O valor que o tempo tem no processo é imenso e, em grande parte, desconhecido; não seria atrevimento comparar o tempo a um inimigo contra o qual o juiz luta sem tréguas. De resto também, sob este aspecto, o processo é vida. As exigências impostas ao juiz referentemente ao tempo são três: ceder, retroceder e acelerar o seu curso. Parecem exigências impossíveis de satisfazer, mas há experiências físicas que, a propósito, podem abrir-nos os olhos. Penso no operador cinematográfico com as suas possibilidades de desaceleração, de aceleração e de regressão (Carnelutti).1
Examina-se, agora, de forma sucinta, não só a sentença cautelar, mas também as decisões interlocutórias de conteúdo cautelar, abrangendo, assim, o gênero provimento cautelar, inclusive a tutela antecipada.
O fundamento da existência das medidas cautelares está no fator tempo:
A necessidade do processo cautelar, que lhe justifica a existência, resulta da possibilidade de ocorrerem situações em que a ordem jurídica se vê posta em perigo iminente, de tal sorte que o emprego de outras formas de atividade jurisdicional provavelmente não se revelaria eficaz, seja para impedir a consumação da ofensa, seja mesmo para repará-la de modo satisfatório. Isso explica o caráter urgente de que se revestem as providências cautelares, e simultaneamente o fato de que, para legitimar-lhes a adoção, não é possível investigar previamente, de maneira completa, a real concorrência dos pressupostos que autorizariam o órgão judicial a dispensar ao interessado a tutela satisfativa: ele tem de se contentar com uma averiguação superficial e provisória e deve conceder a medida pleiteada desde que os resultados dessa pesquisa lhe permitam formular um juízo de probabilidade acerca da existência do direito alegado, a par da convicção de que, na falta do pronto socorro, ele sofreria lesão irremediável ou de difícil reparação.2
Os provimentos cautelares são, assim, tentativas do homem jurídico de vencer o tempo exigido para a realização do processo até que se alcance uma decisão definitiva.
Observou Liebman que os provimentos cautelares são sempre destinados a durar um tempo limitado. De fato, chegando ao fim o processo principal, desaparece o próprio problema em razão do qual foram concedidos: ou o direito foi reconhecido como existente e poderá receber plena satisfação, ou então foi declarado inexistente, e a medida cautelar deverá ser revogada.3
Observe-se que a pretensão cautelar é diversa da pretensão definitiva, embora vinculadas por uma relação de complementariedade: a pretensão cautelar tem por fim garantir o resultado útil da ação principal.
Assim, tem o processo cautelar um caráter acessório ao processo principal, só existindo enquanto puder dar ao processo principal um determinado resultado útil. Daí por que as medidas cautelares podem ser preparatórias, surgindo antes da instauração do processo cognitivo ou executivo ou mandamental e incidental, durante a pendência do processo principal (CPC, art. 796: “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”). Ocorrendo o trânsito em julgado da decisão principal, cessa o fumus boni iuris como pressuposto para a concessão de medida cautelar, o que, aliás, deu ensejo ao disposto no art. 489 do CPC, de que a ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda, esclarecendo a Súmula 234 do extinto Tribunal Federal de Recursos que não cabe medida cautelar em ação rescisória para obstar os efeitos da coisa julgada.
Qualquer que seja o resultado do processo principal, julgando ou não o mérito, é necessário que o juiz se manifeste sobre o processo cautelar.
Como o processo cautelar é acessório ao principal, usualmente os dois serão conhecidos no mesmo decisum, devendo, no entanto, observar-se que:
1) se é procedente o pedido principal, deve o juízo convolar em definitiva a medida cautelar concedida (p. ex., nas ações de busca e apreensão do bem sob alienação fiduciária, em que foi concedida medida liminar, assim será o provimento: “julgo procedente a demanda para convolar em definitiva a medida liminar de busca e de apreensão, declarando que a propriedade e posse da coisa se consolidem nas mãos do credor fiduciário...”) caso tal medida permita tal convolação, pois, como se verá, nem todas as cautelares adiantam o provimento definitivo;
2) se, ao contrário, por qualquer meio, deixou de acolher a demanda, deve o magistrado prover sobre a ineficácia da medida cautelar concedida, mesmo porque a sentença improcedente torna insubsistente a presunção do fumus boni iuris que, como pressuposto da cautelar, embasou-a. Sobre os efeitos ex tunc da cassação das medidas liminares, é necessário trazer a lição do Min. Evandro Lins e Silva, no julgamento do Recurso de Mandado de Segurança nº 11.115, que foi o leading case da Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal:
Não é possível que prevaleça uma medida liminar, provisória, concedida no início da lide, sobre uma decisão final, proferida após o exame e o estudo de todos os elementos informativos do processo. A liminar desaparece com a sentença de 1ª instância: quando concede o mandado, passa a substituí-la; quando o nega, revoga-a automaticamente.4
A dependência ou a acessoriedade, ou a complementariedade do processo cautelar não lhe dispensa o traço de autonomia mesmo porque são diversos os pressupostos para a existência de um e de outro. O processo cautelar é outra relação processual que não se confunde com a relação processual principal: diversos o pedido e a causa petendi do processo cautelar, em face do pedido e do fundamento do processo principal: tanto é assim que o art. 801, III, do CPC exige que, na petição da medida cautelar o autor indique a lide e seu fundamento, isto é, o motivo e o que pedirá na ação principal.
Não se confunda, no entanto, a autonomia do processo cautelar com possibilidade de ser a medida cautelar requerida incidentalmente em determinado processo principal (ou mesmo cumulativamente) na mesma petição inicial ou posterior, sem que se obrigue o demandante a fazer nova distribuição (ainda que por dependência), autuação etc. Antes da nova redação que se deu ao art. 273 do CPC, com a previsão expressa da antecipação da tutela, alguns juízes não conhecem do pedido cautelar formulado no corpo da petição inicial por entender que o art. 801, caput, ao mencionar petição escrita quer dizer outra petição escrita. Tal entendimento não tinha cabimento, bastando lembrar que não é estranho que se cumulem pedidos (o que representa cumulação de ações ou relações processuais – art. 292 do CPC). Eventuais efeitos tributários (pagamento de custas ou taxa judiciária) do ajuizamento de medida cautelar incidental não têm por consequência processual a autuação e a tramitação em separado, mesmo porque a regra do art. 809 (os autos do procedimento cautelar serão apensados aos do processo principal) induz que tal só ocorrerá se houver autos separados. Noticiou Theotonio Negrão5 que há acórdão na Revista dos Tribunais, 57,1 p. 156, no sentido de que, a critério do juiz, se o apensamento importar óbice ao regular processamento da ação principal ou da cautelar, poderá deixar de ser feito; em julgado encontrado na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, nº 110, p. 299, entendeu-se que a lei processual não exige o julgamento simultâneo da ação cautelar e da principal (para os fins do CPC, 105); quando a providência cautelar já foi concedida initio litis, geralmente não há inconveniente em que a instrução e a sentença de ambas sejam unificadas, mas não deve o juiz sobrestar o andamento do processo principal, quando esta se encontra retardada em relação ao processo acessório.
Salvo situações excepcionais, dependendo do caso concreto, vencidas as questões preliminares da ação acessória, a regra é que, dependendo a apreciação do mérito da cautelar de instrução que, ao menos em parte, coincida com a da ação principal, declare, nos autos da cautelar que procede a reunião da mesma com a ação principal, em face do disposto nos arts. 103, 105 e 108 do CPC, e que a tramitação continuará nos autos principais. Por exemplo mais cediço, temos a ação de separação de corpos, em que, concedida a providência liminarmente, expediu-se o alvará de separação (ou o mandado ao outro cônjuge para se retirar), veio a contestação e até mesmo eventual réplica, quando, então, já tramitando a ação principal, o juiz determina a reunião das ações.
