Capítulo II

DIREITO DE AÇÃO

Aquele cujo direito é atacado deve resistir; é um dever para consigo mesmo. A conservação da existência é a lei suprema da criação animada, pois que ela se manifesta instintivamente em toda criatura. Mas a vida física por si só não constitui o homem todo, o homem completo; ele tem ainda necessidade de defender sua existência moral que tem como condição necessária o Direito (Ihering).1

2. DIREITO SUBJETIVO

2.1. Conceito de direito subjetivo

Pontes de Miranda observa que a ordem liberal não é a causa da existência de direitos: apenas é a causa de certa atomicidade deles. E continua: “O Estado individualista apenas se retrai, para que as personalidades atuem com maior autonomia do que atuaram no passado. Se essa autonomia diminui, nem por isso diminui o número de direitos subjetivos. A característica do Direito está em que ele distribui bens da vida e promete tutela jurídica; de modo que se exclui a intervenção do terceiro discrepante do raio das regras jurídicas.”2

Ihering considerava o direito subjetivo tão somente como “o interesse juridicamente protegido”. Já Andreas von Thür, desenvolvendo tal ideia, o reputou como “o poder da vontade na satisfação de um interesse juridicamente protegido”.

Carnelutti não concordava no ponto de se atribuir à vontade o elemento essencial do direito subjetivo:

Se realmente a liberdade ou a faculdade de comandar exprimem o lado psicológico da relação, a par deste deve considerar-se o lado econômico, para a completa definição da juridicidade da situação, a qual, portanto, se resolve na liberdade ou na faculdade de comandar para a tutela de um interesse próprio, descobrindo-se assim a analogia bem como a diferença entre direito subjetivo e potestas.3

Já o direito objetivo não é a antítese do direito subjetivo, mas, sim, na realidade, a sua outra face, pois pode ser conceituado como “... a previsão jurídica de um interesse”.

Já enfatizamos, no capítulo anterior, a importância do interesse, como substrato de todo o sistema de Direito. No direito subjetivo, o interesse é-lhe subjacente, está antes dele, ou melhor, está para além dele, não dizendo respeito à sua estrutura, mas à sua função (o direito subjetivo é o interesse em ação, protegido pela ordem jurídica):

Todo o direito objetivo – e, portanto, também o direito subjetivo – foi criado para satisfazer interesses humanos (hominum causa omne jus constitutum – Digesto, 1, 5, 2). Mais precisamente, o direito privado objetivo material surgiu para dirimir conflitos de interesses entre os homens, dizendo qual dos interesses conflitantes deve prevalecer, com sacrifício do outro; ou em que medida cada um deles deve ter a prevalência e em que medida deve ser sacrificado. Por via de regra, a prevalência de um dos interesses é assegurada mediante a concessão dum direito subjetivo. De toda a maneira, onde há um direito subjetivo, ele foi concedido para que através dele fosse obtido o predomínio de certo interesse; tal como a correspondente obrigação ou sujeição foi imposta para que um outro interesse oposto resultasse subordinado àquele.4

Agora, é importante mencionar a importância da vontade no exercício do direito subjetivo: direito subjetivo é o exercício do poder da vontade.

Sem vontade, não há exercício de direito.

Só há vontade, no entanto, se houver consciência:

É preciso, em primeiro lugar, que o que é em si direito seja tornado presente para a consciência e levado ao seu conhecimento: é a lei, que é tão pressuposta qualquer coisa de válido em si e por si como qualquer coisa unicamente válida, na medida em que é levada, como tal, como coisa que tem um poder universal, ao conhecimento do público... Por um lado, há que exigir para a legislação determinações simples e universais, por outro, a natureza dessa matéria finita tem por consequência uma redeterminação indefinidamente contínua; assim como, aliás, a legislação é suposta ser qualquer coisa de acabado e de fechado, de conhecido, e ao mesmo tempo novos conflitos particulares requerem sem cessar novas determinações legais.5

A despeito da fictio iuris de que ninguém pode alegar o seu desconhecimento (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 3º: “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”), a lei tem, como pressuposto para ser exigido o seu cumprimento, que esteja presente no espírito do titular do direito subjetivo – se não se conhece o direito, por ele não se pode lutar.

2.2. Direito potestativo

Chiovenda divide os direitos em duas categorias:

1 – os direitos tendentes a um bem de vida a conseguir-se, antes de tudo, mediante a prestação positiva ou negativa de outros (direitos a uma prestação); e

2 – os direitos tendentes à modificação do estado jurídico existente (direitos potestativos).6

Os direitos a prestação podem ser absolutos (quando a todos se dirige a norma impondo determinada prestação – os direitos personalíssimos e os direitos reais) e relativos (quando a norma se dirige a pessoa determinável – os direitos de família e os direitos obrigacionais).

Os direitos potestativos, segundo Chiovenda, têm por conteúdo o poder do titular de influir na situação jurídica de outrem, sem que este possa ou deva fazer algo, senão sujeitar-se. Os direitos potestativos (potestas significa poder, potência, força, autoridade) são uma espécie de direito subjetivo, cujo objeto é a modificação de uma relação jurídica. Aquele que está no lado passivo do direito potestativo está em estado de sujeição, pois nada pode fazer senão se sujeitar ao exercício do direito potestativo. Por exemplo, temos o exercício da ação de separação, em que é direito potestativo do autor acionar, estando o demandado em estado de sujeição, pois nada pode fazer senão providenciar sua defesa.

2.3. Abuso de direito

O exercício dos direitos, pretensões e ações pressupõe o interesse, isto é, a exigência de um bem da vida para suprir uma necessidade moral ou patrimonial. O exercício de um direito sem atentar para o seu fim constitui ilicitude ou abuso de direito.

O abuso do direito foi previsto no Código Civil português de 1966, em seu art. 334, assim como no Código Civil brasileiro, o qual estatui em seu art. 187:

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes.

O exercício de qualquer direito, assim, está condicionado aos fins de satisfação do interesse que tutela: é ilícito o exercício de um direito que não vise à satisfação do interesse moral ou patrimonial de seu titular.

Evidentemente, o tema de abuso de direito, como modalidade de fraude à lei, não se aplica somente no campo do Direito Privado, mas também no Direito Público, a começar pelo ramo constitucional, como se vê no disposto no art. 154 da Constituição brasileira de 1967, em que se instituiu remédio jurídico processual legitimando o Procurador-Geral da República a pedir ao Supremo Tribunal Federal a suspensão de direitos políticos ou mesmo individuais.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, ainda hoje vigente em França por força do preâmbulo da Constituição da V República, de 1958, já dispunha, em seu art. 4º:

A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Observe-se que a tradição jurídica universal é que o interesse, a pretensão, os direitos e a ação devem ser exercidos no limite da satisfação das necessidades individuais. Daí também decorre que o poder do Estado só pode e deve ser exercido nos limites da satisfação das necessidades coletivas.

Enquanto reservamos a expressão abuso de direito para as situações em que o indivíduo exorbita do exercício de seus direitos, a expressão abuso de poder destina­-se a expressar as situações em que os agentes públicos extrapolam os limites de sua atuação.

A Constituição de 5 de outubro de 1988 não fez tal distinção entre as expressões abuso de direito e abuso de poder: só se refere a abuso ou abuso de poder nos arts. 5º, XXXIV, “a”, LXVIII e LXIX; 14, §§ 9º e 10; 55, § 1º; 173, § 4º; e 227, § 4º.

