Quer se tenha de punir, quer de absolver, é preciso ver sempre os homens humanamente (Goethe).1
As sentenças condenatórias são todas aquelas que impõem o cumprimento de uma prestação, seja em sentido positivo (dar coisa, fazer), seja em sentido negativo (não fazer).2
A obrigação constituída pela sentença:
A garantia é acessória e pode ser real ou fidejussória.
Pressuposto básico da ação condenatória é a existência de dano a ser reparado, mesmo porque daí é que surge o seu nome (cum + damno) – se não se constatar a existência do dano, patrimonial ou moral, não há o que indenizar e, em consequência, não cabe a sentença condenatória.
Evidentemente, muitas vezes a lei ou o contrato já preveem a forma de indenização, prevendo sua existência e até mesmo já delimitando sua indenização, por exemplo, na cláusula penal, que pode ser moratória (ao se referir à violação de determinada cláusula – CC, art. 411) ou compensatória (quando intentar, desde logo, indenizar o inadimplemento de todo o negócio – CC, art. 410) ou, na regra do art. 953, parágrafo único do CC.
Diversas situações podem ensejar o alegado fato constitutivo do direito autoral em uma ação condenatória: casos de responsabilidade pelo inadimplemento ou indevido pagamento nas obrigações contratuais; ressarcimento do dano nas obrigações extracontratuais ou aquilianas; indenização pela perda da coisa móvel ou imóvel – podemos até apontar, como os fatos constitutivos da pretensão condenatória, as fontes das obrigações, eis que a sentença condenatória é, em si, a instituidora da obrigação, mas está ligada, por relação de causa e efeito, com uma situação fática, que é sua fonte.
É muito comum se apontar a violação (ou lesão) do direito subjetivo como causa da pretensão condenatória – nesse sentido, Jayme Boente, em decisão, teve a oportunidade de observar:
Efetivamente, a violação de um direito pode configurar ofensa à sociedade pela infração de um preceito indispensável à sua existência, ou pode corresponder a um simples dano individual. No primeiro caso, existe delito penal, consistente na violação da lei penal, o que induz responsabilidade penal; no segundo, existe delito civil, consistente na violação de um direito subjetivo privado e que induz responsabilidade civil. Pode suceder ainda que o fato atentatório da lei penal viole também um direito privado; nesse caso, subsistiriam concomitantemente as duas responsabilidades, a penal e a civil.
Ao Direito Civil interessa, portanto, também, o fato delituoso, mas dele se ocupa como fonte de obrigações. No Direito Penal, o ato violador da lei moral e que atenta contra a vida social chama-se crime ou delito; no Direito Civil, o ato contrário à ordem jurídica e que viola direito subjetivo individual denomina-se ato ilícito.3
Na sentença condenatória há a declaração (da violação do direito), a constitutividade (ao criar a obrigação através de cujo cumprimento haverá a reparação), a condenação (em uma obrigação típica – dar coisa, fazer ou não fazer, embora seja ilíquida, ou seja, sem ter sua extensão fixada). Há, também, na condenatória, o aspecto mandamental (ao determinar que o devedor a cumpra) e o aspecto executivo (com peso inferior ao da declaração), o qual incidirá em fase de cumprimento, se não houver, pelo sucumbente, o pagamento espontâneo.
Geralmente, a pretensão condenatória é exibida, no processo, sob diversos nomes, os quais revestem o remédio jurídico processual – assim, é denominada: ação de indenização, ação de reparação, ação de danos, ação de perdas e danos, ação de ressarcimento etc. – embora diversos os invólucros (o nome da ação), o remédio é o mesmo, a reparação pela violação do direito.
Em uma visão mais estritamente liberal, em que predomina a autonomia de vontade, e o Estado se restringe à prestação mínima de serviços, houve um encantamento dos juristas pela ação condenatória, considerada a principal atividade do juiz.
No entanto, o Estado moderno, intervencionista nas ordens econômica e social, é o maior prestador de serviços e pela sua inércia, muitas vezes, não basta a condenação para fazer valer o direito, sendo necessários instrumentos mais ágeis, como, por exemplo, o mandado de segurança (de conteúdo mandamental e não condenatório), habeas data (em que há o mandamento judicial ao responsável pelos registros), o mandado de injunção (em que se pede determinado serviço) etc.4
Através da ação condenatória, busca o autor o ressarcimento de um dano. Caso seja vencedor, o lógico é que obtenha, do provimento jurisdicional, tudo aquilo a que teria direito caso não sofresse o dano. Esse ponto foi enfatizado por Chiovenda como essencial à atividade jurisdicional:
A finalidade do processo é a satisfação do interesse público de realizar o direito objetivo e assegurar a paz jurídica.
A necessidade de servir-se do processo para obter razão não pode reverter em dano a quem tem razão...
A administração da justiça faltaria ao seu objetivo e a própria seriedade dessa função do Estado estaria comprometida se o mecanismo organizado para atuar a lei tivesse de operar com prejuízo de quem tem razão.5
A reparação deve ser completa e total, abrangendo todas as consequências do dano, com adequação expressa dos efeitos (a reparação) à causa (o dano). Não pode a reparação ir além dos prejuízos efetivamente sofridos em consequência do fato danoso. Limita-se a reparação, também, pelas consequências remotas do evento produtor do dano, especialmente se o prejudicado concorreu para sua agravação. Finalmente, não é cabível que a reparação propicie situação mais favorável do que teria se o acontecimento danoso não houvesse ocorrido.6
Importante ressaltar, ainda, que o objeto da indenização (não só a prestação típica pedida – dar coisa, fazer ou não fazer – mas também a sua extensão – o quantum devido) depende do pedido expresso do autor. A regra de interpretação restritiva do pedido (art. 293 do CPC) inibe a atividade judicial no seu papel de restituir, integralmente, ao statu quo anterior ao evento lesivo. Nas ações condenatórias, deverá o autor fazer constar pedidos expressos sobre as diversas verbas com as quais pretende se indenizar, e a sentença manterá com cada pedido uma perfeita relação de congruência. Caso a sentença deixe de apreciar qualquer dos pedidos, será decisão omissa e poderá ser corrigida através de embargos de declaração (CPC, art. 463, II) e, caso não tenha sido esclarecida, não fará coisa julgada sobre esse ponto, podendo o pedido ser renovado em outra demanda.
A sentença condenatória institui prestação típica e guarda relação direta de causa e efeito com as causas ou fontes das obrigações:
A obrigação é uma relação jurídica. Como tal, sua fonte há de ser, necessariamente, a lei. Em última análise, é o Direito, que empresta significação jurídica às relações de caráter pessoal e patrimonial que os homens travam na sua vida social. Se, portanto, a locução fontes das obrigações fosse empregada nesse sentido, a solução do problema não apresentaria qualquer dificuldade. Dever-se-ia usá-la no singular, pois se reduziria à lei. Mas a questão perderia o interesse, uma vez que todas as relações jurídicas, obrigacionais ou não, têm, no Direito, por definição, sua causa eficiente.
Outro é o problema. Quando se indaga a fonte de uma obrigação, procura-se conhecer o fato jurídico ao qual a lei atribui o efeito de suscitá-la. E que entre a lei, esquema geral e abstrato, e a obrigação, relação singular entre as pessoas, medeia sempre um fato, ou se configura uma situação, considerado idôneo pelo ordenamento jurídico para determinar o dever de prestar. A esse fato, ou a essa situação, denomina-se fonte ou causa geradora da obrigação. Ele atua, na conceituação de Barbero, como condição determinante da causalidade da lei na constituição da relação obrigacional.
Nestas condições, impõe-se, em caráter preliminar, a distinção entre fonte imediata e fontes mediatas das obrigações. Fonte imediata, isto é, causa eficiente das obrigações, é unicamente a lei. Fontes mediatas, isto é, condições determinantes do nascimento das obrigações, são diversos fatos ou situações suscetíveis de produzirem especificadamente esse efeito. Por isso se dizem fatos constitutivos das obrigações.7
O Código italiano menciona o contrato e o ato ilícito como as fontes principais das obrigações, apontando, ainda: a declaração unilateral de vontade (por exemplo, o disposto no art. 854 do CC), os atos coletivos, o pagamento indevido (art. 876 do CC), o enriquecimento sem causa, o abuso de direito e outras situações de fato, como, por exemplo, os fatos que originam as obrigações reais ou propter rem.
Entre outras modalidades de ação condenatória, temos:
– Condenatória decorrente do inadimplemento, total ou parcial, de obrigação contratual, em que se incluem obrigações decorrentes de contratos típicos (por exemplo, compra e venda, locação, transporte), atípicos, mistos, coligados etc.;
– Por culpa aquiliana;
– Ação de locupletamento;
– Ação de prestação de contas – segunda fase;
– Ação de indenização por ofensa à posse;
– Ação decorrente da gestão de negócio;
– Ação confessória de servidão;
– Reparação por ato-fato lesivo, como, por exemplo, o estado de necessidade;
– Ação cominatória para prestação de fato ou abster-se de ato ou tolerar atividade;
– Ação de alimentos;
– Ação de indenização por atos do Poder Público;
– Ação de indenização por dano material – Acidente de trânsito.
Seguem alguns modelos e informações acerca dessa espécie:
“PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
Juízo de Direito da Terceira Vara Cível
Processo nº 2004.001.123.239-7
Autor: Condomínio do Edifício S.
Réus: G. C. B. e L. F. B.
Sentença
Ação de rito sumário, objetivando a condenação dos réus ao pagamento das cotas condominiais em atraso, desde janeiro de 2003, assim como das que se vencerem no curso da lide, corrigidas monetariamente, a contar dos respectivos vencimentos, além das custas e honorários advocatícios.
Anexos à inicial constam os documentos de fls. 06/60.
Audiência de conciliação às fls. 71, sem composição entre as partes, com o oferecimento de contestação. Alega a nulidade da AGE realizada em setembro de 2004 ante a falta de divulgação da ordem do dia, e de quorum legal para deliberação a respeito de despesas. Requer a declaração de sua nulidade com o restabelecimento do critério de rateio previsto na AGO de maio de 1980, e que se julgue impossível a cobrança retroativa da diferença da cota na proporção de 2 (duas) frações ideais a partir da vigência do Novo Código Civil.
Réplica às fls. 87 reiterando os termos da exordial.
Às fls. 71 e 91 os réus pugnam pela produção de prova oral.
É o relatório. DECIDO.
A causa está madura para o julgamento, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, sendo suficientes os elementos probatórios para permitir a cognição da demanda. A prova oral requerida pelos réus afigura-se desnecessária, sendo certo que é dever do magistrado indeferir as provas protelatórias, conforme a ementa abaixo:
Agravo de instrumento. Obrigação de fazer c/c indenização por danos morais. Alegado cerceamento de defesa por indeferimento de requerimento de expedição de ofícios. Aplicação do art. 130 do Código de Processo Civil. É o juiz o destinatário da prova cabendo-lhe, pois, indeferir diligências que entender desnecessárias ou meramente protelatórias. Recurso Desprovido. Decisão mantida. (Agravo de instrumento, Processo nº 2002.002.19548, data de registro: 14.11.2003, Décima Segunda Câmara Cível, Des. Wellington Jones Paiva, j. 09.09.2003)
Cabe destacar, desde logo, que os réus não negam a existência do débito, questionando apenas a legalidade da cobrança que lhe é imputada. Ora, não se discute que, ao teor do art. 333, II, do CPC, o ônus da prova incumbe ao demandado quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Com efeito, pretende o réu questionar as deliberações da assembleia-geral extraordinária realizada em setembro de 2004 impugnando, sobretudo, a forma de rateio das despesas.
Ora, trata-se de ação de rito sumário, referente a cotas condominiais, e tal via não comporta a discussão ventilada pelo réu para fins de anulação de assembleia de setembro de 2004. Assim a legalidade das deliberações lá ocorridas deverá ser discutida em sede própria, até porque eventual anulação extrapolaria os limites objetivos da lide, qual seja, a mera cobrança de cotas condominiais. Nesta esteira transcreve-se o entendimento jurisprudencial do nosso Egrégio Tribunal de Justiça
Cobrança. Cotas condominiais. Inadimplência. Procedência do pedido. Incabível a discussão em torno de critérios e formalidades. Admissível tão somente a comprovação de quitação das parcelas condominiais, fato não demonstrado pela parte ré. Desatendimento ao que dispõe o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil. Se algum condômino entender não ser legal a decisão tomada pela assembleia, que a mesma fora convocada em desrespeito as formalidades legais, se há cobrança excessiva ou não comprovada, deve buscar a sua invalidação pela via própria, uma vez que suas decisões são válidas e eficazes até que sejam anuladas judicialmente. Manutenção da sentença recorrida. Conhecimento e improvimento do apelo. (Apelação Cível, Processo nº 2003.001.31294, Data de Registro: 26.02.2004, Décima Sétima Câmara Cível, Des. Raul Celso Lins e Silva, j. em 17.12.2003).
Ainda que se admitisse a discussão de anulação da assembleia nesta lide, ela não poderia ser acolhida, uma vez que se encontra em consonância com a Convenção do Condomínio e com o novo Código Civil, quanto a este último, mesmo a nova redação dada ao art. 1336 não permite a cobrança sem observância das frações ideais, salvo quando houver disposição em contrário na Convenção, o que não ocorre no caso dos autos.
Transcreve-se, assim, o art. 1.336 do novo Código Civil, com a nova redação dada pela Lei 10.931, de 2004:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
(...)
Ora, mesmo antes da existência da Assembleia-Geral de setembro de 2004 já estava o Condomínio legitimado a cobrar dos réus a cota condominial, observadas as frações ideais pelo seu apartamento duplex, face aos expressos termos da Convenção de Condomínio (fls. 12) e do novo Código Civil.
