Capítulo XVII

CONDIÇÕES DA SENTENÇA

O juiz é um homem que se move dentro do Direito como o prisioneiro dentro de seu cárcere (Eduardo J. Couture).

17. CONDIÇÕES DA SENTENÇA

Além de uma peculiar estrutura (que diz respeito a seus elementos essenciais), deve a sentença também atender a determinadas condições para que tenha validade. Tais condições são qualidades que se devem verificar nos sobreditos elementos essenciais.

Observe-se que à ordem jurídica vulnera tanto a violação dos elementos essenciais quanto das condições, pois a sentença é ato solene, de forma rígida.

As condições dizem respeito ao plano de validade da sentença, e a violação das normas jurídicas sobre elas anulam, de regra, o decisório.

17.1. Clareza

Dizia o anterior Código de Processo que a sentença deveria ser clara (art. 280), disposição que não foi expressamente repetida no sistema positivo atual, embora a exigência da sentença ser clara decorra dos seguintes fatores:

a) do art. 535, I, ao dizer que cabem embargos de declaração quando houver na sentença ou no acórdão obscuridade ou contradição, isto é, quando for necessário aclarar o seu sentido;

b) da Constituição, no art. 93, IX, ao exigir fundamentação nos atos judiciais, o que, evidentemente, torna obrigatória a existência de uma fundamentação clara, precisa, que possa servir como fonte de legitimação da atividade do Poder;

c) do próprio sistema recursal, pois só cabem recursos de decisões (a decisão é pressuposto lógico do recurso); a decisão deve ser congruente com sua motivação e, finalmente, a inexistência da fundamentação impossibilita até mesmo o direito de recorrer;

d) enfim, da inteireza do sistema processual, pois todos os atos processuais devem ser claros para que possam ser inteligíveis.

Veja-se a visão de Moacyr Amaral Santos:

Clareza da decisão. A sentença deverá ser clara, pois que deverá ser inteligível e insuscetível de interpretações ambíguas ou equívocas. A clareza recomenda linguagem simples, em bom vernáculo, com aproveitamento, quando o caso, da palavra técnica, do vocabulário jurídico. Se ininteligível, por absoluta falta de clareza, a sentença será ineficaz. Quando obscura, ou mesmo contraditória, permitindo interpretações ambíguas ou equívocas, poderá ser esclarecida, por meio de embargos de declaração.1

Note-se que o eminente mestre coloca a clareza da sentença como elemento que pode assumir variadas gamas:

1 – inexistente (ou “ineficaz”, na sua terminologia) será a sentença que for carente, em absoluto, de clareza;

2 – inválida será a sentença relativamente obscura, ensejando os embargos de declaração (e, na esteira do pensamento deixado pelo notável doutrinador, nos permitimos avançar nas consequências, concluindo que, se não houver correção, será a decisão anulada pela instância recursal ou, se foi sentença de mérito, poderá ser rescindida pela ação rescisória, nos termos do art. 485, V).

Nessa linha de raciocínio, temos que admitir, em se tratando de “relatividade de clareza” que a sentença apresenta grau mínimo de obscuridade, o que constituirá mera irregularidade, sem ensejar, no entanto, qualquer invalidade. Entenda-se grau mínimo de obscuridade eventuais expressões ou ideias, contidas na sentença, que, embora não muito claras, não a maculam pelo pecado da ininteligibilidade.

A clareza é questão eminentemente subjetiva, como se pode ver no antigo brocardo in claris cessat interpretatio que neste século perdeu todo o prestígio de que gozava no anterior, como nos noticia Carlos Maximiliano, no clássico Hermenêutica e aplicação do direito.

O que se quer é que a sentença, como todo ato processual, possa alcançar o fim a que se destina e, como ato de poder, possa se legitimar.

17.1.1. Vernáculo

Em todos os atos do processo é obrigatório o uso do vernáculo, como exige o art. 156 do CPC.

