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27 de abril, 18h55 PDT
Lago Mono, Califórnia
— Parece a superfície de Marte.
Jenna Beck sorriu para si mesma ao ouvir a descrição mais comum do lago Mono por parte de mais um turista. Enquanto o último grupo de visitantes do dia tirava as fotografias finais, Jenna esperava junto à sua pick-up Ford F-150 branca, a porta da carrinha com a estrela da Guarda Florestal do estado da Califórnia.
Puxando mais para baixo a aba do seu chapéu, Jenna contemplou o Sol. Embora faltasse apenas uma hora para o anoitecer, a luz oblíqua transformara o lago num espelho opalescente de azuis e verdes. Estalagmites altíssimas de calcário escarpado, a chamada tufa calcária, estendiam-se como uma floresta petrificada ao longo da margem sul do lago e dentro de água.
Parecia, sem dúvida, uma paisagem de outro mundo… mas de certeza que não se assemelhava em nada à de Marte. Bateu no braço, esmagando um mosquito e provando que a vida ainda prosperava apesar da beleza estéril da bacia de água.
Com o barulho, a guia do grupo turístico — uma mulher idosa chamada Hattie — olhou para ela e dirigiu-lhe um sorriso compassivo, mas também interpretou o som como um sinal para concluir a sua conversa. Hattie era Kutzadika’a, do povo paiute do Norte. Com setenta anos, sabia mais sobre o lago e a sua história do que qualquer outra pessoa na região.
— O lago — continuou Hattie — tem cerca de setecentos e sessenta mil anos, mas alguns cientistas acreditam que pode ter até três milhões de anos, o que faz com que seja um dos lagos mais antigos nos Estados Unidos. E, apesar de ter cento e oitenta quilómetros quadrados de área, no seu ponto mais fundo tem pouco mais de trinta metros de profundidade. É alimentado por uma série de nascentes borbulhantes e riachos, mas não tem escoadouro, contando apenas com a evaporação que ocorre nos dias quentes de verão. É por esta razão que o lago é três vezes mais salgado que o oceano e tem um pH dez, quase tão alcalino como a lixívia que usamos em casa.
Um turista espanhol perguntou num inglês hesitante:
— Há alguma coisa viva dentro deste lago?
— Não tem peixes, se é nisso que está a pensar, mas existe vida.
Hattie virou-se para Jenna, sabendo que tal conhecimento era a sua especialidade.
Jenna aclarou a garganta e atravessou o grupo de cerca de uma dúzia de turistas: metade americanos, a outra uma mistura de europeus. Situado entre o Parque Nacional de Yosemite e as cidades-fantasma vizinhas do Parque Histórico Estatal de Bodie, o lago atraía um número surpreendente de visitantes estrangeiros.
— A vida arranja sempre maneira de preencher qualquer nicho ambiental — começou Jenna. — E o lago Mono não é exceção. Apesar da sua composição inóspita de cloretos, sulfatos e arsénico, tem um ecossistema muito rico e complexo, que estamos a tentar preservar através dos nossos esforços de conservação.
Jenna ajoelhou-se junto à água.
— A vida no lago começa com a eflorescência de uma alga única que é tolerante aos níveis elevados de sal na água e que ocorre no inverno. Na verdade, se viessem cá em março, encontrariam o lago verde como uma sopa de ervilhas.
— Porque não está verde agora? — perguntou um jovem pai, pousando a mão sobre o ombro da sua filha.
— Isso deve-se às pequenas artémias que vivem no lago. São pouco maiores que um grão de arroz e consomem as algas todas. Depois, as artémias servem de alimento ao caçador mais ubíquo do lago.
Ainda ajoelhada junto à água, Jenna deslizou a mão pela borda, remexendo um tapete flutuante de moscas-negras. Levantaram voo numa nuvem de zumbidos descontentes.
— Que nojo! — exclamou um adolescente carrancudo de cabelo ruivo, aproximando-se para ver melhor.
— Não te preocupes. Elas não picam. — Jenna fez sinal a um rapaz de oito ou nove anos para se aproximar. — Mas são caçadorazinhas criativas. Venham ver.
O rapaz aproximou-se dela timidamente, seguido pelos pais e pelos outros turistas. Jenna bateu no solo ao seu lado, pediu ao rapaz para se agachar, depois apontou para a água pouco profunda do leito do rio, onde várias moscas fugiam debaixo de água, dentro de pequenas bolhas de ar prateadas.
