunção (e comumente o é...) a pretensão de se obter um comando à Administração para a realização de determinado ato ou fato.
José Afonso da Silva, escreveu em artigo no Jornal do Brasil, de 26 de setembro de 1988:
Mandado de injunção não se confunde com inconstitucionalidade por omissão. Esta visa a obter uma decisão que estimule a produção das normas (leis etc.) necessárias a integrar a eficácia do mandamento constitucional que as requeira. O mandado de injunção visa a obter o direito em favor do impetrante, quando inexistam normas regulamentadoras do artigo constitucional que outorgue direitos, liberdades ou prerrogativas. O mandado de injunção não é instrumento destinado a obter a produção de normas regulamentadoras.
O objeto da proteção do mandado de injunção é, assim, muito amplo, abrangendo não só a proteção de direitos e liberdades previstos na Constituição, seja em qualquer um de seus dispositivos, em qualquer título, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e até mesmo emenda constitucional: qualquer direito ou liberdade previsto em norma constitucional formal, cujo exercício se torne inviável por falta de norma regulamentadora, será protegido pelo mandado de injunção. Por exemplo: a) o direito de revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos e militares, na mesma data (art. 37, X); b) o direito de reclamar em face de irregular ou inexistente prestação de serviços públicos (art. 37, § 3º); c) o direito a programas de prevenção e atendimento ao menor e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins (art. 227, § 3º, VII) etc.
Não importa, para a proteção do mandado de injunção, que o direito constitucional tutele interesse privado, individual, público ou difuso – o que importa é que seja constitucionalmente previsto.
Já no que se refere às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, não são amparadas tão somente as prerrogativas previstas na Constituição sobre tais matérias – qualquer prerrogativa, ainda que decorrente de lei ou ato normativo inferior, poderá buscar no novo writ a sua eficácia em caso concreto.
De se destacar, por fim, nesse aspecto, evolução da jurisprudência do STF, v.g., MI 670-ES, rel. Min. Gilmar Mendes, de onde não ficou limitada a via injuncional apenas ao poder declaratório de inexistência da norma, mas também lhe foi dado cunho mandamental, haja vista o Excelso Pretório ter determinado para a greve dos servidores o mesmo padrão dos celetistas.
O habeas data é remédio jurídico processual de tutela ao direito de informação quanto aos dados referentes à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidade governamental ou de caráter público.
Dispõe o inciso LXXII do art. 5º da Constituição de 1988:
Conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.
Em parecer publicado no Diário Oficial da União, de 11 de outubro de 1988, sobre a interpretação e a aplicação do instituto, o então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, teve a oportunidade de dar o seguinte conceito:
O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: 1) direito de acesso aos registros; 2) direito de retificação dos registros e 3) direito de complementação dos registros, informáticos ou não.
Da mesma forma que o habeas corpus protege o direito de locomoção, o habeas data protege o direito de informação, mas tão somente no que diz respeito aos dados existentes sobre a pessoa do impetrante. O habeas corpus protege o direito de locomoção própria e de terceiro, enquanto o habeas data só protege o direito de informação referente à pessoa do requerente.
O texto constitucional prevê duas modalidades de habeas data:
a) aquele em que a pretensão é de conhecimento do registro (alínea a) e o
b) de retificação do registro (alínea “b”).
O habeas data cognitivo visa a assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, isto é, os dados constantes dos registros ou bancos de dados. A pretensão, aí, tem conteúdo declaratório, cessando a incerteza do que consta do registro; o que se pretende é o mero conhecimento do que consta dos registros ou bancos de dados – assim, é matéria estranha à lide a possível retificação ou a supressão dos registros. De qualquer forma, pode-se cumular o pedido de conhecimento com o pedido de retificação.
Já o habeas data retificatório já assume, como certa, a existência do registro e o fato de que o mesmo é inverídico, razão pela qual se pede a correção.17
A ação de manutenção de posse (arts. 926 e 927 do CPC) é mandamental (“Julgo procedente a demanda para determinar, com o trânsito em julgado, a expedição de mandado de manutenção de posse em favor do autor, determinado ao réu que cesse os atos turbativos” ou “julgo procedente a demanda para convolar em definitiva a medida concedida liminarmente, mantendo o autor na posse do imóvel”), enquanto a ação de reintegração é executiva (“julgo procedente o pedido para determinar, com o trânsito em julgado, a expedição de mandado de reintegração de posse em favor do autor”), embora a questão de diferença entre uma e outra acabe por ser acessória, a partir do princípio da fungibilidade das possessórias, previsto no art. 920 do CPC.
