Não pretendas ser juiz, se não tens coragem para fazer frente às injustiças, para que não temas à vista do poderoso, e não te exponhas a proceder contra a equidade (Eclesiastes, VII, 6).
A competência é a “medida da jurisdição”,1 isto é, trechos da atividade jurisdicional do Estado que a ordem jurídica defere a determinados órgãos.
Seria impossível atribuir a um só órgão todo o exercício da função jurisdicional, razão pela qual se atribui a diversos órgãos (tribunais e juízos) trechos legalmente determinados de tal atividade – daí por que prevê o art. 86 do CPC:
As causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos jurisdicionais, nos limites de sua competência, ressalvadas às partes a faculdade de instituírem juízo arbitral.
Entende-se em primeira acepção, por “competência” de um tribunal o conjunto das causas nas quais pode ele exercer, segundo a lei, sua jurisdição; e, em um segundo sentido, entende-se por competência essa faculdade do tribunal considerada nos limites em que lhe é atribuída.2
É a Constituição, como Lei Maior, que prevê, de modo supremo, a competência dos órgãos jurisdicionais e o faz, em nosso sistema, dando aos órgãos federais uma competência expressa (por exemplo, a competência do Supremo Tribunal Federal, no art. 102; do Superior Tribunal de Justiça, no art. 105; dos juízes eleitorais, trabalhistas etc.) e deixando a remanescente competência jurisdicional para os tribunais e juízes estaduais.
Assim, a determinação da competência passa por dois exames, sendo o primeiro na Constituição da República. Se houver previsão de tal competência federal, em se tratando dos tribunais superiores (STF, STJ, STM, TSE e TST) ali se esgota a competência e, caso se trate de tribunais inferiores, como, por exemplo, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Federais, busca-se a lei que lhe deu a competência. Da mesma e última forma, procura-se na lei federal a competência dos órgãos jurisdicionais de 1ª instância, como as Varas da Justiça Federal, Varas do Trabalho etc.
Caso a Constituição não afirme a competência para algum órgão federal, procura-se a ordem jurídica do Estado-membro, do Distrito Federal e mesmo dos Territórios Federais (cuja organização judiciária depende de lei federal – art. 33, caput), para discernir a competência remanescente (cf. Constituição, arts. 25, § 1º, 32, 33 e 125, § 1º).
Em cada Estado-membro, a Constituição Estadual define (dá os limites e os critérios de fixação) a competência dos tribunais (Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar e Tribunais de Alçada, se houver) enquanto cabe à Lei de Organização Judiciária, de iniciativa do Tribunal de Justiça, fixar a competência dos demais órgãos jurisdicionais do Estado.
Conflito de Competência. Transferência de Linha Telefônica. Justiça Estadual. Tratando-se de ação promovida por usuário contra a C. T., pleiteando a transferência de linha telefônica, a só circunstância de a lide partir da aplicação da Portaria normativa ministerial não é bastante para deslocar o processo para a Justiça Federal. Impende considerar que a competência da Justiça Federal, como das demais jurisdições especializadas, é rigorosamente constitucional, e toda matéria litigiosa não expressamente prevista na Lei Magna como de competência de tais jurisdições pertencerá à Justiça comum estadual ou do Distrito Federal e Territórios. No âmbito civil, as demandas afirmam-se de competência da justiça federal de 1º grau, em razão da matéria, apenas nos casos de causas fundadas em contrato ou tratado da União com Estado estrangeiro ou entidade internacional – CF, art. 109, III, – de causas decorrentes da execução de cartas rogatórias e de sentenças estrangeiras; e ainda as causas relativas à nacionalidade e à nacionalização – art. 109, X – e as relativas a direitos dos indígenas – art. 109, XI. As demais hipóteses de competência cível da Justiça Federal em primeira instância são em razão da pessoa – art. 109, I, II, VIII. Na causa ora em apreciação, não incide qualquer das previsões supramencionadas, notando-se que, vistas as coisas em face do item I do art. 109, nem a União nem a empresa pública ou autarquia federal nela figuram como parte autora, ré, assistente ou opoente (STJ, Ac. unânime da 2ª Seção, publ. em 31.10.89, Conflito de Competência 208-RJ, rel. Min. Athos Carneiro, ADV-Jurisprudência, 47.410).
A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, dispõe sobre a arbitragem, declarando, no seu art. 1º, que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se de arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. O art. 18 diz que o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação do Poder Judiciário.
Dispõe o art. 87, do CPC, que a competência é determinada no momento em que a ação é proposta, isto é, no momento em que há o ajuizamento (CPC, art. 263): tal é o princípio da perpectuatio jurisdictionis.
As modificações ocorridas após o ajuizamento da ação são irrelevantes, sejam tais modificações referentes à própria causa, como, por exemplo, a mudança de residência do réu ou a transformação do órgão. As únicas modificações relevantes que se devem levar em conta são: 1) como é óbvio, se o órgão judiciário for suprimido, quando, então, as causas ali em tramitação passarão para o órgão que adquirir a competência; 2) se for alterada a competência material do órgão, como, por exemplo, se antes o órgão tinha competência para julgar feitos referentes à dissolução de sociedade conjugal e passou a ter competência exclusivamente comercial e 3) se houver mudança na hierarquia, como, por exemplo, na alteração da competência dos tribunais de alçada.