São igualmente ilícitos tanto o abuso de direito por parte do indivíduo quanto o abuso de poder pelo agente estatal, e pouco importa valorar qual deles tem maior grau de ilicitude, pois tanto o indivíduo como o Estado só atuam juridicamente quando visam a satisfazer suas necessidades legítimas.

2.4. Dever jurídico

Se o titular do direito subjetivo pode juridicamente impor ao outro sujeito da relação jurídica uma determinada conduta, este está submetido a um dever jurídico:

No dever jurídico – que corresponde aos direitos subjetivos propriamente ditos – o direito objetivo ordena ao respectivo sujeito (obrigado) que observe um dado comportamento positivo ou negativo (fazer ou deixar de fazer alguma coisa). Se o sujeito do dever procede diversamente, violando essa norma, o direito objetivo autoriza o titular do direito subjetivo a pedir e a obter que sejam adotados contra aquele – quando não na sua pessoa, pelo menos, no seu patrimônio – determinadas providências coativas, tendentes a dar realização efetiva ao seu interesse, ou então que lhe sejam aplicadas sanções de outro gênero. O receio de tais providências ou outras sanções contribuirá seriamente para que o obrigado, por via de regra, não transgrida o dever que lhe está sendo imposto. Mas subsiste sempre que o sujeito do dever tem a possibilidade de não cumprir, expondo-se embora a sofrer – se assim o quiser o titular do direito subjetivo – as sanções de vária ordem que a lei comina contra o obrigado negligente ou relutante. Eis um traço fundamental que contradistingue o dever jurídico em face do estado de sujeição.7

Usamos a expressão obrigação para a espécie de dever jurídico, cujo objeto é a vinculação entre o credor e o devedor visando a uma prestação típica, de dar coisa, fazer ou não fazer.

Já o estado de sujeição é a espécie de dever jurídico consistente na necessidade de suportar as consequências jurídicas do exercício regular de um direito potestativo. Está em sujeição a pessoa demandada, que nada pode fazer senão atuar, nos limites da ordem jurídico-processual, em defesa de seus interesses. Em decorrência da sujeição, tem o demandado o ônus jurídico de não ficar revel.

Ônus jurídico é a necessidade de agir de certo modo para a tutela do interesse próprio. Já para Liebman, é “a necessidade de realizar certa atividade se se quiser evitar certo efeito danoso, ou obter determinado resultado útil”.

Denomina-se poder/dever o complexo jurídico que abrange não só direitos como deveres, exemplificando-se com o pátrio poder.

2.5. Ação

“Ação” é o termo jurídico que admite diversos significados, embora todos eles estejam, de uma forma ou outra, vinculados ao exercício do direito.

No Nuovo Digesto Italiano, como nos conta Eduardo Couture, há quinze acepções diferentes, embora nem todas aqui sejam tratadas.

2.5.1. Ação no sentido material

A palavra “ação” vem do latim actio, actionis significando a obra, o movimento, a operação, o atuar e a transformação da realidade.

A ação, no sentido material, é o exercício do direito, como diziam os franceses, segundo nos conta Eduardo Couture:

A ação é o direito em movimento, algo assim como sua manifestação dinâmica. Nenhuma diferença substancial pode ser apontada entre o direito e a ação. E Demolombe ensinava que quando a lei fala em “direitos e ações” incorre em pleonasmo. Como as ideias dessa escola (francesa) sempre foram muito simpáticas às imagens de guerra, dizia-se com u’a metáfora mais literária que científica – que a ação é le droit casqué et armé en guerre.8

A ação surge simultaneamente ao direito assim como Minerva, deusa da guerra, já nascera armada de espada e escudo.

Na esteira da teoria de ação vislumbrada pelo velho Celso, dispunha o revogado Código Civil de 1916, no art. 75, que a cada direito corresponde uma ação que o assegura.

Pontes de Miranda observa que, onde há pretensão, se ocorre óbice, há a ação respectiva, pois nem sempre é preciso ir-se contra o Estado para que ele (Estado), que prometeu a tutela jurídica, a preste; nem, portanto, estabelecer-se a relação jurídica processual, na qual o juiz haja de entregar, finalmente, a prestação jurisdicional.9

O Estado, no seu papel de monopólio do exercício do poder, invoca a qualidade de atuar nos conflitos de interesses, razão pela qual proíbe que o próprio indivíduo, a não ser quando expressamente autoriza, exercite suas pretensões – é o tipo do art. 345, do CP, sob o nomen iuris de exercício arbitrário das próprias razões: “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.

Pode a ação ser exercitada perante qualquer dos Poderes do Estado ou da Administração Pública, via processo administrativo, como pode ser em juízo (por exemplo, através da ação de reintegração de posse) ou, excepcionalmente, mesmo fora do processo, sem incidir na tipicidade objetiva do art. 345 do CP (por exemplo, o desforço pessoal e imediato na defesa da posse, como se prevê no art. 1.210, § 1º, do CC).

O tema da defesa dos direitos tem merecido tratamento especial, inclusive em Constituições modernas, como a de Portugal, de 1976, em seu art. 20:

1. A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa de seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econômicos. 2. Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

Pontes de Miranda observou que existem pretensões sem ação, isto é, pretensões que não podem ser forçadamente executadas, como, por exemplo, a ação de restabelecimento da vida conjugal, aduzindo, ainda, que nasce a ação quando: 1) a pretensão não é satisfeita, e o titular age, em reminiscência do ato de realização ativa dos direitos e pretensões; ou 2) ocorre interrupção da satisfação de pretensões que têm sido satisfeitas por atos positivos ou negativos.10

2.5.2. Ação como direito à tutela jurídica

Ao inibir ao particular a busca da satisfação de sua pretensão, o Estado dá, a cada um, o direito de se dirigir aos órgãos estatais na busca de tal satisfação – devedor da ação é o Estado, em prestação cujo objeto é a tutela jurídica. Wach definiu a ação, nesse sentido, como o direito daquele a quem se deve a tutela jurídica (Rechtsschutzanspruch).11

Wach publicou seu Manual em 1885, falando de ação como direito autônomo, separado do direito que chamamos, comumente, substancial ou material: a pretensão de tutela jurídica não é uma função do direito subjetivo; a pretensão de tutela jurídica é o meio que permite fazer valer o direito, sem ser o direito em si mesmo.12

A dissociação entre o direito (material) e a ação foi comparada, por Couture, como algo tão importante para a ciência do Direito como foi, para a Física, a dissociação do átomo, permitindo, a partir daí, a autonomia do Direito Processual – tenho direito ao processo, ainda que não tenha direito subjetivo a defender. A autonomia da ação foi demonstrada, de forma mais completa, por Degenkolb.

A ação pode ser exercitada perante o Estado-administração (ação administrativa, com fundamento, em nossa Constituição, no disposto no art. 5º, XXXIV, “a” – direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, ou contra ilegalidade, ou abuso de poder), ou perante a função jurisdicional do Estado, não só em face de outras pessoas, mas também encarando o próprio Poder Público, em condições de igualdade de tratamento (Constituição, art. 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).