O padrão é a grafia oficial, de acordo com a Lei nº 2.623/55, alterada pela Lei nº 5.765/71, bem como pela convenção celebrada com Portugal, em 1973.

Como o português tem no latim a origem, aliado ao fato de que o Direito pátrio, ao menos no campo privado, descende do sistema românico-germânico2 não se anularia uma sentença que, moderadamente, trouxesse termos latinos ou mesmo em língua espanhola e, até mesmo, francês (por exemplo, são usuais expressões como la cour connait le Droit ou pas de nullité sans grief).

Contudo, prejudicará a clareza o emprego de língua estrangeira de forma a impossibilitar, nos padrões médios, a inteligibilidade do decisório.

Aliás, não é a sentença a sede própria para seu prolator demonstrar seus dotes linguísticos, o que, no entanto, não lhe interdita o socorro dos textos estrangeiros, não como demonstração de erudição, mas como apoio ao seu pensamento na motivação da decisão.

17.1.2. Redação
17.1.2.1. Linguagem simples

A sentença deve ser inteligível senão a todos, ao menos ao padrão comum das pessoas, em determinada comunidade. Assim, deve ser prolatada em linguagem simples, socorrendo-se o menos possível da complexa terminologia jurídica (é o idioma do direitês, expressão predileta de comunicação de seres contaminados de infecções agudas, algumas crônicas, denominadas, de acordo com a classe funcional, juizite, promotorite, bacharelite etc.).

Não se caia no abuso antitético de se usar linguagem vulgar, com termos chulos, incompatíveis com a dignidade de qualquer ato estatal, quanto mais com uma sentença. Se, pelo encadear do pensamento, estiver o magistrado forçado a usar termos mais impróprios, que os faça distinguir com a expressão de que são transcrições.

Pode o magistrado sentenciar em versos, desde que seu talento lhe permita atender, simultaneamente, a Themis e às musas, divindades muito exigentes e que, por isso, como dizia Calamandrei, só se manifestam para aqueles que nelas creem. É muito comum se repetir a expressão criada pelo Desembargador Jônatas de Matos Milhomens: “um pouco de bom gosto, um pouco de arte, com certeza cabe em toda parte”.

17.1.2.2. Tratamento

Embora a sentença seja impessoal (se é que algum sentimento possa ser impessoal...), procurando expressar sua imparcialidade, geralmente é lavrada na primeira pessoa do singular (e por isso diz, no dispositivo, o clássico julgo procedente...).

O tratamento no plural não é hoje mais comum, como antigamente, embora não haja nenhum impedimento legal, ou do próprio sistema, que obste o juiz utilizar tal forma de tratamento.

“Comarca da Capital

Juizado de Menores

Processo nº 47.094/88

Sentença

Vistos etc.

R. S.3 requer a adoção simples de R.E.S., nascido em 04.06.86, filho de A. S. e de pai ignorado, todos qualificados na inicial de fl. 2, que foi instruída com os documentos de fls. 3/7.

Face ao estudo do caso, concluiu-se favoravelmente pela necessidade de colocação do menor em lar substituto (fls. 10, 44/45 e 50/52).

O Ministério Público manifestou-se às fls. 53/53v.

No processo foram cumpridas as determinantes legais, que em face dos elementos oferecidos não deixam dúvidas sobre o pedido.

Pelo exposto,

Reconhecemos, expressamente, a situação irregular em que se encontra o menor, nos termos do art. 2º, inciso I, letra a, do Código de Menores [atualmente revogado pela Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente], em consequência do que decretamos a perda do pátrio poder conforme art. 45, inciso I, do mesmo diploma legal.

Deferimos o pedido de adoção simples postulado pelo requerente em relação ao menor, ordenando que se expeça o alvará com o prazo de 30 dias com os seguintes elementos: R.J.L.S., nascido em 04.06.86, filho de R.S., tendo por avó materna A.S.

Nomeamos Curador Especial um dos nobres Defensores Públicos em exercício nesta Vara que representará o menor na escritura, com interveniência da douta Curadoria de Menores.

