A atividade judicante é mais informada pela Ética do que pela Estética (Wellington Moreira Pimentel).
Embora a sentença seja ente jurídico-processual de natureza sui generis, ainda assim necessita ser examinada quanto aos diversos aspectos que pode assumir, pois diferentes serão os seus agentes, a forma e os efeitos por ela pretendidos a se operarem no mundo jurídico.
Como ato jurídico processual, a primeira classificação das sentenças deve passar, necessariamente, pelos seus aspectos que correspondam aos elementos do ato jurídico – classificação subjetiva ou orgânica, que se refere ao órgão ou agente que a emitiu; classificação formal, no que atine ao modo como surgiu no mundo jurídico e, finalmente, classificação material ou objetiva ou substancial, quanto aos efeitos.
O Código de Processo, no art. 162, § 1º, denomina sentença o “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei” – assim, a sentença é ato que tem como sujeito da manifestação de vontade o juiz, ou, como se refere José Frederico Marques, “sentença (...) é a decisão definitiva de primeiro grau proferida por juízo monocrático”.1
Denomina-se acórdão o julgamento proferido pelos tribunais (art. 163 do CPC) ainda que decorra de exercício de competência originária, como, por exemplo, nas hipóteses do art. 102, I, da Constituição da República, constando no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no art. 93, que “as conclusões do Plenário e das Turmas, em suas decisões, constarão de acórdão, no qual o relator se reportará às notas taquigráficas do julgamento, que dele farão parte integrante. Dispensam acórdão as decisões de remessa de processo ao Plenário e de provimento de agravo de instrumento”. No Juizado Especial, exige a regra do art. 46 da Lei nº 9.099/95 que “o julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula de julgamento servirá de acórdão”.
A expressão “acórdão” vem de “acordo”, o consenso, a vontade predominante, ao menos pela maioria, dos membros do tribunal sobre determinada matéria. A formação da vontade no acórdão é colegial, isto é, integrada pelas manifestações da vontade de cada juiz.
Aresto é a decisão, de 1º ou 2º graus de jurisdição, da qual não mais cabe recurso.
Não há como se confundir aresto com “arresto”, que é medida constritiva prevista no art. 653 do CPC e cautelar, nos arts. 813 a 821 do mesmo Código.
A sentença arbitral constitui título executivo judicial, como está no CPC, art. 475-N, IV.
A sentença subjetivamente complexa necessita, para sua inteira validade, da manifestação de vontade de mais de um órgão jurisdicional (CPC, art. 475: “Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público e II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).”
Se a sentença subjetivamente complexa necessita da vontade de mais de um órgão jurisdicional para produzir efeitos, temos, também, a sentença subjetivamente composta, que dela se diferencia, pois, desde a primeira manifestação de vontade, produz efeitos, embora careça da homologação posterior para que integre seus elementos de validade, como se vê, na área penal, na sentença concessiva de habeas corpus, e na área cível, a sentença que concede o mandado de segurança.
Já a expressão “sentença administrativa” é utilizada em dois sentidos:
1) ao se referir à sentença proferida em jurisdição voluntária, pois ali a sentença não tem conteúdo de imutabilidade, podendo ser modificada (CPC, art. 1.111), ou ao mencionar a sentença que não conhece do mérito (CPC, art. 267), que não obsta nova interposição da ação – a expressão é, assim, usada em contraposição à sentença “jurisdicional”, isto é, aquela que conhece do mérito, proferida em processo contencioso e que vai produzir trânsito em julgado material (o art. 485 menciona “sentença de mérito”, enquanto o art. 486 se refere às “sentenças homologatórias”);
2) em Direito Administrativo, denomina-se “sentença administrativa” o
... pronunciamento jurídico da Administração, concretizado em ato administrativo, quer quando encerra o processo administrativo, absolvendo ou condenando o funcionário, quer quando, entrando a Administração em litígio com o administrado, decide a controvérsia, individualizando o direito em um caso concreto, em matéria administrativa. Nos países que admitem o contencioso administrativo, a noção de sentença administrativa é paralela à de sentença judiciária, cabendo indagar se, nos países como o nosso, que repelem o contencioso administrativo, seria lícito falar em sentença, como pronunciamento da Administração, quer no âmbito disciplinar, quer no denominado processo administrativo penal.2
Realmente, no sistema por nós adotado, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição, pelo qual não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão a direito individual, não haveria como se falar em sentença que não fosse ato jurídico da função jurisdicional do Estado. No entanto, a tradição colonial é ainda tão forte, ao se confundir Justiça e Administração, que a própria Constituição achou necessário enfatizar, no art. 95, I, “sentença judicial”, o que parece induzir a existência de sentença que não seja judicial... De qualquer forma, o zelo do legislador constituinte é necessário em um país em que ainda se denominam “Ministro da Justiça” e “Secretário de Justiça” aos ocupantes dos cargos do Poder Executivo, evidenciando o ranço colonial do poder concentrado nas mãos de El-Rey...