Eduardo Couture6 coloca como características das medidas cautelares:
a) provisoriedade, pois as medidas se decretam sempre mediante um conhecimento sumário, unilateral e, em consequência, provisório. A despeito da respeitável opinião em contrário de Galeno Lacerda7 as medidas cautelares não se revestem de cunho de definitividade, não sendo, destarte, satisfativas. O provimento satisfativo, em sede de medida cautelar, representa, entre outros vícios, séria lesão ao direito fundamental de acesso à Justiça, vulnerando o princípio do devido processo legal, pois o lesionado não terá como, no processo, sequer discutir... A provisoriedade da medida cautelar é que implica lapso de tempo determinado para sua eficácia, quer pelo tempo designado pelo juiz, pela lei ou, mesmo, pelas circunstâncias – nesse sentido, diz o art. 807 do CPC que as medidas cautelares conservam sua eficácia na pendência do processo principal;
b) acessoriedade, pois elas só se justificam pelo risco que corre o direito que se debate ou se debaterá no processo principal. Não pode o juiz conceder medida cautelar que não se vincule ao pedido principal. Por isso o art. 801, III, do CPC exige que o requerente coloque a pretensão principal e seu fundamento. Pode-se aceitar, até mesmo, que a pretensão principal e seu fundamento esteja implícita no pedido da cautelar (como, no exemplo comum, a cautelar de separação de corpos porque o marido agride a mulher só pode se referir à ação principal de separação por grave violação dos deveres matrimoniais em decorrência de agressão do varão), mas o fato de estar implícito não dispensa que seja inequívoco.
c) preventividade – as medidas cautelares têm um conteúdo meramente preventivo, não julgando nem prejulgando sobre o direito do suplicante; sua extensão deve limitar-se ao estritamente necessário para evitar males certos e futuros, ou, como lembrou Calamandrei para evitar que a Justiça, como os guardas na ópera bufa, seja condenada sempre a chegar demasiado tarde;
d) responsabilidade, pois ficam sob a responsabilidade de quem as pede. O dano que causem indevidamente é encargo de quem as pede. O art. 811 prevê sobre a responsabilidade objetiva do requerente da medida cautelar, tendo o Supremo Tribunal Federal entendido que “a responsabilidade, no caso da medida cautelar, funda-se no fato da execução da medida, independendo de prova de má-fé do requerente” (Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 87, p. 665).
“Fórum Regional de Santa Cruz
Juízo de Direito da 1ª Vara Cível
Processo nº 2954
Sentença
A.M.O. pede ação cautelar de separação de corpos em face de Z.O. dizendo que são casados e residem no mesmo prédio; que pretende mover, posteriormente, ação de separação judicial com fundamento em grave violação dos deveres matrimoniais, como preceitua o art. 5º da Lei nº 6.515/77; que sofre agressões físicas e morais do seu consorte, pelo que pede medida liminar e, empós, a citação do réu e a final procedência.
O Doutor Juiz então em exercício concedeu a liminar inaudita altera pars autorizando a autora a se retirar do lar conjugal e determinando a citação.
O réu foi citado in faciem (fl. 20v.), mas não apresentou impugnação (fl. 21).
O Sr. Escrivão certificou, à fl. 23, que não foi intentada, no prazo legal, a ação principal, não havendo manifestação da autora, mesmo quando se lhe abriu prazo para tal.
É o relatório.
O provecto Pontes de Miranda (Comentários ao CPC/73, v. XII) já notara que as medidas cautelares ramificam-se em dois grandes troncos: algumas medidas simplesmente comportam declarações receptícias de vontade (notificações, interpelações, protestos) ou representam formas para segurar a memória das coisas (produção antecipada de provas, justificação) – tais medidas não têm caráter jurisdicional, pois sua concessão não restringe a esfera jurídica de quem quer que seja. Outras medidas, no entanto, – e são essas as verdadeiras cautelares – representam ingerência no status jurídico do demandado, colocando-o em estado de sujeição pelo só exercício da pretensão autoral junto à função jurisdicional: são as medidas de sequestro, arresto, alimentos provisionais, busca e apreensão etc.
A medida cautelar de separação de corpos tem evidente caráter de ingerência na esfera jurídica dos cônjuges: a autorização judicial suspende o dever de coabitação (Código Civil, art. 231, II [corresponde ao art. 1.566, inc. II, CC/2002]) e tem efeitos patrimoniais, pois é o termo inicial da extinção da comunicabilidade dos bens (art. 8º da Lei do Divórcio).
No caso concreto, a ação principal deveria ser intentada no prazo de trinta dias, e tal prazo se conta a partir da efetivação da medida (CPC, art. 806). No entanto, como se vê à fl. 23, não houve a demanda principal.
Pelo exposto,
Julgo extinto o processo cautelar, por perda do objeto (CPC, 267, IV), proclamando que cessou a eficácia da medida liminar (CPC, 808, I, e 806), resolvendo-a ex tunc.
Custas pela requerente.
P.R.I.
Santa Cruz, em 30 de junho de 1989.”
Cândido Dinamarco8 relembra que Calamandrei especificou quatro categorias de medidas cautelares:
1 – instrutórias, voltadas a garantir os bons resultados de um processo de conhecimento (produção antecipada de provas);
2 – tendentes a garantir a efetividade do processo de execução (inicialmente só no que se referisse à execução, como o arresto e o sequestro, pois assim era o pensamento germânico; hoje, poderíamos dizer que são medidas tendentes a garantir a efetividade de qualquer processo, cognitivo, executivo ou mandamental);
3 – as cauções, que ora são de natureza cautelar propriamente dita, ora se apresentam especificamente como contra-cautela destinada a neutralizar o risco que a efetivação de outra medida cautelar pode trazer ao requerido; e
4 – medidas provisionais, adiantando o provimento jurisdicional demandado na ação principal, como são os alimentos, as liminares possessórias e certas liminares em mandados de segurança, por exemplo (as antecipações de tutela).
Quanto ao procedimento, as medidas cautelares podem ser nominadas, correspondendo a um tipo de procedimento específico, constante na lei (correspondente aos procedimentos cautelares específicos, constantes do sistema codificado ou mesmo extravagante, como, por exemplo, nesse último caso, a medida liminar de busca e apreensão referida no Decreto-lei nº 911/69) ou inominadas, também chamadas atípicas (CPC, art. 798: além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito de outra lesão grave e de difícil reparação).
Veja-se o disposto no § 7º do art. 273, pela redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado.”
“PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
Juízo de Direito da 7ª Vara de Fazenda Pública
Ação de Rito Ordinário
Processo nº: XXX
Autor: XXX
Réu: Estado do Rio de Janeiro
Decisão
Ação de rito ordinário proposta por aidético hipossuficiente, através do escritório modelo da Faculdade XXX, em face do Estado do Rio de Janeiro, requerendo remédios essenciais à manutenção da vida do autor, instruída com os documentos (fls. xx) que comprovam a carência e a indicação médica.
Concedeu-se a liminar, determinando às Autoridades Administrativas que fossem fornecidos os remédios incontinenti, não havendo notícias de eventual recurso que suspendesse a eficácia da decisão.
A liminar não foi cumprida.
Requereu o autor providências no sentido de que fosse cumprida a ordem judicial, sob pena de prisão, sendo notificados os Senhores Procurador-Geral do Estado, Secretário de Saúde do Estado e o próprio Governador do Estado (fls. xx) para que cumprissem a ordem.
A ordem judicial continua desobedecida, pois o terceiro remédio (Kaletra) não foi entregue, limitando-se a Secretaria de Estado a informar que foi determinada a sua compra, sem qualquer previsão de entrega.
O direito das pessoas carecentes e portadoras do vírus HIV à distribuição gratuita de medicamentos decorre da Constituição Federal ( arts. 5º, caput, e 196), e foi proclamado como direito humano em recente Resolução da Organização das Nações Unidas (ONU).
É a mesma linha de orientação do Supremo Tribunal Federal em diversos precedentes, ressaltando, inclusive, a dispensa de licitação para aquisição de medicamentos para situações emergenciais e de urgência, art. 24, IV, da Lei 8.666/1993, alterada pela Lei 8.883/1994 (RE-241.630/RS, Rel. Min. Celso de Mello; RE 247.900-RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 236.200-RS, Rel. Min. Maurício Corrêa; RE 264.269-RS, Rel. Min. Moreira Alves [...]), além de inúmeros julgados do Eg. Tribunal de Justiça/RJ (Ap. Cível 13.520/1999, 5ª C. C. TJ/RJ, rel. Des. Marcus Faver [...]), em anexo.
Descabe o pedido de prisão, visto que inviável a pretensão de se prender a Autoridade máxima do Estado, responsável pela manutenção da ordem pública (art. 144 da Constituição Federal).
Cabível a intervenção federal (cf. art. 34, VI, CF, RITJ, arts. 110 a 116), poderoso instrumento de preservação da Constituição como fundamento da ordem democrática e da autoridade dos Poderes Constituídos.
O autor, com a vida em iminente risco, não pode aguardar a longa tramitação do processo de intervenção federal.