É o interdito proibitório (art. 932 do CPC) mandamental (“Acolho a pretensão autora para, com o trânsito em julgado, determinar a expedição de mandado proibitório ao réu para que não pratique, contra a posse autoral, turbação ou esbulho, cominando-lhe a pena pecuniária de X, caso transgrida o preceito”).
A diferenciação entre a ameaça e a turbação ou o esbulho, que fez as três categorias (ação de manutenção, ação de reintegração, interdito proibitório), é de elaboração posterior. O vim fieri veto (proíbo fazer violência) está no interdito de manutenção, como o veto no interdito proibitório. Não há facias na manutenção, como há na reintegração, nem mitas, como há na ação de imissão: há ne ... facias, “veto”. A caracterização de dois interditos conservativos, o de manutenção e o de prevenção do ato turbativo futuro, não apagou todo o elemento proibitivo daquele, que Ulpiano dizia prohibitorium ad retinendam possessionem. Trata-se, também, de aplicação especializada do interdito proibitório à força iminente, como terceiro caso de força, depois dos dois de força realizada (força nova, força velha). O mandado de non amplius turbando abrange a força iminente e a nova.
A sentença, no interdito proibitório, mostra tanto elemento executivo quanto na própria sentença de manutenção, e de nenhum modo se parece com a sentença (executiva) da ação de reintegração. Por outro lado, o veto do interdito proibitório, que é como o da ação de manutenção, possui, a sua base, menor dose de condenação que a da ação de manutenção e, a fortiori, da ação de reintegração. O elemento mandamental prepondera como se passa com a própria sentença na ação de manutenção.18
Já tratamos a ação de embargos de terceiro como espécie de intervenção de terceiro, devendo notar que é ação mandamental negativa, porque o seu conteúdo é a cessação da “eficácia” do ato constritivo (penhora, arresto, sequestro, venda judicial, arrecadação, partilha etc.).
Sobre o tema, importante destacar posições recentes do STF e STJ, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, na forma do art. 5º, par. 2º, da CR/1988, com base no Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, nº 7), inclusive com a edição da Súmula Vinculante nº 25 e, ainda, o Verbete nº 419 da Corte Federal.
Confiram-se:
Súmula Vinculante nº 25 do STF: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”
Súmula nº 419 do STJ: “Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel.”
Colhe-se, ainda, o seguinte julgado:
Habeas corpus. Denegação de medida liminar. Súmula 691/STF. Situações excepcionais que afastam a restrição sumular. Prisão civil. Depositário judicial. A questão da infidelidade depositária. Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 7º, nº 7). Hierarquia constitucional dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Habeas corpus concedido ex officio. Denegação de medida liminar. Súmula 691/STF. Situações excepcionais que afastam a restrição sumular.
– A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sempre em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL.
– Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA.
– A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, nº 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana.
– Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes.
– Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? – Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO.
– A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.
– Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.
– O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. – Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, nº 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano (STF. ac. Unânime. Plenário., publ. em 05.02.2009, HC 94695-RS, rel. Min. Celso de Mello).
Ainda a título de estudo, traz-se abaixo sentença da 23ª Vara Cível da Capital, na qual foi imposta ao sentenciado as drásticas consequências da prisão. A seguir:
“Comarca da capital
Juízo de Direito da 23ª Vara Cível
Processo nº 11.686 – MH
Autor: B. B. – A. C. Ltda. (em liquidação extrajudicial)
Advogado: Dr. Cleoberto Cordeiro Benaion
Réu: L. A. M. S.
Advogado: Curador Especial Defensor Público Dr. Célio Lopes de Souza
Ministério Público: Curadoria de Liquidação Extrajudicial
Sentença
1 – A autora, com fulcro no DL nº 911/69, pede ação autônoma de busca e apreensão, depois convolada em ação de depósito, dizendo que financiou a compra de moto, marca Honda, modelo ML 125, ano 1987, cor preta, chassis nº 9c2jc1981br-109558 e que o devedor está inadimplente com as prestações, mesmo depois de regularmente notificado pelo Cartório de Registro de Títulos e Documentos (fl. 11). Pede a apreensão liminar e, a final, seja consolidada a posse e propriedade da coisa posta em garantia nas mãos da credora fiduciária.
2 – O feito depois foi convolado, nos termos da norma específica, em ação de depósito, porque o bem não foi encontrado, tendo sido o réu citado (fl. 40) pela modalidade de hora certa, recebendo a contra-fé pessoa que se identificou como sua tia. Contudo, não houve resposta (fl. 41).