Ademais salta aos olhos a inadimplência dos réus haja vista que são devedores desde janeiro de 2003, conforme se vê na planilha às fls. 09, a assembleia impugnada foi realizada em setembro de 2004.
Isto posto, julgo procedente o pedido, condenando os réus ao pagamento das cotas condominiais vencidas, bem como das que se vencerem no curso da lide em atraso, acrescidas de correção monetária e multa de 2% a partir do novo Código Civil, e juros de mora, a contar dos respectivos vencimentos, além de custas e honorários advocatícios, os quais na forma do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, fixo em 15% sobre o valor da condenação.
Transitada a presente em julgado e certificado quanto ao recolhimento de custas, dê-se baixa e arquivem-se.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2005.
MARIA CRISTINA BARROS GUTIÉRREZ SLAIBI
JUÍZA DE DIREITO”
“Estado do Rio de Janeiro
Poder Judiciário
Juízo de Direito da 23ª Vara Cível
Processo nº 4.453
Autores: J. B. L. e s/m R. A. L.
Advogado: Dra. Lucília de Freitas Lopes
Ré: CBTU
Advogado: Dra. Maria da Conceição Moreira Benaion
Sentença
1 – Os autores são os pais de O. B. L., dizendo a inicial que o mesmo exercia as funções de vigilante, percebendo, mensalmente, 1,16 salários mínimos, com o que ajudava o lar; que no dia 9 de fevereiro de 1983, cerca de 00:15 horas, ao atravessar o leito da linha férrea na passagem de nível localizada na estação ferroviária de Jaraguá, em São Paulo, por ser o local desprovido das medidas legais de segurança, foi colhido por uma composição da suplicada, vindo a falecer no Hospital das Clínicas; diz a inicial que o fato se deu por culpa da ré, em razão da imprudência e negligência de seus prepostos; pedem, assim, em ressarcimento: 1) pensões a contar do acidente; 2) pensões a vencerem a partir da sentença; 3) décimo terceiro salário; 4) dano moral e 5) luto, funeral e sepultura, bem como as cominações decorrentes da sucumbência.
2 – A certidão de casamento dos autores está à fl. 7, de nascimento da vítima, à fl. 8, a de óbito, à fl. 9, onde se vê que ele faleceu com a idade de 21 anos, xerocópias (quase ilegíveis) da carteira de trabalho à fl. 10.
3 – Em apenso, estão os autos da exceção declinatória do foro, levantada pela ré e que foi rejeitada, com a decisão confirmada pela 5ª Câmara do Colendo Tribunal de Alçada Cível.
4 – Na audiência de fl. 22, foi apresentada contestação em que a ré diz que não obrou com culpa e que o art. 70 do Regulamento para Segurança, Tráfego e Polícia das Estradas de Ferro, aprovado pelo Decreto nº 2.089, de 18.01.63, vem em seu favor, pois veda o ingresso de terceiros nos recintos da empresa que não forem destinados ao público; que junta fotografias do local, comprovando, segundo diz, que o local é seguro e que o fato se deu por culpa exclusiva da inditosa vítima; que, caso deferido o pensionamento, não poderá exceder de 1/3 do piso nacional de salários, a partir da citação, até a sobrevida provável da mesma; que eventual pensão só poderá alcançar a sobrevida de 25 anos; que não cabe o décimo terceiro salário, bem como a indenização por dano moral; que as verbas por luto, funeral e sepultura não procedem porque não foram demonstradas; que os juros se limitam pelos parâmetros da Súmula 163, a partir da citação; que pede a improcedência.
5 – As testemunhas foram ouvidas por precatória às fl. 93 e 94.
6 – Na audiência de fl. 130 aconteceram os debates.
É o relatório.
7 – A questão prejudicial a se resolver é se a ré obrou com culpa, através de qualquer de seus prepostos.
8 – A testemunha de fl. 93 disse que no local não havia passarela, apenas uma cancela, que não funcionava naquela oportunidade, o que levava os pedestres a atravessar livremente a linha do trem. Disse que a Estação Jaraguá situa-se em bairro populoso, e que o trem, cujas luzes estavam apagadas, não apitou.
9 – A testemunha de fl. 94 confirma tais declarações que, aliás, são absolutamente compatíveis com os fotogramas de fls. 31/34, em que se observa que o local é, realmente, propício a fatos como os narrados na petição exordial.
10 – No processo 10.700, deste Juízo, sentenciado no último dia 23, com a mesma ré, afirmara o Doutor Promotor de Justiça, Jorge Euclydes Pereira Ninho, oficiando como custos legis: não cabe ao transeunte mas à empresa cuidar da segurança das vias férreas, o que no caso presente não ocorreu.
11 – Proclamo, assim, a culpa da ré e sua responsabilidade exclusiva pelo evento.
12 – Como entidade da administração indireta federal, a ré se submete ao controle previsto no art. 70 da Constituição da República. No caso, constata-se que houve negligência que causou, e continuará causando, danos a terceiros além de obrigações de indenização, razão pela qual determinarei, a final, remessa de cópia desta decisão, ao Tribunal de Contas da União para as providências que reputar convenientes na defesa dos princípios referidos no dispositivo constitucional susomencionado.
13 – Dispõe o CC, art. 1.537, que a indenização, no caso de homicídio, consiste no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família e na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia.
14 – No caso, dizem os autores que a vítima ganhava 1,16 salários mínimos com o que ajudava o lar (fl. 2). A xerocópia de fl. 10 é ilegível, embora nela pareça estar escrito que a data da saída do emprego da vítima tenha sido em 15 de janeiro de 1982, ainda que se diga que a data da saída foi em janeiro de 1983, é de se ver que a vítima, quando de sua morte, estava desempregado.
15 – Por falta de demonstração plena do vínculo empregatício, não é cabível a verba referente ao 13º salário.
16 – Não se preocuparam os autores em trazer qualquer prova de que o filho contribuísse para a mantença deles, sendo certo que o autor-varão se declarou comerciante (fl. 2) e, quando do evento, tinha ele, como se verifica à fl. 7, 53 anos, e a autora, 49 anos.
17 – Ainda que admita que a mãe recebesse do filho alguma contribuição, pois ela é, simplesmente, dona de casa, tenho que tal contribuição não poderia ultrapassar 1/3 dos ganhos da vítima, nem ultrapassaria a idade de 25 anos, quando se presume que o mesmo constituiria sua própria família.
18 – Denego, assim, ao autor-varão, qualquer pensão, pois não demonstrou que o filho o sustentasse ou contribuísse, de qualquer forma, para o seu sustento.
19 – Concedo à autora indenização patrimonial, por sua condição de mãe e presumindo o carinho e a atenção filial, representados por contribuição que não ultrapassaria 1/3 de seus ganhos, os quais considero equivalentes a um salário mínimo, descontadas verbas obrigatórias, como a previdência e outros.
20 – Se não vejo, para o 1º autor, como lhe dar indenização patrimonial, não lhe nego, no entanto, como à sua litisconsorte, a indenização moral que o nosso Direito já abraçou de forma definitiva, mesmo porque prevista na Constituição de 1988, no art. 5º, como direito fundamental.
21 – O dano moral consiste no praetium doloris e aos pais, que perdem o filho jovem, de forma tão dramática, todos reconhecerão que é necessário não lhes acalmar o sofrimento com a pecúnia, mas, ao menos, lhe dar um valor que, menos que reparar, signifique tal reconhecimento.
22 – Quanto aos danos morais, são devidos aos autores e vou arbitrá-los com os poderes que me concede o art. 1.553, da Lei Comum, atento ao disposto no CC, 1.543.
23 – Para a mãe, arbitro os danos morais no equivalente ao que receber a título de alimentos e, para o pai, mesmo porque sua dor é a mesma, o mesmo valor que couber a sua consorte.
24 – Quanto às despesas de luto e funeral, serão pagas pela ré de acordo com a liquidação por artigos, pela comprovação de despesas feitas pelos autores.
25 – Não incide a Súmula 163, pois, embora sendo ilíquida a obrigação, trata-se de dívida de valor e não de dívida de quantia, incidindo o disposto no art. 962 do Código Civil, por se tratar de culpa aquiliana.
Assim,
Julgo procedente, em parte, a demanda para, proclamando a responsabilidade da ré pelo evento que ceifou a vida de O. B. L., ocorrido em 9 de fevereiro de 1983, na passagem de nível da Estação de Jaraguá, em São Paulo, Capital, condenar a ré:
1 – a pagar ao 1º autor, J. B. L., a título de ressarcimento pelo dano moral, o equivalente a 1/3 (um terço) do salário mínimo, a cada mês, no período entre fevereiro de 1982 até dezembro de 1966, quando completaria a vítima 25 anos de idade; reajustáveis pelos índices oficiais de atualização de moeda, acrescido de juros à taxa legal (CC, 1.062; CPC, 293), até o efetivo pagamento;
2 – a pagar à 2ª autora, R. A. L.:
2.1 – a título de ressarcimento do dano moral, a mesma quantia referida no item anterior, com os acréscimos antes referidos;
2.2 – a título de indenização patrimonial, idêntica quantia àquela referida no item 2.1.
3 – a ressarcir aos autores as despesas de luto, funeral e sepultura, que demonstrarem em liquidação por artigos.
4 – a pagar as custas e honorários aos advogados dos autores, em face do disposto no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil, em 10% (dez por cento) da condenação.
P.R.I.
Rio de Janeiro, em 29 de maio de 1990.”
A segunda fase da ação de prestação de contas, em que há condenação ao saldo que for apurado, observando-se que a ação de prestação de contas, em duas modalidades (exigir contas e dar as contas) tem caráter dúplice, isto é, desnecessita que haja reconvenção, bastando pedido do demandado em sua contestação; também é condenatória a sentença na hipótese do art. 915, § 2º, do CPC (obrigação de fazer – prestar contas – sob pena das mesmas serem prestadas pelo demandante).
É modalidade prevista no art. 921 do CPC, com diversos pedidos que podem ser cumulados com o pedido possessório.
“Comarca de São Gonçalo
Juízo de Direito da 3ª Vara Cível
Processo nº 18.578
Sentença
W.F.B – E. R. Ltda. pede ação de reintegração de posse em face de A. T. C. e s/m M. F. T. S., pedindo a distribuição por dependência a este Juízo em face da Ação Consignatória nº 18.273, dizendo que em junho de 1985 deu aos réus, em comodato, o prédio de sua propriedade sito na rua Ronaldo de Carvalho, 15, Mutondo, nesta, o qual era objeto de tratativas de negociação entre as partes e aguardava liberação de financiamento pelo órgão do Sistema Financeiro da Habitação; que em novembro de 1985 ficou sabendo da impossibilidade do financiamento porque o salário dos demandados era insuficiente; que o réu-varão não cumpriu a promessa de devolver o prédio até final de janeiro de 1986, razão pela qual foi o mesmo notificado para desocupá-lo em 30 dias, contados a partir de 3 de abril daquele ano, conforme autos que instruem a inicial; que, notificado o réu-varão, entrou com ação consignatória, antes referida, dizendo que existe locação e até mesmo exigindo recibos específicos, embora tais recibos dissessem respeito a quitações dadas pelo representante da empresa autora com referência ao financiamento e que foram dadas por tais instrumentos, eis que eram aqueles à mão do titular da empresa autora; que jamais houve locação, e sim comodato; pede liminar de força nova ou audiência de justificação e o mandado de reintegração, bem como a condenação dos réus ao pagamento da renda devida pela utilização do prédio após o decurso do prazo da notificação resilitória do contrato de comodato por prazo indeterminado.
A inicial veio acompanhada de diversos documentos, inclusive os atos constitutivos da empresa, autos da pré-falada notificação; certidão do registro de imóveis; promessa de compra e venda entabulada com o réu-varão (fl. 44), sem fixação de mês, embora datada de 1985; xerocópias de documentos do réu-varão para obtenção do financiamento (fls. 45 a 63).
Foram citados A. e M. F. (fl. 135), mas somente ele contestou, dizendo ter o estado civil de viúvo (fl. 91) e arguindo que a inicial é inepta pelo pedido ser impossível; que foi entre eles entabulada a locação e os aluguéis foram pagos religiosamente; que se viu forçado a mover a consignatória em apenso pela má-fé da empresa-autora que recusou a continuação do recebimento dos aluguéis; que os fatos articulados na inicial são mendazes e que a autora não preenche os pressupostos da actio insculpidos no CPC, art. 927; que pede a improcedência. Exibiu, à fl. 96, declaração de que não pode arcar com as custas, embora não tenha formulado pedido específico de gratuidade dos serviços forenses.
Réplica autoral, rebatendo a contestação e reafirmando a inicial (fls. 98/99).
Saneador à fl. 108, denegando a preliminar de inépcia de inicial e determinando a realização de provas, bem como determinando a reunião desta ação possessória com a ação de consignação em apenso, nos termos do CPC, art. 105, em face do CPC, art. 103.
Audiência de fls. 114 a 119, em que consta: Em face do CPC, art. 451, ouvidos os advogados, fixaram-se os seguintes pontos controvertidos: o autor da reintegração provará o comodato e o autor da consignatória provará a locação. Declarou o Dr. Juiz que os contratos típicos de locação e comodato só se diferenciam, justamente, porque um tem o aluguel e o outro não. Como o A. da ação de reintegração declarou que o recibo foi dado por erro de seu preposto, o Dr. Juiz declarou que cabe ao autor da reintegração a prova do referido erro. Mandou constar, a seguir, que denominará A. o demandante na reintegração e R. o demandado na mesma. Naquela assentada, foi colhida prova oral.
As partes trouxeram seus memoriais.
Passo a relatar o processo nº 18.273.