A sentença de 1ª instância é a decisão impugnada que se aprecia em grau de recurso, denominando-se sentença de 2ª instância a proferida em juízo recursal.
Sentença nacionalizada é a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, enquanto a sentença estrangeira é aquela proferida por tribunal não nacional, carecendo da homologação para ter validade em nosso território; em decorrência de tais denominações, chama-se sentença nacional a decisão jurisdicional proferida por órgão jurisdicional nacional.
Sentença exequenda é aquela objeto da execução por título judicial, conforme o rol constante dos diversos incisos do art. 475-N. Título judicial é o direito reconhecido pela sentença que enseja a execução forçada – até mesmo condenações acessórias contidas na sentença, como, por exemplo, a condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios, são objeto de execução por título judicial. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título certo, líquido e exigível. Assim, a sentença deve ser, também, exequível, isto é, representar um título certo (uma prestação determinada ou típica – dar coisa, fazer ou não fazer), líquido (“quando a sentença não determinar o valor devido procede-se à sua liquidação – art. 475-A) e exigível (exigibilidade significa que se verificou a condição ou ocorreu o termo para se exigir o crédito – por exemplo, se decorreu o prazo de tolerância concedido ao devedor para o pagamento).3
A sentença de forma concisa é aquela mencionada no art. 459 (“nos casos de extinção do processo sem resolução do mérito, o juiz decidirá em forma concisa”) o que dispensa parte do formalismo exigido pelo art. 458 do Código.
Também para a sentença que julga “liquidação por cálculo” tem sido admitida a fundamentação sucinta (Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 93, p. 1.240) assim como para as sentenças homologatórias (em que não haja questões a serem decididas).
A sentença de forma concisa dispensa o relatório, mas não dispensa uma fundamentação, mínima que seja, nem a referência às partes e à ação ou, como não poderia deixar de ser, à parte dispositiva.
“Comarca do Rio de Janeiro
Fórum Regional de Santa Cruz
Juízo de Direito da 1ª Vara Cível
Processo nº 2.748
Sentença
Em face do requerimento de desistência formulado pelo autor à fl. 47, sem impugnação pela parte ré, como certificou o Cartório (fl. 58v), a presente ação ordinária entre F. I. Ltda. e I. L. B. Ltda. é julgada extinta, sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, VIII).
Atento ao disposto no art. 26 do CPC, condeno a autora, ora desistente, ao pagamento das custas e de honorários advocatícios em favor do advogado da ré que arbitro, moderadamente, atento aos critérios do art. 20, § 4º, do mesmo diploma, em 10% (dez por cento) do valor dado à causa, corrigido desde a citação até o efetivo pagamento (Lei nº 6.899/81).
Dê-se baixa.
P.R.I.
Santa Cruz, em 4 de novembro de 1989.”
Em contraposição à sentença de forma concisa, temos a sentença completa, isto é, aquela contendo os elementos mencionados no art. 458.