Urge que, mesmo sem a manifestação do Egrégio Órgão Especial, remeta o Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça este expediente ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal para que, ad referendum do Plenário, requisite ao Executivo federal o fornecimento imediato do remédio, compensando-se depois na verba própria do orçamento que será repassada ao Governo do Estado, pois consoante proclamou o Supremo Tribunal Federal, na ADCM nº 4: ‘O Poder Cautelar é inerente ao julgar’ (art. 112, § 1º, RITJ, a contrario sensu).
Oficie-se ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça, com cópia da presente decisão e dos autos, rogando as mais urgentes providências.
Rio de Janeiro, 5 de junho de 2001.
Maria Cristina Barros Gutiérrez Slaibi
Juiz de Direito”
A regra geral, decorrente do caráter acessório do processo cautelar, está no art. 800 do CPC: as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa: e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal; nos casos urgentes, se a causa estiver no tribunal, será competente o relator.
O disposto no art. 800 é explicitação da regra do art. 108, quanto à competência por acessoriedade.9
O próprio encarregado da distribuição deverá fazer exame prévio para a distribuição por dependência (art. 253), o que não exclui o juízo de sua própria competência que será feito pelo órgão jurisdicional, mesmo porque “a competência, nas medidas preventivas, não é matéria cujo conhecimento e decisão devam ser relegados para a ação principal; é tema que deve ser decidido desde logo, embora tendo em vista a competência para a ação principal” (Revista do Tribunal de Justiça de São Paulo, nº 110, p. 281).
Evidentemente, se o juiz se dá por incompetente na ação principal, é incompetente para a ação cautelar e vice-versa, da mesma forma que a afirmação de competência por prevenção se dá em termos recíprocos.
Quanto à prevenção do juízo em decorrência de processo cautelar, há que se distinguir entre as medidas cautelares em que haja ingresso na esfera privada do demandado (como arrestos, sequestros etc.) e medidas cautelares meramente instrutórias (vistorias, notificações, protestos etc.).
As medidas cautelares puramente instrutórias não ensejam prevenção, como as notificações judiciais (CPC, art. 867), mesmo se pudesse ter havido notificação extrajudicial (por exemplo, pelo Cartório de registro de títulos e documentos), e o interessado preferiu a via judicial para se garantir quanto à forma; a produção antecipada de provas (Súmula 263 do extinto Tribunal Federal de Recursos: a produção antecipada de provas, por si só, não previne a competência para a ação principal, embora haja posição dissente, como se vê em conclusão do VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: a cautelar de antecipação de provas previne a competência) etc.
Por adentrar na esfera jurídica do demandado, previnem o juízo a cautelar preparatória, ainda que a medida liminar tenha caducado; a sustação de protesto; separação de corpos; busca e apreensão; caução às custas (CPC, 835); o sequestro e o arresto etc.
Em nível constitucional, dispunha a antiga Lei Maior, com a redação que lhe foi dada pela Emenda nº 7/77, que cabia ao Supremo Tribunal Federal julgar, originariamente, o pedido de medida cautelar nas representações oferecidas pelo Procurador-Geral da República. Hoje, por maior extensão dos legitimados ativos na ação de inconstitucionalidade, dispõe o art. 102, I, “p”, sobre a competência da Suprema Corte de processar e julgar, originariamente, “o pedido cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade”. Por se tratar a ação de inconstitucionalidade de função legislativa anômala, em que se pretende não a resolução de caso concreto, mas o provimento que suspenda a eficácia de normas genéricas e abstratas, entendeu-se como necessária a inclusão, no texto constitucional, de tal poder cautelar, mesmo porque a matéria de processo legislativo vai haurir na Constituição os seus fundamentos, diversamente da função jurisdicional que se vincula, para a resolução do caso concreto, aos dispositivos constitucionais e legislativos, nessa ordem. Quanto ao Tribunal de Justiça, no exercício da competência legislativa extraordinária que lhe defere a Constituição estadual, em decorrência do disposto no art. 125, § 2º, da Carta da República, ainda que a respectiva Carta Estadual não disponha sobre seu poder cautelar na representação de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos, tal será decorrente do princípio constitucional federal do art. 102, I, “p”, mesmo porque os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Lei Maior (CF, art. 25).10 É a tão falada regra da simetria.
Sobre o tema, colhe-se da doutrina a seguinte passagem, in verbis:
Falando sobre o fumus boni iuris e periculum in mora, a doutrina não é muito precisa na colocação científica dos dois requisitos. Eles são requisitos para o julgamento daquilo que se poderia chamar mérito do processo cautelar, ou são condições de ação? Chiovenda, concretista, colocava como condições de ação. Liebman coloca como mérito, e nós ficamos nessa dúvida: os que colocam os requisitos como condição da ação cautelar não dizem qual é o requisito para que ela seja concedida, qual seria o mérito da ação cautelar. E os que dizem que são requisitos de mérito, não dizem quais são as condições da ação cautelar.
Meditando sobre isso, numa aula do curso de mestrado em São Paulo, dois anos atrás, eu sugeri que talvez (embora eu me coloque numa posição abstratista) a ação cautelar seja uma ação concreta, onde a existência do direito à cautela se confunde com as condições da ação cautelar. É também um tema a ser meditado, uma opinião que eu não apresento definitivamente, mas sobre a qual medito na busca de uma solução definitiva.11
Comentando sobre o disposto no art. 798 do CPC, que considera como pressuposto da cautelar quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, Ovídio A. Baptista da Silva observa que o primeiro requisito da medida cautelar será a prova da existência de um estado perigoso, capaz de ameaçar seriamente a incolumidade de um determinado direito da parte, seja por ato voluntário da outra parte, seja em decorrência até mesmo de ato de terceiro ou de algum fato natural.12
Aduz que, na locução perigo de dano iminente e irreparável, deve compreender-se tanto os casos de risco de causação de um dano realmente irreparável, por seu caráter de definitividade e irreversibilidade, como também àquelas hipóteses em que a situação de perigo apenas possa provocar um dano qualificado como sendo de difícil reparação, conceito que se equipara à própria irreparabilidade, para legitimar a proteção cautelar.
O mesmo autor verbera a utilização da expressão periculum in mora para expressar o “estado perigoso”, pressuposto da medida cautelar, embora reconheça a universalidade de seu emprego, a que atribui a Carnelutti, segundo o qual as medidas cautelares têm por fim assegurar o bom êxito do processo e garantir, por tal forma, a frutuosidade da futura decisão de mérito, cuja utilidade poderia estar ameaçada, se ao juiz não se dessem poderes para prover imediatamente, antes mesmo da propositura da ação, ou durante seu curso, adotando as providências capazes de conjurar esse perigo.
Note-se que o art. 810 do CPC dispõe que o indeferimento da medida cautelar não obsta a que a parte intente a ação principal, nem influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor.
A medida cautelar é uma verdadeira luta contra o tempo, exigindo uma rápida e eficiente atividade do juiz. Tal atividade pode ser resumida em dois aspectos:
1 – um procedimento presto e suficiente para percepção da realidade, razão pela qual o art. 798 concede ao juiz, sempre a requerimento do interessado, o poder de conceder as medidas cautelares específicas, bem como outras medidas provisórias que julgar adequadas, ainda que inaudita altera pars;
2 – uma cognição sumária, isto é, a verificação dos fatos e do direito apontados de forma bem mais superficial (embora sem dispensar a motivação, isto é, a conexão dos fatos com a ordem jurídica).
O segundo requisito é o fumus boni iuris, a aparência de um direito, a fumaça de bom direito que fornece ao juiz a possibilidade de conceder essas medidas cautelares. Sob esse aspecto, nós confrontamos o processo cautelar com o principal, especificamente com o de conhecimento, para observar que são dois enfoques diferentes. No processo de conhecimento, há a exigência da certeza para o juiz julgar. Quando julga uma demanda procedente ou improcedente, ele o faz com base em uma certeza. Trata-se da verdade real ou verdade formal que emana do processo, dependendo do caso, mas sempre com a certeza de existência do direito que é o pressuposto de seu julgamento e que será o efeito do julgamento proferido e passado em julgado. Mas, exatamente por causa do perigo da demora, não se pode, no processo cautelar, chegar a uma análise de profundidade. O juiz, na instrução sumária que se faz no processo cautelar, não passa da superfície, apreciando, apenas, o quesito de aparência da existência de um direito. E, a propósito, diz Calamandrei nessa passagem que já reproduzi em parte: “A função dos provimentos cautelares nasce, pois, da relação que se passa entre esses dois termos, a necessidade de que o provimento seja eficaz, e a inaptidão do processo ordinário a criar, sem demora, o provimento definitivo. Os provimentos cautelares representam uma conciliação entre as duas exigências geralmente contrastantes na Justiça, ou seja: a da celeridade e a da ponderação.” E aqui vem seu pensamento expresso numa síntese admirável: “Entre fazer logo, porém mal e fazer bem, mas tardiamente, os provimentos cautelares visam, sobretudo, a fazer logo, deixando o problema do bem e do mal, isto é, da justiça intrínseca do provimento, seja resolvido mais tarde com a necessária ponderação, nas necessárias formas do processo ordinário.”13
“Estado do Rio de Janeiro
Comarca da Capital
Juízo de Direito da 23ª Vara Cível
Processo nº 13.650 – LV
Autor: Petroquisa S.A. –
Advogado: Dr. João Guilherme Sauer
Réus: 1º – EDN S.A.