— Parece que estão a fazer mergulho! — disse o rapaz com um sorriso enorme.
Jenna retribuiu o sorriso, apreciando a sua excitação pueril ao presenciar esta simples maravilha da natureza. Era um dos melhores aspetos do seu trabalho: espalhar essa alegria e espanto.
— Tal como eu disse, são caçadorazinhas astutas. — Jenna levantou-se e desviou-se para o lado para permitir que os outros turistas vissem. — E são todas aquelas artémias e moscas-negras que, por sua vez, alimentam as centenas de milhares de andorinhas, grebes, garças e gaivotas que migram para aqui. — Jenna apontou para lá da linha da costa. — E, se olharam para além, conseguem ver um ninho de águia-pesqueira naquela tufa calcária.
Mais fotografias foram tiradas à medida que Jenna recuava.
Se quisesse, Jenna poderia ter-se alongado mais sobre a rede de vida única que existia no lago Mono. Mal falara da complexidade do estranho ecossistema alcalino do lago. Era possível encontrar-se todo o tipo de espécies estranhas e adaptações, sobretudo no lamaçal do lago, onde bactérias exóticas prosperavam em condições que pareciam desafiar a lógica, em lama tão tóxica e desprovida de oxigénio que nada deveria conseguir sobreviver.
Mas sobrevivia.
A vida arranja sempre uma maneira.
Embora fosse uma citação do Parque Jurássico, o mesmo pensamento fora-lhe incutido pelo seu professor de biologia nos seus tempos na Cal Poly. Jenna planeara fazer o doutoramento em ciências ecológicas, mas, em vez disso, sentira-se mais atraída pelo serviço de guarda-florestal, pelo trabalho no terreno, pelo papel ativo de ajudar a preservar aquela rede de vida frágil que parecia rarear mais e mais a cada ano que passava.
Jenna encostou-se à porta da sua pick-up e esperou que a visita guiada terminasse. Hattie levaria o grupo de volta para o autocarro e para a aldeola vizinha de Lee Vining, enquanto Jenna a seguiria na sua carrinha. Já conseguia imaginar a pilha de costeletas de porco que serviam no Bodie Mike’s, o restaurante local.
Da janela aberta atrás dela, uma língua molhada lambeu-lhe a nuca. Jenna estendeu a mão às cegas e afagou Nikko atrás da orelha. Evidentemente, não era só ela que estava a ficar com fome.
— Já estou quase a terminar por aqui, miúdo.
O bater de uma cauda respondeu-lhe. O husky siberiano de quatro anos era o seu companheiro fiel, treinado em busca e salvamento. Enfiando a cabeça pela janela aberta, Nikko pousou o focinho sobre o ombro dela e suspirou profundamente. Os seus olhos — um branco-azulado, o outro de um tom introspetivo de castanho — fixavam ansiosamente as colinas. Hattie dissera-lhe uma vez que, segundo as lendas dos nativos americanos, os cães com olhos de cores diferentes conseguiam ver o céu e a terra.
Quer isto fosse verdade ou não, o olhar de Nikko parecia mais orientado para a terra neste momento. Uma lebre saiu disparada de um declive de arbustos secos próximo, e Nikko levantou-se de um pulo no banco da pick-up.
Jenna sorriu enquanto o coelho desaparecia rapidamente nas sombras.
— Fica para a próxima, Nikko. Apanha-lo da próxima vez.
Embora o husky fosse um cão de trabalho treinado, continuava a ser um cão.
Hattie juntou e fez entrar o grupo de turistas no autocarro, apanhando pelo caminho os que ficavam para trás.
— E os índios comiam estas larvas de mosca? — perguntou o adolescente ruivo.
— Chamamos-lhe kutsavi. As mulheres e as crianças apanhavam as crisálidas das rochas e colocavam-nas em cestos, depois torravam-nas. Ainda se faz em ocasiões especiais, como uma iguaria rara.
Hattie piscou o olho a Jenna enquanto passavam por ela.
Jenna escondeu um sorriso ao ver a expressão enojada do miúdo. Este era um dos pormenores da rede de vida do lago que Jenna deixava para Hattie partilhar com os turistas.
Enquanto o autocarro enchia para fazer a viagem de regresso, Jenna abriu a porta da pick-up e sentou-se ao lado de Nikko. Enquanto se acomodava, o rádio emitiu um guincho estridente.
O que era agora?
Jenna agarrou no rádio.
— O que se passa, Bill?