O artigo 162, § 1º, do CPC traz a primeira grande divisão de sentença, em face de seus efeitos:
1) sentença definitiva ou final é aquela que conhece do mérito ou, como foi definida por Liebman, “é definitiva a sentença que define o juízo, concluindo-o e exaurindo-o, ao menos na instância em que foi proferida; sentença definitiva é a sentença final do procedimento de primeiro grau”. Alerta José Frederico Marques:
A sentença definitiva põe fim ao procedimento de primeira instância, não, porém, ao processo de conhecimento, uma vez que o procedimento recursal o estende e prolonga até que seja proferido acórdão insuscetível de recurso, quando então realmente se encerra o processo de cognição.4
O mestre paulista invoca Pontes de Miranda, que disse que na sentença definitiva sujeita a recurso o que existe é apenas a apresentação, pelo Estado, da prestação jurisdicional, a qual se transformará em entrega definitiva se não for interposto recurso. Enfim, a sentença definitiva assim se denomina porque define ou resolve a lide, mas não é prestação definitiva de jurisdição, porque sujeita a recurso;
2) sentença terminativa é aquela que não chega a conhecer a questão de mérito.
A expressão “sentença incidental” poderia parecer uma contradição nos próprios termos, porque o que caracteriza a sentença é o poder de extinguir a relação processual, enquanto o ato processual incidental refere-se ao que ocorre entre o ato inicial, recebimento do processo pelo Estado (CPC, art. 263) e o ato final do processo, a sentença (CPC, art. 162) – no entanto, dá-se o nome de sentença incidental ao ato processual que resolve, com ou sem resolução do mérito, ação incidental autônoma, como, por exemplo, os embargos à execução.
A sentença provisional é a que se profere em processos cautelares.
Sentença de preceito é a que impõe comando ou ordem, como se vê, por exemplo, no art. 287 da lei processual comum.
Sentença contumacial é a que reconhece os efeitos da contumácia, como, por exemplo, a sentença que se fundamenta na revelia do réu. Note-se que contumaz é a parte que não comparece no processo, quando necessário, em qualquer fase – assim, será também sentença contumacial aquela decorrente da aplicação do disposto no art. 13, I, do CPC quando o juiz decreta a extinção do feito, pela contumácia autoral.
A sentença condicional é proibida pelo art. 460, parágrafo único, do CPC ainda quando decida relação jurídica condicional.
A sentença complementária ou sentença complementar é aquela em que o juiz, de ofício ou atendendo embargos de declaração, complementa a sentença anterior. Usualmente, a sentença complementária, por se referir tão somente à parte da sentença complementada, confirma a decisão anterior, retificando-a ou suprindo os pontos carentes de declaração, como se vê a seguir:
“Juízo de Direito
da Terceira Vara da Fazenda Pública
Processo nº 92.001.037087-9 (3574)
Ação Ordinária
A: M. A. S.
Advogado: Dr. Milton Telles de Sant’Anna
R: Município do Rio de Janeiro
Procuradora do Município: Dr. Kátia Patrícia Gonçalves Silva
Ministério Público: Dra. Ana Cristina Filgueiras
Sentença Complementar
Recebem-se os embargos de declaração de fls. 322-323, postos pela autora.
Existe na sentença a omissão, no recurso lembrada, pois realmente se pediu, no item 14 da petição inicial (fl. 7), a ‘mais ampla indenização que for juridicamente possível obter’, encontrando-se, no parágrafo seguinte, que ‘pretende mais a suplicante...’, pedidos, nesta parte, devidamente apreciados.
Nula seria a sentença se não decidisse sobre a questão pedida, razão pela qual, presentes os pressupostos, são os embargos recebidos para ratificar a sentença, nela inserindo-se no lugar do parágrafo que, à folha 316, inicia-se pela expressão ‘quanto às verbas...’ o seguinte:
‘Quanto ao pedido de pensionamento, cabem as perdas e danos devidas, desde o acidente e durante a sobrevida da autora, por pensão vitalícia que se arbitra em 3 (três) salários mínimos, mesmo porque não é razoável que receba, a título de pensão, menos do que seria devido à atendente que a serve’.
Adite-se, ainda, na parte dispositiva, mantidos aí os demais termos, o seguinte:
‘e) pensão mensal vitalícia, desde o evento, equivalente a 3 (três) salários mínimos, incluindo verba a título de 13º (décimo terceiro) de igual valor’.
Os demais termos sentenciais são mantidos.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 8 de abril de 1996.”