A. T. C. pede ação de consignação em pagamento em face de W.F.B. – E. R. Ltda., dizendo que foi notificado pelo réu para desocupar o prédio antes referido, eis que teria cessado o comodato entre eles existente; que, no entanto, entre eles, existe contrato, verbal, de locação, cujo objeto é o uso e gozo do prédio e que o credor recusou, a partir de março de 1986, receber o aluguel, sem justa causa, razão pela qual pede a presente ação para extinguir as referidas obrigações. Mercê de declaração de hipossuficiência econômica que acompanhou a inicial, lhe foi deferida liminarmente a gratuidade de Justiça (fl. 2).
A contestação veio às fls. 21/22, após o depósito premonitório, dizendo a ré que não existiu locação e sim comodato, corroborando as razões antes expendidas na ação possessória e pedindo a improcedência.
Houve a réplica autoral e diversos depósitos intercorrentes, sendo determinada, à fl. 39, a reunião das ações para simultâneo julgamento.
É o relatório das duas causas, as quais passo a julgar simultaneamente.
Há questão preliminar que aprecio de ofício: a ação de reintegração aqui prevista não é real, porque fundamentada em comodato, não cabendo a citação do cônjuge da parte e, ainda que coubesse, M. F. não é mulher de A., o qual se apresenta como viúvo. Embora citada, a mesma não contestou, devendo, no entanto, com referência a ela, ser o processo extinto por ilegitimidade passiva.
Questão prejudicial (CPC, art. 469) para o mérito das duas ações é a existência de comodato ou locação, conforme esclarecido na ata de audiência de fl. 114 – se for reconhecida a locação é procedente a consignatória e improcedente a possessória, porque, nos termos do art. 4º da Lei nº 6.649/79 [atualmente revogada], é exigível a actio de evacuando para desconstituir a locação; se, no entanto, ao contrário, for reconhecido o comodato, invertem-se as soluções e improcede a consignatória, porque justa seria a recusa do recebimento, procedendo a possessória, nos termos do CC, art. 1.252, bem como a condenação no pagamento de uma renda pela utilização da coisa.
Esclareça-se, desde logo, em face dos termos do CC, art. 1.252, que a expressão aluguer, que ali consta, não significa locação, porque tal irritaria o princípio da autonomia de vontade de contratar, constitucionalmente prevista pela regra da legalidade (art. 153, § 2º) – significa, tão somente, que, após decorrido o prazo concedido para a desocupação, cessado o comodato, deverá ser paga uma renda suficiente para compensar o uso e gozo da coisa.
É inegável, pelos documentos trazidos com a inicial, que as partes tinham entabulado promessa de compra e venda do prédio, que não se concretizou pelas dificuldades de financiamento.
Alfredo exibiu, na inicial da consignatória, três recibos (fls. 6 a 8) que, segundo ele, provariam a locação e que, segundo a outra parte, representam tão somente a comprovação de pagamento de quantias referentes ao compromisso de compra e venda.
Inicialmente, cabe observar que tais documentos, em face do art. 940 do CC, não espelham nem pagamento de aluguel nem outras destinações, porque não atendem aos pressupostos devidos.
Por outro lado, é estranhável, como apontado nas alegações finais pelo eminente advogado da empresa autora na reintegração, que o sedizente inquilino só tenha exibido recibos, como alega, referentes até junho de 1985 e mais nenhum, e que só tenha entrado com a ação consignatória após ter sido notificado. É um indício que levo em consideração nos termos do CPC, arts. 332 e 239 este do CPP.
Disse o réu, em seu depoimento pessoal (fl. 116), que ia pagar os aluguéis na casa do titular da empresa, mas, mesmo assim, houve um grande lapso de tempo, indicando, novamente, que o uso da coisa era gratuito, o que constituiria o contrato de comodato.
A prova oral somente foi produzida pela empresa e é coerente com os fatos narrados por ela, devendo ser esclarecido que a testemunha Péricles (fl. 117) narra fato que era usual na venda de imóveis nos anos de 1984 e 1985, isto é, a vendedora bancar toda a despesa, inclusive de documentação e escritura.
Nos termos do CC, art. 1.090, os contratos benéficos, como o de comodato, devem ser interpretados estritamente, significando que o ônus de seus encargos, o que pode ser estendido no que diz respeito à formação, deve caber à parte que beneficia. Ora, no caso concreto, não existe instrumento de locação, a parte que diz que existe locação nenhuma prova trouxe em seu favor (CPC, art. 333, I), os documentos que exibe não são suficientes para constituírem quitação, nos termos do CC, art. 940 e, ainda que fosse, não tem como explicar porque deixou tantos meses sem consignar e só o fez quando notificada em juízo.
Observe-se, por último, que, ainda que houvesse locação, não fez os depósitos intercorrentes (CPC, art. 892) nos termos do CC, art. 974, nem sequer lhes deu os reajustes legais.
Em consequência,
Julgo procedente o pedido na ação possessória para:
1) mandar expedir mandado de reintegração de posse em favor da autora, tão logo a presente transite em julgado;
2) condenar o réu a pagar, a título de perdas e danos pela utilização da coisa após cessado o prazo concedido na notificação e até efetiva desocupação, a quantia de Cz$ 2.000,00 (dois mil cruzados) mensais, corrigidos monetariamente.Julgo improcedente a ação consignatória, proclamando ser justa a recusa no recebimento e insubsistentes os depósitos efetuados durante o processo.
Julgo extinto o processo de reintegração, com referência à ré M. F., proclamando a ilegitimidade passiva.
Condeno o réu da ação de reintegração e autor da ação de consignação, ao pagamento de honorários advocatícios que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor dado à ação possessória (CC, art. 20, § 4º), mas o isento do pagamento de custas pela gratuidade de Justiça antes deferida.
Com o trânsito em julgado e após cálculo (CPC, art. 605), expeça-se mandado de pagamento.
P.R.I.
São Gonçalo, em 31 de dezembro de 1987.”
Consultar o art. 861 do CC.
Consultar Revista dos Tribunais nº 477, p. 104 – o estado de necessidade não elide a responsabilidade civil.
Consultar o CPC, art. 287; Súmula 500: “Não cabe a ação cominatória para compelir-se o réu a cumprir obrigação de dar”.
Em que há subjacente a declaração do vínculo alimentar e da necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante.
“Juízo de Direito da Terceira Vara da Fazenda Pública
Sentença
Processo nº 95.001.087920-5 (5239), aforado em 15 de agosto de 1995
Ação de Indenização
A: L.C.S.C.
ADV.: Doutor José Marco Tayah
R: Estado do Rio de Janeiro
Procurador do Estado: Doutor Regis Fichtner Pereira
Ministério Público: Doutora Ana Cristina Filgueiras
‘RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO JURISDICIONAL. Pretensão de reparação de dano moral pelo tempo de prisão provisória em processo-crime no qual a sentença de 1º grau absolveu o demandante por falta de provas.
1 – Também a função jurisdicional do Estado, como serviço público que é, pode causar danos imputáveis à responsabilidade do Poder Público, independentemente da apuração da culpa ou dolo com que agiram os seus agentes.
2 – O particular tem direito a ser indenizado toda vez que sofra um prejuízo em consequência do funcionamento do serviço público, pouco importando indagar se regular ou irregular, porque não se cogita de sabê-lo, mas de aplicar logicamente o princípio da igualdade dos encargos sociais.
3 – Inteligência do disposto no art. 5º, LXXV, da Constituição da República: o Estado está obrigado a indenizar o particular, quer no caso de erro judiciário, quer de prisão por tempo superior ao fixado na sentença.
Demanda procedente.’
Sob a gratuidade dos serviços judiciários e através do Escritório Modelo do Departamento de Estágio e Exame da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro, diz o autor que ficou preso no período entre 14 de junho de 1993 a 5 de novembro de 1993, até ser libertado em decorrência de sentença absolutória, fundada em insuficiência de provas, e que transitou em julgado após confirmação pelo Egrégio Tribunal de Justiça.
Diz que, em virtude do constrangimento que passou e com receio de continuar morando no Morro do Borel, se viu forçado a vender a casa onde morava, indo residir em bairro distante, ocasionando-lhe maiores gastos com o transporte para o trabalho.
Alega que sofre problemas respiratórios, agora crônicos, em decorrência das péssimas condições do sistema carcerário e que, durante o tempo em que ficou custodiado, sua mãe viveu em dificuldades por não contar com a sua ajuda, uma vez que dele dependia para o sustento da casa.
Pelo que reputa indevida privação de sua liberdade, pede a condenação do réu ao pagamento de uma indenização não inferior a 2.000 (dois mil) salários mínimos, a título de danos morais.
O Estado contesta dizendo que:
‘7. O autor foi preso em decorrência de uma das maiores investigações e um dos maiores golpes que a polícia já desfechou no Rio de Janeiro contra o tráfico de drogas. Graças a um longo trabalho de investigação de detetives da polícia do Rio, foi possível o desmantelamento da organização do tráfico de drogas no morro do Borel, através do depoimento de testemunhas e da apreensão dos documentos em que se encontravam a contabilidade do grupo de traficantes.
8. As investigações do tráfico no Borel levaram à prisão 51 (cinquenta e um) suspeitos de participação na quadrilha, através do instituto da prisão temporária, decretada pelo MM. Juízo da 26ª Vara Criminal da Comarca da Capital.
9. Entre os 51 suspeitos de integrarem a quadrilha de traficantes se encontrava o autor, L.C.S.C., vulgo Braubrau, contra quem foi oferecida denúncia, como se pode ver do documento anexo. O autor era acusado de exercer na hierarquia do tráfico as funções de avião (vendedor de drogas em pontos fora da favela) e vapor (mensageiro).
10. As investigações apontavam para a participação do autor na quadrilha desbaratada. Não obstante tal fato, o MM. Juiz da 26ª Vara Criminal entendeu de absolvê-lo por entender não haver provas suficientes para a sua condenação. Em sua sentença, o digno prolator da sentença deixou consignado ter sido o caso em tela ‘um dos mais rumorosos dos últimos tempos’, tal a sua gravidade.
11. Em sua sentença deixou ainda o ilustre magistrado consignado que o ora autor foi interrogado na fase policial, onde admitiu o apelido de Braubrau, tendo, no entanto, se recusado a prestar qualquer outro esclarecimento. Na fase judicial, o autor simplesmente negou o seu envolvimento com a quadrilha desbaratada. Deixou também Sua Excelência consignado que a testemunha A. S., vulgo Garfo, em seu interrogatório de fls. 879 a 882, declarou que o autor era integrante da quadrilha. Além disso, o nome do autor aparece diversas vezes na contabilidade do tráfico no morro do Borel.
12. Apesar de todos esses elementos de prova, consignou o ilustre magistrado, concedendo ao autor o benefício da dúvida, verbis: A prova, no que tange ao acusado L.C.S.C., é duvidosa, não preconizando um convencimento cabal de que fosse envolvido, efetivamente, na ‘boca de fumo’ do Borel’.
Aponta o Estado que havia contra o autor provas suficientes para o seu indiciamento, para a prisão provisória e para a instauração da consequente ação penal e que a sua condenação somente não ocorreu por ter sido o ora autor agraciado com o benefício da dúvida.
Em continuação, diz o Estado que, inocorrendo ilegalidade na conduta dos agentes públicos, não há que se falar em responsabilidade civil que exige, para a sua configuração, ato ou omissão ilícitos, que venha causar danos a alguém e que o Estado tem o dever de nessas situações, acionar o seu aparelho investigatório e repressivo. Não se pode admitir, no entanto, que o Estado, tendo agido dentro da legalidade, venha a posteriormente ser réu em ação de responsabilidade civil, apenas porque não conseguiu demonstrar cabalmente a participação do autor no tráfico, apesar das provas existentes – depoimentos e inserção do nome do autor na contabilidade do tráfico.
Aduz que o ato de natureza jurisdicional somente admite a caracterização da responsabilidade civil em casos especialíssimos, em que se torna evidente o erro judiciário, na hipótese prevista no art. 630 do Código de Processo Penal.
Acrescenta que a ordem jurídica admite em juízo de probabilidade, e não exige um juízo de certeza, para a denúncia criminal e para decretação da prisão provisória.
A se admitir o deferimento de indenização, alega o defendente, em todos os casos em que, apesar de haver boas probabilidades de o suspeito ter cometido crime, venha ele posteriormente a ser absolvido, o poder-dever investigatório e repressor do Estado estaria condenado à morte, pois a autoridade púbica somente poderia investigar e prender quando tivesse absoluta certeza de que o suspeito cometeu o crime a ele imputado, o que evidentemente não se pode exigir da autoridade policial em nenhum local do mundo.
Alerta, ainda, que, se admitida a pretensão autoral, o único prejudicado seria, como quase sempre, a própria sociedade, já que se ataria as mãos do aparelho judicial do Estado, por receio de uma avalanche de ações judiciais indenizatórias contra o Poder Público, o que poderia vir a comprometer seriamente o orçamento público estadual – pretender-se a aplicação da responsabilidade objetiva do Estado toda vez que um acusado venha a ser absolvido, mesmo que por falta de provas, constitui rematado absurdo.
Nas cópias que acostou com a contestação, traz o Estado a da respeitável sentença de lavra do Doutor Joel Pereira dos Santos que absolveu o ora demandante, onde consta (fl. 193):
‘L.C.S.C., vulgo Braubrau, foi interrogado na fase policial (fls. 901-902). Admite o apelido Braubrau e a condição de homossexual. No mais, reservou-se o direito de prestar declarações em Juízo. Na fase judicial, negou qualquer envolvimento seu com a quadrilha. É certo que A. S., vulgo Garfo, em seu interrogatório de fls. 879-882, tivesse declarado que Braubrau é integrante do movimento. Tal assertiva, ao meu pensar, porém, não se mostra convincente, mormente em face do testemunho do policial J. B., pessoa já citada tantas vezes neste decisum, pela profunda investigação que fez sobre o caso. Sobre o acusado em referência, afirmou a testemunha:
– que esse acusado negou o envolvimento dele no movimento e disse (que) se o seu nome aparece na contabilidade, fora colocado por alguém que tem ódio dele;
– que o nome de Braubrau é mencionado diversas vezes na contabilidade;
– que apurou que Braubrau é trabalhador e não tem envolvimento na boca;
– que até agora não conseguiu apurar porque o nome dele aparece na contabilidade.