O requerente juntará xerox do RCN do menor adotado.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 18 de abril de 1990.

Liborni Siqueira

Juiz da 1ª Vara de Menores.”

Este magistrado passou a utilizar, há algum tempo, em vez da primeira pessoa do singular, a voz indeterminada nos atos processuais que pratica.

Assim o faz pelo caráter impessoal da sentença, ato de poder do Estado e não do agente público que ocasionalmente ocupa a curul da magistratura, significando, assim, que não é sentença a vontade de um indivíduo.

Pelo exposto, resolve-se

Julgar improcedente a demanda e

Condenar o réu ao pagamento das despesas processuais, inclusive honorários advocatícios, que são arbitrados, pela regra do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, em R$ 1.000,00 (hum mil reais).

17.1.2.3. Ordem direta

As expressões, de preferência, deverão estar em ordem direta. Em matéria de estilística, deve o juiz sacrificar a frase feliz, embora expressando pensamento tortuoso, em favor da clareza, valendo, a propósito, a expressão de Wellington Moreira Pimentel de que “a atividade judicante é mais informada pela ética do que pela estética”.

17.1.2.4. Expressão categórica da linguagem

Orlando de Assis Corrêa4 colocou, como requisitos formais, quanto à redação, a expressão categórica, fazendo remissão ao art. 460 do CPC, e, mais, a sequência lógica.

Quanto à sequência lógica, já se enfatizou, em outro capítulo, que a sentença é um silogismo, ou melhor, um conjunto de silogismos.

No que se refere à expressão categórica, temos que apreciar a questão de dois ângulos:

1 – na forma, porque a sentença, sendo ato de poder, não pode ser manifestada de forma hesitante ou titubeante (como, por exemplo, “Tenho dúvidas...”, “Parece­-me ...”), pois, repita-se, a sentença é um sentimento, e o fato de demonstração da tibieza do sentimento certamente deixará a todos sem a certeza de que houve a correta prestação jurisdicional: o juiz é o único ser que não pode ter o benefício da dúvida sobre o fato. A dúvida, para o juiz, é um elemento de convicção, como todos os outros elementos, razão pela qual ele a pesa na mesma balança em que coloca a certeza inabalável. Mesmo quando pronunciar o non liquet (a absolvição ou improcedência por falta de provas), deve o magistrado procurar demonstrar que seu espírito está certo e firme no sentido de que a falta de provas está patente. No que se refere à dúvida jurídica, isto é, qual a norma jurídica que deve incidir no suporte fático demonstrado nos autos, menos ainda pode o juiz deixar que os outros sequer suspeitem de que ele, juiz, e justamente por ser juiz, é profissional a quem a ciência e a técnica nem sempre socorrem...5

O juiz aprende a ser veemente, ao afirmar a justiça de sua decisão, com os advogados que, na defesa da causa, clamam aos céus, com toda lisura, inocência e ardor, que seu cliente é que tem razão...;

2 – no conteúdo, porque a sentença não pode ser condicionada, como determina o art. 460, parágrafo único, do CPC. Imagine-se a instabilidade em que seriam lançadas as partes se o juiz assim se pronunciasse: “Julgo procedente a demanda para decretar o divórcio, desde que traga o cônjuge-varão, em 20 dias, o documento por cuja juntada protestou à(s) fl(s)..., em que comprove a infidelidade da mulher”...

Em nota de rodapé ao mencionado artigo, trouxe Theotonio Negrão6 o seguinte acórdão:

Nula é a sentença que julga a ação procedente, condicionada esta procedência ao preenchimento de determinados requisitos legais pelo autor (Revista dos Tribunais, nº 472, p. 150).

Como a sentença não pode ser condicionada, não pode o juiz, por exemplo, remeter para a fase de liquidação a prova da existência do dano, em ação de ressarcimento: a parte interessada deve provar o dano e, se não o fizer, julgue-se a demanda improcedente. O que pode o juiz remeter para a liquidação é a apuração da extensão do dano (veja-se, nesse sentido, acórdão na Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 105, p. 1.289).