Se a sentença complementar for muito extensa, recomenda-se que refaça a sentença complementada, publicando-se esta com a nota de sentença complementar.
A sentença absolutória era expressão utilizada no regime processual anterior, em que havia a absolvição da instância (arts. 201 a 205 do Código de 1939), equivalente, hoje, à sentença extintiva do processo sem resolução do mérito, com a diferença de que tal sentença ficava dependendo de requerimento do réu.
Não se confunda a sentença absolutória, em sede cível, com a sentença absolutória em sede penal, prevista no art. 386 do CPP.
A sentença impugnada é aquela que foi submetida a recurso ou impugnada.
Pode a sentença ser recorrível, quando desafia recurso, ou irrecorrível, quando não fique sujeita à revisão por outra instância. Surpreendentemente pelo número, embora todas elas com conteúdo administrativo e visando a interditar a atuação do Poder Público, o que não fere o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição, que é direito fundamental individual ou coletivo, sem amparar o Estado, a ordem jurídica prevê diversas sentenças irrecorríveis:
1 – a declaratória de ausência, quando houver presunção de morte do desaparecido por atividades políticas (Lei nº 6.683/79, art. 6º, § 3º);
2 – no processo de justificação (CPC, art. 685), o que deve ser, agora, interpretado em consonância com o princípio do devido processo de lei e o contraditório e ampla defesa para qualquer ingerência estatal na esfera jurídica privada, por ato administrativo ou judicial (Constituição, art. 5º, LIV e LV) – assim, a justificação, em que não houve citação da parte contrária, nem defesa ou contraditório, não poderá servir de elemento exclusivo para estribar eventual decisão, servindo, tão somente, como prova documental, como outra qualquer;
3 – a instituição do bem de família, dispondo o art. 264, § 3º, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) que o “despacho” do juiz será irrecorrível quando deferir a inscrição do bem de família no registro de imóveis.
O art. 28, parágrafo único, da “Lei de Luvas” (Decreto nº 24.150/34) dispunha que os acordos feitos no transcurso das ações renovatória, revisional ou negatória seriam homologados por sentença, da qual não caberia recurso – veio, no entanto, a Lei nº 6.014/73, revogando tal disposição, no seu art. 12: “O procedimento nas ações fundadas no Decreto nº 24.150, de 20 de abril de 1934, é ordinário, aplicando-se as normas do CPC”, fazendo incidir, assim, o art. 513 do CPC, que diz que, da sentença, caberá apelação. O Decreto nº 24.150/34 foi revogado pela Lei nº 8.245/91, que é a Lei do Inquilinato Urbano, que, por sua vez, incorporou suas disposições.
Já a sentença reformada é aquela que adentrou o mérito e foi impugnada por error in judicando, merecendo, da instância revisora, outra solução quanto ao mérito.
A sentença contenciosa resolve questão contenciosa, diferenciando-se da sentença homologatória, em que há o referendo do Estado ao ato praticado pela parte.
O objeto da sentença anulatória é a nulidade ou a anulação de ato jurídico (arts. 166 e 171 do CC).
Se a sentença pronunciar a invalidade de ato estatal, será, sempre, anulatória, e não declarativa de nulidade, porque os atos estatais, em face do art. 19, II, da Constituição, têm a presunção de legitimidade ou veracidade:
STF, Súmula 473 – A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
A sentença nula contém error in procedendo, e, submetida ao crivo da instância revisora, por ela é declarada inválida, determinando-se ao juízo originário que outra seja proferida.
A sentença rescindenda é a sentença contenciosa, que conheceu do mérito objeto da ação rescisória (art. 485), ação autônoma de impugnação em que se busca sentença rescindente, ou seja, uma decisão em que se pede, além da rescisão (ou extinção dos efeitos) da sentença anterior, optativamente o pedido de novo julgamento da causa.
Sentença atributiva de direito é outra denominação que se dá às sentenças constitutivas positivas.
A sentença líquida é a que determina, em seu dispositivo, a extensão da prestação (por exemplo: “Condeno o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 10.000,00”).