Processual civil e constitucional plano de saúde – Indenização por dano moral. Apelação buscando majoração do valor – Negativa de seguimento do recurso – Previsão de agravo legal imposição de multa – Exigência de depósito para interposição de recurso especial – Violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Necessidade de esgotamento da via recursal na instância ordinária – Inteligência da Súmula 281 do STF – Ato judicial inatacável por recurso sem efeito suspensivo – Cabimento da ação mandamental. Se inexiste dúvida sobre ser permitido o manejo do agravo legal usado pela impetrante contra a decisão monocrática do relator, que negou seguimento ao recurso de apelação interposto, porque a medida processual encontra previsão no § 1º, art. 557 do CPC, e se o entendimento jurisprudencial sobre a matéria objeto da apelação, valor de indenização por dano moral, não é pacífico na Corte Estadual ou mesmo no STJ, impossível considerar o agravo “manifestamente infundado”, para se aplicar a multa cominada no § 2º, e condicionar a interposição de qualquer outro recurso ao depósito prévio do respectivo valor, por isso que tal medida judicial colide com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, inserta no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, sem olvidar a exigência contida na Súmula 281 da Corte Suprema: “É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”, o que também deve ser observado no caso de recurso especial. Segurança deferida, com a confirmação da liminar. (TJ/RJ. O.E. MS 0035183-18.2009.8.19.0000, j. 02.08.2010, por maioria, rel. Valmir de Oliveira Silva, DO 27.08.2010)

Entre os autores, é notável a posição de Couture no sentido de que o direito de ação, no campo jurisdicional, é derivado do direito de petição – tal posição, no entanto, não é seguida entre nossos mestres, os quais usualmente conceituam a ação, no sentido autônomo ou processual, como direito à jurisdição, ou o direito público subjetivo de deflagrar a atividade jurisdicional visando à obrigação da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, aliás, coincide o conceito com aquele expresso nas Institutas: nihil aliud est actio quam ius persequendi iudicio quod sibi debeatur (nada mais é a ação do que o direito de perseguir em juízo o que nos é devido).

2.5.2.1. Teorias da ação
2.5.2.1.1. Teoria imanentista da ação: teoria civilista

A teoria imanentista da ação é aquela que desde o Direito romano até meados do século passado entendia que o direito de ação era integrante (imanente) ao direito subjetivo. Daí se entendia que não podia haver ação (ou ingresso em juízo) sem que houvesse o direito material a ser protegido – tal é o posicionamento que restou, no art. 75 do CC de 1916: “a todo o direito (material) corresponde uma ação que o assegura”.

Chiovenda, sobre tal teoria, pôde observar:

Dominava, a essa altura, uma concepção estritamente privada do processo, considerado como simples instrumento a serviço do direito subjetivo, como um instituto servil ao direito substancial, mesmo como uma relação de direito privado. A primeira consequência dessa maneira de entender o processo (...) manifestava-se na doutrina da ação. Encarava-se a ação como um elemento do próprio direito deduzido em juízo, como um poder, inerente ao direito mesmo, de reagir contra a violação, como o direito mesmo em sua tendência a atuar. Confundiam-se, pois, duas entidades, dois direitos absolutamente distintos entre si.13

2.5.2.1.2. Autonomia do direito de ação

Em 1856, Windscheid publicou um trabalho sobre a actio romana (“A actio do Direito Civil romano do ponto de vista do Direito moderno”), iniciando, sobre tal ponto, uma polêmica com Mürther, na qual se concluiu, em face da natureza jurídica da actio iudicati que havia nítida diferença entre a pretensão (Anspruch) e a realização e a vontade da lei através do processo.

Em 1888, Adolpho Wach elaborou uma monografia sobre a ação declaratória negativa; concluiu que o direito de ação era autônomo do direito material em disputa, pois nas ações declaratórias busca-se o reconhecimento de relação jurídica, enquanto nas ações declaratórias negativas (como, por exemplo, uma ação para se declarar que não se é devedor de outrem), busca-se a declaração de inexistência da relação jurídica, isto é, de que não existe vínculo de direito material a unir as partes.

2.5.2.1.3. Ação como direito concreto

Wach, Bülow, Hellwig e Chiovenda entenderam que, embora a ação seja um direito autônomo à relação material, só existe o direito de pleitear em juízo quando existir o próprio direito material a ser tutelado; somente pode-se apurar sua existência no caso concreto.

2.5.2.1.4. Ação como direito abstrato

Já em 1877, Degenkolb foi o primeiro a definir o direito de ação como “um direito subjetivo público, correspondente a qualquer que, de boa-fé, creia ter razão a ser ouvido em juízo e constranger o adversário a apresentar-se”. Abstrai-se, assim, para o reconhecimento do direito de ação e de vinculação ao direito material. Sobre tal ponto, Liebman escreveu:

O direito de ação adquire, com isso, uma fisionomia suficientemente precisa: é um direito subjetivo diferente daqueles do direito substancial, porque dirigido ao Estado, sem se destinar à obtenção de uma prestação deste. É, antes disso, um direito de iniciativa e de impulso, direito do particular de por em movimento o exercício de uma função pública, através da qual se espera obter a tutela de suas pretensões, dispondo, para tanto, dos meios previstos pela lei para defendê-las (embora sabendo que o resultado poderá ser-lhe desfavorável); é, pois, um direito fundamental do particular, qualificar sua posição no ordenamento jurídico e perante o Estado, conferido e regulado pela lei processual, mas reforçado por uma garantia constitucional em que encontramos esculpidos os seus traços essenciais. A ação tem a sua disciplina, por isso, no direito em vigor no momento em que é proposta, mesmo que a relação substancial a que se refere seja regulada pela lei anterior; analogamente, a admissibilidade da ação, bem como suas condições de exercício, são reguladas pela lex fori, qualquer que seja a lei reguladora da relação substancial deduzida em juízo.14

Como o direito de ação é dever jurídico do Estado, não se move uma ação contra o demandado, mas em face do demandado. Por isso é que o juiz deve pronunciar no dispositivo da sentença a “procedência da demanda” ou “procedência do pedido” e, nunca, “julgo procedente a ação”.

Contudo, dependendo do conceito que se dê à ação, enfatizando-se a sua perspectiva material, não se pode inquinar de atécnica a “procedência da ação”.

2.5.2.1.5. A posição de Liebman (teoria eclética)

Liebman foi professor em São Paulo, por um largo período durante a década de 40, fugindo do regime fascista em seu país. Suas ideias fundamentaram a linha de pensamento a que se deu o nome de “escola processual de São Paulo”, de onde se espraiou por toda a cultura jurídica brasileira, influenciando o Código de Processo Civil de 1973, o qual adotou, no art. 267, VI, a ideia de que o exercício da ação, como Direito Constitucional, é incondicionado, mas como instituto disciplinado a nível legal é condicionado, pois a ação infraconstitucional é uma especificação, um grau particular de condensação do direito constitucional. Alfredo Buzaid, inspirador do atual Código de Processo Civil, incluiu as condições de ação, nos termos da lição do mestre italiano, o qual anotou:

As condições de ação, há pouco mencionadas, são o interesse de agir e a legitimação. Como ficou dito, elas são os requisitos de existência da ação, devendo, por isso, ser objeto de investigação no processo, preliminarmente ao exame do mérito (ainda que implicitamente, como costuma ocorrer). Só se estiverem presentes essas condições é que se pode considerar existente a ação, surgindo para o juiz a necessidade de julgar sobre o pedido (demanda) para acolhê-lo ou rejeitá-lo. Elas podem, por isso, ser definidas também como condições de admissibilidade do julgamento do pedido, ou seja, como condições essenciais para o exercício da função jurisdicional com referência à situação concreta (concreta fattispecie) deduzida em juízo. Toda decisão sobre as condições da ação é decisão sobre o processo, devendo aplicar a lex fori seja qual for a lei que rege a relação controversa. A ausência de apenas uma delas já induz carência de ação, podendo ser declarada, mesmo de ofício, em qualquer grau do processo. Por outro lado, é suficiente que as condições da ação, eventualmente inexistentes no momento da propositura desta, sobrevenham no curso do processo e estejam presentes no momento em que a causa é decidida. A ocorrência das condições da ação tem importância notadamente no processo de conhecimento (no qual são condições de um julgamento do mérito); na execução, o problema é em grande parte resolvido pelo título executivo.15

As condições da ação, assim, podem ser genéricas (referindo-se a todas as ações, como se vê no Código de Processo Civil: “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito: (...) VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”; ou específicas para determinada ação (como, por exemplo, é condição específica para a ação de adjudicação compulsória, prevista no art. 16 do Decreto-lei nº 58, de 10 de outubro de 1937, a inscrição do contrato ou compromisso no registro imobiliário, como, aliás, já está constando da Súmula 413, do Supremo Tribunal Federal; é condição específica para a ação rescisória o depósito previsto no art. 488, II, do CPC.