17.2. Precisão

Também o art. 280 do revogado CPC exigia que a sentença, além de clara, fosse precisa.

Segundo Moacyr Amaral Santos, a sentença deve ser precisa, isto é, certa, limitada, contendo-se nos limites do pedido.7

Mas não basta que a sentença se limite pelo que foi requerido, pois ela deverá ser também, completa, isto é, atender, nem mais nem menos, o que foi submetido a seu julgamento.

17.2.1. Certeza

Continuemos na lição de Moacyr Amaral Santos:

Assim como o pedido deve ser certo e determinado ou determinável em liquidação (art. 286), a sentença, que na petição inicial tem o seu projeto, deve ser certa e determinada ou determinável em liquidação. Aplicação do princípio de adstrição do juiz ao pedido da parte, ou princípio da coextensão, como prefere Pontes de Miranda.

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A sentença deve ser precisa, no sentido de certa, de modo a tornar indubitável aquilo a que condena o réu (sentença condenatória) ou o que declara (sentença declaratória) ou o que constitui ou desconstitui (sentença constitutiva). A bem dizer, seu dispositivo não deve admitir nem mais nem menos do que nele se contém. “O juiz – escreve Pontes de Miranda – tem de dizer, com exatidão, aquilo a que condena o réu. Assim, tem-se por certa a prestação”.8

Observe-se que a sentença deve ter conteúdo sempre certo (por exemplo, condenar a específica obrigação), embora possa ser ilíquida (por exemplo, condenar o réu a indenizar o autor dos danos a serem apurados em liquidação). Nesse ponto, é necessário lembrar o conceito de obrigação líquida e certa (art. 1.533 do Código Civil de 1916): a obrigação é certa, quanto à prestação (dar coisa, fazer ou não fazer) e líquida, quanto à extensão (pagar dez mil reais etc.).

17.2.1.1. Existe sentença condicional?

O art. 460, parágrafo único, impõe que a sentença seja certa, ainda quando decida relação jurídica condicional. A condição é a cláusula que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto, como diz o art. 121 do Código Civil.

Em redação similar à do art. 893 do CPC de 1939, dispõe o art. 572 “quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou que se realizou o termo” (cf., ainda, os arts. 614, III, 618, III e 741, II).

Não há, assim, sentença condicional, porque seu conteúdo nunca poderá condicionar-se a termo ou condição. No entanto, chama-se sentença condicional aquele que resolve a relação jurídica condicional – no caso, deu-se o nome à sentença de acordo com a relação material, o que, em absoluto, implica condicionar o seu dispositivo, que sempre deve ser certo.

17.2.2. Completa

A sentença deve ser completa, isto é, ater-se ao que foi pedido, sem omissões e sobre todos os pedidos, se houver cumulação.

Nesse ponto, invoca-se os princípios dos arts. 128 e 460 (“o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta...” e “ é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”), que fixam os termos (determinam) a atuação do juiz.

17.2.2.1. Sentença extra petita

Não pode o juiz deferir ao autor bem diverso do que foi pedido (sentença fora do pedido). O pedido, aqui, compreende a demanda, abrangendo o fundamento do pedido.

Se o autor pediu separação, não lhe pode o juiz conceder o divórcio. Da mesma forma, se se pediu condenação em 10 mil reais por culpa em acidente de trânsito, não pode o juiz conceder a condenação por violação de contrato, pois diversos os fundamentos.