Sentença ilíquida é a sentença de conteúdo condenatório em que, embora determine a prestação, não lhe dá a extensão, necessitando de liquidação antes de se tornar exequível (art. 475, I, § 2º).
Sentença liquidada é a sentença ilíquida que já sofreu o procedimento de liquidação.
Sentença liquidanda é a que está sendo submetida ao procedimento de liquidação.
Sentença procedente ou de recebimento é a que acolhe a demanda, total ou parcialmente, sendo sentença improcedente ou de rejeição a que rejeita a demanda.5
Segundo Eduardo Couture, existem algumas sentenças que se esgotam em uma pura declaração de direito, como se vê nas sentenças improcedentes. Mais frequentes são as sentenças determinativas, nas quais o juiz estabelece em concreto as situações que não foram determinadas na lei, como, por exemplo, o quantum dos alimentos ou da indenização, o regime da visita aos filhos menores, o modo de cumprimento das obrigações de fazer etc.6
A doutrina denomina efeitos principais da sentença à sua eficácia na transformação da realidade – declarar, constituir, condenar etc.
Os efeitos principais da sentença, no entanto, não são efeitos que dela resultem exclusivamente, mas efeitos que decorrem de todas as pretensões, sejam elas públicas, coletivas, difusas ou individuais – é o interesse, aí, mais uma vez, que vai informar a atividade do indivíduo, dos grupos sociais ou do Estado.
A pretensão, no clássico conceito de Carnelutti, é “a exigência de subordinação do interesse alheio ao próprio”, pelo que se verifica que seu substrato e razão de existência é o interesse.
Causa da sentença é a demanda que se fundamenta na pretensão que, por sua vez, busca seu motivo no interesse – inegável, assim, o nexo causal entre a sentença e o interesse material. Aliás, o interesse processual (segundo Cláudio Mortara, caracterizado pelo binômio utilidade + necessidade, respondendo às questões: É útil ao autor a demanda? É necessária a demanda?) é condição genérica de ação, o que o juiz deve conhecer em razão de seu ofício, independentemente de requerimento das partes (CPC, art. 301, X e § 4º).
Eis o principal efeito da sentença: a satisfação de interesses.
Embora ato processual, integrante de relação jurídica de direito público, dotada da coerção estatal, visa a sentença a impor a norma de conduta, em concreto e especificamente, àqueles que estão em conflito de interesses na relação material.
Como ato final da prestação jurisdicional, vem a sentença, aí, substituir a vontade da parte (nas ações de conhecimento) ou a sua própria atividade (nas ações executivas).
Daí decorre o conceito de Chiovenda:
A sentença, em geral, é a provisão do juiz que, recebendo ou rejeitando a demanda do autor, afirma a existência ou a inexistência de uma vontade concreta da lei que lhe garanta um bem ou respectivamente a inexistência ou a existência de uma vontade da lei que garanta um bem ao réu.
Receber a demanda do autor significa atuar a lei a seu favor, segundo os casos, de modo positivo ou negativo, isto é, afirmando a existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao autor e negando a existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao réu. Semelhantemente, rejeitar a demanda significa atuar a lei a favor do réu, segundo os casos, de modo positivo ou negativo, negando a existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao autor, ou afirmando a existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao réu.7
O efeito da sentença é, principalmente, atuar na realidade, na relação material, impondo concretamente a ordem jurídica na garantia dos bens econômicos ou morais.
Não é a sentença o único ato a incidir na atividade econômica – todos os atos estatais assim visam a assegurar (mesmo porque atuam pelo “bem comum”), e todos os atos privados representam atuações em busca de bens.
Mas as atuações têm efeitos diversos, alterando a realidade jurídica ou fática, dependendo do seu conteúdo ou efeito.
Ao expedir o recibo, o particular emite ato jurídico declaratório, pois libera o devedor de sua obrigação; ao multar o contribuinte infrator, o agente fazendário pratica ato administrativo condenatório; ao celebrar o casamento, o juiz constitui nova relação jurídica entre os nubentes; ao sinalizar a interrupção do trânsito, o guarda emite comando mandamental – os efeitos dos atos jurídicos ou mesmo de atos materiais independem da qualidade pública ou privada do sujeito de direito e produzem, nos termos da ordem jurídica, os efeitos pretendidos, mesmo porque atividade jurídica visa a uma transformação da realidade na satisfação de necessidade econômica ou moral.