2º – I. Q. B. Ltda.
3º –BEAL S.A.
Advogado: Dr. Jorge Lobo
Despacho
Requerimento de reconsideração
I – O 3º réu (BEAL), em longo e minucioso requerimento, pede a reconsideração do despacho de fl. 107, que, entre outras providências, concedeu a medida liminar, inaudita altera pars, em data de 22 último, como requerido à fl. 21, (a), no seguinte teor:
‘(a) ordenar ao réu BEAL, na pessoa de seus representantes legais, que se abstenha de ‘vender’, dar em pagamento ou de outro modo alienar ou transferir as ações com direito a voto da EDN pertencentes à B., até o julgamento definitivo da ação principal acima aludida.’
II – Diz a requerente que a C. S.A. I. C. P. Q. (concordatária conforme cópia da sentença às fls. 85/88), sociedade controladora da ré B., em 1988 lançou debêntures, nomeando o BEAL como agente fiduciário dos debenturistas, e, em março de 1990, dando como garantia real das debêntures da 1ª série, da 2ª emissão, as ações emitidas pela EDN, tendo como garantidoras a C. (307.240 ações preferenciais nominativas, na classe B), e B. (416.656.138 de ações ordinárias nominativas e 53.498.083 preferenciais nominativas).
III – Aduz que, nos termos da escritura de emissão de debêntures (doc. 2, que acompanhou o pedido de reconsideração), pode o agente fiduciário (BEAL) declarar o vencimento antecipado de todas as obrigações derivadas da escritura e exigir imediato pagamento pela emissora da soma total das debêntures em circulação se a emissora... pedir concordata o que, efetivamente ocorreu.
IV – Aditou, ainda, que lhe socorre o direito potestativo de excutir o penhor que foi averbado nos livros do Banco Itaú, instituição financeira depositária das ações escriturais caucionadas (Lei nº 6.404/76, art. 39), dizendo, ainda, que, estando o capital social da EDN dividido em partes iguais entre a autora (Petroquisa), a D. Q. S.A. e a B. notificaram para exercerem o direito de preferência, tendo a D. Q. ficado silente, e a autora, quando ao findar o prazo, demandado a presente cautelar.
V – Explicitou a requerente que, querendo excutir a garantia real, através de leilão especial, dirigiu-se à Comissão de Valores Mobiliários esclarecendo a situação para a venda das ações ordinárias nominativas com direito de voto da EDN dadas em garantia real aos debenturistas, enunciando o propósito de que a operação seja efetuada através de leilão com interferência apenas na ponta compradora, unicamente para a aquisição de todo o lote oferecido, pleiteando que a CVM determine à BOVESPA, onde se realizará o leilão especial, que só admita “interferência na ponta compradora, unicamente para a aquisição de todo o lote oferecido”. A solicitação foi atendida pela CVM, conforme expediente de hoje datado e que acompanha o requerimento.
VI – Menciona, ainda, o BEAL que o acordo de acionistas entre a Petroquisa, a D. Q. S.A. e a B. tem natureza contratual, e, pelo princípio da relatividade dos contratos, é ineficaz em relação à própria sociedade EDN e a terceiros, ensejando, a violação do acordo de acionistas, tão somente o direito de haver perdas e danos.
VII – Enuncia que o acordo de acionistas ou convenção, ou pacto de bloqueio é o contrato pelo qual o acionista se obriga em face de uma ou mais pessoas a não alienar suas ações sem o acordo dos contratantes ou sua renúncia ao direito de preferência, não importando, é claro, em uma vedação absoluta do direito de dispor. Cada acionista da EDN teve duas oportunidades de exercitar sua preferência, o que não fizeram, e que a autora sempre teve conhecimento do contrato de penhor das ações da EDN.
VIII – A final, pede a reconsideração da liminar ou o recebimento do seu requerimento como agravo de instrumento.
Fundamentação
IX – Permanecem subsistentes os pressupostos para a concessão da liminar, que foi no seguinte teor:
1 – Pleiteia-se medida cautelar, preparatória de ação de execução específica de obrigação de fazer, decorrente de acordo (doc. 3, que instrui a inicial) entre a autora, a 2ª ré, a D. Q. S.A., cujo objeto dispõe sobre a 1ª ré, em seu substrato acionário.
2 – Reconheço o pressuposto do periculum in mora em face do doc. 7, que instrui a inicial, consubstanciando manifestação de vontade do 3º réu no propósito de vender aos debenturistas lotes de ações, alienação que, efetivada, romperia os termos antes acordados.
3 – Reconheço, também, presente o pressuposto do fumus boni iuris em face dos termos do acordo referido no item 1, pois, se procedida a alienação, nos termos que exsurgem da documentação que acompanha a inicial, haverá dano de irremediável ou quase impossível remédio.
4 – Assim, defiro inaudita altera pars, mesmo porque prévia citação só teria o condão de ser realizada após o negócio jurídico que se pretende evitar, para deferir os pedidos cautelares constantes do item 19, alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘d’, expedindo-se, ainda, precatórias para a citação (CPC, 802).
X – Observo que o requerente, em nenhum momento, ataca o pressuposto do perigo na demora do adiantamento da prestação jurisdicional cautelar, mesmo porque o que almeja é a alienação de ações que representam o substrato patrimonial da EDN. O caráter constitutivo da alienação, ainda que em leilão especial, em bolsa de valores, por si só produziria, se efetivado, resultados jurídicos e econômicos que seriam de difícil reparação, frustrando a pretensão autoral a ser posta na demanda principal que é (como se vê à fl. 21, item 17) “... ação principal em que se pleiteará o respeito ao acordo de acionistas e da lei...”
XI – O próprio fato da anunciada venda em bolsa de valores, ainda que em bloco de ações, indicia possível dispersão dos títulos, o que, por si só, inibiria à autora o exercício dos direitos que lhes foram descritos no acordo de acionistas que exibe como fundamento de seu direito de demandar.
XII – Quanto ao pressuposto do fumus boni iuris, é de se ver que não pode o magistrado adentrar mais profundamente na questão de direito, pois tal é o thema decidendum, devendo aguardar o desenrolar do processo para que, no momento oportuno, pronuncie a decisão.
XIII – De qualquer maneira, o conteúdo da medida liminar representou uma interdição de realização de ato jurídico de alienação, mesmo que excepcional e temporária, com eficácia a prazo certo (CPC, art. 806). Não se confunda o objeto da liminar (denegando a alienação) com um arresto, pois, para tal, falta ao autor os pressupostos do CPC, art. 814, nem há que se falar, na ação principal, em condenação ou execução, mas em ineficácia de ato jurídico, isto é, a pretensão autoral é claramente desconstitutiva – quer a autora que se respeite o acordo de acionistas, mas não diz que quer a indenização pelo desrespeito...
XIV – Observo que o ora requerente (BEAL) é o agente fiduciário dos debenturistas, de emissão de debêntures dada pela holding C., acionista controlador da B., que, por sua vez, integra a convenção ou acordo de acionistas entre a autora e a D. Q. (cf. fl. 57).
XV – Ao aceitar a posição de agente fiduciário, sabia a requerente BEAL que as debêntures lançadas pela C. eram lastreadas nas ações que a B. detém sobre a EDN, e que tal empresa foi constituída pela união do capital mediatamente estatal (da Petroquisa) e privado (D. Q. e B.) e que existia o tal acordo de acionistas. Assim, não há que se falar em surpresa do mercado, nem em abalo ao crédito público, pelo fato da existência desta demanda ou do provimento jurisdicional cautelar.
XVI – Como pessoa jurídica, a B. tem sua vontade controlada pela C., empresa que, afirmam as partes, encontra-se em processo de concordata, o que, também, não é fato causado por esta demanda, mesmo porque anterior à propositura da cautelar.