Nula será a sentença fora do pedido:

Desrespeito ao princípio processual de adstrição do juiz ao pedido da parte (Código de Processo Civil, arts. 128 e 460) gera nulidade insanável. Nula a sentença que decide a lide fora do postulado. Os autores pediram a nulidade do contrato de arrendamento, por má-fé, fraude, subscrição por pseudoprocurador e, ainda antedata da avença, configurando-se simulação. O magistrado deu o pacto por corretamente celebrado, em vida da mandante, e sem vícios, mas declarou a extinção do arrendamento pela morte da usufrutuária, alegação inexistente na requisitória inicial, e nem debatida, motivando violação frontal dos arts. 128 e 460, do CPC. In casu, ocorreu desobediência manifesta ao princípio de adstrição do juiz ao pedido da parte e julgamento extra petita, com nulidade total do decisum.9

17.2.2.2. Sentença ultra petita

Decidirá ultra petita o juiz que conceder mais do que foi pedido. Se o autor pediu condenação em 10 mil reais, não poderá o juiz condenar em 11 mil reais, salvo, no entanto, se for dívida de valor (como alimentos, por exemplo) e não dívida de quantia, nem a condenação em correção monetária, juros (CPC, art. 293), honorários e despesas processuais (art. 20), prestações vincendas (art. 290) e constituição de capital (art. 602).

De regra, por economia processual, os tribunais, em caso de sentença ultra petita (sentença além do pedido) evitam a sua anulação, reformando-as para adequá-las aos limites corretos, pois assim evitam retorno à instância inferior, com prejuízo do próprio vencedor da demanda (Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 112, p. 373). Aplicam, assim, o princípio da redução do ato jurídico ou, como decorre do disposto no art. 515, § 3º, a teoria da causa madura ou teoria da asserção.

17.2.2.3. Sentença citra petita

É a sentença cujo conhecimento das questões ficou aquém do pedido.

Determina o art. 459 do CPC que “o juiz proferirá sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor”.

A sentença deve conhecer toda a lide (art. 128), nos limites das questões que foram postas pelas partes, inclusive pelo demandado. Assim, se o réu alegar prescrição ou, antes, arguir preliminar e o juiz, na sentença, desconhecer tais questões, será, também, caso de sentença citra petita.

Usualmente, ocorre a sentença incompleta quando o juiz não aprecia todos os pedidos (mormente em ações condenatórias com pedidos cumulados) ou, podendo proferir sentença líquida, remeteu à fase de liquidação.

Em sede de família, deve a sentença resolver todas as questões, além de se pronunciar sobre o divórcio ou a separação: alimentos para o cônjuge inocente e os filhos, regulamentação da visita, perda do nome etc.

Se, no dispositivo, o juiz só vai acolher alguns dos pedidos, necessário fazer constar que está julgando procedente, em parte, a demanda, embora o mais correto, para evitar dúvidas, é que, no dispositivo, pronuncie-se especificamente sobre cada pedido, mesmo porque não há sentença implícita.

Julgo procedente em parte a demanda para:

1 – condenar a ré a devolver aos autores, no que for apurado em liquidação, a diferença do valor cobrado a mais no preço congelado mencionado no Dec.-lei nº 2.284/86, referente aos lotes adquiridos no período de congelamento;

2 – condenar a ré a devolver aos autores, no que for apurado em liquidação, o excesso eventualmente existente no que se refere à cobrança indevida de multas, juros moratórios e parcelas intermediárias, estas em função da errônea aplicação da Tabela Price;

3 – as condenações abrangem o pagamento de juros moratórios à taxa legal (CPC, 293 e CC, 1.062 [corresponde ao art. 406, CC/2002]), e correção monetária (Lei nº 6.899/81), ambas as verbas desde o fato gerador até o efetivo pagamento.

Julgo extinto o processo, com referência aos pedidos constantes de itens 6 e 7 de fls. 11, sem resolução do mérito (CPC, 267, IV).

Julgo extinto o processo, com relação ao casal Antonio Vincenzo Enzo Napolitano e Ines de Almeida Napolitano, com fundamento no art. 47 do CPC, eis que não se regularizou a representação processual da mulher nem foi requerida sua citação (CPC, 267, IV).

Em face da sucumbência parcial e recíproca, dividirão as partes as custas e responderão, cada uma delas, pelos honorários de seus patronos (CPC, art. 21).