3 – Em favor do réu, manifestou-se o Dr. Curador Especial (fl. 44), impugnando genericamente o pedido, nos termos do art. 302, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
4 – O Ministério Público, intervindo como custos legis, eis que a autora está em liquidação extrajudicial (Lei 6.024), oficiou, através da Curadoria de Liquidações Extrajudiciais (fl. 45v.), opinando pela procedência da demanda.
É o relatório.
5 – O réu, em tempo oportuno, não apresentou nenhuma defesa nesta ação de depósito, sendo certo que é sabedor deste processo, mesmo porque, como está à fl. 24v., foi pessoalmente cientificado pela Sra. Oficial de Justiça, na oportunidade da tentativa de busca e apreensão da coisa, e não ofereceu nenhuma defesa, nem sequer mencionou onde a coisa estaria.
6 – O réu, conscientemente, viola a cláusula contratual, através da qual obteve o uso da coisa, razão pela qual
Julgo procedente a demanda para mandar que o réu, no prazo de 24 (vinte e quatro horas), entregue a coisa, ou a deposite em Juízo ou consigne o equivalente em dinheiro, sob pena de lhe ser decretada a prisão civil por até um ano (CPC, 902).
Condeno o réu no pagamento das custas e de honorários que, em face do CPC, 20, § 4º, arbitro em 10 % (dez por cento) do valor dado à causa.
P.R.I.
Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1990.”
1 Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe, tradução de Dom Marcos Barbosa, 25ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1983, p. 40.
2 Em nota de página, José Carlos Barbosa Moreira (Temas de Direito Processual, 4ª série, São Paulo, Ed. Saraiva, 1989, p. 180) comenta que o grande propugnador do sistema quinário é Pontes de Miranda, havendo idêntica orientação de Ovídio A. Baptista da Silva (“Eficácias da Sentença e Coisa Julgada”, no volume Sentença e Coisa Julgada, Porto Alegre, 1979, pp. 93 e segs.) e José da Silva Pacheco (Direito Processual Civil, São Paulo, 1976, 2º vol., pp. 201 e segs.).
3 Pontes de Miranda, Tratado das Ações, t. VI, Ações Mandamentais, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p. 3.
4 Pontes de Miranda, op. cit., p. 10.
5 Pontes de Miranda, op. cit., p. 3.
6 Pode-se pensar, na ação de reintegração em cargo público, em divisão de condenação em obrigações de fazer, constituindo o facere nos atos administrativos que vão resultar no provimento do cargo (nomeação, posse e exercício).
7 Na Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 103, p. 774, a despeito da pena cominatória se referir à execução de fazer ou não fazer, decidiu-se que a mesma não tem caráter indenizatório, mas de meio coativo, o que bem indicia o seu caráter acessório e não substitutivo da obrigação. Da mesma forma, embora se reportando a pretensão mandamental, na ação de depósito, a Suprema Corte, na mesma Revista, nº 116, p. 1.074, assentou que a prisão civil, prevista no § 1º do art. 902 do CPC, é mera técnica processual de coerção (meio indireto de execução), de que pode valer-se o exequente tanto na inicial como depois do não cumprimento do mandado, não havendo julgamento extra petita se a sentença comina a prisão para a hipótese do não cumprimento do mandado para a entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro. Creio, assim, que a pretensão mandamental principal pode vir acompanhada de pretensão a determinada pena, desde que razoável, para impor a conduta.
8 Alberto Silva Franco exibe diversos acórdãos no sentido de constituir o tipo do art. 330 do Código Penal, o descumprimento de ordem judicial. Direito Penal, 3ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1990.
9 Celso Delmanto, Código Penal Comentado, São Paulo, Freitas Bastos, 1986, p. 506.
10 Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública, 11ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1987, p. 3.
11 Ao prestar informações em mandado de segurança e habeas corpus, deve o magistrado manter sua postura de imparcialidade, abstendo-se de evidenciar posturas incompatíveis com suas relevantes funções. Nesse sentido, o Corregedor-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, em julho de 1992, fez as seguintes recomendações aos Juízes de primeiro grau para que, quando solicitados a prestar informações nessas ações autônomas de impugnação a seus atos, procedessem: 1. com a máxima prioridade e celeridade; 2. com a maior imparcialidade, relatando objetivamente a situação fático-jurídica do paciente/impetrante, salientando o tópico alusivo ao fundamento do fato evocado; 3. omitindo qualquer consideração de caráter jurídico dispensável; 4. abstendo-se de sustentar ponto de vista a justificar o procedimento informante na condução do processo; 5. anexando cópias do processo, quando expressamente requisitadas ou quando necessárias ao bom esclarecimento dos fatos e circunstâncias mencionadas na informação; 6. enviando a informação direta e imediatamente à autoridade requisitante e 7. verificando não ser a autoridade coatora, desde logo encaminhando a requisição àquele que o seja efetivamente, comunicando-se ao Tribunal.