Bill Howard era o coordenador de serviço e um grande amigo. Bill estava nos seus sessenta, mas acolhera Jenna quando ela começara a trabalhar no parque. Isso fora há mais de três anos. Jenna tinha agora vinte e quatro anos e terminara o bacharelato em ciências ambientais no seu tempo livre, o pouco que lhe restava. Tinham falta de pessoal e trabalhavam demasiadas horas, mas, ao longo destes três anos, Jenna aprendera a adorar os humores do lago, dos animais e até dos seus colegas de profissão.
— Não sei bem o que se passa, Jen, mas estava com esperança de que pudesses passar pela zona norte. Os serviços de emergência retransmitiram para o nosso escritório uma chamada parcial para o cento e doze.
— Dá-me os pormenores.
Além de zelarem pela manutenção do parque, os guardas-florestais eram também agentes da autoridade oficiais. Desempenhavam uma variedade de papéis no exercício das suas funções, desde investigadores criminais a técnicos de emergência médica.
— A chamada veio de fora de Bodie — explicou Bill.
Jenna franziu o sobrolho. Não existia nada fora de Bodie, exceto umas quantas cidades-fantasma da era da corrida ao ouro e minas abandonadas. Isto é, à exceção de…
— Veio daquele centro de investigação militar — confirmou Bill.
Bolas.
— O que disseram na chamada? — perguntou ela.
— Eu próprio ouvi a gravação. Só se ouviam gritos. Não se percebiam palavras. Depois, a chamada caiu.
— Então, pode ser qualquer coisa ou coisa nenhuma.
— Exatamente. Talvez a chamada tenha sido feita por engano, mas alguém devia passar por lá e perguntar.
— E, pelos vistos, esse alguém sou eu.
— O Tony e a Kate foram chamados para os lados de Yosemite para resolver uma situação de embriaguez.
— Está bem, Bill. Vou tratar disso. Comunico pelo rádio assim que chegar aos portões da base militar. Avisa-me se ouvires mais alguma coisa.
Bill concordou e terminou a comunicação.
Jenna virou-se para Nikko.
— Parece que aquelas costeletas vão ter de esperar, amigo.
19h24
— Despachem-se!
Quatro andares abaixo da superfície, o doutor Kendall Hess subia ruidosamente as escadas, seguido de perto pela sua analista de sistemas, Irene McIntire. Luzes vermelhas de emergência piscavam no cimo de todos os lanços de escada. Uma sirene soava continuamente pelas instalações.
— Perdemos os níveis quatro e cinco de contenção — arfava ela atrás dele, enquanto monitorizava num bioanalisador portátil a ameaça que subia a um ritmo acelerado.
No entanto, os gritos que os perseguiam eram prova suficiente disso.
— A esta altura, já deve estar nas condutas de ar — disse Irene.
— Como é possível?
A sua pergunta deveria ser retórica, mas, ainda assim, Irene respondeu.
— Não pode ser. A menos que tenha ocorrido em erro enorme no laboratório. Mas eu verifiquei…
— Não foi um erro no laboratório — interrompeu ele de forma mais abrupta do que tencionava.
Ele conhecia a causa mais provável.
Sabotagem.
Demasiadas firewalls, eletrónicas e biológicas, teriam de falhar para que esta situação pudesse ser casual. Alguém causara esta falha de contenção de forma deliberada.
— O que podemos fazer? — gemeu Irene.
Tinham apenas um último recurso, um dispositivo de segurança, para combater fogo com fogo. Mas será que ia provocar mais mal que bem? O doutor Kendall ouviu os gritos sufocados que vinham de baixo e soube o que responder.
Chegaram ao andar de cima. Sem saber o que estavam prestes a enfrentar, sobretudo se tivesse razão relativamente à existência de um sabotador, o doutor Kendall parou Irene, tocando-lhe ao de leve no braço. Reparou que a pele das costas da mão dela já estava a formar bolhas, assim como a do pescoço.
— Tens de tentar chegar ao rádio. Enviar um pedido de socorro. Na eventualidade de eu falhar.
Ou se, Deus me ajude, perder a coragem.
Irene acenou com a cabeça, os seus olhos tentando esconder a dor que sentia. O que ele lhe pedia para fazer acabaria eventualmente por lhe provocar a morte.
— Vou tentar — disse ela com um ar aterrorizado.
Sentindo-se terrivelmente culpado, ele forçou a porta até a abrir e empurrou Irene para dentro da sala de comunicações.
— Corre!
19h43
A carrinha deu um solavanco quando passou da estrada pavimentada para o caminho de gravilha.