O fato jurídico é o fato natural a que a ordem jurídica dá uma determinada consequência, seja ele volitivo (ato jurídico) ou não (ato material) – assim, por exemplo, a ocupação (Código Civil, art. 1.263), a caça, o perecimento do imóvel (CC, art. 1.275, IV), o pagamento (CC, art. 304), a posse (CC, art. 1.196), o nascimento com vida (CC, art. 2º), a concepção (CC, art. 2º) e o implemento de determinada idade são fatos materiais, cujos efeitos jurídicos independem da vontade, mas que têm eficácia declaratória, constitutiva etc.
Veja-se, por exemplo, que o registro civil da pessoa natural é declaratório (a pessoa humana é sujeito de direitos em decorrência do nascimento com vida, não em decorrência do registro de nascimento), enquanto o registro civil da pessoa jurídica é constitutivo (a pessoa jurídica só se constitui por escrito lançado no registro geral).
O jurista, desta forma, não tem alternativa senão perquirir os efeitos dos atos jurídicos e dos fatos materiais, pois deles é que extrairá as consequências no mundo fático.
Dessa perquirição não pode escapar a sentença, ato estatal que é, dotado de coerção, que impõe aos litigantes determinada conduta e visa à nítida transformação no mundo fático.
Como se intui, a sentença só produz determinado efeito porque tal efeito está contido na demanda que a informa – assim, a sentença declaratória só o é porque a demanda que foi colocada é declaratória.
Quando se busca sentença declaratória, é comum se dizer que a “ação é declaratória” – contudo há que distinguir os conceitos de ação, para que se verifique a congruência técnica do conceito.
A ação, no sentido de direito à tutela jurídica, com o poder de deflagrar a atividade jurisdicional, é sempre constitutiva, pois de seu exercício, como o ajuizamento da demanda, instaura-se a relação processual (ou instância), sujeitando, a seus efeitos, o demandado.
Já a ação, no sentido material de exercício do direito, é que poderá ter diversos efeitos, pois corresponde à pretensão ou à exigência de subordinação do interesse alheio ao próprio – assim, tenho pretensão condenatória (ressarcimento) em face daquele que me causou dano; pretensão constitutiva negativa (extinção da locação) perante o inquilino que violou as cláusulas contratuais; pretensão executiva contra o indivíduo que esbulhou a minha posse etc.
Na realidade, não é a sentença ou a ação que merecem a qualificação de declaratória, mas a pretensão que, posta no processo, é a demanda ou o ato de pedir.
Nem sempre haverá perfeita congruência entre a pretensão e a sentença, pois poderá o julgador rejeitar o pedido (em caso de improcedência), ou conceder menos do que foi pedido (em caso de procedência parcial) ou, até mesmo, nem sequer conhecer do pedido ao pronunciar sentença que não adentre no mérito (em caso das várias hipóteses do art. 267 do CPC).
Além dos efeitos principais, de fazer atuar, em concreto, a lei, a sentença tem também efeitos anexos, os quais decorrem de sua qualidade de ato jurídico estatal:
O simples prejuízo de fato nem autoriza a que o terceiro recorra da sentença, nem a que assista, só intervindo, nem a que se oponha. Estaria então no plano do direito, dos prejuízos de direito. Nem ao lesado de fato poderia aproveitar a alegação de que a coisa julgada material só opera entre partes: o princípio apenas diz que a coisa julgada material só opera juridicamente entre partes; como fato, a sentença tem eficácia física, que está abaixo do tecido relacional do mundo jurídico. Todos os credores de B podem ser prejudicados, no terreno dos fatos físicos, pela sentença na ação de A contra B.8
Como os efeitos anexos decorrem do caráter estatal da sentença, também, subordinam-se ao princípio da legalidade (Constituição, arts. 5º, II, e 37).