XVII – Quanto à alegada vulneração ao princípio da relatividade dos contratos, tal merece considerações mais amplas no momento oportuno, sendo certo, no entanto, que no acordo consta (fl. 59) restrições quanto à circulação e aquisição de ações com direito a voto da sociedade, e que tais restrições, enunciadas em ato jurídico, devem ser interpretadas, o que, em absoluto, cabe no limiar de demanda cautelar.
Decisão
Mantenho a liminar, recebendo, em consequência, o requerimento como agravo de instrumento, devendo o mesmo ser autuado, juntamente com o presente despacho, abrindo-se vista à agravada para, em cinco dias, indicar as peças, para a formação do instrumento, nos termos do art. 523 do CPC e art. 484 do Ementário da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.
Certifique o Cartório a existência do recurso incidental (Ementário, art. 494), dispensado o apensamento aos autos principais.
I. (CPC, 236)
Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1990.”
Tal proporcionalidade não está expressa no Código de Processo Civil quando trata das cautelares, mas o art. 401 do Código português recomenda ao magistrado conceder a liminar, salvo se o prejuízo resultante da providência exceder o dano que com ela quer se evitar.
Athos Gusmão Carneiro preleciona:
Em suma, por vezes a concessão da liminar poderá ser mais gravosa ao réu, do que a não concessão ao autor. Portanto, tudo aconselha o magistrado perquirir sobre o fumus boni iuris, sobre o periculum in mora e também sobre a proporcionalidade entre o dano invocado pelo impetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado (ou, de modo geral, o réu em ações cautelares).14
Não deverá o magistrado conceder cautelar, cuja execução reste por ser excessivamente danosa ao demandado, como, por exemplo, conceder liminar suspendendo a realização de concurso público em vez de conceder a liminar para acolher, provisoriamente, a inscrição de candidato rejeitado.
Roy Reis Fried, magistrado federal e professor no Rio de Janeiro, denomina o requisito de proporcionalidade do dano de periculum in mora inverso.15
Diversas leis tratam sobre a regulação do poder judicial de concessão de cautelares, principalmente em face do Poder Público. Certamente o poder cautelar funda-se no poder jurisdicional que, por ter sede constitucional, aparenta não merecer limitações por normas infraconstitucionais.
Contudo, a doutrina e a jurisprudência aceitam a validade de normas restritivas ou limitadoras do poder cautelar judicial, como, por exemplo, o art. 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.16
Mencionado dispositivo admite que as pessoas jurídicas de direito público e o Ministério Público requeiram diretamente ao Presidente do Tribunal a que caberia conhecer os respectivos recursos, a suspensão da execução de liminar ou até mesmo de sentença, “em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.”
Note-se que o provimento presidencial funciona tão somente no plano da eficácia, suspendendo a decisão até ulterior julgamento do recurso próprio pelo órgão competente do mesmo Tribunal.
Além do mais, é relevante notar que os termos legais, com elementos normativos indeterminados, oferece amplo campo de ação para a decisão presidencial que, no entanto, poderá ser guerreada por agravo.
O provimento cautelar depende, logicamente, da cautela concedida, pelo que não se pode instituir regras absolutas para sua forma.
Diz o art. 798 que o juiz poderá determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, impondo, assim, que tais medidas se vinculem, estritamente, ao caso concreto.
Não pode o juiz agir de ofício, concedendo medida cautelar sem requerimento da parte, nem se aplica, em sede cautelar, o princípio da fungibilidade, isto é, se o requerente pediu a cautela X não pode o juiz conceder-lhe Y, pois estaria, ainda aí, julgando extra petita, embora possa, obviamente, nos limites do que se requereu, conceder menos do que solicitado.
É muito comum que o autor requeira medida cautelar atípica consistente em vedar ao réu ingressar em Juízo enquanto não for julgada a ação principal. A concessão da cautelar pleiteada vulneraria o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição, pois não pode a lei (e nem o juiz) excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual.
A concessão de medida liminar inaudita altera pars é medida absolutamente excepcional e só pode ocorrer quando a citação do réu poderia tornar ineficaz a medida (art. 804). Se conceder a medida inaudita altera pars, poderá o juiz determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória para garantir os danos que o requerido possa vir a sofrer.
Qualquer provimento estatal, mesmo que jurisdicional, que iniba a esfera jurídica de quem quer que seja, deve ser fundamentado (cf. art. 93, IX, da Constituição). Embora comum a concessão de liminares sem fundamentação (em sede possessória ou mesmo comercial é comum o singelo despacho de “Defiro a liminar”, entendendo-se, aí, que, implicitamente, o magistrado acolheu como suas as razões do requerimento...), deve a motivação ser concreta, isto é, guardar correspondência com a situação fática embasadora do pedido.
Como a cautelar é medida acessória, deve sua concessão guardar conexão com o pedido principal (por exemplo, é muito comum que se peça medida cautelar de busca e depósito de bens do futuro réu em ação condenatória, para se garantir a futura execução – ora, para se conceder arresto, é necessário atender aos requisitos do art. 814, que não podem ser esquecidos se, em vez da cautelar nominada e específica, pede-se medida inespecífica com o mesmo efeito; nesse sentido, a Revista dos Tribunais, 600, p. 165).
Ainda bem que o novo ainda desperta o interesse da maioria, o aplauso de muitos e até mesmo a reação negativa de não poucos – pior seria se, no caso da antecipação da tutela, ficasse o tema esquecido e desprezado.
A Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, acrescentou ao art. 272 do Código de Processo Civil um parágrafo único, com a redação que estava no art. 273 e, a este, deu redação inteiramente nova, instituindo, no processo de conhecimento, a denominada antecipação da tutela.
Já tínhamos no ordenamento jurídico pátrio a tutela antecipada, mas com previsão em dispositivos esparsos, como, por exemplo, os alimentos provisórios (art. 4º da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968), art. 936, as liminares nas ações possessórias (art. 928 do Código de Processo Civil), no mandado de segurança (art. 7º da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009) e na ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, “p”, com o nome de “cautelar”), o embargo liminar na ação de nunciação de obra nova (art. 937 do Código de Processo Civil) e tantos outros exemplos.
Também já se satisfazia a pretensão à tutela antecipada através do procedimento cautelar, como, por exemplo, em medidas específicas como a busca e a apreensão (art. 841), a interdição ou a demolição de prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público (art. 888, VIII), e as medidas genéricas, cujas pretensões de tutela antecipada são lançadas no estuário comum do procedimento cautelar comum permitido pelo art. 798 do Código Processual.
Eis a grande característica da tutela antecipatória: através dela, na mesma relação processual, busca-se, antes do final do processo, antecipar a decisão final, de forma a vencer os efeitos deletérios que pudessem advir da longa espera até o dia do trânsito em julgado ou do esgotamento das providências da execução lato sensu.
A tutela antecipada do art. 273 está na mesma relação processual; adianta-se, total ou parcialmente, a providência que a parte requereu no pedido principal.
As cautelares, ainda quando através delas se pretenda a antecipação da tutela, são postas em relação processual diversa, incidental ou preparatória, da ação principal. Diz-se que as cautelares são instrumentais para a realização do direito tutelado; já a tutela antecipada é adiantamento da provável decisão de mérito.
O que há de novo é a sistematização da matéria, para a fase de conhecimento, no mencionado art. 273, com a expressa previsão dos pressupostos necessários à concessão da tutela antecipada, dispensando assim o pretendente de se abrigar na tormentosa via procedimental da ação cautelar preparatória ou incidental.
Não se extinguiu, nem se desprestigiou o processo cautelar, que continua no Livro III do Código Processual a permitir, pelos procedimentos ali previstos, a satisfação da pretensão cautelar.
Repita-se o ponto relevante: em tema de tutela antecipada, já existia o interesse, a pretensão e incidia o direito subjetivo. O que se inovou, com a nova redação do art. 273 da lei processual, foi a previsão de procedimento próprio para a antecipação da tutela, na mesma relação processual.
O interesse é a relação entre o sujeito e o bem que lhe é útil, apto a satisfazer uma necessidade (Groppali); a pretensão é a exigência de subordinação do interesse alheio ao próprio (Carnelutti); o direito subjetivo é o poder da vontade na satisfação de um interesse juridicamente protegido (Andreas von Thür).
Antes da nova redação do art. 273 do CPC, a pretensão à antecipação da tutela somente admitia dois procedimentos: ou o procedimento próprio das leis específicas (como a liminar no mandado de segurança e os alimentos provisórios), ou o procedimento cautelar do Livro III do Código de Processo Civil, quer os específicos, quer o inominado do art. 798.
A pretensão à tutela antecipada podia e ainda pode ser posta através do procedimento cautelar. Nem se diga que, com a juridicização procedimental, referida no art. 273, tenha se esvaziado a providência cautelar.