Com o pé a fundo no acelerador, Jenna demorou menos de vinte minutos a subir uma elevação de dois quilómetros e meio, que se estendia do lago Mono ao Parque Histórico Estatal de Bodie. No entanto, ela não ia para o parque. O seu destino ficava ainda mais alto e mais longe.
O Sol era apenas uma luz ténue no horizonte, quando Jenna conduziu aos solavancos pela estrada escura, deslocando gravilha com os pneus da carrinha. Apenas algumas pessoas fora do círculo das forças policiais sabiam da existência desta instalação militar. Fora estabelecida rapidamente, com pouca ou nenhuma discussão. Até mesmo os materiais de construção e o pessoal tinham sido trazidos de helicóptero para aquele lugar, e os próprios empreiteiros pertenciam aos quadros da Defesa.
Ainda assim, tal não impediu que alguma informação escapasse.
O local pertencia ao Centro de Desenvolvimento de Testes dos Estados Unidos. As instalações estavam, de alguma forma, ligadas aos Dugway Proving Grounds nos arredores de Salt Lake City. Jenna pesquisara o local na Internet e não gostara do que descobrira. Dugway era uma estação de testes nucleares, químicos e biológicos. Nos anos sessenta, milhares de ovelhas morreram perto do local devido à fuga de um agente mortífero sob a forma de gás neurotóxico. Desde então que a estação continuava a expandir-se. Cobria agora mais de quatrocentos mil hectares, duas vezes o tamanho de Los Angeles.
Então, porque precisavam de mais esta estação aqui, no meio de nenhures?
É claro que existia alguma especulação: de que os cientistas militares precisavam das profundezas das minas abandonadas que podiam ser encontradas naquele local, de que as suas investigações eram demasiado perigosas para serem realizadas perto de uma grande metrópole como Salt Lake City. Outras mentes concebiam teorias ainda mais elaboradas, propondo que o local era utilizado para conduzir investigações secretas sobre vida extraterrestre — talvez porque a Área 51 se tornara uma atração turística.
Infelizmente, esta última conjetura ganhara o apoio de um grupo de cientistas que explorava o fundo do lago Mono e retirava amostras do solo das profundezas. Eram exobiólogos associados ao National Space Science and Tecnology Centre da NASA.
No entanto, o que eles estudavam estava longe de ser extraterrestre; na verdade, era bastante terrestre. Jenna tivera a oportunidade de conversar por breves momentos com um dos investigadores, o doutor Kendall Hess, um biólogo cordial de cabelo grisalho, no Bodie Mike’s. Parecia que toda a gente que visitava o lago Mono saboreava, pelo menos uma vez, uma refeição naquele restaurante. Enquanto tomavam café, ele falara-lhe do interesse da sua equipa nos extremófilos do lago, aquelas espécies bacterianas raras que se desenvolvem em ambientes tóxicos e hostis.
Esta investigação permite-nos compreender melhor como pode existir vida noutros mundos, explicara ele.
Até nessa altura, Jenna sentira que ele não lhe estava a contar tudo. Viu-o no seu rosto, um misto de preocupação e entusiasmo.
Contudo, esta não era a primeira instalação militar secreta no lago Mono. Durante a Guerra Fria, o governo estabelecera várias estações isoladas na área para testar sistemas de armamento e realizar vários projetos de investigação. Até a praia mais famosa do lago, a Navy Beach, tinha recebido o nome de uma antiga instalação estabelecida na sua costa a sul.
Então, o que era mais um laboratório secreto?
Após mais alguns minutos de solavancos de fazer bater os dentes, Jenna reparou no contorno da vedação na colina em frente. Passados alguns momentos, os seus faróis dianteiros iluminaram um sinal à beira da estrada, velho e crivado de balas, com a seguinte inscrição:
ESTRADA SEM SAÍDA
PROIBIDA A ENTRADA
PROPRIEDADE DO ESTADO
A partir deste ponto, um portão costumava bloquear a estrada, mas, em vez disso, encontrava-se aberto. Desconfiada, Jenna abrandou e parou a carrinha junto à entrada. Por esta altura, o Sol já desaparecera por detrás das colinas e um denso crepúsculo abatera-se sobre os campos ondeados.
— O que achas, Nikko? Não é invasão de propriedade se eles deixaram os portões abertos, pois não?
Nikko levantou a cabeça, com as orelhas no ar, curioso.
Jenna pegou no auscultador e comunicou com o coordenador de serviço do parque.