Enquanto os efeitos principais se manifestam em razão do pedido e através do pronunciamento explícito do juiz, ou seja exprimem de modo expresso o conteúdo da sentença, os secundários independem de pedido especial da parte ou de pronunciamento do juiz, mas resultam do fato da sentença. Do fato da sentença – sentença como fato jurídico – surgem tais efeitos, automaticamente, por força de lei, como decorrência do efeito principal, dispensando qualquer pedido da parte ou pronunciamento do juiz. Nesse sentido, diz Liebman que são efeitos sem autonomia, mas acessórios, consequentes de algum dos efeitos principais ou do fato, puro e simples, da prolação da sentença.9
Eis os mais conhecidos efeitos secundários da sentença:
1 – a dissolução da comunhão de bens pela sentença que anular o casamento ou dissolver a sociedade conjugal. Note-se que o art. 8º da Lei do Divórcio dava à sentença que julgava a separação judicial10 efeitos desde a data do trânsito em julgado ou, retroativamente, da decisão que tivesse concedido separação cautelar; confrontando-se o disposto no art. 8º com o que reza o art. 25 da mesma lei, vê-se que a decisão interlocutória que, incidentalmente, em ação cautelar de separação de corpos, concedeu a medida de afastamento do lar de qualquer dos cônjuges, tem o condão de fazer cessar o regime da comunhão de bens, desde que seja, depois, ratificada por decisão definitiva de separação ou divórcio:
Tal efeito secundário pode decorrer da sentença ou mesmo de interlocutória;
2 – perda do direito de usar o nome do marido pela mulher, antes, vencida em ação de separação judicial (art. 5º, 17, da Lei nº 6.515/77);
3 – perempção do direito de demandar daquele que deu causa, por três vezes, à extinção do processo (CPC, arts. 267, III, e 268);
4 – considerar-se como manifestada a vontade daquele que foi condenado a emiti-la (CPC, art. 641);
5 – a hipoteca judiciária (CPC, art. 466) ainda que a sentença condenatória não tenha transitado em julgado. Só há hipoteca judiciária sobre as sentenças condenatórias, ainda que a condenação não decorra do pedido principal, como, por exemplo, na condenação ao pagamento dos honorários do advogado vencedor (CPC, art. 20);
6 – a dissolução da sociedade pelo fato de ter sido decretada sua falência.
Pontes de Miranda11 observa que é comum tomar-se por declaratória a ação constitutiva (como, se vê, habitualmente, na ação de investigação de paternidade, que além de declarar a existência do vínculo sanguíneo, tem também o condão de constituir um novo status jurídico entre as partes, pelo que é constitutiva). Outra preocupação há quanto à ação de despejo em que há um peso de constitutividade (extinção da relação locatícia), de declaratividade do prédio. Em decorrência, elaborou uma tabela de eficácia das ações típicas, que a seguir transcrevemos:
Tabela de Eficácia das Ações
(segundo Pontes de Miranda, em Tratado das ações, t. I, p. 130)
AÇÕES TÍPICAS DAS CINCO CLASSES |
DECLARATIVA |
CONSTITUTIVA |
CONDENATÓRIA |
MANDA- MENTAL |
EXECUTIVA |
DECLARATIVA (usucapião, consignação, sentença improcedente etc.) |
5 |
3 |
2 |
4 |
1 |
CONSTITUTIVA (interdição, despejo, divórcio, extinção de contrato etc.) |
4 |
5 |
1 |
3 |
2 |
CONDENATÓRIA (cobrança de dívida, ressarcimento de dano etc.) |
4 |
2 |
5 |
1 |
3 |
MANDAMENTAL (manutenção de posse, mandado de segurança etc.) |
4 |
3 |
2 |
5 |
1 |
Observe-se que o provecto mestre adotou a tabela quinária das ações, do que adiante falaremos, esclarecendo-se que todas as ações têm a eficácia imediata de acordo com o peso 5, da tabela, mas também têm uma eficácia mediata (no exemplo antes mencionado, a ação constitutiva tem peso 4, o que se refere à sua eficácia mediata, enquanto a ação executiva tem eficácia mediata mandamental, o que explica o peso 4).