Jurisdição é a atividade estatal dirigida ao deslinde dos conflitos de interesse. Como expressão da soberania popular (Constituição, art. 1º, parágrafo único) a jurisdição é una, indivisível, inalienável e imprescritível, pelo que não se poderia dizer de possível “conflito de jurisdição”, como mencionava a revogada ordem constitucional, no art. 119, I, “e”, expressão já corrigida na atual Lei Maior, no art. 105, I, “d”.
No entanto, vale dizer que se utiliza a expressão “jurisdição” também no sentido de competência de órgão administrativo, como faz o CPP, no art. 4º, sobre a polícia judiciária.
O art. 115 do CPC prevê o conflito de competência:
I – quando dois ou mais juízes se declaram competentes;
II – quando dois ou mais juízes se consideram incompetentes; e
III – quando entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos. A questão de competência é de ordem pública, razão pela qual as partes, o Ministério Público e o juiz podem suscitá-lo (art. 116 do CPC), e o tribunal pode declarar a competência de outro juiz ou tribunal que não o suscitante ou o suscitado.3
O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, no Título V (“Dos Processos sobre Competência”) menciona, nos arts. 193 e ss., “conflitos de competência e de atribuições”, enquanto o art. 163 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal diz:
Art. 163. O conflito de jurisdição ou competência poderá ocorrer entre autoridades judiciárias; o de atribuições, entre autoridades judiciárias e administrativas.
Ao dispor sobre a competência interna, em contraposição à competência internacional, o CPC prevê, nos arts. 91 e ss. diversos critérios para fixação da competência, dispondo o art. 111 que a competência em razão da matéria e da hierarquia entre os órgãos judiciais é inderrogável por convenção entre as partes, que pode, no entanto, modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro.
A competência absoluta refere-se, assim, aos critérios inderrogáveis pela autonomia da vontade (material e funcional) enquanto a competência relativa (valor e local) pode ficar ao alvedrio das partes, nos termos fixados em lei. A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente de exceção formal (art. 113, sendo arguida, se for o caso, no corpo da contestação – art. 301, II, e incidindo, até mesmo, em caso de ação rescisória – art. 485, II), enquanto a incompetência relativa fica prorrogada se não for arguida por meio de exceção declinatória de foro e de juízo, no caso e prazo legais (arts. 114, 307 a 311).
Os processos deverão ser distribuídos onde houver mais de um juiz ou mais de uma serventia com a mesma competência (CPC, art. 251). A distribuição é atividade administrativa, embora deva preservar os critérios de alternatividade e de rigorosa igualdade, e, como todos os atos do Poder Judiciário, a distribuição é pública e pode ser fiscalizada pela parte ou por seu procurador (CPC, art. 256).
Ocorrendo conexão ou continência com feito anteriormente ajuizado, ocorrerá caso de dependência, ficando prevenido o órgão originário (CPC, art. 253).
Também chamada competência pela natureza da causa ou competência substancial, refere-se ao conteúdo especial da relação jurídica em lide (divórcio, despejo, execução fiscal, acidentes de trabalho etc.), permitindo especialização de acordo com relação material subjacente em cada causa.
Somente o juiz de direito tem competência para julgar as ações concernentes ao estado e à capacidade da pessoa (CPC, art. 92; Lei Complementar Federal nº 35, arts. 17, § 4º, e 22, § 2º).
Como o próprio nome se refere, enquanto a competência material ou objetiva tem por objeto a relação conflituosa, a competência funcional leva em conta o exercício das funções do próprio órgão judicial, podendo se dar por graus de jurisdição, por fases do processo ou por atividade do próprio juiz.
O art. 93 da lei processual diz que a competência funcional é regida pelas normas constitucionais e de organização judiciária, no que se refere aos tribunais, dispositivo mantido pela nova Constituição (art. 125, § 1º) prevendo o Código que a competência funcional dos juízes de primeiro grau nele é prevista. Observe-se, no entanto, que não é só o Código de Processo Civil que prevê a competência funcional dos juízes de 1º grau como se pode ver, por exemplo, na previsão que a lei estadual faz ao dar competência às Varas Distritais ou Regionais (a competência do órgão, aí, decorre das causas que surgirem em determinada circunscrição) ou na previsão, muito comum nos Códigos de Organização Judiciária, de dar, em cada órgão jurisdicional, competência funcional para os juízes auxiliares, na concomitância do exercício com os juízes titulares ou em substituição.
Acerca da competência dos Juizados Especiais Cíveis, transcreve-se artigo deste autor:
Juizado Especial Cível: natureza obrigatória da competência afirmada no art. 3º da Lei nº 9.099/95.
Tema controvertido é a natureza da competência dos Juizados Especiais Cíveis, vislumbrando-se duas grandes correntes nos diversos entendimentos.