Diz o art. 801, caput, que o requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, disposição que muitos interpretaram como vedação ao requerimento da cautelar no corpo da petição inicial da ação principal, conduzindo a uma irrazoável limitação ao exercício do direito de ação de se portar à pretensão da tutela antecipada.
Daí também decorreu que, muitas vezes, também em atendimento ao disposto no art. 801, III, que o requerente se visse forçado a fazer constar no seu pedido cautelar que o pedido na ação principal seria o de convolar em definitiva a providência cautelar, se acaso fosse deferida pelo juiz. Ora, o que exige o art. 801, III, é que o requerente da cautelar esclareça sobre a lide e seus fundamentos, e não sobre o pedido na ação principal.
A pretensão à tutela antecipada, como as demais pretensões, não pode ser restrita no seu acesso à Justiça, sob pena de vulneração ao dogma constitucional insculpido no art. 5º, XXXV, garantindo o direito de ação.
Em conferência pronunciada no dia 13 de outubro de 1995, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, José Carlos Barbosa Moreira apontou que a tutela antecipada não é privativa do autor, podendo se observar que também as providências judiciais referidas nos arts. 295 (indeferimento da petição inicial) e 329 e 330 (julgamento da causa no estado) podem ser consideradas como adiantamentos da tutela jurídica ao réu. Note-se, neste aspecto, que também o réu, exercitando o direito de defesa, exerce um direito paralelo ao direito de ação, ou, na feliz expressão de Eduardo Couture:17 o autor pede justiça reclamando algo contra o réu, e este pede justiça solicitando a rejeição da demanda.
Observe-se, também, que o art. 273 somente se refere à tutela antecipada no processo de conhecimento, ficando a tutela antecipada para o processo de execução previsto no art. 461 (para as obrigações de fazer ou não fazer) e, quanto à obrigação de dar coisa consistente em soma em dinheiro, fungível ou de bem móvel determinado, de forma bem atenuada, mas ainda antecipatória, opera-se pelo procedimento da ação monitória, instituído pela Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995, e que acresceu ao art. 1.102 do Código de Processo Civil diversas alíneas.
Não se deve falar, propriamente, em afinidades entre a tutela antecipada e a medida cautelar, posto que aquela é uma das formas pela qual esta se manifesta, como antes referido.
De qualquer forma, registre-se que ambas devem ser requeridas pelo interessado, e os respectivos provimentos são revogáveis e modificáveis, podendo abranger total ou parcialmente o pedido principal, o que implica a tutela antecipada guardar o pedido principal uma relação inafastável de acessoriedade e preventividade.
A antecipação da tutela é finalística, a cautelar é instrumental.
No que se refere à tutela antecipada, não há o que se discutir quanto ao seu aspecto de “mérito”, pois, simplesmente, no mesmo processo principal, adianta-se, total ou parcialmente, o que foi pedido. Assim, não se aplica para a tutela antecipada o prazo decadencial do art. 808 do CPC.
Da mesma forma, enquanto a cautelar somente pode ser concedida até a sentença (porque esta termina a instância), a tutela antecipada pode ser concedida e executada até na instância recursal, ou, em linguagem mais pitoresca, até o dia do trânsito em julgado, quando, finalmente, se saberá quem tem razão.
Neste aspecto, o que se deve discutir é sobre a competência funcional para o seu conhecimento e a sua concessão.
Para o juiz de 1ª instância termina o poder de apreciar e conceder a tutela antecipada no processo de conhecimento com a prolação da sentença, pois esta cessa a instância e termina com o seu ofício jurisdicional. Poderá o mesmo juiz, no entanto, porque é competente para a execução (art. 575, II), conhecer e conceder a tutela antecipada na execução.
Competente para apreciar e conhecer a tutela, na instância recursal, é o órgão do Tribunal ou o relator, nos termos do respectivo regimento interno, aplicando-se, por extensão, o que nele se contém sobre a competência para a concessão de liminares nas ações cautelares.
O provimento tutelar está limitado ao que foi pedido principalmente; se o pedido principal é de 100, o provimento tutelar até aí poderá chegar, mas daí não poderá passar.
Quanto à responsabilidade do requerente pelos danos decorrentes da execução da decisão que antecipou a tutela, note-se que o § 3º do art. 273 em total atecnia faz ainda menção no seu corpo ao já revogado art. 588 do CPC. Em boa hora já deveria referido dispositivo fazer menção ao art. 475-O, I, do CPC, que assim dispõe:
Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:
I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;
Não se deduza, daí, que o requerente da antecipação da tutela fique isento da responsabilidade civil que, no caso, é objetiva, decorrente do fato da execução da medida, independendo de prova de má-fé, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal quanto à cautelar.18 Aplica-se, por extensão, o que dispõe o art. 811, que alerta sobre a sua incidência sem prejuízo do disposto no art. 16, sobre a responsabilidade de quem pleiteia de má-fé como autor, réu ou interveniente. O parágrafo único do art. 811 diz que a indenização, em decorrência de condenação proferida em sentença, será liquidada nos próprios autos, no caso, daqueles em que se concedeu a antecipação da tutela.
Ainda que tal não esteja expresso nos mencionados arts. 273 e 461, incide a responsabilidade objetiva do requerente, podendo o juiz, prudentemente e em honra da dignidade da própria Justiça, aplicar por extensão o disposto no art. 799 e exigir a caução que arbitrar.
Não caberá, ademais, a concessão de tutela antecipada nos casos em que a ordem jurídica veda a concessão de liminares, aplicando-se, por extensão, a Súmula nº 9 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Não é admissível, em ação cautelar inominada, a concessão de liminar nos casos em que, na via do mandado de segurança, houver vedação legal ao deferimento de liminares.” Alerte-se que a concessão da antecipação da tutela, em tais casos, pode conduzir ao pedido de suspensão da liminar diretamente ao Presidente do Tribunal a que caberia conhecer o recurso, nos termos do art. 4º da Lei n.. 8.437, de 30 de junho de 1992.
Como na cautelar, a tutela antecipada tem caráter preventivo, não julgando nem prejulgando sobre o direito do suplicante, devendo a sua extensão limitar-se ao estritamente necessário para evitar males certos e futuros, ou, como lembrava Calamandrei, para evitar que a Justiça, como os guardas na ópera bufa, seja condenada sempre a chegar demasiado tarde.
O provimento judicial que concede a tutela antecipada desafia agravo, porque é decisão interlocutória. Contudo, se a tutela antecipada foi concedida na própria sentença (e esta deverá ser, por coerência, de procedência do pedido autoral...) poderá ocorrer perplexidade quanto aos efeitos em que deve ser recebido o recurso.
Contudo, ainda que contido o provimento tutelar no corpo da sentença, é provimento que se distingue do provimento final, incidindo contra este a apelação (recebida nos efeitos legais) e contra aquele o agravo, que, salvo as hipóteses do art. 558, não tem efeito suspensivo.
É preferível que o magistrado, de forma bem mais prática, evitando confusões, conceda a tutela antecipada, providencie a sua execução e a intimação pelas vias do art. 236 e somente depois mande retornar os autos para a prolação da sentença...
O caput do art. 273 erige como pressuposto para a concessão da tutela antecipada a prova inequívoca e que haja um convencimento da verossimilhança da alegação.
Prova inequívoca é a que não se pode admitir, razoavelmente, mais de um significado; é a que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser oposta qualquer dúvida razoável, ou, em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável.19
Admite-se, para tal, qualquer meio legítimo de prova (Constituição, art. 5º, LVI; CPC, art. 332), desde que seja suficiente para indicar suficiente probabilidade de autenticidade ou inautenticidade e ainda que, depois, dela se prove, como é possível, a sua imprestabilidade. Não se restringe a prova inequívoca tão somente à prova documental, porque a alegação pode até mesmo prescindir da prova documental quando incontroversos os fatos em que se apoia, e o dissenso resida apenas na questão de direito.20
Verossimilhança da alegação refere-se ao alegado direito do requerente da tutela antecipada. Carreira Alvim se reporta a Piero Calamandrei, Veritá e Versorismiglianza nel Processo Civile, para quem possível é o que pode ser verdadeiro, verossímil o que tem aparência de ser verdadeiro, e provável o que se pode provar como verdadeiro.
A verossimilhança refere-se à alegação do direito que decorreria da prova inequívoca; daí por que primeiro se investiga sobre a prova e, depois, sobre a probabilidade de ser o requerente da tutela antecipada vencedor na lide. É um juízo provável sobre o direito do autor, é o fumus boni iuris ou a aparência do alegado direito.