Além da eficácia imediata e da eficácia mediata, têm também as sentenças outros elementos mínimos de eficácia sentencial:
Em toda sentença há, pelo menos, a declaratividade de “Vistos e examinados os presentes autos...”, “Acordam os juízes do tribunal...” e semelhantes enunciados.
Em toda sentença há, pelo menos, a constitutividade que resulta de ter sido proferida.
Em toda sentença há, pelo menos, a condenatoriedade, que vem à composição da condenação nas custas, e a que consiste em reprovar-se o exercício da pretensão à tutela jurídica, como autor ou como réu.
Em toda sentença, há, pelo menos, a mandamentalidade do “Publique-se, registre-se e intime-se” ou semelhante mandamento.
Em toda sentença, há, pelo menos, a executividade que deriva de se pôr na esfera jurídica de alguém (evitemos dizer no patrimônio de alguém, pois nem sempre é patrimonial o interesse) a prestação jurisdicional, à custa do que se deixa, com sinal contrário, na esfera jurídica de outrem. Mesmo que se trate de alguma ação declatarória, há, após o trânsito em julgado, para A + p e, para B – p. Não ter razão é menos do que não ter razão e estar declarada a sem-razão.12
Em decorrência, na elaboração de uma sentença raramente só há um dispositivo, mas, comumente, diversos, pois cada dispositivo corresponde ao exame de cada pedido e de cada causa petendi além de ser necessário, não poucas vezes, explicitar cada eficácia acessória, como, por exemplo, condenação em honorários e custas, determinação de extrair peças para os fins do art. 40 do Código de Processo Penal, expedição de mandado de anotação no registro público etc.
A primeira grande classificação das ações é a classificação ternária, atenta ao direito substancial ou material que elas põem em vigor, que divide as ações em ações de conhecimento (ou ações cognitivas), em que se busca a substituição, pelo órgão judicial, da manifestação da vontade da parte (ações declaratórias, constitutivas e condenatórias); ações executivas (ou de execução forçada ou executórias) em que se pretende a substituição da atividade da parte pelo órgão judicial (dar, fazer ou não fazer) e ações cautelares (decorrentes de pretensões às medidas acautelatórias ou conservadoras, expedidas antes de se declarar a vontade da lei de forma definitiva).
Dentro da classificação ternária, usualmente adotada em nossa doutrina, as ações de conhecimento dividem-se em ações declarativas, constitutivas e condenatórias.
Influenciada por Pontes de Miranda, há a parcela minoritária que prefere utilizar a classificação quinária (ações declarativas, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas), e nela procurar desaguar todos os efeitos sentenciais nesta obra; por razões inclusive de exposição, adotaremos tal classificação.
1 José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, 4ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 972, t. III, p. 405.
2 José Cretella Júnior, Dicionário de Direito Administrativo, 3ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1978, p. 485.
3 Em se tratando de título judicial e por não existir sentença condicional (pois a sentença deve ser certa, ainda que decida relação jurídica condicional nos termos do art. 460, parágrafo único), não se poderia falar no requisito de exigibilidade da sentença para que fosse executada. Contudo, a sentença, após prolatada, pode perder sua exigibilidade por fatos supervenientes, o que deve ser alegado em impugnação (art. 475-L, VI).
4 José Frederico Marques, op. cit., p. 392.
5 Em São Gonçalo – RJ, perguntou o advogado ao juiz sobre a sentença: – A sentença foi “ilustre” ou data venia? Esclareça-se: a sentença data venia julgou contra os interesses de seu cliente (pois o juiz mencionava: data venia do nobre advogado do autor...”), enquanto a sentença “ilustre” lhe foi favorável (pois nela estaria contido; “como afirmou o ilustre advogado do autor...”).
6 Eduardo J. Couture, op. cit., p. 311.
7 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil (Istituzioni di Diritto Processuale Civile), tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Livraria Saraiva, 1942, vol. I, p. 232.
8 Pontes de Miranda, Tratado das Ações, t. I, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1970, p. 214.
9 Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, vol. IV, 1989, p. 424.
10 Destaca-se que, com a EC/66 de 2010 não mais subsiste a separação judicial.
11 Pontes de Miranda, op. cit., pp. 128-130.
12 Pontes de Miranda, op. cit., p. 142.