A maioria doutrinária e jurisprudencial acolhe o caráter facultativo dos Juizados Especiais Cíveis, considerando que o autor (mas não o réu) possa optar por eles ou pelos órgãos comuns de jurisdição:
a) Athos Gusmão Carneiro (Ajuris – revista dos juízes gaúchos, nº 67, p. 176);
b) Alfeu Bisaque Pereira (mesma revista, p. 180);
c) 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, relator o Juiz João Freire, unânime, no Conflito de Competência nº 196.064.836, julgado em 15 de agosto de 1996;
d) 1ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, relator o Juiz Herondes de Andrade, unânime, Conflito de Competência nº 218.527-5, julgado em 25 de setembro de 1996;
e) 5ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, relator o Juiz Márcio Borges Fortes, unânime, Conflito de Competência nº 196004030, julgado em 14 de março de 1996, com a seguinte ementa: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Como a lei estatal concedeu ao autor da demanda o direito de optar pelo Sistema dos Juizados Especiais Cíveis, não é absoluta a competência pelo valor da causa. Tendo o demandante preferido ajuizar a ação perante uma das Varas Cíveis da Comarca de Porto Alegre, firmou-se a competência do Juízo suscitado. Conflito procedente”;
f) Carreira Alvim, desembargador federal;
g) Pestana de Aguiar, no sentido de que as causas cíveis dos itens II e III do art. 3º da Lei nº 9.099/95 estão regidas pela alçada referida no inciso I do mesmo artigo (cf. Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Rio, Espaço Jurídico, 1996, p. 17);
h) Cândido Rangel Dinamarco (A Reforma do CPC, São Paulo, Malheiros, 3ª ed.);
i) Fátima Nancy Andrighi, Ministra do STJ;
j) Sálvio de Figueiredo, no seu CPC Anotado;
k) Comissão Nacional de Interpretação da Lei nº 9.099/95;
l) 7ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (em JTA, nº 157, p. 10);
m) Ada Grinover (coerente, aliás, com o entendimento que expusera no artigo “Do Juizado de Pequenas Causas”, Ajuris, nº 28, p. 52).
Em sentido contrário, afirmando o caráter absoluto da competência do Juizado Especial Cível, temos:
a) Enunciados da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro: o de nº 1: “Ressalvada a hipótese do § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95 é absoluta a competência dos Juizados Especiais Cíveis” (por maioria); o de nº 4: “As hipóteses previstas no art. 3º, II e III, da Lei nº 9.099/95, não sofrem limite de valor” (unânime);
b) Sylvio Capanema de Souza (“Os Juizados Especiais Cíveis e as Ações Locativas”, artigo no Doutrina, nº 1, Rio de Janeiro, Instituto de Direito, p. 264: “trata-se de regra cogente, e não dispositiva, não sendo lícito às partes escolher entre o Juizado Especial e a justiça tradicional...”);
c) Luiz Fux (Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1996, pp. 84 e ss.);
d) J. S. Fagundes Cunha (Revista Jurídica, nº 227, p. 123);
e) Horácio Wanderlei Rodrigues (Ajuris nº 67, p. 186);
f) Theotônio Negrão (CPC e Legislação Processual Civil em Vigor, São Paulo, Saraiva, 28ª edição, p. 900);
g) 10ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (JTA, nº 157, p. 13);
h) Luiz Cláudio Silva, doutrinador.
Enfim, o tema é controvertido, e pouco adianta o apelo à jurisprudência e à doutrina porque opiniões ainda tão conflitantes carecem, por si só, da força da autoridade.
Contudo, desde a vigência da Lei nº 7.244/84 sobre os Juizados de Pequenas Causas, tem o signatário defendido o ponto da vista que eles, como os atuais Juizados Especiais, exercem jurisdição, criados que foram por leis federais e, a partir de 1988, previstos os Juizados Especiais em dispositivo constitucional que erige dever das pessoas federativas em instituí-los.
Vige, para o juizado especial, a afastar a pretendida facultatividade de eleição pelo autor na sua vertente cível (mesmo porque não há quem diga que o juizado especial criminal seja facultativo!) o princípio de integralidade de sua competência, decorrente do disposto no art. 98, I, da Constituição da República, que exigiu a sua criação, em norma explicitada no art. 1º da Lei nº 9.099/95, competentes que são para conciliação, processo, julgamento e execução nas causas de sua competência.
Note-se que o citado art. 1º encontra-se no Capítulo I da Lei nº 9.099/95, sobre as disposições gerais aplicáveis aos segmentos cíveis e criminais.
Mesmo a norma decorrente do art. 2º, sobre os critérios que orientarão o processo – oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação –, é aplicável aos juizados especiais criminais, pelo que se vê de seu confronto com o disposto no art. 62 da mesma lei, que se encerra com a declaração de que, na vertente criminal, o processo de juizado especial objetiva, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Quanto ao art. 3º, embora referindo-se o seu inciso I ao critério de alçada, e os incisos II a IV ao critério da lide, para a fixação da competência do juizado especial cível, afirme-se que a competência ali disposta funda-se no critério funcional, qual seja, a fixação de competência que leva em conta o exercício das funções do próprio órgão judicial, podendo se dar por graus de jurisdição, por fases do processo ou por atividade do próprio órgão, enquanto a competência material ou objetiva funda-se na relação conflituosa.
É muito comum afirmar-se legislativamente a competência funcional pelo valor da causa, pelo foro das partes ou da coisa litigiosa, ou mesmo pela matéria das lides. Neste sentido, é a competência dos Juízos Regionais ou distritais, de nítido caráter absoluto, fundado na residência da parte, na situação do bem ou em determinadas demandas.
Dispõe o art. 111 do Código de Processo Civil que somente é modificável pela vontade da parte a competência em razão do valor e do território – em se tratando de competência, prevalece o princípio da obrigatoriedade, salvo exceções legais expressas.