A sentença aquém do pedido é nula, pois a instância recursal não pode reformar o que não foi apreciado no juízo a quo.

Sentença. Omissões. Embargos não opostos. Supressão de instância. Havendo omissões na decisão de 1ª instância, não se utilizando a parte do remédio legal pertinente para saná-las, que são os Embargos de Declaração, e nem arguindo em seu recurso ordinário a preliminar de nulidade da sentença por julgamento citra petita, não pode o Regional apreciar tais não analisados, sob pena de suprimir uma instância (TRT – 8ª Região. Ac. unân. de 06.06.89, RO 333/89, rel. Juiz Nazer Nassar. M. S. T. vs. C. B. R. Ltda. Adva. Maria da Paixão C. Gonçalves, ADV – Jurisprudência 46.944).

Ação. Possibilidade Jurídica do Pedido. Por possibilidade jurídica do pedido entende-se a admissibilidade da pretensão perante o ordenamento jurídico, ou seja, previsão ou ausência da vedação, no direito vigente, do que se postula na causa. A circunstância do julgado ter proclamado a carência da ação é irrelevante para o cabimento da rescisória – CPC, 485 – se na realidade houve pronunciamento do mérito (STJ, ac. da 4ª Turma, pub. em 09.04.90, Recurso Especial 1.678 – GO, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ADV – Jurisprudência 50.138. – O relator originário, Min. Fontes de Alencar não conheceu do recurso porque: “As instâncias ordinárias indeferiram a petição inicial e declararam extinto o processo, julgando o autor carecedor da ação, porquanto é manifestamente incabível ação rescisória contra decisão que não apreciou o mérito. É taxativo o art. 485 do CPC quando assim dispõe: ‘A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida.” Por sua vez, assim se orienta a jurisprudência do STF, conforme se infere da AR 1.118, relatada pelo Min. Moreira Alves, em aresto assim emendado: ‘Ação rescisória. Só é cabível ação rescisória contra decisão de mérito (art. 485, caput, do CPC). Ausência de uma das condições da ação rescisória: possibilidade jurídica. Extinção do processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Dentro dessa diretriz são a AR 1.935 e AR 1.116, relatadas pelos Min. Rafael Mayer e Soares Muñoz, respectivamente. Verifico, outrossim, que o recorrente pretende dar um cunho de embargos declaratórios ao recurso especial, alegando que houve erro técnico quando o julgador fez uso da expressão carecedor de ação. O recurso próprio para aclarar possíveis dúvidas, omissão ou contradição, são os embargos declaratórios, e não o recurso especial. No mesmo sentido, pronunciou-se o Min. Athos Carneiro, assim: O caso presente é modelar, talvez, no sentido de mostrar que o vigente CPC foi menos feliz ao transportar para o direito positivo a doutrina de Liebman, situando as chamadas condições da ação como prefacial ante o que se conceitua como mérito da demanda. Aliás, lembraria que o próprio Liebman, a partir da 3ª edição de seu Manuale, deixou de se referir à ‘impossibilidade jurídica’ como uma das condições da ação. Apesar disso, as três condições a que, anteriormente, o grande mestre italiano se referia, foram postas em nosso Código como sendo requisitos de existência do direito de ação, ou até melhor, diria eu, como ‘requisitos da viabilidade da ação’. É certo que, em alguns casos, é fácil distinguirmos carência do núcleo do mérito; em outros, entretanto, essa distinção se revela, na prática extremamente difícil e parece-me que o caso presente é um deles. De qualquer maneira, a impressão que se tem é que o vigente Código, ao reservar a rescisória para os casos de decisão do mérito, quis afastar a rescisória para aquelas hipóteses em que, não tendo sido decidido o mérito, as partes poderiam retornar ao debate jurisdicional, o que não é, à evidência, o caso dos autos’).”

Sentença citra petita. Nulidade. Cumulação de pedidos. Voto vencido.