As condições de ação representam verdadeiras “pontes” ou “conexões” entre a pretensão de direito material e a pretensão à tutela jurídica.16

2.5.2.1.5.1. A ação no direito brasileiro

Em decorrência, poderíamos adotar as seguintes características para o direito de ação, cujo conteúdo é a deflagração da atividade jurisdicional do Estado: direito subjetivo público, constitucional, pré-processual, autônomo e abstrato, embora instrumentalmente conexo a uma situação jurídica concreta.

É direito subjetivo porque se trata de interesse juridicamente protegido; constitucional, eis que a previsão de tal interesse se faz na própria Lei Maior (art. 5º, XXXV); pré-processual porque se trata de direito ocorrente antes da instauração da relação processual; autônomo porque independente da relação de direito material para sua existência e abstrato porque sua existência abstrai qualquer situação fática, embora esteja vinculada a uma situação jurídica, ou ao menos fática, concreta.

2.5.2.1.5.2. Natureza da sentença extintiva do processo sem resolução do mérito

Ao extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, o provimento não tem caráter jurisdicional, de resolução definitiva de conflitos de interesse, mesmo porque não chega a conhecer tal conflito. Nos termos do art. 268 do mesmo Código, a extinção do processo, em tais circunstâncias, salvo o reconhecimento de qualquer dos fundamentos do inciso V do art. 267 não inibe o autor de ingressar novamente em juízo, enquanto não houver a perempção do direito acionário. Para Liebman, a quem o Código foi aí fiel, a atividade judicial em tal caso tem um caráter que se pode dizer administrativo, ou, como já tivemos oportunidade de notar,17 há que distinguir entre os poderes políticos (Legislativo, Executivo e Judiciário) da Administração Pública que executa as atividades estatais e serve de suporte às funções políticas.18 Note-se que a nova redação dada ao art. 296 do Código de Processo Civil permite ao juiz a reforma da própria sentença, em caso de indeferimento da petição inicial, evidenciando-se, assim, mais uma vez, o caráter administrativo da sentença referida no art. 267 da lei processual.

2.5.2.1.6. Teoria da asserção

Não se poderia aqui, ainda que ligeiramente, deixar de tecer alguns comentários sobre a teoria da asserção, defendida com maestria por notáveis processualistas pátrios e estrangeiros.

Pela teoria da asserção basta o autor afirmar as condições da ação; por isso, se difere da tradicional teoria da disposição, que necessita da prova.

Tomemos como exemplo a ação de despejo. Quid iuris: Quem possui legitimidade para ajuizar referida ação, p. ex., por falta de pagamento?

Respondendo-se que é só o locador, responde-se com base na teoria da disposição, porque para se ter legitimidade faz-se necessário provar que é locador, sendo isto provado na relação de direito material, p. ex., juntada do contrato.

Já para a teoria da asserção quem possui legitimidade para ajuizar a referida ação – despejo – é aquele que se afirma locador, porque, na hipótese de se tratar de uma locação verbal, não há contrato para se provar que é locador, no entanto, é possível que se prove, por exemplo, através de testemunhas.

Destaca-se que, essa teoria encontra adeptos em todo o mundo e, no Brasil, poderiam ser citados nomes como Machado Guimarães, desde os idos de 1939, em seu clássico trabalho A instância e a relação processual. Nessa obra, assim afirmava:

Deve o juiz, aceitando provisoriamente as afirmações feitas pelo autor – si vera sint exposita – apreciar preliminarmente a existência das condições da ação, julgando, na ausência de uma delas, o autor carecedor da ação: só em seguida apreciará o mérito principal, isto é, a procedência ou improcedência do pedido.19

Em seguida a isso, afirma o magistrado paulista Kazuo Watanabe:

Quer isto dizer que, se da constatação do réu surge a ... dúvida sobre a veracidade das afirmações feitas pelo autor e é necessário fazer-se uma instrução, já é um problema de mérito.20

Uma vez ultrapassada a fase inicial, ainda sem análise de mérito ou realização de instrução, tradicionalmente conhecida como saneamento do processo (no caso em tela, a audiência do art. 331 do CPC), não mais se pode falar em carência de ação.

Dessa forma, imagine-se, por absurdo, com base na teoria da asserção, que o autor (proprietário) ao invés de ajuizar a ação (despejo) em face do locatário, venha ajuizar em face do cortador de gramas.

Nesse caso, o resultado do processo será a improcedência do pedido, ou seja, não há legitimidade para ser corrigida, porque a partir do momento que o autor afirmou que o réu era o cortador de gramas, então, este tinha legitimidade passiva.

Destaca-se, por fim, que existe vertente minoritária da teoria da asserção no Brasil, defendida pelo Leonardo Greco, no sentido de que se deve ter um mínimo de provas, tal como a justa causa no Direito Processual Penal, defendida pelo autor.

Afirma o ilustre processualista: A simples asserção não pode ser considerada suficiente para conferir ao autor o direito de ação, sob pena de autolegitimação.21

Esses são alguns pontos dessa nova teoria sobre os quais esperamos ter contribuído com esta nova edição.

2.5.3. Ação como remédio jurídico processual

Como veremos mais adiante, é o processo o sistema de composição da lide através de uma relação jurídica vinculativa de direito público, enquanto procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto. Nem sempre cada pretensão tem um procedimento próprio, sendo certo que, salvo expressa disposição legal, o procedimento é o comum (CPC, art. 271), que pode ser ordinário ou sumário (CPC, art. 272). O procedimento especial é regido pelas normas que lhes são próprias, aplicando-se, subsidiariamente, as regras comuns (CPC, art. 273). Em decorrência de especial procedimento, é comum denominar-se o remédio processual do nome da respectiva pretensão, como, por exemplo, a “ação de despejo”, “ação de usucapião”, “ação de divórcio” etc. Assim, usa-se o termo ação para significar a forma processual adotada para o conhecimento da pretensão.

2.6. Condições da ação

As condições de ação, na visão de Liebman, são os requisitos para o exercício do direito de ação. São condições genéricas de ação, a legitimação para agir, o interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido.

2.6.1. Legitimação para agir

Dispõe o Código de Processo Civil, em seu art. 3º: “para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”.

A legitimidade pode ser ativa, quando se referir ao demandante, e passiva, atinente ao demandado, devendo ser observado que é cabível o concurso de mais de uma pessoa em cada polo da relação processual (litisconsórcio).

De regra, a legitimação das ações cabe, tão somente, ao titular do interesse individual. O interesse individual, assim, só pode ser perseguido em Juízo pelo próprio titular, a isso os processualistas denominam legitimação ordinária.