A prova, no que tange ao acusado L. C. S. C., é duvidosa, não preconizando um convencimento cabal de que fosse envolvido, efetivamente, na ‘boca de fumo’ do Borel.’
Oficiando perante a instância superior, sobre o ora demandante assim se manifestou o órgão do Ministério Público (fls. 223-224):
‘Finalmente, não há dúvidas de que o acusado L.C.S.C., vulgo Braubrau, também era integrante da associação criminosa.
Negou ele em seu interrogatório (...) qualquer envolvimento com a quadrilha e, embora resida há tempos no Morro do Borel, nega cinicamente que conhece os demais membros da associação.
Mas o conjunto probatório também pôs por terra sua infantil negativa.
Reconheceu ele seu vulgo de Braubrau, apelido este que consta da ‘Lista de Contabilidade’, explica tal circunstância ao fato de alguém odiá-lo por ser homossexual. Desculpa pueril demais para um caso isolado como o dele, até mesmo porque não disse sequer uma pessoa que o odiasse. Além do mais, seria extremamente gratuita a inclusão de seu nome na lista. Seria ele o único homossexual odiado no Morro do Borel?
Por outro lado, a testemunha J. M. C. afirmou (...) que os elementos Braubrau, Cabelinho, Cobra e Beringela faziam parte da quadrilha de traficantes do Morro do Borel.
Finalmente, a testemunha G. S. (...) confirma que, em razão de suas atividades, já conhecia do Morro do Borel o acusado, com o vulgo de Braubrau, tendo-o também aconselhado a que se afastasse da quadrilha, depoimento este que fundamentou igualmente a condenação do réu C. S. P., vulgo Perigo ou Cobra.
É por estes fatos que resultou, da mesma maneira, a autoria atribuída ao acusado L.C.S.C., vulgo Braubrau.’
O venerando acórdão, por cópia às fls. 227-228, manteve os termos da respeitável sentença, sem referência explícita ao ora demandante.
Às fls. 236-237 esta cópia de requerimento do demandante ao Dr. Juiz Criminal, afirmando que ficou desempregado em janeiro de 1993, recebendo seguro-desemprego até 26 de maio de 1993, e que pede a revogação da prisão porque foi aprovado em teste para contratação por empresa privada na função de Adjunto de Produção, o que deveria se dar em 1º de junho de 1993.
A réplica autoral sustenta a pretensão exordial, dizendo que não cabe a discussão sobre a justiça ou a injustiça da sentença absolutória porque transitada em julgado – res judicata pro veritate habetur.
O despacho de fl. 244v. declarou a desnecessidade de prova oral (Código de Processo Civil, art. 130).
O Ministério Público oficiou pela improcedência da demanda pela juridicidade do processo penal a que respondeu o autor.
É o relatório.
Cabe o julgamento da causa no estado em que se encontra, incidente o suporte fático do inciso I do art. 330 da lei processual, mesmo porque presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder (4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 14 de agosto de 1990, rel. Min. Sálvio Figueiredo, RESp nº 2.832-RJ, DJU de 19.09.90, p. 9.513).
Como exige o disposto no art. 299 do Código de Processo Civil, embora sem especificá-las, o Estado protestou pela produção de provas oral, pericial e documental complementar (fl. 25).
Contudo, quanto aos fatos que constituem o fundamento do direito autoral, e em face dos termos em que veio a contestação, torna-se despicienda a produção de prova oral ou pericial, operando, assim, quanto ao que não foi impugnado, o princípio da eventualidade a que se refere o disposto no art. 302, caput, da lei processual civil.
Embora tenha o autor se referido a danos sofridos em seu patrimônio, o seu pedido está restrito à reparação moral em decorrência do tempo em que ficou preso por estar respondendo a processo criminal.
As partes trouxeram, com a petição inicial e com a contestação, todas as provas documentais que interessam ao deslinde da causa, destacando-se as cópias do processo criminal, como acima historiado.
O autor demonstrou, quando necessário, o fundamento fático de seu pedido, como lhe impõe o disposto no art. 333, I, do Código de Processo Civil: por decisão judicial esteve limitado em sua liberdade de locomoção e, pela natureza do processo do qual foi objeto, pede a reparação moral.
Note-se, ademais, um ponto relevante: em nenhum momento alega o autor que tivesse ocorrido erro judiciário – o que ele pretende é a reparação pelo fato de ter cumprido prisão provisória, embora absolvido a final.
Por outro lado, em face da sentença penal absolutória transitada em julgado, não há como se reabrir, agora em sede civil, a discussão sobre a eventual culpabilidade criminal do ora autor, incidindo o princípio da inocência como direito fundamental, intangível à discussão pela inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, da revisão pro societate.
Do disposto no art. 5º, LVII, da Constituição – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – decorrem normas jurídicas – na modalidade de princípios constitucionais especiais – de aplicabilidade imediata e eficácia plena, tanto quanto a presunção de inocência que somente cessa no dia do trânsito em julgado da sentença condenatória, como a presunção absoluta de inocência daquele que foi exculpado pela sentença penal absolutória transitada em julgado para a acusação.
Poderia alguém dizer que a presunção da inocência, protegida no patamar constitucional, restringir-se-ia à esfera penal, e não alcançaria as esferas administrativa e civil.
Anotando sobre o princípio da independência da responsabilidade civil relativamente à criminal, a mestra Maria Helena Diniz afirma: ‘Em nosso ordenamento (jurídico) a instância criminal julga o fato em seu aspecto social, reprimindo o delinquente por meio de penas. Logo, a pretensão pecuniária só poderá ser pedida no juízo cível, que julga quanto à vítima que pleiteia a reparação do prejuízo. Portanto, será impossível a reparação de dano no processo criminal’ (Código Civil Anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, nota I ao art. 1.525, p. 880).
Mas, no caso em julgamento, o que ocorre é que o pretendente à reparação civil funda o seu direito sobre o fato de ter estado preso provisoriamente em incidente de processo-crime, o que lhe teria causado, pelas circunstâncias do fato, um dano moral.
O princípio da eventualidade conspira contra o Estado, que se limitou, na contestação, a discutir sobre a injustiça da decisão penal para os efeitos penais – o que aqui não pode ser debatido, como acima referido – e sobre o desvalor de envolvido em processo penal pretender indenização, mesmo que absolvido.
Em nenhum momento, alegou o Estado que tivesse o ora autor dado causa ao fato de ter respondido ao processo criminal, como poderia ter acontecido, por exemplo, se ele tivesse falsamente se autodenunciado ou estivesse envolvido, de algum forma, para conduzir a erro judiciário.
Note-se, ainda, que a lide é posta em face do Estado-Membro da Federação que tem, entre seus órgãos de atuação, a Polícia Civil, que investigou o fato, o Ministério Público, que representava a sociedade no processo penal e restou vencido de forma inexorável, e o próprio Poder Judiciário, pelo seu ramo criminal, que, acolhendo os requerimentos da Polícia Civil e do Ministério Público, ambos atuando no interesse da sociedade, restringiu a liberdade individual do ora demandante.
Repita-se que não está em discussão, mesmo porque o fundamento do pedido autoral a tal não se refere, a ilicitude dos atos estatais, razão pela qual afasta-se, desde já, o douto pronunciamento (fls. 244-245) do Ministério Público que funciona perante este Juízo fazendário.
Admitida que fosse a discussão na instância civil sobre a injustiça da absolvição penal, haveria, de forma reflexa, malferimento do princípio da inocência, o que poderia conduzir, pelas vias largas da responsabilidade civil do art. 159 da Lei Comum, até mesmo à pretensão do Estado de se ver ressarcir do que despendeu no processo criminal que demandou contra o que foi inocentado de forma definitiva.
Tal visão, excessivamente patrimonialista, pode ser encontrada, ainda hoje no Direito Penal chinês, em que as autoridades cobram da família do executado pela pena capital o que despenderam pelo disparo de arma de fogo na sua nuca.
Como os fatos que fundamentam o pedido autoral estão subsumidos no processo criminal a que respondeu o ora demandante, desnecessário, e mesmo vulnerador do disposto no art. 332 da lei processual, que se lançasse este Juízo fazendário em nova dilação probatória a investigar o acerto ou desacerto do provimento da Justiça criminal.
Daí por que descabe a produção de provas orais e periciais.
Quanto às provas documentais supervenientes, também requeridas pelo Estado, o comando jurídico está expresso nos arts. 396 e 397 da lei processual, observando-se que o réu trouxe, com a contestação, os documentos que entendeu necessários à demonstração de sua defesa.
Finalmente, quanto ao mérito, em face dos limites objetivos da lide, como já referidos, reitere-se que a reparação moral ora pretendida não está fundada em erro judiciário, mas, tão somente, no fato da prisão de pessoa que, afinal, restou absolvida de forma definitiva.
Admite-se a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, na linha do voto do Ministro Aliomar Baleeiro que José de Aguiar Dias transcreve no seu clássico Da Responsabilidade Civil (Rio, Ed. Forense, 10ª ed., 1995, pp. 644 usque 654), fundando-se no disposto no art. 105 da Constituição de 1967, depois no art. 107 da Emenda Constitucional nº 1/69 e hoje no art. 5º, LXXV, da Constituição de 1988.
O Estado indenizará o condenado, por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
Da disposição constitucional, por mera interpretação gramatical ou literal, podemos extrair diversas normas jurídicas:
1º) o agente passivo do dever de indenizar é o Estado – o que está afinado com a interpretação sistemática, em desdobramento da teoria do risco administrativo introduzida pelo disposto no art. 37, § 6º;
2º) o erro judiciário é indenizável – preceito que repete, talvez desnecessariamente, o que está no art. 37, § 6º, da Carta da República;
3º) ainda que inocorra erro judiciário, o fato de alguém ficar preso além do tempo fixado na sentença conduz à reparação, como está estatuído na parte final do mencionado inciso LXXV; tal norma decorre do princípio hermenêutico, lembrado por Carlos Maximiliano, no vetusto e sempre atual Hermenêutica e Aplicação do Direito (Rio de Janeiro, Ed. Forense, repetidas edições neste século XX), de que na lei não há expressões despiciendas;
4º) o simples fato da prisão, por tempo excedente ao da sentença, legitima a indenização.
O dever de reparação do Estado, pela regra geral do art. 37, § 6º, da Constituição, desnecessita da prova da culpa do agente público, ou, no caso, da demonstração do erro judiciário, como se vê em diversos precedentes:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – EXEGESE
De acordo com o art. 37, § 6º da CF, as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Nosso legislador constitucional adota a teoria do risco administrativo, e por esta não se exige a prova da culpa do agente público. São suficientes para caracterizar a sua responsabilidade a prova do dano causado pelo agente público e o nexo causal entre a ação do agente e os danos (STJ – Ac. unân. da 1ª T. publ. em 8.11.93 – Rec. Esp. 38.666-7-SP – rel. Min. Garcia Vieira – Advs.: Maria Beatriz de Biagi Barros e Carlos Alberto de Freitas).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – ERRO JUDICIÁRIO OU PRISÃO POR TEMPO SUPERIOR
A Constituição Federal em vigor, além de conservar no art. 37, § 6º, a regra genérica da responsabilidade civil objetiva do Estado, cristalizada em nosso Direito, o obriga expressamente a indenizar o particular, quer no caso de erro judiciário, quer de prisão por tempo superior ao fixado na sentença – art. 5º, LXXV (TJ-SP – Ac. unân. da 2ª Câm. Cív. de Férias, julg. em 28/1/94 – Ap. 202.933-1/4-Capital – Rel Des. Francisco de Assis Vasconcellos). Ensinamento de Aguiar Dias, citado no acórdão: ‘De forma que, não obstante a persistência das ideias regalistas, a responsabilidade do Estado progride para um ponto de satisfação plena aos princípios solidaristas. Vai pouco a pouco perdendo terreno a tese da irresponsabilidade, para surgir em seu lugar o princípio de que o particular tem direito a ser indenizado toda vez que sofra um prejuízo em consequência do funcionamento do serviço público, pouco importando indagar se regular ou irregular, porque não se cogita de sabê-lo, mas de aplicar logicamente o princípio da igualdade dos encargos sociais’.
‘A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno de culpa do particular, a fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa e c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais’ (Supremo Tribunal Federal, RE nº 113.5870-5/SP, 2ª Turma, unânime, rel. Min. Carlos Mário Velloso, DJU de 3 de abril de 1992).
Não se pode aderir ao entendimento de que somente haveria o dever de indenização se houvesse o erro judiciário, pois incide o disposto no art. 37, § 6º, e no art. 5º, LXXV, da Constituição, e não o disposto no art. 15 de vetusto Código Civil, que exigia a responsabilidade subjetiva, embora tal entendimento, até hoje seja o adotado por alguns:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – RÉU ABSOLVIDO EM SEGUNDO GRAU – INDENIZAÇÃO – NÃO CABIMENTO
Não cabe ação de indenização contra o Estado se este, no exercício de seu direito, processou regularmente a parte, condenando-a, mesmo que, posteriormente, em segundo grau venha a mesma a ser absolvida por insuficiência de provas, uma vez que, não provada a culpa do Estado-Juiz, ou que agiu sem as devidas cautelas, o art. 15 do Cód. Civ. não tem aplicação, pois tal disposição não admite a responsabilidade sem culpa. Da mesma forma, o art. 630 do CPC se aplica quando a sentença condenatória é inquinada de ausência de fundamentação, ou quando o processo criminal a que responde a parte é resultante de uma farsa ou está eivado de nulidade absoluta, de tal forma que, diante de uma situação processual verdadeiramente teratológica, sobrevenha o Juízo condenatório (TJ-MG – Ac. unân. da 3ª Câm. Cív., publ. em 04.10.93 – Ap. 5.545/9-Capital – rel. Des. Murilo Pereira). Extrai-se, ainda do acórdão: ‘Não provada a culpa do Estado-Juiz, ou que agisse sem as devidas cautelas, como quer o apelante, o citado art. 15 do Cód. Civ. não tem nenhuma aplicação, pois tal disposição nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado’.