Ora, em nenhum momento, dizem a Constituição ou a Lei nº 9.099/95 que a competência dos Juizados Especiais pode ser afastada pela vontade das partes.
Muito ao contrário, até mesmo a Lei nº 9.099/95, no seu art. 8º, exclui da competência (funcional e não material, porque ali não se arrolam as causas quanto ao objeto litigioso e, sim, quanto aos sujeitos da relação processual) do Juizado Especial os feitos em que as partes sejam aquelas ali referidas, inclusive partes em situação transitória ou eventual, como os incapazes e a massa falida.
A competência dos juizados especiais é matéria constitucional.
A norma decorrente do disposto no art. 98, I, da Carta de 1988 refere-se, no cível, a causas de menor complexidade e, no crime, a infrações penais de menor potencial ofensivo; trata-se, assim, de tema submetido ao controle referido no art. 102, III, da mesma Constituição.
A se adotar a classificação de José Afonso da Silva, afigura-se o disposto no art. 98, I, da Constituição, ao tratar das causas de competência de ambos os Juizados Especiais, de norma de eficácia contida, desde a vigência de aplicabilidade imediata e eficácia plena, embora possa ser contida (ou, na expressão de Michel Temer, contível) por norma de patamar inferior.
Desde a promulgação, o legislador constituinte disse quais eram as causas submetidas à cognição e à execução dos juizados especiais; poderia o legislador ordinário conter a norma constitucional, elegendo, como fez nos arts. 3º e 61 da Lei nº 9.099/95, a sua competência.
Ao fixar na vertente cível o que entende como causa de “menor complexidade”, optou o legislador ordinário por diversos critérios para realizar a exigência constitucional:
– o primeiro, concernente ao valor de alçada, garantido por disposições como aquelas do § 3º do art. 3º, do art. 39, do art. 53, e do art. 57;
– o segundo, das lides referidas nos incisos II a IV do art. 3º, independentemente do seu valor de alçada;
– o terceiro, quanto à qualidade das partes, como estatuído no art. 8º;
– o quarto, concernente à complexidade probatória, por influenciar o procedimento que exige célere (e nunca quanto à complexidade jurídica!) ao permitir ao Juiz (e não à disposição de vontade da parte), não só com os poderes gerais contidos no art. 5º, mas até mesmo extinguir o processo quando inadmissível o procedimento instituído por esta lei o seu prosseguimento, após a conciliação (art. 51, II).
Eventual interpretação das disposições contidas no mencionado art. 3º da Lei nº 9.099/95 não pode desconsiderar que nelas nada mais faz o legislador ordinário senão implementar a vontade do legislador constituinte.
Ressalte-se o caráter imperativo da norma do art. 98, I, quanto aos seguintes aspectos:
a) a obrigatoriedade de criação dos juizados especiais pelas entidades federativas;
b) a composição dos órgãos por juízes togados ou togados e leigos;
c) a competência de conciliar, julgar e executar;
d) o âmbito jurisdicional de causas cíveis de menor complexidade ou causas de infrações penais de menor potencial ofensivo;
e) o procedimento oral e sumaríssimo, esta expressão no sentido de celeridade da cognição e da execução.
O que ficou disponível ao legislador ordinário, naquele dispositivo, simplesmente foram as causas em que seria possível a transação (por seu evidente conteúdo patrimonial, mas que nem sempre é disponível à vontade da parte) e o julgamento dos recursos por juízes de primeiro grau.
A Constituição, assim, foi imperativa quanto à competência dos juizados especiais. Tal imperatividade não pode ser afastada pela vontade dos interessados.
A lei ordinária, implementando a vontade constitucional, também foi imperativa quanto à competência, mesmo porque, desde o final do século passado, não mais se considera a relação processual como privada e sim de direito público.
Daí não se pode atinar porque a facultatividade da competência dos Juizados Especiais segundo ponderável parcela doutrinária e jurisprudencial, confessadamente mais impressionada pelas dificuldades de implantação dos juizados, mercê da sempre decantada e habitual carência de verbas orçamentárias do Poder Judiciário.
Afirme-se, mais uma vez, que os juizados especiais são segmentos próprios da jurisdição nacional, órgãos de poder, declarados no art. 92, VII, da Constituição, cuja jurisdição não pode ser afastada pela vontade privada.
Dispõe o art. 132 do Código de Processo Civil que:
O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência, julgará a lide salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.
Por tal critério de competência funcional, em face do princípio da imediação, o juiz que colheu prova em audiência deverá ser aquele que julgará a lide. Daí decorre que, se não houve coleta de prova, não há que se aplicar o princípio da identidade física do juiz.4
Tal critério relaciona-se com a circunscrição designada à atividade do órgão jurisdicional. As várias causas da mesma natureza são designadas a juízes do mesmo tipo, com sede, entretanto, em lugares diversos, e a designação depende de circunstâncias várias ou do fato de residir o réu em determinado lugar (forum domicilii, forum rei), ou de haver-se contraído a obrigação em dado lugar (forum contractus), ou de achar-se em dado lugar o objeto da lide (forum rei sitae).5
A regra geral é que as ações pessoais ou obrigacionais, bem como as ações reais mobiliárias, sejam movidas no foro de domicílio do réu (CPC, art. 94; CC, art. 31).