Eis a lição de Liebman:

Legitimação para agir (legitimatio ad causam) é a titularidade (ativa ou passiva) da ação. O problema da legitimação consiste em individualizar a pessoa a que pertence o interesse de agir (e, pois, a ação) e a pessoa com referência à qual ele existe; em outras palavras, é um problema que decorre da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva (...) entre esses dois quesitos, ou seja, a existência do interesse de agir e sua pertinência subjetiva, o segundo é que deve ter precedência, porque só em presença dos dois interessados diretos é que o juiz pode examinar se o interesse exposto pelo autor efetivamente existe e se ele apresenta os requisitos necessários.22

Em trabalho realizado ainda antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil, mas que não perdeu sua atualidade, José Carlos Barbosa Moreira teve a oportunidade de ensinar:

Para todo e qualquer processo, considerado em relação à lide que por meio dele se busca compor, cria a lei, explícita ou implicitamente, um esquema subjetivo abstrato, um modelo ideal que deve ser observado na formação do contraditório. Esse esquema é definido pela indicação de determinadas situações jurídicas subjetivas, às quais se costumam chamar situações legitimantes. A cada uma das partes, no modelo legal, corresponde, em princípio, uma situação legitimante. Há, assim, necessariamente, uma situação legitimante ativa, que corresponde ao autor, e uma situação legitimante passiva, que corresponde ao réu, além de outras eventuais situações legitimantes, que correspondem aos diversos possíveis intervenientes.23

A decisão, a seguir, apreciou a questão da legitimidade ad causam:

”PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

Juízo de Direito da 3ª Vara Cível

Processo nº: 2008.001.255.611-1

Impetrante: J. J. dos S.

Impetrados: F. C. e S.

Sentença

Ação de rito ordinário na qual relata o autor que foi aprovado em 16º lugar na primeira fase do processo seletivo público do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural, organizado pela primeira ré. Todavia, não recebeu qualquer correspondência de convocação para a realização da 2ª etapa referente ao curso a ser ministrado pelo segundo réu, sendo preterido por outros candidatos classificados em posição inferior.

Requer, liminarmente, seja determinado ao segundo réu que autorize o autor a realizar o curso CM Encanador e, ao final, a convolação da liminar em definitiva.

‘Informações da primeira impetrada’ às fls. 61/63 sustentando ilegitimidade passiva eis que apenas executou o processo seletivo, cabendo por força editalícia ao “segundo impetrado”, promover a convocação dos candidatos.

Resposta do segundo réu às fls. 158/164 sustentando, preliminarmente, ilegitimidade passiva eis que o projeto ao qual o autor se candidatou é vinculado ao Governo Federal, bem como a incompetência da Justiça Estadual. No mérito ressalta que não é responsável pelas regras do curso, cabendo-lhe tão somente receber dos alunos selecionados a documentação exigida no edital. Destaca a inércia autoral em obter informações acerca do curso e que grande parte dos alunos pré-aprovados no processo seletivo não comprovou os pré-requisitos necessários. Requer seja deferido prazo para juntada de apresentação do comprovante de entrega pelos correios, e ao final a improcedência da pretensão autoral.

Réplica às fls. 190/196 reiterando os termos da exordial e rechaçando as preliminares.

Consoante fls. 201 e 204 verso as partes não possuem outras provas a produzir.

Parecer Ministerial às fls. 207/208 opinando ilegitimidade da primeira impetrada, pelo acolhimento da arguição de incompetência absoluta, e no mérito, pela denegação da ordem.

É o relatório. Decido.

A causa está madura para o julgamento, sendo suficientes os elementos probatórios para permitir a cognição da demanda, nos termos da fundamentação abaixo.

Inicialmente cabe destacar, conforme certificado a fl. 210 o erro no cadastramento do feito junto ao distribuidor após o declínio de competência da 1ª Vara Cível da Regional do Méier para este Juízo, o que ensejou sua tramitação como mandado de segurança, muito embora se trate de ação pelo procedimento comum ordinário (fl.02), cuja retificação determino.

Rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Estadual eis que não se demonstrou o interesse de pessoa jurídica de direito público federal, como determina o art. 109 da CF/1988.

Cabe destacar que a coordenação de um programa federal não confere o suporte fático para o reconhecimento da competência da Justiça Federal, como v.g., toda a Educação nacional é coordenada pela União, o que não implica em transferir para a Justiça Federal todas as causas cujo objeto seja a educação.

Somente no caso de a União manifestar interesse, o feito será remetido para a Justiça Federal.

Acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da primeira ré, acolhendo os fundamentos do Ministério Público, inclusive ante a causa de pedir da presente demanda, cabendo ao segundo réu convocar os candidatos.

Rejeito, via de consequência, a preliminar de ilegitimidade passiva do segundo réu, o qual, aliás, reconhece o seu dever de enviar correspondência convocando os candidatos.

O conteúdo do tema em debate é de relação de consumo porque a realização do curso é uma prestação de serviços. Além do mais, em se tratando de programa público, não afasta o caráter consumerista segundo o art. 22 do Código de Defesa do Consumidor.

Cabível, assim, a adoção da equidade por se tratar de relação de consumo.

A admissão da equidade, em se tratando de relação de consumo é ressaltada pela jurisprudência dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, como se vê das ementas abaixo transcritas:

Ementa: Recurso Especial. Limite do julgamento. Proposta no recurso especial a questão do termo ad quem do período a considerar para o pagamento da multa, descabe ir além para reduzir o seu valor. Código de Defesa do Consumidor. Equidade. Código de Defesa do Consumidor. – É possível o julgamento por equidade na relação de consumo. Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, não conhecendo dos recursos, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, por maioria, não conhecer dos recursos, vencido o Sr. Ministro Relator, que conhecia em parte do recurso da empresa-ré e não conhecia do recurso dos autores. Afirmou suspeição o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. (Acórdão REsp 225.322/DF, Recurso Especial 1999/0068682-9, Quarta Turma, Relator Min. Cesar Asfor Rocha, Relator p/ Acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, Data da Decisão 02.04.2002, DJ 10.03.2003, p. 222)

Pesquisa: Consumidor e Julgamento e Equidade

Processo: 2003.001.21395

Agravo inominado

Decisão monocrática

Seguimento negado ao recurso

Direito Processual Civil. Art. 557 da Lei Processual. Recurso manifestamente improcedente, eis que evidentemente não terá sucesso. Direito Consumerista. Reembolso de cirurgia oftalmológica. Cabimento. Julgamento por equidade conforme o disposto no art. 7º, in fine, do Código de Defesa do Consumidor. A despeito de previsão contratual ou de resolução sobre o tema a operadora do plano de saúde efetuou diversos reembolsos ao segurado do plano e não pode de uma hora para outra modificar situação já consolidada sem comunicação prévia, surpreendendo o consumidor. Aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Desprovimento do recurso. (Apelação Cível, Processo nº 2003.001.21395, Data de Registro: 19.11.2003, Sexta Câmara Cível, Des. Nagib Slaibi Filho, j. 23.09.2003)

A prestação do autor se frustrou pela falha no serviço. Veja-se que o segundo réu afirma, a fl. 112, que enviou a correspondência convocando o autor para apresentação dos documentos, mas não comprova sua afirmação.

Não se discute a obrigação de fazer do segundo suplicado de enviar a correspondência e possibilitar a entrega dos documentos pelo autor. Veja-se que não há como se exigir do autor prova de fato negativo (ad impossibilia nemo tenetur), ou seja, de que não recebeu a correspondência o convocando.

De outro lado, como o segundo réu declarou que não tem curso no momento e não há como se determinar a realização de curso para uma única pessoa, o que resta é julgar procedente, em parte, a demanda para condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por perda e danos, na forma do art. 461, § 1º, do Código de Processo Civil.