Não se discute, aqui, sobre eventual culpa, ou mesmo dolo, do policial civil, que realizou a investigação, do Delegado de Polícia que representou pela prisão, do Promotor de Justiça que ofertou a denúncia e corroborou o pedido de prisão, e do Juiz que decretou a prisão e, depois, absolveu o ora demandante.
Com referência aos agentes políticos que atuaram no processo – magistrados e membros do Ministério Público – é certo que somente respondem por dolo ou culpa:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – ATOS JUDICIAIS – DANOS – CPC E LOMAN
É o Estado parte legítima para figurar no polo passivo da ação de indenização por danos resultantes de atos judiciais, uma vez que os atos derivados da função jurisdicional não empenham a responsabilidade civil do Estado, salvo as exceções expressamente estabelecidas em lei. E os Juízes, como órgãos da soberania nacional, que não se enquadram nas disposições do § 6º do art. 37 da CF, somente respondem civilmente quando, no exercício de suas funções, incorrerem em dolo ou fraude, a teor das normas contidas no art. 133 do CPC e art. 49 da Lei Complementar 35/79 – LOMAN (TJ-MG – Ac. unân. da 1ª Câm. Cív., publ. em 03.12.93 – Ap. 6.048/3 – Capital – rel. Des. Garcia Leão). Extrai-se, ainda, do acórdão: ‘O Juiz não é um servidor público qualquer, mas um órgão de soberania, que não se enquadra nas disposições do § 6º do art. 37 da CF, e é por isso mesmo que a Lei Processual e a Lei Orgânica da Magistratura remetem contra ele, diretamente, o ressarcimento por danos porventura causados aos jurisdicionais, verificada a existência do dolo ou da fraude de sua parte. (...) Sérgio de Andréa Ferreira, aludindo ao Código de Processo Civil e à LOMAN, observa que se trata de regras que dizem respeito à responsabilidade pessoal dos Magistrados e anota: ‘Mas o Estado, pelos atos desses, salvo os casos expressamente contemplados, como o do erro judiciário e da responsabilidade objetiva por prisão ilicitamente prolongada, não poderá extrapolar linde de certo modo estreito. Do contrário, toda vez que houvesse reforma ou, ainda mais, a rescisão de uma decisão judicial caberia indenização’ (Comentários à Constituição, Ed. Freitas Bastos, 3º v., p. 367).
Afirme-se, por tais fundamentos, a responsabilidade do Estado pela indenização.
O dano, e respectivo nexo causal, estão demonstrados com as cópias do processo-crime que instruem a petição inicial e a contestação.
Quanto à reparação do dano, na modalidade moral, desde 5 de outubro de 1988, há previsão constitucional:
‘São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’ (Constituição, art. 5º, X);
‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’ (Constituição, art. 5º, § 2º);
‘Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, na de sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques’ (Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948).
Iterativa jurisprudência já deu o conceito do que deve ser considerado dano moral:
DANO MORAL – ARBITRAMENTO – CRITÉRIO. O arbitramento do valor do dano moral deve ficar a critério do Juiz, pois não há outro modo razoável de avaliá-lo (TJ-RJ – Ac. unân. da 1ª Câm Cív. reg. em 17/4/91 – Ap. 3.700/90 – rel. Des. Renato Maneschy – U. C. S. S/C Ltda. vs. M. J. M. F.). Extrai-se, ainda, do voto: ‘Dano moral, como se sabe, é todo o sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade. Seu conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa. É o que Polacco chama de lesão da personalidade moral. Não é possível negar que quem vê injustamente seu nome apontado nos tais Serviços de Proteção ao Crédito que se difundem por todo o comércio sofre um dano moral que requer reparação. Mas a reparação do dano moral se há de fazer pelo prudente critério do Juiz, pois não há outro modo de avaliá-lo. A fixação do quantum ficará ao prudente arbítrio do Juiz, mas este arbítrio como observa Orosimbo Nonato, é uma contingência inelutável, dada a crescente complexidade do comércio jurídico e a impossibilidade de prever o legislador todos os casos que surgem daquele comércio. O fato de não se poder estabelecer rigorosa equivalência entre o dano moral e a indenização não pode ser motivo, como pondera o Des. Amílcar de Castro, de se deixar o direito sem sanção e sem tutela. Ou, como dizia o Ministro Pedro dos Santos, no Supremo Tribunal, o que não é possível é que o responsável por acidente daninho aos direitos e legítimos interesses de outrem possa subtrair-se às consequências de seu ato por não serem direta e exatamente reparáveis’.
No caso em julgamento, o autor é negro, pobre, dito homossexual, morador em favela, que ficou preso, por alguns meses, em decorrência de processo-crime, incurso nas sanções que punem o tráfico de entorpecentes, e acabou, finalmente, inocentado por sentença transitada em julgado.
Observe-se que o responder por processo – ainda que denunciado como traficante de entorpecentes – é fato que causa dor moral e que o discrimina em relação aos demais moradores de sua comunidade, embora não ensejem reparação, porque a contingência de ser acusado em processo penal é ônus a que todas as pessoas estão submetidas.
Contudo, é inegável que a prisão, ainda que provisória, a ele causou dor moral, porque:
a) durante meses foi extraído do convívio da família e da comunidade;
b) ficou sob a acusação de tráfico de entorpecentes e de integrante da organização criminosa ‘Comando Vermelho’ (fl. 42), o que, por si só, nas condições carcerárias, o discrimina em face dos demais custodiados; e
c) a condição de homem negro, pobre, favelado e dito, por ele mesmo, homossexual, todas conspirando para conduzi-lo às piores condições na sua estadia carcerária.
Proclame-se, assim, a lesão da personalidade moral do ora demandante, a ensejar a reparação, que passa a ser arbitrada.
É inviável, nesta causa, que se mande proceder à reparação natural, porque se trata de dano moral e seria ineficaz a ordem judicial que mandasse apagar da lembrança do autor o que sofreu no período de prisão, e da memória da comunidade, em que está inserido, a lembrança de que ele foi preso.
O que resta é a reparação por meio do ressarcimento, dando-se ao lesado o equivalente pecuniário de forma a mais completa possível, porque com esta espécie de reparação não se pretende refazer o patrimônio, porque não foi diminuído, mas se tem simplesmente em vista dar à pessoa lesada uma satisfação, que lhe é devida, pela sensação dolorosa que sofreu. A prestação pecuniária tem, no caso, função meramente satisfatória. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível nº 1.409, J. C. vs. Município de Ubá, rel. o Desembargador Amílcar de Castro, acórdão de 19 de outubro de 1942, na Revista Forense nº 93, pp. 528 a 531).
Os critérios judiciais para o arbitramento da reparação moral são sempre tópicos, porque o legislador não ousou, através de norma genérica e abstrata, pré-tarifar a dor de quem quer que seja, o que conduz a situações como as descritas a seguir:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – PEDRADA EM ALUNO NA SALA DE AULA – DANOS MATERIAL E MORAL
‘Tratando-se de ato lesionante a um menor estudante, por outro, dentro da sala de aula, em estabelecimento de ensino primário do Município, a culpa in vigilando se enquadra na teoria do risco administrativo, decorrente do precário funcionamento do serviço público. É incontrastável, ao peso da melhor doutrina, entregue a criança à escola pública, guardiães dela se tornam os agentes públicos responsáveis pelo estabelecimento de ensino, aos mesmos cabendo toda vigilância e proteção, devolvendo-a incólume aos seus responsáveis ao término da jornada escolar. Eventuais danos que a mesma venha a padecer geram responsabilidade civil a compor a conta do ente público. Omissão escancarada da Municipalidade ao deixar as escolas primárias de sua rede, ao abandono, funcionando sem inspetores e serviços auxiliares, crianças como rebanho à sorte, sem Pastor. A responsabilidade civil do Poder Público se calca na teoria do risco, é objetiva como tema de direito constitucional, sendo o art. 15, do Código Civil, repetição mitigada do art. 37, § 6º, da Constituição Federal (Rev. STJ 55/132), sendo certo que a culpa se desenvolve em três frentes ou hipóteses: a) na ausência do serviço que lhe compete; b) o mau funcionamento do serviço e c) o tardio funcionamento do serviço. Assim, se o evento danoso derivou da ausência ou da deficiência de controle de fiscalização ou omissão de cautelas indispensáveis, à evidência a configuração da responsabilidade civil da Municipalidade, tal pela pedrada de uma criança, em plena sala de aula, lançada por outra, transpassando uma das vistas, mutilando-a para sempre, com incidência de dano material e dano moral (TJ-RJ – Ac. unân. da 1ª Câm. Cív., reg. em 13/10/95 – Ap. 3.033-Nova Iguaçu – rel. Des. Ellis Figueira). Said Cahali, citado no acórdão, discorrendo sobre o fundamento da responsabilidade constitucional consagrando a teoria objetiva, calcada no denominado ‘risco administrativo’, sustenta bastar para a pretensão do ressarcimento a existência de um nexo causal entre o dano e a atividade, comissiva ou omissiva, da Pública Administração por quaisquer de seus órgãos.’ Razões de Apelação do Ministério Público: ‘1. Inobstante a qualidade do conteúdo da r. sentença de fls. 52-62, merece a mesma sofrer um retoque, apenas no que diz respeito ao quantum da condenação pelo dano moral. 2. Ao fixar o valor daquela parcela do pleito, o MM. Juiz fundamentou-o registrando que tal se adequava aos padrões definidos pelos ‘nossos Tribunais’. 3. Ora, parece-me que basear o decisum somente sobre o argumento de que a jurisprudência dominante decide nesse sentido é desumanizar a Justiça, perdendo de vista as peculiaridades do caso concreto, esquecendo que o Direito é uma energia, cujo processo de criação e modificação se dá permanentemente, sobretudo em tema tão borbulhante como o dano moral. 4. Assim, tenho a honra de convidar os Juízes desse Nobre Tribunal a recriar o Direito, a lançar as sementes que irão inaugurar uma jurisprudência onde o valor do dano há de atingir certos números dotados de forte caráter educativo e verdadeiramente compensador. 5. Educativo, porque atuará como elemento de amadurecimento social, na medida em que imporá respeito na vida de relação, sob o temor da condenação em indenização vultosa aquele que causar dano a outrem; e compensador, eis que, se o dano moral é de impossível reparação completa, ao menos uma indenização de valor considerável produzirá o efeito relativamente aliviante de contrapeso ao mal sofrido. 6. A indenização de parco valor serve unicamente para aprofundar o sentimento de humilhação da vítima que passa a acumular o prejuízo sofrido e o gosto amargo do desamparo da Justiça. 7. O autor, com a idade de 6 (seis) anos, teve gravemente comprometida uma de suas funções orgânicas mais importantes: a visão. Como bem consignou, com admirável cultura jurídica, o eminente Magistrado subscritor da r. sentença ora apelada, a responsabilidade do réu é indiscutível, mas será que o dano moral sofrido pelo autor vale nada mais, nada menos, do que 50 (cinquenta) salários mínimos? 8. Se me perguntarem quanto vale, então, o dano moral do menino, terei a sinceridade de dizer que não sei. Porém, o que sei é que 50, 100, 400 ou 500 salários mínimos ele não vale; está muito além dessas quantias. Em qualquer país do 1º Mundo, poderia dizer, sem vacilar, que a criança que sofresse a agressão do autor, não deixaria, no mínimo, de ficar rica para o resto da vida. 9. Mas, a Jurisprudência Brasileira fixa em 50 salários mínimos a indenização por dano moral. Então, não tem problema – dirá o administrador público (ou outro prestador de serviço) –, deixemos as escolas funcionarem sem inspetores e serviços auxiliares, como ocorre in casu (depoimento da Diretora do colégio – fl. 48, v.) sem estrutura e sem respeito, pois, no final, o máximo que acontece é uma condenação de meros 50 salários mínimos. 10. O dano moral desse menino, que teve o olho traspassado, merece milhares de salários mínimos, todavia, como pedido na exordial circunscreveu-o a 500 (quinhentos) salários mínimos, recorro da r. sentença, esperando provimento no sentido de ser elevado a esse teto da condenação pelo dano moral’.
Embora o Estado tenha afirmado (fl. 25) que sempre os juízes arbitram o dano moral em cem salários mínimos, na verdade somente o fazem quando a vítima é remunerada em tal escala e, quando a reparação se destina aos seus entes familiares, em face do óbito.
Não é o caso sub examen, porque quem pede a reparação de dano moral é pessoa que não foi obituada, que espera (fl. 4) que a indenização não ficasse abaixo de 2.000 (dois mil) salários mínimos.
Afirma o Estado que ‘2.000 salários mínimos é o que um trabalhador honesto no Brasil que ganhe um salário mínimo por mês – como ocorre com grande parte da população – levaria para ganhar em cerca de 160 (cento e sessenta) anos’ (fl. 25).
Embora referente à aplicação de pena em sede criminal, adotam-se tanto quanto possível, os critérios estabelecidos na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67),8 em seu art. 53 e similares aos adotados no Código Nacional de Telecomunicações (Lei nº 4.117)9 no seu art. 84:
I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II – a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e a sua conduta anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.
Inaplicáveis, neste caso, as disposições dos incisos II e III, supra, adotando-se, tanto quanto possível, as disposições constantes do inciso I. Desconsidera-se o critério da repercussão social do fato porque, entre tantos acusados, certamente não seria o ora autor quem mereceria destaque, salvo no que se refere à família e à comunidade, e o da condição do ofensor, porque, como antes referido, não se trata de indenização por ato ilícito, imputando-se ao Estado a responsabilidade por fato objetivamente considerado.