Exige-se, também, o periculum in mora, a que se refere o inciso I do art. 273, aludindo ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, como, aliás, está no art. 798; tal suporte fático incide sobre o estado do direito pleiteado, autorização a concessão da tutela antecipada até mesmo antes da citação ou inaudita altera pars.
Mas o inciso II do art. 273 admite a concessão da tutela antecipada quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, conduzindo à vulneração do dever processual de lealdade e boa-fé previsto no art. 16. Evidentemente, por tal inciso, somente caberá a tutela antecipada como repressão à conduta, até mesmo omissiva, do réu. É raríssima a aplicação isolada de tal fundamento para a cautelar, que é levado em conta quase sempre com os demais pressupostos.
Diz o § 1º do art. 273 que na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. Tal norma é desnecessária em face do comando constitucional do art. 93, IX, corolário lógico do direito fundamental ao devido processo de lei, como reza o art. 5º, LIV.
Ressalte-se que a fundamentação judicial não pode ser posta em termos vagos, como, por exemplo: “Presentes os requisitos do art. 273 do CPC, concedo a tutela antecipada, como requerido”.
Também para indeferir o pedido antecipatório deverá o juiz proferir decisão motivada; a sua discricionariedade não dispensa fundamentação.
Deverá o magistrado, embora, sucintamente mencionar os pressupostos, indicando a prova inequívoca, a verossimilhança do alegado direito, a urgência (inciso I) ou a conduta lesiva do demandado (inciso II), bem como, é evidente, a extensão da antecipação e a sua qualidade de reversibilidade.
O § 2º do art. 273 veda o provimento tutelar quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Tal irreversibilidade refere-se à providência tutelar, não ao provimento, que, como diz o § 4º, pode ser modificado ou revogado a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
A irreversibilidade é fática, não jurídica.
Pedidos principais constitutivos admitem a tutela antecipada, como se vê, por exemplo, no despejo liminar e na cautelar da ação direta de inconstitucionalidade; pedidos principais declaratórios também admitem a tutela antecipada como no cediço exemplo em que se discute a interpretação de cláusula de contrato de seguro médico, em que o autor pede ao juiz a tutela antecipada de mandar a empresa dar a internação ou o tratamento em caso de doenças, cujo curso seja incompatível com a demora na prestação jurisdicional definitiva; até mesmo pedido principal mandamental admite a antecipação da tutela, como na ação de manutenção de posse ou no mandado de segurança.
A irreversibilidade é elemento que somente pode ser apurado no caso concreto, não podendo, de um lado, servir de argumento para o juiz denegar a justiça, nem, de outro lado, de instrumento de satisfação definitiva da lide.
Ao juiz cabe o insubstituível papel de concretizar e individualizar o que a lei somente pode prever genérica e abstratamente.
Há uma inafastável relação dialética entre a jurisdição e a legislação e, ambas, nada mais são do que instrumentos da paz social.
Veio a legislação e criou os procedimentos; à jurisdição cabe efetivar o direito, amoldando os procedimentos aos casos concretos e não estes àqueles.
“Terceira Vara da Fazenda Pública
Processo nº 97.001.016135-9
Ação ordinária
A21
Advogado: Doutor Marcelo Dealtry Turra
R: Estado do Rio de Janeiro
Decisão
1. Os autores são portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS –, como comprovam pelos documentos médicos que acostam à petição.
2. Pedem, em ação ordinária, que seja o Estado obrigado a lhes garantir os medicamentos necessários ao tratamento da moléstia.
3. Pretendem, também, a antecipação da tutela, a gratuidade dos serviços judiciários e que o feito tramite em segredo de justiça.
4. Defere-se a gratuidade dos serviços judiciários, em face das declarações exibidas afirmando a hipossuficiência econômica.
5. Defere-se, também, o pleito no sentido de correr o feito sob a forma referida no art. 155 do Código de Processo Civil, tendo em vista que dos elementos culturais ainda hoje existentes na sociedade podem decorrer eventual atentado à dignidade pessoal dos impetrantes em face da moléstia que apresentam, o que viria vulnerar o direito decorrente do disposto no art. 5º, X, da Constituição da República. Assim, deverá a Senhora Escrivã fazer constar na autuação a nota de ‘SEGREDO DE JUSTIÇA’, zelando para que o acesso aos autos não seja permitido a pessoas diversas do serventuário encarregado, dos advogados das partes, do Ministério Público e, evidentemente, dos magistrados que neste feito atuem.
6. Quanto à pretendida antecipação da tutela, estão presentes os pressupostos que a autorizam, ao teor do disposto no art. 273 da lei processual civil.
6.1. Evidente a urgência do provimento judicial solicitado, em face dos efeitos devastadores da moléstia e da probabilidade que oferecem os novos medicamentos de permitir, ao menos, maior sobrevida dos pacientes.
6.2. Plausível também a pretensão autoral, consistente a saúde em direito fundamental social (CF, art. 6º), direito de todos e dever do Estado (aqui no sentido amplo de Poder Público – art. 196), destacando a Carta da República a relevância do tema (art. 197), com atendimento integral (art. 198, II), de acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, in fine).
7. Em tese, possível a legitimidade passiva ad causam da entidade federativa estadual, em face da competência residual ou remanescente que herdamos da Constituição estadunidense de 1787.
8. Noticia-se, em outros feitos, a dificuldade do Poder Público na aquisição de medicamentos suficientes para suportar a demanda, vez que o alto custo das novas drogas excluiu o acesso de doentes que antes estavam sendo tratados por entidades não governamentais ou órgãos públicos outros. Contudo, tal dificuldade, de resto situada no plano administrativo, não pode consistir, salvo densidade demonstrada em cada caso concreto, em óbice ao direito, mesmo porque a pretensão ao regular serviço público poderia ser posta pela via referida no art. 37, § 3º, da Constituição da República, subsumindo-se na pretensão exordial ora posta pelos autores.
9. Em consequência, defere-se a antecipação de tutela para determinar ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado de Saúde as providência para o fornecimento incontinenti dos medicamentos, declarada, desde já, a urgência para os fins administrativos de aquisição independentemente de licitação. Oficie-se, entregando-se o expediente ao Advogado dos autores, que se encarregará de levá-lo ao protocolo, trazendo comprovante de entrega.
10. Cite-se.
11. Anote-se a antecipação de tutela no livro de registro de liminares.
Em 4 de fevereiro de 1997.
Nagib Slaibi Filho
Juiz de Direito.”
Atendendo ao disposto nos arts. 813 e 814, ainda que sem ouvir a parte contrária, o juiz determinará a expedição de mandado de arresto, isto é, o oficial de justiça arrestará ao devedor tantos bens quantos bastem para garantir a obrigação (cf. no art. 653, o ato expropriatório de arresto, quando o devedor não é encontrado). Julgando procedente o pedido principal, o juiz declarará, ainda, que o arresto se converterá em penhora, intimando-se o devedor.
Arrestam-se bens para garantir a obrigação, mas sequestra-se o bem contencioso, nomeando-se depositário para guardá-lo (CPC, arts. 822 a 825). Com sua concessão, determina-se a expedição de mandado de sequestro e depósito.
O dever de caucionar decorre de lei (como no art. 835 do CPC), de contrato ou mesmo de decisão judicial (como no art. 804 do CPC). Note-se que o ato de caucionar é ato da parte (arts. 827 a 828), limitando-se o provimento judicial, ao julgar procedente a medida cautelar (art. 834) declarar o cabimento da medida, concedendo prazo para que a mesma seja adimplida, de acordo com as circunstâncias. Se não houver o cumprimento do prazo, incide o disposto no art. 834, parágrafo único.
A caução do art. 835 do CPC é chamada judicatum solvi e deve ser conhecida de ofício pelo juiz, pois é pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo.
A busca e apreensão é processo cautelar, devendo o requerente atender ao disposto no art. 801 do CPC, do qual o art. 840 é derivação.
Na ação de busca e apreensão, prevista no DL 911/69, assim como a busca e apreensão do art. 905 do CPC, são medidas satisfativas e não cautelares. Contudo, incidental à ação autônoma de busca e apreensão do DL 911/69, há o processo cautelar, incidental, de busca e apreensão liminar. Em tais processos, deferida e executada a liminar de busca e apreensão, na sentença, se procedente, o juiz convolará em definitiva a busca e apreensão liminar, declarando consolidada a posse e a propriedade da coisa apreendida nas mãos do credor fiduciário, o que, por si só, faz extinguir o depósito que, até então, existia.
