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27 de abril, 21h45 PDT
Floresta Nacional de Humboldt-Toiyabe, Califórnia
— Estamos a fazer a aproximação final — anunciou o piloto pelo rádio. — Aterramos dentro de dez minutos.
Painter olhava fixamente por baixo das asas da aeronave à medida que uma pradaria se tornava visível, aninhada bem no meio das montanhas da Sierra Nevada. Algumas luzes brilhavam num conjunto de edifícios e casas em baixo, sinalizando uma das mais remotas bases dos EUA. O Mountain Warfare Training Center ocupava 20 000 hectares da Floresta Nacional de Humboldt-Toiyabe. Ficava literalmente no meio do nada a 2000 metros de altitude, o lugar perfeito para treinar soldados para operações militares em terreno montanhoso e clima frio. Dizia-se que a formação aqui era a mais rigorosa e dura de todo o mundo.
— Tens notícias recentes? — perguntou-lhe Lisa, agitando-se no assento extra ao lado dele, com uma pilha de notas científicas sobre o colo. Ela olhava para ele sobre os óculos de leitura. Ele gostava da sua aparência.
— Gray e os outros ainda estão a trabalhar com o doutor Raffee no centro de comando da Sigma. Estão a reunir informação sobre o que realmente se está a passar naquela base. Parece que só muito poucos têm conhecimento detalhado da pesquisa secreta do doutor Hess.
— O Projeto Neogénesis — rematou Lisa.
Ele anuiu com um suspiro.
— Como chefe do projeto, Hess manteve todos os detalhes limitados a um pequeno círculo de colegas, e a maior parte deles estava no local quando a contenção de fosse o que fosse falhou. Não se sabe o que aconteceu aos que estavam na base. Até que essa nuvem tóxica se dissipe ou seja neutralizada, ninguém se pode aproximar do local.
— E o que se passa com o meu pedido de fatos de proteção para ameaça biológica? Devidamente equipados, poderemos bater a área a pé.
Ele sabia que Lisa queria chefiar essa expedição. Gelava-o imaginá-la a aventurar-se naquele miasma tóxico usando um fato com um aparelho respiratório isolante, como um mergulhador de águas profundas em águas infernais.
— Por agora e até que saibamos mais, ninguém se aproxima dali. A evacuação ainda prossegue com a ajuda das autoridades locais e dos militares. Estamos a estabelecer um perímetro de segurança de oitenta quilómetros à volta da base.
Ela suspirou e olhou pela pequena janela ao lado do seu assento.
— Ainda me parece inacreditável que uma coisa destas possa ter acontecido. Em especial, sem que ninguém soubesse o que é que se passava realmente nessa base.
— Ficarias surpreendida se soubesses como isso é comum. Desde o Onze de Setembro tem havido um grande reforço nos gastos com a biodefesa, o que resultou numa enorme quantidade de laboratórios de biossegurança nível 4 a surgirem por todo o país. Com fundos privados, estatais ou de universidades. Estes laboratórios lidam com o pior do pior, agentes para os quais não há vacina ou cura.
— Como o Ébola, o Marburgo ou a febre de Lassa.
— Precisamente, mas também microrganismos que estão a ser desenvolvidos para serem usados como armas, tudo em nome de nos prepararmos para o inevitável, para estarmos um passo à frente do inimigo.
— Que tipo de supervisão existe?
— Muito pouca, e sobretudo independente e fragmentada. Atualmente, há cerca de quinze mil cientistas autorizados a trabalhar com agentes patogénicos mortais, mas há zero agências federais encarregadas de avaliar os riscos de todos estes laboratórios, muito menos manter um registo do seu número. Como consequência, tem havido inúmeros relatos de erros na manipulação de agentes patogénicos contagiosos, de tubos que desaparecem, relatórios insuficientes. Por isso, quando se dá um acidente como este, não era uma questão de se mas de quando aconteceria.
Ele ficou a olhar pela janela, para sul, na direção do fumo tóxico. Já tinha sido informado sobre as contramedidas tomadas pela base: uma mistura de um agente paralisante e um gás neurotóxico, tudo para combater o que quer que tivesse escapado, para matar qualquer vetor vivo que o pudesse transmitir ou permitir-lhe que se espalhasse.
— O génio está fora da lâmpada — murmurou ele, referindo-se não apenas aos acontecimentos naquele lugar, mas também à rápida escalada dos projetos de bioengenharia em curso por todo o país.
Virou-se para Lisa.
— E não é só com estas instalações autorizadas que temos de nos preocupar. Em garagens, sótãos e centros comunitários locais, laboratórios de genética caseiros brotam em qualquer lugar. Com pouco dinheiro, pode-se aprender a fazer as suas próprias experiências genéticas, até patentear as suas criações.
Que empreendedores. Parece que os ciberpunks do passado se tornaram os biopunks de hoje.
— Só agora eles começaram a piratear o código genético em vez dos códigos informáticos. E de novo com pouca e nenhuma supervisão. Neste momento, o governo depende da autorregulação destes embriões de laboratórios.