— Bill, já cheguei aos portões da base.
— Algum indício de problemas?
— Não que eu veja daqui. Exceto o facto de alguém ter deixado o portão aberto. O que achas que devo fazer?
— Enquanto estavas a caminho, fiz alguns telefonemas pela cadeia de comando militar. Ainda não obtive resposta.
— Então, cabe-me a mim decidir.
— Nós não temos jurisdição para…
— Desculpa. — Jenna interrompeu a transmissão do rádio. — Não consegui perceber o que estavas a dizer, Bill.
Jenna terminou a comunicação e voltou a prender o rádio ao cinto.
— Quero dizer… fizemos este caminho todo para chegar até aqui, não foi, Nikko?
Então, vamos ver qual é a razão para toda esta agitação.
Jenna carregou no acelerador e passou pelo portão, dirigindo-se para o conjunto de edifícios iluminados que coroavam a colina sombria em frente. A pequena instalação parecia ser constituída por uma série de barracões tipo Quonset e bunkers construídos à pressa com blocos de cimento. Jenna desconfiava que aqueles edifícios eram nada mais que a ponta de uma pirâmide subterrânea, sobretudo pela quantidade de antenas parabólicas e outras antenas que brotavam daqueles telhados.
Nikko rosnou quando ouviu um ruído baixinho.
Jenna travou e desligou os faróis instintivamente, respeitando a sua própria intuição, bem como a do cão.
Um pequeno helicóptero preto apareceu por trás de um dos barracões Quonset, subindo suficientemente alto para ainda apanhar os últimos raios do sol poente. Jenna susteve a respiração, na esperança de que o brilho intenso do sol e as sombras no sopé da colina a mantivessem escondida. O que a fez arrepiar foi o facto de o helicóptero não ter qualquer insígnia. A sua forma esguia predatória e a sua cor negra não tinham aspeto militar.
Expirou lentamente enquanto o helicóptero se afastava da posição onde se encontrava, sobrevoando as colinas e acabando por se perder de vista.
O ruído estridente do rádio fê-la saltar. Agarrou no auscultador.
— Jenna! — Bill parecia agitado. — Já estás a voltar para aqui?
Jenna suspirou.
— Ainda não. Decidi ficar um pouco junto ao portão para ver se alguém aparecia para me receber.
Era mentira, mas bastante melhor do que a verdade.
— Então, sai imediatamente daí!
— Porquê?
— Recebi outra chamada, retransmitida pelo comando militar. Foi comunicada por rádio por alguém no local. Ouve.
Após uma pausa, surgiu a voz fraca de uma mulher, mas não havia como negar o pânico e a urgência.
«Daqui sierra, victor, whisky. Houve uma fuga. Dispositivo de segurança iniciado. O que quer que aconteça: matem-nos… matem-nos a todos.»
Jenna olhou fixamente para o conjunto de edifícios, quando o cume da colina explodiu numa nuvem de fogo e fumo. O chão debaixo dos seus pés estremeceu violentamente, abanando e sacudindo a carrinha.
Oh, meu Deus…
Depois de engolir com dificuldade para conseguir voltar a respirar, Jenna engatou a marcha-atrás e carregou a fundo no acelerador, fazendo a carrinha derrapar para trás.
Uma enorme parede de fumo ergueu-se na sua direção.
Mesmo no meio de todo o seu desespero, Jenna sabia que não devia deixar aquela nuvem alcançá-la. Lembrava-se da grande quantidade de ovelhas mortas em Dugway. A sua cautela provou ser sensata apenas uns minutos depois, quando uma lebre saiu disparada daquele pano mortuário, deu uns quantos saltos e caiu para o lado num ataque de convulsões.
— Aguenta-te, Nikko!
Não conseguia obter velocidade suficiente em marcha atrás, por isso fez um pião com a carrinha para se virar para a frente, espalhando gravilha por todo o lado com as rodas, depois acelerou a fundo e passou pelo portão aberto. Nos espelhos retrovisores, via a nuvem a persegui-la.
Algo preto embateu no capô da carrinha, e ela arquejou.
Um corvo.
Asas escuras como breu agitaram-se enquanto o pássaro rolava pela carrinha.
Mais pássaros tombaram em cima dos arbustos de ambos os lados da estrada, caindo mortos do céu.
Nikko gania.
Jenna teve vontade de fazer o mesmo, mas só conseguia ouvir as últimas palavras daquela pobre mulher.
Matem-nos… matem-nos a todos.