O direito pretoriano tem admitido, atecnicamente, que a pretensão satisfativa de busca e apreensão de incapazes se faça pelas vias do art. 839 do CPC. Contudo, vale a regra do art. 250 do CPC, desde que não haja prejuízo à defesa. O que não tem cabimento é que se defira inaudita altera pars, ainda que em audiência de justificação, a medida cautelar, executando-a, sem que se faça, depois, a citação...
Há que se distinguir entre a exibição preparatória (que é medida cautelar) do art. 844 da exibição prevista no art. 355 (verdadeira ação exibitória, de cunho satisfativo, do qual a ação de habeas data é sucessora moderna), assim como da ação incidental em face de terceiro prevista no art. 360, todos do CPC.
O conteúdo da decisão judicial, no caso do art. 844 é mandamental (pois o juiz, sob pena de desobediência, ordena que se exiba a coisa ou o documento).
A Súmula 390 do Supremo Tribunal Federal, referiu-se ao art. 676, V, do Código de 1939 que dispunha sobre “medidas preventivas”.
Pode se referir à produção antecipada de provas a interrogatório da parte, inquirição de testemunha e exame pericial, todos com fim ad perpetuam rei memoriam, como dizia a legislação anterior.
Atendidos os pressupostos formais, após colhida a prova, o juiz a homologará, ficando os autos em cartório, embora possam os interessados solicitar certidões (art. 851). No provimento homologatório, poderá o juiz apreciar as preliminares (como deve fazer desde o ajuizamento de qualquer demanda, em necessária e salutar atividade saneadora), mas não se manifestará sobre o mérito.
No pedido cautelar de alimentos provisionais está implícito o pedido principal de alimentos, ainda que cumulado em ação de separação etc.
O pressuposto do periculum in mora se presume, em se tratando de alimentando incapaz, mas o fumus boni iuris decorre da prova do dever de alimentar, seja pela lei (entre parentes e entre cônjuges ou companheiros), de sentença (como a decorrente do art. 948 do Código Civil) ou mesmo de contrato (como, por exemplo, que tal tenham pactuado autor e vítima de dano ex delicto). De qualquer forma, o provimento condenatório provisional do juiz deve se fundar em tais fatos geradores do dever de alimentar.
É medida cautelar constritiva, submetida ao prazo do art. 806, consistindo em ato material de descrição e depósito dos bens, devendo o provimento judicial, a final, limitar-se a declarar a regularidade dos atos, homologando-os, caso não se tenha julgado a cautelar juntamente com a ação principal cognitiva.
Assim como na produção antecipada de provas “o juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, limitando-se a observar se foram observadas as formalidades legais” (CPC, art. 866, parágrafo único). As justificações, diferentemente da produção antecipada, são entregues à parte (art. 866, caput), salvo se tiver fim o registro civil (Lei nº 6.015/73, art. 111).
O art. 872 diz que o juiz mandará que os autos sejam entregues à parte, independentemente de traslado, mas a praxe forense é que, aí, nem sequer o juiz prolate sentença homologando a diligência, restringindo-se a mero despacho de “Entregue-se” ou “Devolvam-se, atendido o art. 872 do CPC”. De qualquer forma, é ação cautelar e devia merecer sentença.
Como se vê no art. 1.471 do Código Civil, o credor requererá, pelo procedimento dos arts. 874 e 876, a homologação, sendo os autos entregues ao autor, se homologado, para lhe servir de prova (como se fosse, e na realidade é, uma justificação). Se for denegada a homologação, o juiz extingue o processo (julgando improcedente ou sem resolução do mérito), mandando que a coisa seja entregue ao réu, ressalvado ao autor o direito de cobrar a conta pelo procedimento comum (cf. art. 272 e não “ordinário”, como diz o art. 876, pois depende do valor da causa – art. 275 – podendo, até mesmo, ser através do Juizado Especial).
Embora arrolada como ação cautelar, é verdadeira ação declaratória, satisfativa.
Demandados são os sucessores do autor da herança e não se trata, aí, de ação de investigação de paternidade, pois o nascituro ainda não tem personalidade civil, que só começa com o nascimento com vida (art. 2º do Código Civil).
O provimento judicial, aí, limita-se a declarar que a mãe está investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro. Contudo, a tal provimento principal, poderá haver o provimento acessório de nomeação à mãe, se não lhe couber o exercício do poder familiar, do curator ventris (CPC, art. 878, parágrafo único), seguindo-se, aí, a orientação dos arts. 1.767 e segs. do Código Civil e arts. 1.187 e segs. do CPC, no que for aplicável.
O atentado é medida cautelar incidental, de conteúdo mandamental (“a sentença, que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição do réu falar nos autos até a purgação do atentado”, bem como “poderá condenar o réu a ressarcir à parte lesada as perdas e danos que sofreu em consequência do atentado” – art. 881).
O atentado é incidental (e nunca prévio, pois só existe no curso da ação principal, ainda que em grau de recurso) e cautelar (pois acautela o provimento judicial definitivo).
É medida cautelar executiva, da qual a prisão é meio suasório para a entrega do título.
As medidas arroladas no art. 888 do CPC têm caráter incidental, destacando-se, entre elas, a separação cautelar de corpos (art. 888, VI), devendo ser lembrado que o juiz se preocupa menos quando autoriza o cônjuge requerente a se retirar do lar, diversamente da hipótese em que “a retirada forçada do marido da residência do casal é medida excepcional e violenta, devendo ser aplicada com muita prudência.22
1 Citado por Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, 2ª ed., São Paulo, Ed. Revistas dos Tribunais, 1987, p. 346.
2 José Carlos Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, 10ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1990, p. 410.
3 Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil (Manuale di Diritto Processuale Civile), tradução de Cândido R. Dinamarco, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1984, p. 218.
4 Diz o art. 808, III, do CPC que cessa a eficácia da medida cautelar se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito. Ora, evidentemente, embora a lei não seja expressa, pela mesma ratio, perderá a eficácia a medida cautelar concedida no processo cautelar, se ele extinto for juntamente com o processo principal, com o qual foi julgado e onde se denegou, ao lado da pretensão cautelar, a pretensão principal. O extinto Tribunal Federal de Recursos já decidira no sentido de que “a medida cautelar, inclusive a concedida in limine, conserva a sua eficácia no processo ex vi do art. 807 do CPC. A não suspensividade do efeito a que alude o art. 520, V, não tem por escopo a revogação da providência, mas possibilitar ao réu vencedor, com a execução provisória, a imediata liquidação de eventuais prejuízos (Revista do Tribunal Federal de Recursos, nº 154, p. 375).
5 Theotonio Negrão, CPC e Legislação Processual em Vigor, 20ª ed. atualizada até 08.01.90, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 391, em notas ao art. 809.
6 Eduardo J. Couture, Fundamentos del Derecho Procesal Civil, 3ª ed., reimpressão, Buenos Aires, Ediciones Depalma, 1988, p. 326.
7 Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, t. I, vol. VIII, pp. 159 a 162. Em artigos, esclareceu o mestre que aí se referia somente a uma satisfatividade provisória, mas nunca definitiva.
8 Cândido R. Dinamarco, op. cit., p. 350.
9 Giuseppe Chiovenda, Instituições..., p. 218, lembrou que a acessoriedade não constitui um motivo de conexão por si mesmo, antes é uma norma especial de conexão por título (causa de pedir) ou objeto (pedido), em virtude da qual uma ação se acha, com respeito a outra, em uma relação de coordenação ou secundariedade.
10 Sobre cautelares nas ações de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) ver Nagib Slaibi Filho, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1994.
11 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 352.
12 Ovídio A. Baptista da Silva et alii, Teoria Geral do Processo Civil, Porto Alegre, Letras Jurídicas, 1983, p. 327.
13 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 351.
14 Athos Gusmão Carneiro, “Liminares na Segurança Individual e Coletiva”, Revista da Associação dos Juízes Federais, mar./jun. de 1992.
15 Roy Reis Fried, Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1993, p. 106.
16 Cristina Gutiérrez, Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2000.
17 Eduardo Couture, Fundamentos del Derecho Procesal Civil, 3ª ed., Buenos Aires, Ediciones Depalma, 1988, p. 42.
18 Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 87, p. 665.
19 José Eduardo Carreira Alvim, Ação Monitória e Temas Polêmicos da Reforma Processual, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 164.
20 Carreira Alvim, op. cit., p. 163.
21 Os nomes dos autores foram omitidos em face do disposto no art. 155 do CPC.
22 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 5ª Câm. Cível, Agravo 5.062, rel. Des. Graco Aurélio.