O foro das ações reais imobiliárias é o da situação da coisa (CPC, art. 95), embora possa o autor optar pelo foro de domicílio do réu ou o de eleição, desde que não recaia o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.
O art. 96 trata do foro do domicílio do autor da herança como o competente para conhecer do inventário, suas ações acessórias e demais ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
O art. 100 do Código prevê sobre o foro especial: a ratio está no favorecimento ao demandante economicamente mais fraco, de forma a se tentar o equilíbrio da situação das partes perante a Toga. O disposto no seu inciso I, dando foro especial à mulher para a ação de separação, de conversão desta em divórcio e de anulação de casamento, deve ter leitura atenta ao princípio da absoluta igualdade de direito entre homem e mulher, constitucional e reiteradamente previsto (art. 5º, I; art. 226, § 5º), não incidindo em caso de igualdade de armas entre as partes, embora possa o autor renunciar a tal foro especial.
No VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada (Cíveis) foi unânime a aprovação da conclusão de que: ao autor é dado renunciar ao foro especial.
Poderão as leis de organização judiciária prever a competência dos órgãos judiciários de acordo com o valor da causa, tendo em vista que o art. 258 do CPC determina que todas as causas tenham um valor indicado, ainda que nelas não se discuta bem patrimonial.
A competência absoluta não pode ser modificada pelas partes, referindo-se à natureza da lide ou à atividade do órgão.
Mas a competência relativa pode ser modificada pela conexão ou pela continência (CPC, art. 102).
Ocorrendo conexão ou continência haverá distribuição por dependência (art. 253), bem como só caberá reconvenção se houver conexão (art. 315), devendo, também, o juiz que determinou a apreensão conhecer dos embargos de terceiro (art. 1.049).
Reputam-se conexas as ações quando lhes for comum o objeto (o pedido) ou a causa de pedir (CPC, art. 103). O que aí se prevê é a vinculação entre as ações em decorrência dos elementos objetivos da ação (pedido e fundamento do pedido) sem se referir à identidade das partes. Aliás, a conexão subjetiva não enseja a modificação de competência. Por exemplo, temos a conexão entre a ação de despejo por falta de pagamento com a ação de consignação em pagamento em que se fundamenta na injusta recusa do locador em receber os aluguéis.
Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade entre as partes e a causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras (art. 104). Por exemplo, temos uma ação de alimentos movida pela mulher em face do marido que é continente na ação de separação do casal em que houve, inclusive, o pedido de alimentos.
Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião das ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente (art. 105).
Embora a conexão ou continência sejam referidas no Código como critérios de modificação de competência, o que lhe dá um caráter aparentemente muito discricionário às partes, tal não ocorre, pois o art. 105 prevê que o juiz pode, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a reunião das ações para simultâneo julgamento. Necessário examinar os limites da discricionariedade judicial nesses casos. Veja-se alguns julgados:
Havendo conexão, pode o juiz ordenar a reunião de processos que correm em separado. Tratando-se de competência relativa, deixa a lei ao juiz discrição de apreciação.6
Desde que seja oportuna a reunião e haja possibilidade de grave incoerência de julgados, ao magistrado não sobra margem de arbítrio para deixar de reunir as ações.7
A solução mais apropriada parece aquela indicada no V Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada (Cíveis), embora aprovada pela estreita margem de 10 a 8 votos:
O art. 105 deixa ao juiz certa margem de discricionariedade na avaliação da intensidade da conexão, na da gravidade resultante da contradição de julgados e, até, na determinação da oportunidade da reunião dos processos.
Ocorrendo a reunião das ações, para simultânea instrução e julgamento, a prática habitual é que o juiz prolate uma sentença formalmente complexa, embora com uma fundamentação comum, no ponto em que vai haver a reunião.
“Juízo de Direito da Terceira Vara da Fazenda Pública
Processo nº 90.001.088367-4 (3004) – Ação Consignatória
Processo nº 90.001.103969-8 (3031) – Ação Cautelar
A: Condomínio do Edifício Pindorama
Advogado: Doutora Maria Isabel C. B. da Costa Cirne
R: XXXX
Advogada: Doutora Marta Maria Leite de Castro Grimaldi
Ministério Público: Doutora Ana Cristina Filgueiras
Sentença
Na consignatória, aforada em 17 de setembro de 1990, diz a autora que não concorda com os valores cobrados referentes à tarifa d’água relativos aos meses de junho e julho de 1990 e pede a consignação, reputando excessivos os valores em razão de defeito do hidrômetro que, no entanto, teria sido trocado pela ré no mês de agosto, após vistoria requerida pelo consumidor.
A demanda foi inicialmente aforada junto ao MM. Juízo da 40ª Vara Cível desta Capital que a remeteu para o foro fazendário, aqui chegando em 9 de outubro seguinte.
Realizado o depósito prévio, contestou a ré alegando ter sido justa a sua recusa, atribuindo o aumento da tarifa ao excesso de consumo em virtude de desperdícios ou de vazamentos, muitas vezes imperceptíveis na rede interna do Condomínio. Salientou que o excesso de consumo ocorreu entre abril e julho de 1990, e, a partir de agosto, ofereceu oscilação para menos, demonstrando que o Condomínio consertou vazamentos existentes ou evitou maiores desperdícios. Pediu, a final, a improcedência.