Passa-se, assim, à fixação do dano moral, nele incluído o dano material, cujo arbitramento se faz por equidade, nos termos do art. 944 do Código Civil.

Cumpre ressaltar que o arbitramento judicial é o meio mais eficiente para se fixar o dano moral, e como o legislador não ousou, através de norma genérica e abstrata, pré-tarifar a dor de quem quer que seja, cabe ao magistrado valer-se na fixação do dano moral, dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para estimar um valor compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano por ela produzido.

Na fixação do dano moral, devem nortear a análise do magistrado não apenas a reprovabilidade da conduta e a gravidade do dano dela decorrente, como também a capacidade econômica do causador do dano e as condições pessoais do ofendido. Sobre o tema destaca-se a lição do mestre Caio Mário da Silva Pereira, extraída de sua obra Responsabilidade Civil, que também nos guia no arbitramento do dano moral:

‘Como tenho sustentado em minhas instituições de Direito Civil, na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I – punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança’.

Levando-se em consideração os critérios apontados, bem como as circunstâncias do caso concreto, a falha na prestação do serviço, a frustração do autor, aprovado no concurso público, os danos materiais decorrentes da não realização do curso e repercussão profissional, bem como o caráter pedagógico de que deve se revestir a fixação do dano moral, já incluído o dano material, afigura-se adequado, valendo-se do disposto no art. 944 do Código Civil, arbitrar o dano moral em R$ 9.000,00 (nove mil reais).

Isto posto, extinto o processo sem julgamento do mérito com referência à primeira ré, por ilegitimidade passiva, e julgo parcialmente procedente o pedido autoral para condenar o segundo réu a pagar a quantia de R$ 9.000,00, a título de danos morais, com correção monetária e juros legais a partir desta data, bem como ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais, ao teor do art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Retifique-se na D. R. A, com urgência a autuação para procedimento ordinário de obrigação de fazer. Dê-se ciência ao MP.

Aguarde-se por 15 dias o cumprimento voluntário da obrigação. Decorridos in albis, certifique-se nos autos, cabendo ao credor, independente de intimação, indicar bens à penhora, acrescendo-se ao valor da execução multa de 10%, nos termos da redação do art. 475-J do Código de Processo Civil.

P. R. I.

Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2009.

MARIA CRISTINA BARROS GUTIÉRREZ SLAIBI

Juíza de Direito”

“ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRIO

Juízo de Direito da 10ª Vara de Fazenda Pública

Cartório da Dívida Ativa do Município

Processo nº 99. 001.157972-0

Impetrante: M. Brasil Ltda

Impetrado: Coordenador do ISS do Rio de Janeiro

DECISÃO

A autoridade impetrada e o Município apontam, como legitimado passivo, o Secretário Municipal de Fazenda, detentor do poder decisório para corrigir a suposta ilegalidade, requerendo, assim, a extinção do feito por ilegitimidade passiva da autoridade apontada.

A indicação da autoridade impetrada, em mandado de segurança, é tema ainda tormentoso na doutrina e na jurisprudência.

O tema já foi tratado em diversos momentos por esta magistrada, inclusive em artigo publicado na revista Doutrina nº 9, Rio de Janeiro Instituto de Direito, 2000, p. 38/41, bem como no Informativo ADV nº 21, p. 331 e na Revista da Emerj, vol. 3, nº 9, p.136/140, consoante se transcreve:

Via de regra, a indicação errônea do polo passivo da relação processual, acarreta a extinção do feito sem julgamento do mérito, face à ilegitimidade passiva ad causam. Contudo, em se tratando de mandado de segurança, tal diretriz deve ser vista cum granum salis, permitindo ao magistrado corrigir tal irregularidade. A uma, por ser o Mandado de Segurança instrumento constitucional de proteção dos direitos e garantias individuais, não podendo ser limitado por lei infraconstitucional. A duas, porque a própria estrutura dos órgãos administrativos fazendários, dada a sua complexidade, dificulta a exata identificação, pelo contribuinte, da autoridade coatora. A três, porque os princípios da Efetividade e Economia Processuais que devem nortear o aplicador da lei conduzem, em tais casos, à correção do ato’.

Balizam tal entendimento, dentre outros, os ensinamentos do mestre Hely Lopes Meirelles, em sua célebre obra ‘Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data’, 16. ed. Malheiros Editores, p. 47, in verbis:

‘Muito se tem discutido e os tribunais ainda hesitam – se a errônea indicação da autoridade coatora conduz à carência da impetração ou admite correção para o prosseguimento do mandado contra o verdadeiro coator. Sustentamos que o juiz pode – e deve – determinar a notificação da autoridade certa, como medida de economia processual, e, sendo incompetente, remeter ao juízo competente (CPC, art. 113, § 2º). Isto porque a complexa estrutura dos órgãos administrativos nem sempre possibilita ao impetrante identificar com precisão o agente coator, principalmente nas repartições fazendárias que estabelecem imposições aos contribuintes por chefias e autoridades diversas’.

As demais preliminares serão apreciadas oportunamente.

Ante tais considerações, determino a retificação do polo passivo para Secretário Municipal de Fazenda do Rio de Janeiro. Solicitem-se as informações.

Intimem-se.

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2000.

MARIA CRISTINA BARROS GUTIÉRREZ SLAIBI

Juíza de Direito”

2.6.1.1. Litisconsórcio

Partes, na relação processual, são aqueles que, ordinariamente, são partes na relação material. Quando a relação material tiver o respectivo interesse titulado por mais de uma pessoa (física ou jurídica) é caso de se formar o litisconsórcio (“a mesma sorte na lide”). O litisconsórcio, quanto ao posicionamento no polo da relação processual, pode ser ativo quando houver mais de um demandante, passivo, quando houver mais de um demandado e misto ou recíproco se ocorrer mais de um autor e mais de um réu.

Quanto à disponibilidade do interesse, o litisconsórcio será necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes, como previsto no art. 47, a despeito da evidente erronia da expressão, pois aí se refere a todas as partes de um polo, e não a ambos os polos, pois, se fosse assim – como consta na clássica anedota –, o juiz julgaria a lide empatada e condenaria o escrivão nas custas...; o litisconsórcio será facultativo quando for estabelecido pela vontade das partes, caso em que poderá ser, ainda, recusável ou irrecusável.

Em nível doutrinário, fala-se em litisconsórcio facultativo impróprio, também chamado irrecusável, porque, requerido por uma das partes, a outra não pode recusá­-lo. Se os autores, em litisconsórcio, ajuízam uma ação contra o mesmo réu, este não poderá requerer o desmembramento do processo. Terá que se sujeitar à demanda movida por todos, conjuntamente.

O litisconsórcio facultativo próprio, também chamado recusável, é aquele que depende da vontade das partes na sua formação (tanto dos autores quanto dos réus). Se proposta a ação por vários autores contra um mesmo réu, este, se o quiser, poderá requerer o desmembramento do processo.24

”Tribunal de Justiça

Segunda Câmara Cível

Agravo de Instrumento nº 0056508-15.2010.8.19.0000

Agravante: A. E. E S. S/A

Agravado: J. B. C. R. e Outros

Relator: Des. Carlos Eduardo Fonseca Passos

Litisconsórcio Facultativo Recusável. Sua admissão, nos termos do art. 46, parágrafo único, do diploma processual. Litisconsórcio fundado em afinidade de questões, por um ponto comum de direito. Possibilidade de recusa do litisconsórcio, em prol da rápida solução do litígio. Necessidade de limitação do número de litisconsortes passivos. Aplicação do enunciado nº 65, do Aviso TJRJ nº 94/2010. Recurso parcialmente provido.”