Considera-se, como unidade da reparação, o salário mínimo, porque é critério adotado pelo Direito Pretoriano, e a Constituição o prevê como patamar inferior de remuneração pelo trabalho, e, nos termos da Lei de Execução Penal, a remuneração do custodiado.
Inspirando-se na defesa do Estado, e por lhe ser mais favorável, acolhe-se o critério de iniciar os cálculos em 100 (cem) vezes o salário mínimo, que seria o que o familiar do autor receberia a título de indenização moral caso ele tivesse falecido na prisão, como bem lembra o próprio Estado.
Quanto ao critério da posição social do ofendido – negro, pobre, favelado e, por ele mesmo afirmado no inquérito policial, homossexual – deve ser levado em conta, que tais condições conspiraram contra o ora demandante e a favor da perseguição policial e da sua manutenção na prisão, além de agravar, como antes referido, as circunstâncias em que ficou recolhido na cadeia pública. Eleva-se, por isso, o mínimo para outro tanto.
Quanto ao critério da intensidade do sofrimento da vítima, deve ser levado em conta que o fato de ser lançado na cadeia pública – nesta Unidade da Federação, notoriamente degradante e promíscua – sob a pecha de traficante de drogas – delito que a sociedade, no todo, considera hediondo – conduzem a que se eleve, mais uma vez, e por outro tanto, o mínimo antes afirmado.
Considerando que o valor atual do salário mínimo, em R$ 100,00, guarda relação com o valor da época do fato, é possível, desde já, o arbitramento e a prolação de sentença líquida.
Em decorrência, resolve-se
JULGAR PROCEDENTE, em parte, a demanda, para condenar o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor de hoje, que devem ser acrescidos de juros moratórios à taxa legal – arts. 293 do Código de Processo Civil e 1.062 do Código Civil – e de correção monetária – pelos índices legais – até a data do efetivo pagamento.
Sem ônus sucumbenciais, porque o autor, sob a gratuidade dos serviços judiciários, é assistido por órgão da Ordem dos Advogados do Brasil, corporação a que a Constituição e as leis também deferiram a defesa da ordem jurídica e dos direitos fundamentais, como no caso presente, assistindo aos necessitados.
A eficácia desta decisão depende do reexame necessário a ser procedido por órgão fracionário do Egrégio Tribunal de Justiça.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1996.”
“PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL
COMARCA DA CAPITAL
Processo: 0126606-32.2004.8.19.0001 (2004.001.128504-3)
Classe/Assunto: Procedimento Ordinário – Indenização por dano material – outros/Indenização por dano material
Autor: M. A. dos S. J.
Réu: T. C. M.
Réu: M. L. P. C.
Réu: S. P.
Denunciada: Seguradora R. S. Seguros (Brasil)
Sentença
Ação de indenização com base em responsabilidade civil. Relata o autor que foi atropelado pelo veículo conduzido pelo primeiro réu, o qual trafegava de forma imprudente negligente e em alta velocidade, com indício de ingestão de bebida alcoólica, e que, inclusive, se evadiu do local sem prestar qualquer auxílio.
Destaca que em razão do atropelamento teve traumatismo crânio encefálico, permanecendo 18 (dezoito) dias em coma profundo, permaneceu mais de 10 (dez) meses em cadeira de rodas, se locomovendo atualmente com ajuda de aparelhos, apresentando sequelas permanentes nos membros superiores e inferiores, bem como lesão cerebral a qual resulta em falta de atenção e desvio de personalidade.
Ressalta que o primeiro autor foi condenado criminalmente à pena privativa de liberdade de reclusão de 2 anos e 3 meses e aponta para a responsabilidade solidária da segunda ré, genitora do primeiro réu e do terceiro réu, casado com a segunda ré há mais de 20 anos.
Requer, liminarmente, a condenação dos réus ao pagamento de custeio do seu tratamento no valor mensal de R$ 2.378,00 e pensão relativa a sua perda laborativa, no valor mensal de R$ 1.550,00, e, ao final, a condenação dos réus ao pagamento das despesas com tratamento já vencidas, no valor de R$ 121.498.14, lucros cessantes com a perda da bolsa de residência médica e salários que deixou de perceber, nos valores de R$ 1.474,00 e R$ 1.550,00, indenização por danos a ser arbitrados e danos morais no valor de R$ 150.000,00.
Contestação do primeiro e segundo réus às fls. 42/76 esclarecendo que o primeiro réu prestou auxílio a vitima logo após o acidente, inclusive, efetuando respiração boca a boca, sendo, então, posteriormente, agredido por amigos do autor, sendo compelido a se retirarem dirigindo-se então ao Hospital mais próximo e solicitando uma ambulância para socorro da vítima.
Ressalta que não houve trânsito em julgado da sentença criminal e que, ao contrário do narrado na exordial, o primeiro réu não trafegava próximo ao acostamento e nem em alta velocidade. Ressaltam a insubsistência e contradições das testemunhas de acusação no feito criminal, a precariedade da iluminação no local do acidente e que o autor havia ingerido bebida alcoólica antes do acidente.
Destacam a ausência de responsabilidade civil da segunda ré, proprietária do veículo, ausência de relação de solidariedade bem como de comprovação dos danos alegados, requerendo, a denunciação da lide à seguradora e, ao final, a improcedência da demanda.
Contestação do terceiro réu às fls. 80/91 alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva, eis que é padrasto do primeiro réu e casado com a segunda ré, sob o regime da comunhão parcial. No mérito, ressalta a ausência de responsabilidade civil pelo evento, até porque sequer cedeu as chaves do veículo envolvido no acidente, ao primeiro réu, nem, tampouco, exercia guarda sobre o mesmo. Impugna os danos alegados, requerendo, ao final, a improcedência da demanda.
Decisão às fls. 121/122 deferindo a denunciação da lide e a antecipação parcial dos efeitos da tutela para condenar os réus solidariamente ao pagamento de pensão mensal no valor de R$ 2.500,00.
Réplica às fls. 177/210 reiterando os termos da exordial.
Contestação da denunciada às fls. 858/866 alegando a ocorrência de prescrição, ausência de comprovação de culpa do primeiro réu e dos danos apontados. Ressalta o limite de R$ 50.000,00 da importância segurada conforme a apólice, e ausência de cobertura para danos morais requerendo, ao final, a improcedência da demanda.
Decisão à fl. 362 destacando que a decisão que concedeu a antecipação parcial dos efeitos da tutela foi inicialmente reformada pelo Tribunal de Justiça deste Estado e posteriormente restaurada integralmente pelo Superior Tribunal de Justiça, deferindo, então, o desconto do respectivo pensionamento em folha de pagamento da segunda ré.
A fl. 1.075 deferiu-se o pedido de prova emprestada referente ao feito criminal.
Decisão à fl. 1100, designado a realização de perícia médica.
Laudo pericial médico às fls. 1.452/1.490, como posterior manifestação das partes.
À fl. 1.702, determinou-se a vinda de memoriais.
Memoriais às fls.1.705/1.739, 1.740/1.742 e 1.743.
Em sede agravo de instrumento interposto pelos réus contra a decisão de fl. 1.702, o Tribunal determinou às fls. 1.756/1.758 a produção de prova oral relativa à testemunha que teria presenciado o acidente e ainda não fora ouvida, bem como a intimação do perito para prestar esclarecimentos.
Esclarecimentos do expert às fls. 1.792/1.798 e fls.1.818/1.820.
A fl. 1.815 retirou-se o feito de pauta e foi esclarecido que a prova oral remanescente consiste no depoimento de uma única testemunha a ser ouvida por carta precatória, sem reforma recursal conforme decisão monocrática de fl. 1.845.
Termo do depoimento prestado pela testemunha junto ao Juízo deprecado às fls. 1.872/1.874.
Alegações finais às fls. 1.878/1.922, 1.924/1.964.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
A causa está madura para o julgamento, sendo suficientes os elementos probatórios para permitir a cognição da demanda, nos termos da fundamentação abaixo, até porque produzidas as provas oral e pericial.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do terceiro réu, eis que é casado com a segunda ré, proprietária do veículo responsável pelo acidente objeto da lide, conduzido na ocasião pelo primeiro réu, do qual é padrasto. Sobre o tema, transcrevem-se as seguintes ementas, nas quais também se verifica a legitimidade passiva da segunda ré e a solidariedade de todos os suplicados:
Processual civil. Ação de indenização por danos materiais e morais pelo rito sumário. Colisão de veículo que atravessando a pista na rodovia Niterói-Manilha atinge táxi dirigido pelo segundo autor na outra pista. Culpa Indiscutível. Responsabilidade da proprietária do veículo cujo filho o dirigia e atingiu o automóvel do primeiro autor. Sentença proferida com amparo na prova dos autos. Quantum indenizatório que impõe seja reduzido. Provimento parcial ao primeiro e improvimento ao segundo recurso e recurso adesivo. I – A responsabilização do proprietário do veículo pressupõe seu mau uso, traduzido no agir culposo do terceiro condutor, causador do acidente. Precedentes do colendo Superior Tribunal de Justiça. II – Portanto, a genitora responde pela conduta culposa do filho a quem entregou o veículo e em que pese a incomensurável dor ocasionada pela sua perda, responde perante terceiro pelo dano moral causado. III – O valor, todavia, deve atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atentando-se para o porte econômico do proprietário do veículo que ocasionou o dano. IV – Prestigia-se a sentença que alicerçada na prova dos autos afasta a pretensa indenização por danos materiais já percebida pelos autores junto à seguradora e que adstrita ao pedido inicial condena as rés ao pagamento do novo seguro aos quais foram os autores obrigados a contratar. V – Parcial provimento ao primeiro recurso, negando-se provimento aos segundo e terceiro recursos. ((0100600-51.2005.8.19.0001 (2009.001.33701) – Apelação, Des. Ademir Pimentel, j. 02.09.2009, Décima Terceira Câmara Cível).
Ação indenizatória. Acidente de trânsito. Colisão frontal em veículo particular provocada por caminhão. Conduta culposa do condutor evidenciada. Responsabilidade civil objetiva do proprietário. Perda total. Dano moral não comprovado. Sabe-se que, ‘durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem’ (artigo 38, parágrafo único, da Lei nº 9.503/1997 – Código de Trânsito Brasileiro), o que não foi feito. Evidenciada a presença dos pressupostos autorizativos à configuração da responsabilidade subjetiva do condutor do veículo – consoante norma inserta no artigo 186, do Código Civil –, responde o proprietário do veículo, de forma objetiva e solidária, por danos decorrentes do acidente. Inexiste dano moral a compensar, dada a ausência de qualquer desdobramento lesivo à dignidade do autor, porquanto, ao momento do evento, o veículo era conduzido por seu filho inexistindo participação do autor –, o qual nada sofreu, embora notória a violência do acidente. E, ademais, a locomoção mediante transporte público, por si só, não autoriza a compensação perquirida. Recursos desprovidos. (0010866-36.2003.8.19.0203 – Apelação, Des. Elisabete Filizzola – j. 20.07.2011, Segunda Câmara Cível).
Ação de responsabilidade civil. Responsabilidade subjetiva. Atropelamento. Culpa demonstrada do condutor do veículo. Responsabilidade solidária do proprietário do automóvel. Danos materiais e morais devidos. Elevação dos valores do dano moral e do tempo de sobrevida da vítima, que passa de 65 para os 70 anos, mantida a base do pensionamento em um salário mínimo. Responsabilidade da seguradora nos limites do contrato. Provimento parcial apenas da 1ª apelação. Improvimento dos demais recursos. No caso presente o atropelamento ao que tudo indica ocorreu sobre a calçada. Estava chovendo, o veículo atropelador trafegava em evidente excesso de velocidade e o motorista saía de uma boate na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Modesta foi a reparação do prejuízo moral. A quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) para cada autor precisa ser elevada para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para cada um dos filhos e a viúva do falecido, na proporção de 1/3 (um terço) para cada um. Não há prova de que a vítima recebesse mais de um salário mínimo. O tempo de sobrevida da vítima deve ser majorado para 70 (setenta) anos. No mais a sentença precisa ser mantida, inclusive na parte que reconheceu a responsabilidade da litisdenunciada (0056669-95.2005.8.19.0001 (2009.001.50928) – Apelação, Des. Caetano Fonseca Costa, j. 07.10.2009, Sétima Câmara Cível)
De toda sorte, a legitimidade do segundo e terceiros réus, bem como sua solidariedade, já restou ultrapassada, tendo em vista o teor da decisão de fls. 121/122, que, embora tenha sido inicialmente reformada em sede de agravo de instrumento, foi integralmente restaurada pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 955/957). Veja-se que a referida decisão destacou que o veículo conduzido pelo primeiro réu pertencia aos demais réus, apontando para a solidariedade dos mesmos, razão pela qual fixou o valor de R$ 2.500,00, a título de alimentos, devidos ao autor pelos réus, de forma, repita-se, solidária.
Oportuno, assim transcrever da fundamentação da referida decisão de fls. 121/122:
... Decorre a plausibilidade na linha da orientação conceitual dada por Sepúlveda Pertence (STF, Pleno AGSS846, vide Cristina Gutierrez, Suspensão de Liminar e de Sentença na Tutela do Interesse Publico, Ed Forense, 2000) pela responsabilidade proclamada em duas instâncias criminais e do incontroverso fato de que o veículo, objeto do malsinado evento, pertencia ao 2º e 3º réus, assim a indicar, ao menos nesta fase inicial, a solidariedade descrita no art. 942, parágrafo único, do Código Civil de 2002, e no art.1.518 do Código Civil de 1916. No que concerne a responsabilidade solidária do proprietário do veículo, reporto-me ao entendimento jurisprudencial e doutrinário constante da exordial...