Saneador à fl. 68, determinando exame pericial, que se encontra nos autos da cautelar, em apenso.
Na cautelar, aforada em 31 de outubro de 1990, pediu a autora que se garantisse a continuidade do fornecimento da água, pleiteando liminar deferida à fl. 14.
Contestou a ré, negando os pressupostos jurídicos da medida cautelar.
Depois de alguns anos de tramitação, discutindo-se longamente sobre o valor dos honorários solicitados pela Senhora Perita do Juízo, finalmente veio o laudo de fls. 79-87, sobre o qual as partes se manifestaram.
Audiência realizada em 23 de janeiro de 1996, apresentando as partes os seus memoriais, manifestando-se conclusivamente o Ministério Público e realizando-se depósito de complementação (fl. 138).
Em apenso, encontram-se os autos de agravo de instrumento impugnando a determinação de realização de perícia, recurso que é reputado renunciado, ao teor do disposto no art. 503 da lei processual civil.
É o relatório das duas causas que são julgadas simultaneamente, nos termos dos arts. 103, 105 e 108 do Código de Processo Civil.
Tanto tempo decorreu desde o ajuizamento da causa – e a demora não pode ser atribuída simplesmente aos mecanismos internos do sistema judiciário – que a perícia, como destacado à fl. 79, teve que se remeter ao critério de comparação do gasto de água com o de energia, concluindo que o fator consumo manteve traços circunstanciais ao longo do tempo, ficando ‘desarticulado’ somente em junho-julho de 1990.
Ora, indício também é meio de prova, ao teor do disposto no art. 239 do Código de Processo Penal e no art. 332 do Código de Processo Civil, afigurando-se razoável o entendimento, esposado pelo Ministério Público às fls. 121-122, de que realmente é justa a reclamação do Condomínio para não pagar o que não gastou.
Os valores consignados foram devidamente ajustados pelo Senhor Perito e complementados pelo Condomínio-autor, com a aquiescência, neste ponto, da empresa estatal (fl. 134).
Acompanha-se o parecer do douto órgão do Ministério Público, cujos fundamentos passam a integrar a presente decisão.
Mecanismos como os hidrômetros, a despeito de caracterizados como precisos, oferecem possibilidade e probabilidade razoável de defeitos e, ainda que tivessem funcionado regularmente, o fato extraordinário – elevação do consumo em somente dois meses de inverno – que a empresa concessionária do serviço público atribuiu a desperdício ou vazamento, por ela deveria ser demonstrada, nos termos do disposto no art. 333, II, do Código de Processo Civil, e do que está no art. 14, § 3º c.c. do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor.
Além do mais, seria injurídico exigir do consumidor a prova negativa, qual seja, a de que não houve vazamento ou desperdício, mesmo porque ad impossibilia nemo tenetur.
Por tais fundamentos, resolve-se
JULGAR PROCEDENTE a demanda consignatória para declarar subsistentes os depósitos realizados e extintas as obrigações a eles referentes;
JULGAR PROCEDENTE a demanda cautelar para declarar subsistente a liminar concedida, em razão da existência dos pressupostos de plausibilidade do pedido e de urgência do provimento judicial; e
CONDENAR a ré no pagamento das despesas processuais, inclusive honorários advocatícios que, nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, são calculados em R$ 800,00 (oitocentos reais).
P.R.I.
Rio de Janeiro. 27 de janeiro de 1997.
Nagib Slaibi Filho
Juiz de Direito.”
O art. 106 dá o critério aplicável para se saber o juízo competente em caso das ações conexas estarem tramitando perante juízes com a mesma competência territorial – prevento será aquele que “despachou” em primeiro lugar. Entenda-se como “despacho” o despacho liminar positivo, de conteúdo usualmente ordenador da vocatio, como está no art. 219, embora o processo se instaure com o ajuizamento (art. 263). Em face do aparente conflito entre os arts. 106 e 219, a doutrina e a jurisprudência têm adotado a lição primeiramente ministrada por José Carlos Barbosa Moreira, em conferência em 1973, na Fundação Getúlio Vargas, entendendo que o art. 106 refere-se à competência territorial, enquanto o art. 219 atine à competência do juízo.
Em se tratando de ação real imobiliária e se o imóvel estiver situado em mais de um Estado ou comarca, o foro será determinado pela prevenção do juiz que despachou em primeiro lugar.