– É nula a sentença que, em ação com pedidos cumulados, decide apenas sobre um deles, deixando de examinar e pronunciar-se a respeito do outro (TJ-MG – Ap. Cível n. 39.830 – Ac. unân. da 4ª Câm. Cív. – p. em 17.10.89, rel. Juiz Campos Oliveira, Aptes.: T. R. P. e J. B. T. – Apdos.: os mesmos).

Sentença. Reivindicatória. Denunciação da lide. Julgamento citra petita.

– A sentença em processo com denunciação da lide é dúplice: julga a ação principal e em seguida julga a ação secundária, acolhendo ou não a pretensão do denunciante de ver declarada a responsabilidade do denunciado (RT 498/89). Omitindo-se a sentença quanto à lide denunciada, fez a entrega da prestação jurisdicional pela metade, qualificando-se como citra petita, padecendo por isso de inquestionável nulidade (RJTJSP, 62/217)” (TJ-SC, Ap. Cível n. 23.867, Ac. unân. da 1ª Câm. Cív., em 24.05.88, rel. Des. João Martins, Apte.: D. B. – Apda.: A. I. Ltda.).

Não constitui sentença aquém do pedido o fato de não ter determinado providências acessórias, decorrentes do pedido principal: expedição de carta de sentença em ações personalíssimas, para anotação no registro civil; expedição de mandados de pagamento etc.: são providências complementares que independem de pedido e de natureza administrativa.

17.3. Prazo

Dispunha o anterior CPC, em seu art. 20, que “o prazo para os despachos de expediente será de vinte e quatro horas, e para os interlocutórios, de cinco dias”; “os prazos para o juiz serão contados da data do termo de conclusão”; “em qualquer instância, declarando motivo justo, poderá o juiz exceder por igual tempo os prazos a ele fixados neste Código”.

Já o Código em vigor, no seu art. 189, concede ao juiz o prazo de dois dias para os despachos de expediente e de dez dias para as decisões. Tal prazo é o geral, a que se vincula o magistrado, como se vê no art. 456, quando o juiz deixa de proferir a sentença em audiência; no art. 758, referente à insolvência (note-se que o art. 761 diz “sentença” a que constitui o estado de insolvência) e no art. 1.109, quanto aos procedimentos de jurisdição voluntária.

No entanto, o prazo será de cinco dias, em se tratando de ação cautelar (art. 803). Aliás, note-se que o art. 886, IV, dá um prazo genérico para todo o processo de busca e apreensão de títulos e não só para a sentença.

O art. 187 do Código de 1973 diz que, em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos que lhe são assinados; tal dispositivo é garantido pela representação prevista no art. 198, contra o juiz que excedeu os prazos, podendo o relator, conforme as circunstâncias, avocar os autos em que ocorreu excesso de prazo, designando outro juiz para decidir a causa. O art. 187 é muito mais severo que a regra geral do art. 183.

Também a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979), tem preocupação com o excesso de prazo nas decisões, impondo, como dever do magistrado, “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar” (art. 35, II), e, no art. 39, mandando que os juízes remetam, até o dia dez de cada mês, ao órgão corregedor competente de segunda instância, informações a respeito dos feitos em seu poder, cujos prazos para despacho ou decisão hajam sido excedidos, bem como indicação do número de sentenças proferidas no mês anterior.

Quanto à responsabilidade civil, a regra geral é que os agentes políticos só respondam por dolo ou fraude. Tal regra é aquela do art. 49, I, da LOMAN que, no entanto, prevê aos magistrados, diferentemente dos outros agentes políticos, a responsabilidade civil se “recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento das partes”, reputando-se verificadas tais hipóteses somente depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.

Dizia Rui Barbosa, no célebre discurso de paraninfo “Oração aos Moços”, que os processos se arrastavam como as preguiças no mato. Aparentemente, o legislador parece considerar que o único culpado pela demora do processo é o juiz, pois lhe dá, para julgar, prazos bem menores que aqueles que são concedidos à parte para responder ou recorrer, o que é desarrazoável.