No que diz respeito à uniformidade da decisão perante os litisconsortes, poderá haver litisconsórcio unitário (se a decisão for uniforme para todos os litisconsortes) e simples (quando a decisão, embora proferida no mesmo processo, possa ser diferente para cada litisconsorte).25

Continuemos na lição de Carreira Alvim:

O litisconsórcio se diz unitário quando, imposto por lei, a decisão tiver que ser idêntica para todos os litigantes. Exemplo de litisconsórcio necessário e unitário: o Ministério Público propõe uma ação de anulação de casamento contra ambos os cônjuges; a sentença deve ser idêntica para ambos os litisconsortes, pois, tratando­-se de uma sentença constitutiva, não se pode anular o casamento em relação ao marido e considerá-lo válido em relação à mulher. Igualmente, em uma ação de reivindicação de imóvel contra marido e mulher, o juiz não pode julgar procedente a demanda em relação ao marido, condenando-o a restituí-lo, e improcedente em relação à mulher.

Pode acontecer que a decisão não deva, necessariamente, ser idêntica para todas as partes. Aqui o litisconsórcio é do tipo não unitário, pois o juiz pode julgar procedente a demanda em relação a uns e improcedente em relação a outros. Na ação de usucapião, a lei determina que sejam citados todos os confinantes; o juiz poderá acolher a contestação de um dos réus e, quanto a ele, julgar a ação improcedente e não acolher a contestação de outros e julgar, contra eles, procedente a ação. Não é obrigatória uma sentença idêntica para todos eles. Cumpre esclarecer que o litisconsórcio não precisa ser do tipo necessário, para que seja, necessariamente, unitário, podendo também o facultativo determinar uma sentença idêntica para todos os litigantes. Dois sócios podem propor, separadamente, uma ação contra determinada sociedade, pleiteando a anulação de atos de uma assembleia geral. Cada um, em face dos interesses lesados, poderá ajuizar a ação de anulação. Se eles podem propor a ação separadamente, podem também unir-se em litisconsórcio, propondo uma única ação, objetivando a anulação. Estaríamos diante de um litisconsórcio facultativo, mas a decisão proferida pelo juiz terá que ser idêntica para ambos os autores. O litisconsórcio é facultativo e unitário.26

Pode o litisconsórcio, ainda, ser classificado quanto à pluralidade das partes, em que será ativo, quando vários autores demandam em face de um réu, ou passivo, quando vários réus são processualmente alvejados por um mesmo autor e, finalmente, misto ou recíproco, quando existirem diversos autores em face de diversos réus.

É importante observar o disposto no art. 301, § 2º, do CPC, quando diz que uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Assim, se tivermos dois autores, em litisconsórcio (A e B) em face do réu (C), com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, na verdade temos uma cumulação subjetiva de processos, ou seja, mais de um processo, em que:

A____________C

B____________C

Decorre, daí, que o juiz pode julgar extinta uma relação processual (por exemplo, a existente entre A e C) por qualquer causa do art. 267 e julgar procedente a demanda entre B e C.

Da mesma forma que existe a cumulação subjetiva de processos, existe, também, a cumulação objetiva, como se vê, por exemplo, em uma ação ordinária em que se pede ressarcimento por danos morais e patrimoniais, ou quando a cumulação objetiva se refere à cumulação de fundamentos do pedido, como, por exemplo, em uma ação de despejo com fundamento em falta de pagamento dos aluguéis e encargos e retomada para uso próprio.

O litisconsórcio pode, ainda, ser inicial, quando surge no início do processo (por exemplo, marido e mulher nas ações imobiliárias – art. 10 do CPC), ou ulterior, como ocorre quando houver a habilitação incidental prevista no art. 1.055, da lei processual (sucessores).

2.6.1.2. Legitimação extraordinária

No que se refere à legitimação extraordinária ou casos de “substituição processual”, o vigente Código de Processo Civil, no art. 6º, dispõe que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei, o que significa que a defesa em Juízo de um interesse que não tenha o demandante como titular depende de expressa autorização legal ao demandante.

Voltemos a Liebman.27

Todavia, em casos expressamente indicados em lei, pode ser reconhecida ao terceiro uma legitimação extraordinária, que lhe confere o direito de perseguir em juízo “um direito alheio”. A “substituição processual” não deve ser confundida com a representação. O representante exerce a ação do representado em nome e por conta deste, não sendo parte na causa. Já o substituto processual exerce em nome próprio uma ação que, embora pertencente a outrem, segundo as regras ordinárias, é conferida ou estendida excepcionalmente a ele através da legitimação extraordinária; isso se dá em atenção ao seu “especial interesse pessoal”, que pode ser qualificado como interesse legítimo reconhecido pela lei através da permissão que lhe dá de agir em juízo para a tutela de um direito alheio. Também o substituto processual age, pois, por um interesse legítimo próprio.

Exemplo habitual de legitimação extraordinária é o do marido, em juízo, defendendo os bens dotais (CC de 1916, art. 289, I), ou a Ordem dos Advogados do Brasil na defesa dos interesses de seus associados (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, art. 44, II), ou o Ministério Público, como órgão estatal que é, defendendo em juízo o interesse difuso, como lhe determina a Lei nº 7.347/85.

2.6.2. Interesse de agir

Liebman demonstrou:

O interesse de agir é o elemento material do direito de ação e consiste no interesse em obter o provimento solicitado. Ele se distingue do interesse substancial, cuja produção se intenta a ação, como se distinguem os dois direitos correspondentes: o substancial, que se afirma pertencer ao autor, e o processual, que se exerce para a tutela do primeiro.

Interesse de agir é, pois, um interesse processual secundário e instrumental com relação ao interesse substancial primário; tem por objeto o provimento que se pede ao juiz como meio para obter a satisfação de um interesse primário lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela situação de fato objetivamente existente. Por exemplo, o interesse primário de quem se afirma credor de 100 cruzados novos é obter o pagamento dessa importância; o interesse de agir surgirá se o devedor não pagar no vencimento e terá por objeto a sua condenação e, depois, a execução forçada à custa de seu patrimônio.

O interesse de agir decorre da necessidade de obter através do processo a proteção do interesse substancial; pressupõe, por isso, a assertiva de lesão desse interesse e a aptidão do provimento pedido a protegê-lo e a satisfazê-lo.28

Cláudio Mortara, em expressão conhecida, reduz a expressão interesse de agir ao binômio utilidade + necessidade devendo o juiz questionar se é útil à parte o ingresso em juízo e se tal ingresso é necessário.29

2.6.3. Possibilidade jurídica do pedido

É a possibilidade, em abstrato, do provimento pedido, isto é, deve estar incluído o bem jurídico pretendido entre aqueles admitidos pela ordem jurídica: não pode o juiz revogar um ato administrativo ou de outro Poder, embora possa anulá-lo (Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal); não pode o juiz determinar a pena de fuzilamento do réu (salvo em caso de guerra declarada – Constituição, art. 5º, XLVII, “a”) nem a prisão por dívida, que não seja do inadimplente da obrigação alimentar (Constituição, art. 5º, LXVII, e STF, HC 87585-TO, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26.06.2009).