Não há que se falar em prescrição trienal nos termos aduzidos pela denunciada a fl. 859, eis que o acidente objeto da lide ocorreu no ano de 2000, e, portanto, sob a égide do antigo Código Civil que estabelecia o prazo vintenário.
Ademais, conforme destacado na ementa de lavra do Superior Tribunal de Justiça colacionada ao longo da presente, A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que o termo inicial para a propositura da ação indenizatória, em face de ilícito penal que está sendo objeto de processo criminal, é do trânsito em julgado da sentença condenatória.
A responsabilidade criminal do primeiro réu já foi decidida em sede criminal. A douta sentença proferida pelo juízo monocrático condenou o réu inicialmente pelo crime tipificado no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal a pena de dois anos e três meses de reclusão e inabilitação para direção de veículo automotor (fl. 733).
Transcreve-se da sua fundamentação:
A autoria do crime não é negada pelo denunciado em seu interrogatório de fl. 110/11 ocasião em que sustenta autodefesa alegando estado de necessidade e ausência de dolo, o que vem endossado pela defesa técnica em suas bem lançadas Alegações finais (fl. 249).
Em suma tudo não passou de uma grande farsa, de um grande e lamentável (e criminoso) “teatrinho” montado pelas testemunhas defensivas para atribuir ao denunciado um álibi, qual seja, o de que estaria o último dirigindo apressadamente para prestar socorro a um colega atropelado e gravemente ferido, agindo assim em estado de necessidade, que de forma alguma encontra respaldo na prova trazida ao feito, merecendo com isso tal alegação ser peremptoriamente rechaçada... Demonstrada a antijuridicidade da conduta, resta aferir quanto a sua adequação típica (fl. 250) (grifou-se).
Desta feita não tem qualquer dúvida este magistrado quanto a que a vítima foi colhida dentro do acostamento pelo acusado ... o acusado desenvolvia velocidade incompatível para o local em momento de movimentação de diversas pessoas que saiam de uma festa (fl. 732) (grifou-se).
Em sede de recurso, o primeiro réu foi condenado como incurso no art. 303 da Lei 9.503/1997 (CNT) ao cumprimento de pena de um ano e seis meses de detenção, substituída por prestação de serviços, além de suspensão da sua habilitação para dirigir pelo prazo de três anos.
De toda sorte, conforme já dito, não há como se reapreciar os fatos narrados na exordial, ante a condenação, parcialmente reformada e transitada em julgado do primeiro réu na esfera criminal, consoante ilustram as seguintes ementas, às quais se reporta, até porque a respectiva sentença penal condenatória transitada em julgado consiste em título executivo judicial com relação ao condenado (art. 548, II, do Código de Processo Civil):
Processual civil. Indenizatória. Responsabilidade civil. Passageira. Culpa reconhecida pela transportadora por Força de condenação criminal de seu preposto. Danos materiais consubstanciados em medicamentos e gastos de locomoção. Redução à luz da prova documental. Valor indenizatório que deve ser fixado dentro dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Juros contados da citação. Provimento parcial ao recurso. I – A condenação criminal do preposto da ré dispensa qualquer consideração sobre a culpa que, aliás, não é desconhecida pela apelante. II – De acordo com o laudo, a apelada sofreu ‘fraturas em três costelas, hemotórax à esquerda e escoriações no rosto’, embora não tenham restado sequelas. Do acidente, contudo, resultou incapacidade total temporária de dois meses. Dois meses sem participar da vida social, reclusa em consequência do acidente, para a autora o ‘Dia das Mães’ em 2007 não foi o mesmo. Imobilizada, sob o impacto das dores – naquele ano o ‘Dia das Mães’ correspondeu ao 13 de maio, certamente não o comemorou como certamente o desejava, ainda que não fosse mãe. É uma data que nos contagia ao lembrar de milhares de mães ao redor da terra. Mães amigas, mães ternas, mães sofredoras – ‘A mão que embala o berço, embala o mundo’ (Victor Hugo). Razoável, por conseguinte, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). III – Todos os transtornos sofridos, a reclusão a que foi submetida, as limitações a que esteve sujeita, a peregrinação por hospital e clínicas fisioterápicas não podem ser desprezados na fixação da indenização, ainda mais que alternando lucidez e perda de sentidos, não teve o conforto ou a mão amiga do motorista. Ao contrário, segundo a sua narrativa, o condutor do veículo ‘apoiou os pés nas laterais da escada e, puxando de um lado, puxando de outro, levantando os pés da autora, a cabeça e os braços, conseguiu colocá-la no piso do coletivo e, depois, fazê-la passar pela roleta, enlouquecendo de dor’. IV – A ausência de pagamento da passagem não desnatura o contrato, em consequência a culpa contratual, considerando-se que a passageira apresentou o ‘cartão de idoso’. Assim, os juros devem ser contados da citação. V – No reembolso apuram-se as despesas que guardam pertinência com o fato e mediante o respectivo comprovante. Na hipótese, reduz-se o quantum indenizatório diante da prova documental apresentada. VI – Provimento parcial ao recurso. (0109664-17.2007.8.19.0001 – Apelação, Des. Ademir Pimentel, j. 15.06.2011, Décima Terceira Câmara Cível)
Ação anulatória de instrumento público de procuração c/c indenização por danos material e moral. Rito ordinário. Autores alegam que forneceram documentos às rés que falsificaram instrumento de procuração o qual foi utilizado para abertura de empresas em outras cidades além de transações, o que lhes gerou inúmeros problemas. Sentença que julgou procedentes os pedidos, declarou a nulidade do ato e condenou os réus em R$ 270.000,00. Recurso de Apelação Cível. Reforma parcial. Responsabilidade demonstrada diante da condenação das rés na esfera criminal, cuja sentença produz efeitos na órbita civil. Dano moral e material que merece redução para R$ 105.000,00. Outro reparo prende-se à correção monetária que deverá correr a partir deste Acórdão na forma da Súmula 97 do TJRJ. Provimento parcial do recurso. (0002762-64.2001.8.19.0061 – Apelação, Des. Otavio Rodrigues,j. 06.04.2011, Décima Primeira Câmara Cível).
Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais e materiais onde os autores alegam que a causa do fatídico óbito de seu filho e irmão fora a falta de atenção e omissão. Ao final, requerem a condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais. Sentença penal condenatória, já transitada em julgado, pela prática de homicídio culposo em relação aos mesmos fatos descritos na exordial. A condenação criminal do 1º réu torna certa a obrigação de indenizar o dano. Vedada a discussão sobre a materialidade, a autoria ou a ilicitude da conduta na esfera cível. Relações jurídicas contratuais diversas que afastam a solidariedade, cujo instituto somente resulta da lei ou do contrato. Necessidade de fazer-se dosimetria ponderada acerca da pena pecuniária aplicável a cada uma das partes. A fixação do quantum indenizatório deve ter dois enfoques principais: evitar o enriquecimento sem causa da vítima e evitar a reincidência do causador do dano. Improvimento do recurso do segundo apelante. Parcial provimento dos recursos do primeiro e terceiro apelantes. (0001258-25.2005.8.19.0209 – Apelação, Des. Celso Ferreira Filho, j. 08.06.2010, Décima Quinta Câmara Cível).
Nesta mesma esteira, transcrevem-se a seguintes ementas de lavra do Superior Tribunal de Justiça:
Agravo de Instrumento nº 1.393.602 – SC (2011/0007201-8)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Agravante: Transol – Transporte Coletivo Ltda.
Advogado: Atanasio Exterkoetter e Outro(s)
Agravado: Lucinda dos Santos
Advogado: Benicia Fatima Viott e Outro(s)
Interes.: José Francisco Felipe
Decisão
1. Cuida-se de agravo de instrumento de decisão que negou seguimento a recurso especial interposto com fulcro no art. 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado:
Apelação cível e recurso adesivo. Ação indenizatória. Atropelamento por ônibus de criança que atravessava a rua sob autorização do guarda de trânsito, levando a óbito. Preliminares de produção de prova sem a observância do contraditório e de cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado do feito afastadas. Prova produzida em inquérito policial que foi confirmada no decorrer da ação criminal. Produção de prova oral desnecessária, ante a condenação do preposto da pessoa jurídica na esfera criminal. Impossibilidade de rediscussão da culpa. Inteligência do art. 1525 do CC de 1916 e dos arts. 63 e 64 do CPC. Mérito. Valor dos danos morais. Peculiaridades do caso concreto que acarretam a necessidade de majoração da verba. Juros de mora. Acidente ocorrido sob a égide do CC de 1916. Percentual de 0,5% aplicável até a entrada em vigor do Novo CC. Necessidade de correção, de ofício, do termo inicial dos juros de mora e da correção monetária. Súmulas n. 54 e 363 do STJ. Incidência dos juros desde o evento danoso e da correção monetária a partir do arbitramento. Honorários Advocatícios. Manutenção do percentual arbitrado pelo juiz singular. Observância dos requisitos indicados no art. 20 do CPC. Modificação da sentença. Apelação Cível e recurso adesivo parcialmente providos.
O recorrente aponta afronta aos artigos 18, § 2º, e 538, do Código de processo Civil, insurgindo-se contra a multa; e 128, 131, 332, e 535, II, do Código de Processo Civil, insurgindo-se contra o valor da indenização por danos morais e a fundamentação da culpa do preposto somente com base no boletim de ocorrência. 2. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil,pois o Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Por outro lado, o acórdão tratou de forma clara a controvérsia apresentada, lançando fundamentação jurídica sólida, mediante convicção formada do exame feito aos elementos fático-probatórios dos autos, para a solução adotada para o desfecho da lide. Apenas não foi ao encontro da pretensão do recorrente, o que está longe de significar negativa de prestação jurisdicional. Por sua vez, não configura o cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de provas, quando o tribunal de origem entender que o feito foi corretamente instruído, declarando a existência de provas suficientes para o seu convencimento. Hão de ser levados em consideração o princípio da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz, que, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que entende necessárias à instrução do processo, bem como o indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias. Ademais, rever os fundamentos que levaram a tal conclusão, demandaria o exame do conjunto probatório, o que é vedado na instância especial, segundo dispõe a Súmula 7/STJ. Da mesma forma, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, acerca da multa e da culpa do preposto, decorreu de convicção formada em face dos elementos fáticos existentes nos autos. Rever os fundamentos do acórdão recorrido importaria necessariamente no reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal (Súmula 7/STJ) e impede o conhecimento do recurso por ambas alíneas. Por fim, nos termos da jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ausentes tais hipóteses, incide a Súmula nº 7 do STJ, a impedir o conhecimento do recurso. No caso, a quantia fixada pelo Tribunal de origem, qual seja, R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), não escapa à razoabilidade e não se distancia dos parâmetros adotados pelo STJ. 3. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 16 de maio de 2011.
Ministro Luis Felipe Salomão Relator (Ministro Luis Felipe Salomão, 31.05.2011)
Recurso Especial nº 996.722 – MG (2007/0246228-0)
Relator: Ministro José Delgado
Recorrente: Maurício Ramos Thomaz
Advogado: Patrícia Galante P. Valero e Outro(s)
Recorrido: Estado de Minas Gerais
Procurador: Paula Souza Carmo e Outro(s)
Ementa
Processual Civil. Ação indenizatória. Ato ilícito praticado por agentes do estado. Ação penal. Reconhecimento da autoria e do fato no juízo criminal. Prescrição. Termo inicial. Precedentes.
1. As jurisdições cível e criminal intercomunicam-se. A segunda repercute de modo absoluto na primeira quando reconhece o fato ou a autoria. Nesse caso, a sentença condenatória criminal ou decisão concessiva de habeas corpus constituem títulos executórios no cível.
2. “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva” (art. 200 do CC/2002).
3. O art. 1.525 do CC/1916 (art. 935 do novel CC) impede que se debata no juízo cível, para efeito de responsabilidade civil, a ocorrência do fato e a sua autoria quando tais questões tiverem sido decididas no juízo criminal.
4. O próprio CPC confere executoriedade à sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 548, II). Assim, não se poderia, coerentemente, obrigar a vítima a aforar a ação civil dentro dos cinco anos do fato criminoso. Remanesce o ilícito civil.
5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que o termo inicial para a propositura da ação indenizatória, em face de ilícito penal que está sendo objeto de processo criminal, é do trânsito em julgado da sentença condenatória, ou, no caso, se, reconhecidos a autoria e o fato no juízo criminal, da suspensão do processo (trânsito em julgado da decisão concessiva de habeas corpus).
6. Precedentes das 1ª, 2ª e 4ª Turmas desta Corte Superior.
7. Recurso provido.
Assim, absolutamente despiciendo, in casu, o depoimento da testemunha do réu, no Juízo deprecado, às fls. 1.873/1.874, a qual somente ‘apareceu’, de forma surpreendente, 10 (dez) anos após os fatos, e que não depôs no juízo criminal, além de ser amiga do primeiro réu, ante a existência de sentença criminal condenatória do primeiro réu, transitada em julgado, que impede, como demonstrado, discutir sobre a existência de culpa no juízo cível, cabendo, ainda, reiterar o teor da fundamentação da sentença condenatória que afirmou tratar-se de um teatro montado pelas testemunhas defensivas para atribuir ao denunciado um álibi, qual seja, o de que estaria o último dirigindo apressadamente para prestar socorro.
Passa-se então ao exame dos danos:
O laudo pericial destacou às fls. 1.456/1.459 que o autor foi vítima de acidente, sofrendo gravíssimos danos, tais como: traumatismo crânio encefálico, fratura de costelas, hematoma subdural e edema cerebral. Permaneceu em coma por cerca de dezoito dias, submetendo-se a delicada cirurgia para drenar um hematoma no cérebro, ficando em tratamento hospitalar na ABBR por cerca de seis meses. Teve hemiplegia (perda de movimento de um lado do corpo), perdendo a fala e a memória durante muito tempo. Até a data do laudo se submete a tratamento fisioterápico e psiquiátrico.