A citação válida torna prevento o juízo, é a regra CPC, art. 219. Em se tratando, porém, de órgãos da mesma competência territorial, incide a regra do art. 106, CPC (STJ, Ac. unânime da 2ª Seção, publ. em 11.09.89, Conflito de Competência 160-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo. Trecho do voto do Relator: “Com efeito, em se tratando de comarcas diferentes, a solução para o conflito há de observar a regra geral, como acentua Athos Gusmão Carneiro em Jurisdição e competência (1ª ed., Cap. XVI, nº 56), enfatizando também a observância de que o principal critério é o do art. 219, CPC, aduzindo que, somente para as causas conexas que correm em juízos diferentes, mas na mesma comarca, a prevenção seria do juiz que despachou em primeiro lugar. Enfocando o assunto à luz da competência territorial, Barbosa Moreira dilucida o tema com a sua costumeira precisão, apontando a solução para a aparente contradição existente entre os arts. 106 e 219, sugerindo, em síntese, quanto a este aspecto, nos seguintes termos: ‘A citação válida torna prevento o juízo exceto se se trata de órgãos com a mesma competência territorial, hipótese em que a prevenção se regerá pela data do despacho aposto à inicial’ (Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, RJ, 1974, p. 95).”8
O art. 108 traz a ideia de “ação acessória”, que é aquela cuja existência supõe uma ação principal: a medida cautelar é acessória da ação que a visa preparar; o juízo da curatela é competente para a venda de bens do curatelado; a ação de execução será processada perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição – CPC, art. 575, II; a ação do art. 486 do CPC tramitará no juízo que emitiu a homologação etc.9
“Comarca da Capital
Fórum Regional de Santa Cruz
Juízo de Direito da 1ª Vara Cível
Processo nº XXXX
Sentença
M. R. A. P. L. pede ação cautelar de separação de corpos em face de D. F. L., dizendo que são casados e residem no mesmo prédio; que pretende mover, posteriormente, ação de separação judicial com fundamento em grave violação dos deveres matrimoniais, como preceitua o art. 5º da Lei nº 6.515/77; que sofre agressões físicas e morais do seu consorte, pelo que pede medida liminar e, empós, a citação do réu e a final procedência.
O Doutor Juiz então em exercício, com muita prudência, determinou a realização de audiência de justificação inaudita altera pars quando, embasado em prova oral, concedeu a liminar autorizando a autora a se retirar do lar conjugal, cientificando-a do prazo de trinta dias para intentar a ação principal.
O réu foi citado in faciem (fl. 20v.), mas não apresentou impugnação.
O Sr. Escrivão certificou, à fl. 21, que não foi intentada, no prazo legal, a ação principal, manifestando-se o douto órgão do Ministério Público à fl. 22.
É o relatório.
Mais uma vez, acompanho a promoção do ilustrado órgão custos legis.
O provecto Pontes de Miranda (Comentários ao CPC/73, vol. XII) já notara que as medidas cautelares ramificam-se em dois grandes troncos: algumas medidas simplesmente comportam declarações receptícias de vontade (notificações, interpelações, protestos) ou representam formas para segurar a memória das coisas (produção antecipada de provas, justificação) – tais medidas não têm caráter jurisdicional, pois sua concessão não restringe a esfera jurídica de quem quer que seja. Outras medidas, no entanto – e são essas as verdadeiras cautelares –, representam ingerência no status jurídico do demandado, colocando-o em estado de sujeição pelo só exercício da pretensão autoral junto à função jurisdicional: são as medidas de sequestro, arresto, alimentos provisionais, busca e apreensão etc.
A medida cautelar de separação de corpos tem evidente caráter de ingerência na esfera jurídica dos cônjuges: a autorização judicial suspende o dever de coabitação (CC, art. 231, II) e tem efeitos patrimoniais, pois é o termo inicial da extinção da comunicabilidade dos bens (art. 8º da Lei do Divórcio).
No caso concreto, o Doutor Juiz, em audiência, até mesmo preveniu à autora e seu advogado que a ação principal deveria ser intentada no prazo de trinta dias, e tal prazo se conta a partir da efetivação da medida (CPC, art. 806). No entanto, como se vê à fl. 21, não houve a demanda principal e, em nosso Direito, não existe ação de separação de corpos como medida autônoma, sem caráter cautelar preparatório ou incidental (Revista dos Tribunais, 612, p. 172; Revista Forense, 286, p. 335).
Pelo exposto,
Julgo extinto o processo cautelar, por perda do objeto (CPC, art. 267, IV), proclamando que cessou a eficácia da medida liminar (CPC, art. 808, I, e 806), resolvendo-a ex tunc.
Custas pela requerente.
P.R.I.
Santa Cruz, em 25 de maio de 1989.”
O disposto no art. 110, na verdade, está malsituado, pois se refere a caso de suspensão do processo (art. 265, IV, “a”) ou à questão prejudicial (art. 469, III) que nem sempre dá ensejo à ação declaratória incidental.
O conceito de organização judiciária nos é dado por Laerte Romualdo de Souza:
É a ciência que estuda as regras que preveem a existência física dos tribunais e o seu funcionamento, este imposto pelo movimento provocado pelo processo e que não visam à composição da lide. É, dessa forma, a área do direito que trabalha com o maior número de regras.
A doutrina da constituição dos órgãos jurisdicionais e suas serventias, do ponto de vista normativo, é representada pelo conjunto de leis que lhe garantem a continuidade, as condições de trabalho e a fixação de atribuições.
A organização judiciária estuda o aparelho judiciário do ponto de vista estático e dinâmico, sem preocupar-se com a intimidade da lide, matéria que interessa à processualística.10
Como o próprio nome indica, a organização judiciária diz respeito ao modo como os órgãos judiciais se organizam, o que pode ser entendido não só em nível dos tribunais, como dos órgãos jurisdicionais de primeira instância: a organização judiciária é a ciência administrativa dos órgãos judiciais.
O art. 96, I, “a” e “b”, da Constituição, atribui aos tribunais, privativamente, o poder de dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, bem como organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva.