Interessante observar que a possibilidade jurídica do pedido já tinha sido incluída como condição de ação, em nosso Código de 1973, quando Liebman sentiu-se desencorajado de mantê-la, passando a entender, como condições, tão somente, as duas antes mencionadas. De qualquer forma, em face do texto legal expresso, não há, salvo alteração legal, como aceitar a nova posição doutrinária do mestre italiano.30

Extinção com base no artigo 267, VI, do CPC. Impossibilidade jurídica do pedido. Utilização do processo de extinção de condomínio para por fim à composse. Inexistência de título de propriedade, pressuposto inafastável da possibilidade de extinção do regime condominial. Apelo improvido. (TJ/RJ, Dec. Monocrática, 10ª Câm. Cível, j. 06.09.2011, Rel. Des. Celso Peres)

Veja-se, no acórdão a seguir transcrito, o comentário sobre a dificuldade da conceituação da matéria em nosso Direito:

Ementa: Ação. Possibilidade Jurídica do Pedido. Por possibilidade jurídica do pedido, entende-se a admissibilidade da pretensão perante o ordenamento jurídico, ou seja, previsão ou ausência da vedação, no direito vigente, do que se postula na causa. A circunstância de o julgado ter proclamado a carência da ação é irrelevante para o cabimento da rescisória – CPC, art. 485 – se na realidade houve pronunciamento do mérito.

Decisão: O relator originário, Min. Fontes de Alencar, não conheceu do recurso porque: “As instâncias ordinárias indeferiram a petição inicial e declararam extinto o processo, julgando o autor carecedor da ação, porquanto é manifestante incabível ação rescisória contra decisão que não apreciou o mérito. É taxativo o art. 485 do CPC, quando assim dispõe: ‘A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida’. Por sua vez, assim se orienta a jurisprudência do STF, conforme se infere da AR 1.118, relatada pelo Min. Moreira Alves, em aresto assim emendado: ‘Ação rescisória. Só é cabível ação rescisória contra decisão de mérito (art. 485, caput, do CPC). Ausência de uma das condições da ação rescisória: possibilidade jurídica. Extinção do processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Dentro dessa diretriz são a AR 1.935 e AR 1.116, relatadas pelos Min. Rafael Mayer e Soares Muñoz, respectivamente. Verifico, outrossim, que o recorrente pretende dar um cunho de embargos declaratórios ao recurso especial, alegando que houve erro técnico quando o julgador fez uso da expressão carecedor de ação. O recurso próprio para aclarar possíveis dúvidas, omissão ou contradição, são os embargos declaratórios, e não o recurso especial’. No mesmo sentido, pronunciou­-se o Min. Athos Carneiro, assim: ‘O caso presente é modelar, talvez, no sentido de mostrar que o vigente CPC foi menos feliz ao transportar para o direito positivo a doutrina de Liebman, situando as chamadas condições da ação como prefacial ante o que se conceitua como mérito da demanda. Aliás, lembraria que o próprio Liebman, a partir da 3ª edição de seu Manuale, deixou de se referir à ‘impossibilidade jurídica’ como uma das condições da ação. Apesar disso, as três condições a que, anteriormente, o grande mestre italiano se referia, foram postas em nosso Código como sendo requisitos de existência do direito de ação, ou até melhor, diria eu, como ‘requisitos de viabilidade da ação’. É certo que, em alguns casos, é fácil distinguirmos carência do núcleo do mérito; em outros, entretanto, essa distinção se revela, na prática, extremamente difícil e parece-me que o caso presente é um deles. De qualquer maneira, a impressão que se tem é que o vigente Código, ao reservar a rescisória para os casos de decisão do mérito, quis afastar a rescisória para aquelas hipóteses em que, não tendo sido decidido o mérito, as partes poderiam retornar ao debate jurisdicional, o que não é, à evidência, o caso dos autos.’” (STJ, ac. da 4ª Turma, pub. em 09.04.1990, Recurso Especial 1.678/GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ADV-Jurisprudência 50.138).


1 Rudolf von Ihering. “A Luta pelo Direito”, em Questões e Estudos de Direito, Bahia, Livraria Progresso Editora, 1955, p. 33.

2 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1983, t. V, p. 227.

3 Francesco Carnelutti, Teoria Geral do Direito, tradução de A. Rodrigues Queiró e de Artur Anselmo de Castro, São Paulo, Saraiva Cia. Editores, 1942, p. 266.

4 Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, Livraria Almedina, 1987, vol. I, p. 9.

5 G. W. F. Hegel, A Sociedade Civil Burguesa, tradução de José Saramago da edição francesa (La Societé Civile Bourgeoise), Lisboa, Editorial Estampa, 1979, p. 47.

6 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil (Istituzioni di Diritto Processuale Civile), tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Ed. Saraiva, 1942, vol. I, pp. 36 e segs.

7 Manuel A. Domingues de Andrade, op. et loc. cits., p. 16.

8 Eduardo J. Couture, Introdução ao Estudo do Processo Civil, tradução de Mozart Victor Russomano, 3ª ed., Rio de Janeiro, José Kofino, Editor, 1951, p. 19.

9 Cf. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1983, t. V, p. 475.

10 Pontes de Miranda, Tratado..., vol. V, p. 481.

11 Cf. Chiovenda, op. cit., p. 51.

12 Apud Eduardo Couture, op. cit., p. 21.

13 Giuseppe Chiovenda, op. cit., p. 49.

14 Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil (Manuale di Diritto Processuale Civile), tradução de Cândido Rangel Dinamarco, 4ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1984, vol. I, p. 152.

15 Enrico Tullio Liebman, op. cit., pp. 153-154.

16 Galeno Lacerda, “Ensaio de uma Teoria Eclética da Ação”, Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre, 1958, p. 93; Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, São Paulo, Ed. Saraiva,
p. 27 – vinculam-se as pretensões sempre pelas condições genéricas (legitimidade para agir, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido) e, caso haja previsão legal, pelas condições específicas, previstas em lei.

17 Nagib Slaibi Filho, Anotações à Constituição de 1988 – Aspectos Fundamentais, 4ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1993, pp. 153 e segs.

18 Athos Gusmão Carneiro (Jurisdição e Competência, de Acordo com a Constituição Federal de 1988, São Paulo, Ed. Saraiva, pp. 19 e 20) traça interessante distinção entre o ato jurisdicional e o ato administrativo.

19 Machado Guimarães, apud Kazuo Watanabe. Da Cognição no Processo Civil. Ed. Bookseller. 2ª ed. Campinas, 2000, p. 81.

20 Kazuo Watanabe, op. cit., p. 81.

21 In: www.giseleleite.prosaeverso.net

22 Enrico Tulio Liebman, op. cit., p. 157.

23 José Carlos Barbosa Moreira, artigo na RT, vol. 404, jun. 1969.

24 José Eduardo Carreira Alvim, Elementos de Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1990, p. 256, que observou, em nota de pé de página, que o CPC/1973, como o CPC/1939, não faz alusão expressa a essas submodalidades de litisconsórcio facultativo.

25 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1986, vol. I, p. 114.

26 José Eduardo Carreira Alvim, op. cit., p. 258.

27 Liebman, op. cit., pp. 159-160.

28 Liebman, op. cit., p. 154.

29 De se destacar, ainda, a posição mais recente de respeitáveis processualistas, que insere no interesse de agir um terceiro elemento: a adequação, de forma a haver compatibilidade entre a tutela jurisdicional, pretendida pelo autor, e o instrumento processual por este utilizado. Por exemplo, falta interesse de agir, na modalidade adequação, ao autor que manuseia ação de cobrança de um cheque, porque, nesse caso, a ação correta é a de execução.

30 Cândido Rangel Dinamarco, na tradução da obra de Liebman, op. cit., p. 161, conta-nos a nova posição.