Em razão do acidente ainda deambula com auxílio de terceiros e com ajuda de andador, possui dentre outras sequelas: hemiparesia à esquerda, bexiga neurogênica surtos de amnésia, diminuição acentuada dos reflexos, redução das funções cognitivas, déficit de atenção.
Como se não bastasse, o laudo ainda ressalta que o autor possui dano estético em grau máximo e incapacidade parcial permanente de 50%.
Aponta para a necessidade dos tratamentos de fisioterapia, psiquiatria, neurologia.
Os esclarecimentos do expert as fls.1.793/1.798 ratificam tais conclusões, e, inclusive a necessidade de tratamento psiquiátrico, o que, aliás, é evidente, dada a gravidade das sequelas que agora carrega, além de tratamento psicoterápico.
As levianas impugnações oferecidas não possuem o condão de rechaçar tais conclusões. A uma, ante a farta prova dos autos, em razão de perícia, depoimentos e documentos, inclusive com os atestados médicos anexados pelo próprio autor. A duas, ante os esclarecimentos prestados pelo expert. A três, havia vista a gravidade do acidente e, sobretudo, das lesões.
Impõe-se, assim, a condenação dos réus ao custeio dos tratamentos dos quais o autor necessite em razão do acidente objeto da lide, o que já integra a pensão fixada, a qual merece ser majorada em razão de defasada posto que arbitrada em 2005, mas, também, porque o próprio laudo pericial afirmou que os gastos do autor com seu tratamento são bem maiores do que o valor da pensão fixada, razão pela qual, a mesma é majorada para quantia equivalente a 8 (oito) salários mínimos, bem como o ressarcimento dos valores já desembolsados pelo autor, conforme os diversos recibos anexados aos autos.
No que concerne ao pedido de lucros cessantes, este merece parcial procedência.
Os réus não negam que o autor recebia bolsa no valor de R$ 1.474,00, pela residência no Hospital do Fundão, bem como recebia R$ 1.550,00 mensais pelos plantões, valores que devem ser ressarcidos desde o mês subsequente ao acidente até a data em que o autor tomou posse no cargo de médico do INSS, com salário em torno de R$ 4.000,00.
Veja-se que tal pensionamento deve se dar de forma vitalícia ante a irreversibilidade das sequelas, destacadas no laudo pericial às fls. 1.797, e sua correção dever se dar anualmente pelos índices oficiais.
Indubitável a ocorrência do dano moral, isto porque, de acordo com as regras de experiência comum, este decorre do próprio fato, ou seja, está ínsito na gravidade do fato ofensivo, de sorte que provado o fato, provado está o dano moral.
O arbitramento judicial é o mais eficiente meio para se fixar o dano moral, e como o legislador não ousou, através de norma genérica e abstrata, pré-tarifar a dor de quem quer que seja, cabe ao magistrado valer-se, na fixação do dano moral, dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para estimar um valor compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano por ela produzido.
Na fixação do quantum debeatur, deve-se considerar que o dano não pode ser fonte de lucro, e que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano o mais completamente possível, sob pena de enriquecimento sem causa.
Sobre o tema, destaca-se a lição do mestre Caio Mário da Silva Pereira, extraída de sua obra Responsabilidade Civil, que também nos guia no arbitramento do dano moral:
‘Como tenho sustentado em minhas instituições de Direito Civil, na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I – punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – por nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança’.
O dano estético não é uma terceira espécie do dano – além do dano material e o moral –, mas apenas um aspecto deste último. O que se indeniza a título de dano estético é a dor, o vexame, a humilhação decorrente da deformidade física, do aleijão, e isso nada mais é, repita-se, que um aspecto do dano moral.
Acompanha-se, quanto ao dano estético, a Súmula nº 15 do extinto Tribunal de Alçada deste Estado: ‘É cumulável a indenização por danos materiais e morais, nestes compreendidos os estéticos, decorrentes do mesmo fato’, interpretando o disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal e em face da Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça: ‘São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato’.
Analisando tais critérios, as circunstâncias extremamente traumáticas, a natureza do acidente, a conduta irresponsável do primeiro réu, a gravidade das lesões decorrentes do acidente, sofridas pelo autor, jovem médico com apenas 24 anos, o qual inclusive havia passado em 2º lugar no concurso público de médico socorrista do Corpo de Bombeiros, fazendo residência no Hospital do Fundão, com traumatismo crânio encefálico, fratura de costelas, hematoma subdural e edema cerebral, ficando em coma por 18 dias, submetendo-se a procedimento cirúrgico cerebral, em cadeira de rodas por 6 (seis) meses, e ainda com hemiparesia a esquerda, bexiga neurogênica surtos de amnésia, diminuição acentuada dos reflexos, redução das funções cognitivas, déficit de atenção, e, sobretudo, dano estético em grau máximo e incapacidade parcial permanente de 50%.
Some-se a tudo isso, o caráter repressivo-pedagógico de que deve se revestir a fixação do dano moral para que tais fatos não se repitam, afigura-se prudente e adequado que o autor seja indenizado pelo dano moral com a quantia de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais).
Diga-se, por fim, que se justifica a necessidade de se constituir capital garantidor, na forma da Súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça, abaixo transcrita, mormente tendo em vista a vitaliciedade do pensionamento e a solidariedade dos réus:
STJ Súmula nº 313 – 25.05.2005 – DJ 06.06.2005
Ação de Indenização Procedente – Constituição de Capital ou Caução Fidejussória – Situação Financeira do Demandado – Garantia de Pagamento da Pensão.
Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.
Denunciação da lide
A denunciada não nega o seu dever de indenizar, impugnando apenas existência dos danos já acima fixados, destacando a ocorrência de prescrição já rechaçada, e, por fim, ausência de cobertura para danos morais.
Com efeito, a despeito da ausência de indicação de valor para cobertura de danos morais na apólice de fl. 868 que, em havendo cobertura para ‘Responsabilidade Civil’, inclusive no valor de R$ 50.000,00, ínsita estará a cobertura por dano moral. Sobre o tema:
Apelação cível. Direito civil. Responsabilidade civil. Concessionária de serviço público. Responsabilidade objetiva. Previsão constitucional. Atropelamento em ferrovia. Vítima fatal. Ausência de prova da culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente. Dano moral caracterizado. Pensionamento. Possibilidade. Responsabilidade objetiva do prestador de serviço público em relação aos danos provocados a terceiros não usuários. Incidência do art. 37, § 6º, da CRFB/1988. Ausência de prova de culpa exclusiva ou concorrente da vítima. Local desprovido de iluminação, sinalização, cancelas, cercas ou muros que impeçam os habitantes da cidade de passarem pela via férrea, área de risco. Dever da concessionária da ferrovia em manter cercada a via, impedindo danos a terceiros. Relatos de que a locomotiva trafegava sem os faróis acesos, quando já escurecia e sem apitar na área urbana. Dano moral caracterizado, fixado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para a primeira autora, mãe da vítima, R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para o segundo autor, filho da vítima e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada uma das irmãs, 3ª e 4ª autoras. Filho da vítima que faz jus a pensão no valor de 2/3 do salário mínimo vigente à época do pagamento até completar 21 anos ou, se cursar ensino superior, até os 24 anos. Desnecessidade da constituição de capital. Aplicação do art. 475-Q, § 2º, do CPC. Despesas de funeral são devidas em valor módico, mesmo sem comprovação, posto que ninguém pode ficar insepulto, sendo razoável a quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Quanto à denunciação à lide deferida à Seguradora, trata-se de matéria já preclusa, porém esclareço que a intervenção de terceiros adequada seria o chamamento ao processo, na forma do art. 101, inc. II, do CDC. Cobertura que deve abranger tanto os danos materiais, quanto aos morais decorrentes de dano pessoal, pois responde a seguradora dentro dos limites do contrato em via regressiva à Ré, pelo que lhe for imposto indenizar. Precedentes. Custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% do valor total da condenação. Reforma, em parte, da sentença. Provimento parcial do recurso. (0108702-67.2002.8.19.0001 – Apelação, Des. Teresa Castro Neves, j. 24.08.2011, Sexta Câmara Cível)
Ademais, não houve a clara exclusão contratual quanto à cobertura por danos morais, na forma do art. 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, sendo certo, ainda que o seu artigo 31, d, é bastante claro quanto ao dever de informar:
Artigo 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviço devem assegurar informações corretas, claras e precisas, ostensivas e em língua portuguesa, preço, garantia, prazos de validade e origem do produto, bem como informar os riscos que o produto apresenta à saúde e à segurança do consumidor.
Nesta esteira, cabe trazer à colação as ementas abaixo transcritas:
Acidente de trânsito. Responsabilidade objetiva do empregador por ato culposo de seu preposto (CC, 933). Pensionamento. Prestações Vencidas e vincendas. Julgamento extra petita. Denunciação da lide. Seguro. Dano moral. Ausência de cláusula expressa de exclusão. Súmula 402 do STJ. Honorários. Manutenção. Em atenção ao princípio da congruência, preconizado pelo artigo 460 do Código de Processo Civil, o julgador deve ater-se aos limites da lide. Postulada apenas indenização por danos materiais consistentes em ressarcimento das despesas médicas, descabe impor condenação ao pagamento de pensionamento. Excesso que deve ser extirpado da sentença, a fim de sanar o vício. Culpa exclusiva do preposto do Apelante, por não ter observado o devido cuidado ao realizar uma curva ingressou na calçada, causando o atropelamento da vítima e os ferimentos descritos na inicial. Dano moral configurado. Na ausência de cláusula expressa de exclusão de cobertura, os danos morais integram os danos pessoais e devem ser ressarcidos pela seguradora, nos limites da apólice. Manutenção dos honorários de sucumbência. Reforma parcial da sentença. Conhecimento e parcial provimento dos recursos. (0009385-10.1997.8.19.0054 – Apelação, Des. Rogerio de Oliveira Souza, j. 30.11.2010, Nona Câmara Cível).
Impõe-se, assim, a procedência parcial da pretensão, com referência à denunciação da lide, observados os limites da apólice.
Dispositivo
Ante tais considerações, julgo parcialmente procedente a demanda principal, na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil para:
a) Condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de pensão, majorando o valor anteriormente fixado na decisão de fls. 121/122, item 3, para quantia equivalente a 8 (oito) salários mínimos, para custeio dos tratamentos do autor de fisioterapia, psiquiatria, neurologia e psicoterapia, além de medicamentos e seu cumprimento na forma de fl. 962 (desconto em folha da segunda ré), de forma vitalícia, corrigida anualmente pelos índices oficiais;
b) Condenar os réus, solidariamente, ao custeio de cirurgia para tratamento de tendão para evitar-se pé aquino (fl. 1.457);
c) Condenar os réus, solidariamente,ao ressarcimento dos valores já desembolsados pelo autor, conforme os diversos recibos anexados aos autos, acrescidos de juros e correção monetária a partir do desembolso;
d) Condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 120.000,00 com juros e correção monetária a partir da presente (in liquidis non fit mora);
e) Condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de lucros cessantes concernentes à bolsa mensal pela residência que o autor fazia no valor, à época de R$ 1.474,00, bem como dos plantões que fazia, no valor de R$1.550,00, à época, devidamente corrigidos desde o mês subsequente ao acidente até a data em que o autor tomou posse no cargo de médico-socorrista do Corpo de Bombeiros;
f) Condenar os réus, solidariamente, ao pagamento das despesas processuais, inclusive honorários advocatícios, os quais, na forma do art. 20, § 3º, do CPC, fixo em 10% sobre o valor da condenação, visto que sucumbentes na maior parte da pretensão autoral;
g) Condenar os réus, solidariamente, à constituição de Capital Garantidor, e, parcialmente procedente o pedido da denunciação da lide, na forma do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar que esta sentença valerá como título executivo da condenação acima estabelecida, nos termos do disposto no art. 76 do CPC, nos limites das apólices do seguro, valor este que deverá abranger o dano moral.
Condeno, ainda, a denunciada ao pagamento de custas e honorários advocatícios, os quais, na forma do art. 20, § 3º, do CPC, fixo em 10% sobre o valor da condenação ora fixada, visto que sucumbente na maior parte da pretensão da denunciante.
Aguarde-se por quinze dias o cumprimento voluntário da obrigação. Decorridos in albis, certifique-se nos autos, cabendo ao credor, independente de intimação, indicar bens à penhora, acrescendo-se ao valor da execução multa de 10%, nos termos da redação do artigo 475-J do Código de Processo Civil.
P. R. I.
Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2011.
MARIA CRISTINA BARROS GUTIÉRREZ SLAIBI
JUÍZA DE DIREITO”
1 Citado por Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, tradução de L. Cabral de Moncada, 6ª ed., Coimbra, Armênio Amado, Editor, 1979, p. 313.
2 Eduardo J. Couture, Fundamentos del Derecho Procesal Civil, 3ª ed., Buenos Aires, Ediciones Depalma, 1958, p. 318.
3 Jayme Boente, RF, nº 245, p. 249.
4 Sobre o direito público subjetivo de se exigir prestação de serviço público específica e indivisivelmente, e a insuficiência da ação condenatória para garantir tal direito, veja-se Nagib Slaibi Filho, Ação Popular Mandatória, 2ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1997.
5 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil (Istituzione di Diritto Processuale Civile), São Paulo, Livraria Saraiva, 1965, vol. I, p. 159.
6 Orlando Gomes, Obrigações..., 3ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1972, p. 61.
7 Orlando Gomes, op. cit., pp. 34-35.
8 Destacamos que a referida Lei encontra-se não recepcionada pela CR/1988, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 130/2009.
9 É importante também salientar que a presente Lei encontra-se em parte revogada.