— A súbita escalada do número de laboratórios não me surpreende.
— Porquê?
— O custo do equipamento e materiais de laboratório está em queda há anos. O que no passado custava dezenas de milhares de dólares pode agora ser feito com cêntimos. A par disto, tem havido um aumento de velocidade crescente. Atualmente, o ritmo da nossa capacidade de ler e escrever o ADN decuplica a cada ano que passa.
Ele calculou mentalmente as implicações. Aquilo queria dizer que em dez curtos anos a engenharia genética poderia ser dez mil milhões de vezes mais rápida.
Lisa continuou.
— As coisas estão a mover-se a velocidades alucinantes. Um laboratório já conseguiu criar a primeira célula sintética. E precisamente há um ano os biólogos criaram um cromossoma artificial, sintetizando uma levedura viva e funcional do nada, com espaços no seu ADN onde planeiam inserir fragmentos específicos num futuro próximo.
— Levedura por medida. Fantástico.
Lisa encolheu os ombros.
— E há implicações ainda mais sinistras com o génio fora da lâmpada. Não é só com acontecimentos acidentais que temos de nos preocupar. Estive a ler sobre o programa Kickstarter, em que por quarenta dólares um grupo de jovens biopunks empreendedores envia cem sementes de um tipo de erva daninha que tem incorporado um gene que a faz brilhar.
— Ervas daninhas que brilham no escuro? Para quê?
— Por brincadeira, maioritariamente. Querem que os seus investidores espalhem as sementes por todo o lado. Já têm cinco mil apoiantes, o que quer dizer que cerca de quinhentas mil sementes sintéticas podem ser lançadas por todos os Estados Unidos num futuro próximo.
Painter sabia que aqueles casos eram meramente a ponta de um perigoso icebergue. O general Metcalf — o diretor da DARPA e seu chefe — tinha dito que um dos grandes receios da segurança interna era a vulnerabilidade dos laboratórios a agentes estrangeiros. Uma organização terrorista podia facilmente infiltrar um estudante recém-formado ou um doutorado numa dessas instalações de bioarmas, tanto para obter um agente patogénico mortal como para obter o treino necessário para o fazer no seu próprio laboratório.
Painter estudou as montanhas distantes envoltas em nevoeiro.
Teria alguma coisa desse género acontecido aqui? Teria sido um ato de terrorismo?
Para responder a essa mesma pergunta — e observar o local em primeira mão —, o general Metcalf ordenara a Painter que voasse para aquela base remota dos fuzileiros. O Mountain Warfare Training Center tinha-se tornado o palco oficial para supervisionar o desastre. Ele devia agir em conjunto com o coronel que dirigia o centro, onde todos os recursos já estavam a ser reunidos.
Painter podia ter deixado Lisa para trás, mas os seus conhecimentos e perspicácia já tinham provado ser inestimáveis. Além disso, ela insistira em vir, com os olhos a brilharem de expectativa. Ele cobriu as mãos de Lisa com a sua, entrelaçando os dedos nos dela como se estivessem ligados para sempre. Como podia recusar alguma coisa à sua futura noiva?
Esta complacência era parte da razão por que tinham um terceiro companheiro para este voo. Josh Cummings, o irmão mais novo de Lisa, sentado no cockpit, entabulava uma animada conversa com a equipa de voo. Neste momento, Josh apontava para a pista de aterragem em baixo. Aquele era o aeródromo mais importante da base dos fuzileiros, um local que o jovem tinha visitado várias vezes no passado e a outra razão por que ele ia nesta viagem.
Como a irmã, Josh era magro e louro. Podia facilmente ser confundido com um surfista californiano, mas a paixão de Josh não era o mar e o sol, mas as alturas e os abruptos precipícios rochosos. Era um montanhista reconhecido, que tinha escalado a maioria dos picos mais altos do mundo nos seus vinte e cinco anos, colecionando elogios pelo seu talento e criando um pequeno negócio com muitas patentes na conceção de equipamento.
Em resultado disso, desenvolvera uma relação de trabalho com a base dos fuzileiros como consultor civil. Tinha até usado o gorro vermelho de instrutor dos Mountain Warfare, conhecidos simplesmente como Red Hats. Poucos civis tinham conquistado o direito de usar aquele gorro, de ensinar aos soldados os segredos da exploração da montanha, o que era um testemunho da perícia de Josh.
Porém, à parte o gorro, poucas pessoas confundiriam Josh com um fuzileiro. Usava o cabelo pelos ombros e tinha uma despreocupada indiferença pela autoridade. Mesmo a sua maneira de vestir era tudo menos militar. Por baixo de um casaco de pele de carneiro — que Josh tinha ganhado a um xerpa numa noite de póquer dentro de uma tenda na encosta do K2 durante uma tempestade de neve —, usava uma camisola térmica cinzenta para climas frios com o logótipo da sua empresa. Este consistia numa cordilheira com a montanha mais alta no meio. Parecia claramente um punho num gesto obsceno.