12 Cf. Nagib Slaibi Filho, Anotações..., pp. 249 e segs.
13 Nota do Autor: Não se pode aqui deixar de mencionar hoje a Súmula nº 632/STF, DJ de 09.10.2003, uma vez que referido julgado é de 02.04.1996. Vejamos:
“Súmula 632. É constitucional Lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança.”
14 Em obra percuciente, Luis Roberto Barroso (O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas-Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1990, p. 184) observa que a posição sustentada no Anotações..., p. 263, ficou vencida, pois já decidiu o STJ que, ausente a expressa autorização de que trata o art. 5º, XXI, da CF de 1988, é ilegítimo o pleito da associação em nome de seus associados, invocando o MS 003-DF, rel. Min. Pedro Accioli, DJU de 30 de outubro de 1989, p. 16.497. No TJ-RJ, em voto vencido no MS 537/89, o Des. Rebello de Mendonça sustentou a tese de que a autorização referida no inciso XXI só se aplica na hipótese em que a associação ingresse em juízo para defesa de interesse que seja do associado, em caráter particular.
15 Citado no Anotações..., p. 265.
16 O Direito Constitucional..., p. 175.
17 Entendi, no Anotações... (p. 278), que o habeas data retificatório fosse pretensão constitutiva. Contudo, há entendimento de que, ali, se busca a determinação para se fazer a retificação, como se vê, por exemplo, no seguinte acórdão: “‘Habeas Data’ – Dado Pessoal. Negativa de Fornecimento. Cláusula de Sigilo. Lei Ordinária. Em se tratando de dado pessoal – ou personalíssimo – somente a pessoa em cujo nome constar o registro tem legitimação ativa ad causam ou legitimação para agir. Exceção feita aos mortos, quando, então, o herdeiro legítimo ou o cônjuge supérstite poderão impetrar o writ. Faltante o delineamento procedimental específico, até que a legislação ordinária venha a estabelecer o procedimento bem adequado à espécie, é possível, via de aplicação analógica, a invocação da Lei nº 1.533/51 [atualmente revogada pela Lei 12.016/2009] – Ato nº 1.245/88 – TFR. O direito relativamente ao habeas data nasce da negativa no fornecimento de informações, sendo indispensável a provocação de um ato gerador de conflito para atrair o provimento judicial. Frente à cláusula do sigilo – art. 5º, XXXIII, CF – por indeclinável submissão ao interesse público – segurança da sociedade e do Estado – não é absoluto o direito de acesso às informações. Compete ao Judiciário examinar a alegação do sigilo, avaliando da sua procedência ou não, compatibilizando a segurança do Estado com o direito à revelação às informações pretendidas. No caso, inexistindo antecedente pedido administrativo, desnaturada a resistência, ausente o interesse de agir, declara-se extinto o processo. Habeas data não conhecido” (TFR, Pleno, publicada em 02.05.89, HD 001-DF, rel. Min. Milton Pereira. Reqte.: N. A. K. S.). O Min. Garcia Vieira, relator originário, ficou vencido, assim tendo concluído o seu voto: “Conclui-se que é inegável o direito do impetrante de obter do SNI todas as informações a ele relativas, constantes nos registros ou bancos de dados do referido órgão, ressalvadas apenas aquelas que, objetiva e comprovadamente, sejam imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado. Se a própria Autoridade apontada como coatora, em suas informações, julgou de seu dever destacar que vem atendendo regularmente a todos os pedidos para o conhecimento de dados pessoais a ele dirigidos e que, por certo, adotaria o mesmo procedimento em relação ao impetrante, o presente pedido já não pode ser negado, porque já reconhecido. Concedo o presente habeas data para determinar à digna autoridade apontada como coatora que, no prazo de 15 dias, preste ao impetrante todas as informações concernentes a ele e à sua demissão sumária do Banco do Brasil, constantes de seus registros ou banco de dados que, objetiva e comprovadamente, não sejam imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado”.
18 Pontes de Miranda, Tratado..., t. VI, p. 157.