A incoerência legislativa é tão grande que o art. 188 concede ao Ministério Público e à Fazenda Pública o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, dizendo a doutrina que tal desvio do tratamento isonômico entre as partes é necessário, para que possam tais órgãos públicos proceder bem ao seu papel de defesa do interesse público e estatal, o que significa, indiretamente, que o juiz, para realizar o seu papel de justiça do caso concreto, deve fazê-lo com muito mais presteza...

Em face do disposto no art. 187, deve o juiz, se excedeu o prazo, proceder a uma sucinta declaração:

Recebi estes autos em 1º de outubro último e excedi o prazo em face do serviço eleitoral (eleição de 3 de outubro).

Em 15 de outubro de 1990

Dizia o Código de 1939 que os prazos para o juiz seriam contados a contar do termo de conclusão, que é feito pelo escrivão. Como não se repetiu tal dispositivo, hoje vale o disposto no art. 184, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento.

De qualquer forma, é aconselhável que o juiz, ao receber os autos, verificando que o termo de conclusão não está datado daquele dia, proceda à anotação, logo abaixo, de que recebeu os autos em tal data.

Vale notar que não há nenhum dispositivo legal que mande o juiz julgar bem a causa (o que, aliás, não se lhe pode, com exclusividade, imputar...), embora diversos exijam que ele julgue em determinado prazo.

Sentença. Excesso de prazo para sua prolação. Justificativa. Descaracterização de erro, abuso ou omissão.

1. Não se caracteriza erro, abuso ou omissão por parte do magistrado, se este, após a instrução normal do feito, excede o prazo legal para a prolação da sentença, ao fundamento da existência de outros processos, cuja prioridade do julgamento prefere aos demais, na conformidade da disposição do art. 17 da Lei nº 1.533/51 [v. art. 20 da Lei 12.016/2009, atualmente em vigor]. 2. Retardamento justificado. 3. Representação conhecida e não provida” (TRF, Representação nº 001/89, Ac. unân., p. em 26.03.90, rel.: Anselmo Santiago, Repte.: M. M. & E. J. E. S/A, Repdo.: M. C. R., Juiz Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal).

Concluindo, a decisão judicial tem o seu tempo adequado (timing), e a previsão legal do prazo de sentenciar se apresenta como ordem inócua, tanto pela complexidade fática ou jurídica que pode apresentar a causa como pelas circunstâncias eventuais, pois o magistrado não recebe somente um processo para decisão, de cada vez, geralmente acumulando diversas funções ou assumindo órgãos desorganizados.

Mesmo assim, o magistrado não pode esquecer que o excesso de prazo de conclusão é uma das armas mais utilizadas como meio de pressão ou instrumento para ver gastar a sua independência funcional.

Na opção dilemática entre arrostar as consequências do excesso de prazo e a garantia de sua independência, para que esta não se fragilize, mais prudente é que libere os autos com decisão singela, mas suficiente para seus fins, mesmo que não se faça a Justiça que considere ideal.


1 Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989, vol. IV, p. 408.

2 René David, Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo (Les Grands Systèmes de Droit Contemporain – Droit Comparé), 2ª ed., Lisboa, Ed. Meridiano, 1978.

3 No original o nome das partes está por extenso, mas, aqui, utilizamos tão somente as iniciais, em face do caráter sigiloso do processo específico.

4 Orlando de Assis Corrêa, Sentença Cível – Elaboração-Nulidades, 3ª ed., Rio de Janeiro, Aide Editora, 1965, p. 241.

5 O juiz não se exime de sentenciar ou despachar, alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito (CPC, art. 126).

6 Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 20ª ed., atualizada até 08.01.90, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 239.

7 Moacyr Amaral Santos, op. cit., p. 409.

8 Moacyr Amaral Santos, op. cit., pp. 413-414.

9 Citado por Orlando de Assis Corrêa, op. cit., p. 92.