A organização da justiça federal comum de primeira instância é dada pela Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966 e legislação posterior, principalmente a Lei nº 7.178, de 19 de dezembro de 1983, e Lei nº 7.583, de 6 de janeiro de 1987; dispõe a Constituição, quanto à justiça eleitoral, no art. 121, que a lei complementar disporá sobre a organização e a competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais, dispositivo que se repete, em parte, para a justiça militar (art. 124, parágrafo único) e para a justiça trabalhista (art. 113).
Quanto à justiça estadual, no regime constitucional anterior a matéria era prevista no art. 144, § 5º, regulamentado pela Lei nº 5.621, de 4 de novembro de 1970, prevendo critérios para que os Estados, através de Resoluções dos respectivos Tribunais de Justiça, normatizem a matéria.
Com a Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, perderam os Tribunais de Justiça o poder de dispor sobre a matéria, sendo necessária lei formal estadual, de sua iniciativa, para organizar os órgãos de 1ª instância.
Pelo disposto no caput do art. 144 da Constituição anterior, também poderia a Lei Orgânica da Magistratura Nacional dispor sobre a matéria, o que fez, em seus arts. 95 a 98 (Lei Complementar Federal nº 35, de 14 de março de 1979), inclusive dispondo, no art. 97, sobre os critérios a serem levados em conta para a criação, extinção e classificação de comarcas (art. 97).
A Constituição de 1988, em seu art. 125, dá aos Estados o poder de organizar sua Justiça, observados os princípios da Lei Maior, prevendo o § 1º que a lei de organização judiciária será de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Assim, só a Constituição Federal (e não mais a lei federal, ainda que complementar, como a Lei da Magistratura) poderá limitar a competência dos Estados-membros em organizar sua justiça, a qual obedecerá os seguintes critérios:
1 – nos tribunais, de segunda instância, o respectivo regimento interno disporá sobre a competência dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, obedecidas as normas do processo e das garantias processuais das partes (art. 96, I, “a”), bem como a organização de suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva (art. 96, I, “b”);
2 – a competência dos tribunais estaduais será definida na Constituição do Estado – isto é, a Lei Maior Estadual disporá sobre os critérios da divisão de competência funcional entre os tribunais estaduais (art. 125, § 1º), estando ainda vigente a regra jurisprudencial do antigo regime de que não há conflito de competência entre o Tribunal de Justiça e os outros tribunais estaduais, prevalecendo a vontade daquele, em face do seu caráter de cúpula da justiça estadual;
3 – a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual pode ser feita através da própria Constituição Estadual (por paralelismo com a regra dos arts. 102, I, “a” e 103) ou através de lei estadual, vedada, em ambos os casos, a atribuição da legitimação para agir a um só órgão (art. 125, § 1º);
4 – o que restou sobre organização judiciária ficou para ser estabelecido em lei de organização judiciária (LOJ), de iniciativa do Tribunal de Justiça (art. 125, § 2º, c/c, art. 96, II, “a” a “c”), que vai dispor, então, sobre:
4.1 – critérios de criação, extinção e transformação das comarcas, sem que se deva obedecer aos parâmetros da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que, substituída pela Lei Complementar do Estatuto da Magistratura, restringir-se-á às matérias contidas no art. 93 da Constituição, com exceção dos seus últimos incisos, topograficamente deslocados, pois não dizem respeito ao status jurídico do magistrado;
4.2 – a competência dos órgãos jurisdicionais de 1ª instância (art. 96, II, “d”);
4.3 – a criação ou extinção dos tribunais inferiores (art. 96, II, “c”), bem como alteração do número de membros dos tribunais inferiores (art. 96, II, “a”);
4.4 – a criação ou extinção de cargos (o que pode ser feito em lei extravagante, em face do caráter de mutação incompatível com a pretendida rigidez de um Código, como é a Lei de Organização Judiciária) bem como fixação dos vencimentos dos membros dos Tribunais de Justiça, dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver, dos serviços auxiliares dos tribunais e dos juízos que lhes forem subordinados (compreendendo as serventias judiciais, enquanto as serventias notariais e de registro dependerão dos critérios mencionados no art. 236 da Constituição).
1 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, 1ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1975, t. II, vol. I, p. 388.
2 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil (Instituzioni di Diritto Processuale Civile), tradução de J. Guimarães Menegale e notas de Enrico Tullio Liebman, São Paulo, Ed. Saraiva, 1942, t. II, p. 213.
3 Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 105, p. 37.
4 Súmula nº 262 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Não se vincula ao processo o juiz que não colheu prova em audiência”.
5 Giuseppe Chiovenda, op. et loc. cits., pp. 214-215.
6 Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 104, p. 700.
7 RT, nº 491, p. 133.
8 Também nesse mesmo sentido o Conflito de Competência nº 16201-DF. rel. Min. Ari Pargendler. DJ de 12.08.1996.
9 Veja-se João Carlos Pestana de Aguiar Silva, “Ação Principal”, na Revista Brasileira de Direito Processual, nº 31, pp. 51 e segs. O disposto no art. 109 complementa o princípio, mencionando a reconvenção (art. 315), a ação declaratória incidental (art. 5º, arts. 325 e 470), as ações de garantia (como aquela do art. 76, em caso de denunciação da lide) etc.
10 Laerte Romualdo de Souza, III Breviário de Organização Judiciária, de acordo com a Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1990, p. 11.