Definitivamente, sem aprovação militar.
Na maior parte do ano, Josh vivia com a mochila às costas, mas estava na cidade para o casamento e fez questão de acompanhar a irmã até à base. Painter concordara sem reservas. Josh conhecia a maior parte do pessoal da base e podia dar o aval a Painter, ajudando-o a apaziguar os fuzileiros por a Sigma estar a invadir o seu território. Além da instrução que Josh lhes dera no passado, ele tinha um conhecimento profundo do terreno, o que poderia vir a ser útil.
Josh provava isso agora mesmo, gritando instruções para se fazer ouvir sobre o ruído dos motores.
— Aterrem na extremidade norte do aeródromo. Cuspirão menos areia. É onde os fuzileiros fazem a maior parte do treino de V/STOL.
Lisa olhou para Painter, arqueando inquisitivamente uma sobrancelha.
— Descolagem vertical e aterragem — traduziu ele. Se havia coisa de que as forças armadas gostavam mais do que das suas armas, era dos seus acrónimos.
Imóvel, Painter não conseguiu evitar uma certa excitação à medida que a aeronave se preparava para aterrar. Viajavam a bordo de um MV-22 Osprey, cortesia do Centro de Combate Ar-Terra do Corpo de Fuzileiros de Twentynine Palms, nos arredores de Los Angeles. O invulgar veículo era conhecido como tiltrotor, assim chamado pela sua capacidade de se transformar de um avião tradicional de turbo-hélice num aparelho semelhante ao helicóptero ao rodar os motores na extremidade de cada asa.
Contorcendo-se no seu lugar, Painter viu as hélices rodarem lentamente da vertical para a horizontal. A velocidade para a frente abrandou rapidamente até o avião pairar com perícia sobre o aeródromo; então o maciço aparelho baixou em direção ao chão. Momentos depois, as rodas tocaram-no.
Lisa deixou escapar num longo suspiro o ar que devia estar a reter.
— Isto foi espantoso.
Painter reparou noutros dois Ospreys estacionados um pouco mais afastados, com equipas a trabalharem à volta deles, dando a ideia de que tinham acabado de chegar, uma parte da mobilização que acontecia aqui. Um punhado de outros helicópteros dos fuzileiros ponteavam o aeródromo.
— Parece que toda a gente aceitou o teu convite — disse Lisa.
Antes de deixar o litoral, Painter delineara um esboço grosseiro da ordem das operações para esta missão: busca e resgate, evacuação, quarentena do local, investigação e limpeza final. As primeiras três já estavam em curso, permitindo à equipa de Painter proceder de imediato à investigação.
Ele sabia por onde queria começar. Os primeiros a responder à chamada — uma equipa de busca e resgate dos fuzileiros — tinham salvado a vida a uma testemunha, uma guarda-florestal do parque que por acaso estava no local quando a base explodiu. Painter tinha ouvido falar do tiroteio no topo de uma colina próxima, o que levantava um sério mistério: quem eram os homens daquela força hostil e o que tinham eles que ver com o que tinha transpirado da base?
Apenas uma pessoa tinha virtualmente a resposta.
E pelo que Painter ouvira no caminho… ela não falava.
22h19
Jenna não se deu ao trabalho de verificar a maçaneta da porta. Ela sabia que estava trancada lá dentro. Percorreu o espaço. A avaliar pelo quadro negro em frente de uma fila de cadeiras, calculou que fosse uma pequena sala de aula. Da janela de um terceiro andar, avistou um teleférico escuro à distância e uma fieira de cavalariças. Mesmo abaixo dela, uma ambulância afastava-se lentamente do edifício.
A equipa de emergência médica de partida já examinara os seus ferimentos: tinham-lhe enfaixado o braço, suturado as pequenas lacerações na clavícula e, finalmente, injetado antibióticos. Perguntaram-lhe se queria uma injeção para as dores, mas ela optara por simplesmente tomar ibuprofeno.
Tenho de manter a cabeça lúcida.
Porém, a sua fúria crescente não estava a ajudar.
Nikko, esparramado no chão, observava-a, os seus olhos a seguirem-na enquanto ela andava indignada de um lado para o outro da sala de aula. Uma taça de água e um prato vazio encontravam-se ao seu lado. Um tabuleiro com uma sanduíche de fiambre embrulhada em celofane e um pacote de leite estava pousado numa das secretárias. Ela ignorou-o, ainda longe de lhe apetecer comer.
Ela consultou o relógio.
Quanto mais tempo me vão manter aqui?
O fuzileiro que a resgatara — o sargento de artilharia Samuel Drake — dissera-lhe que o seu testemunho seria recolhido por alguém de Washington. Porém, já se tinha passado uma hora desde que ali chegara.
Onde diabo está esse tipo?
O comandante da base tinha vindo ver como é que ela estava e fizera-lhe algumas perguntas, mas ela remetera-se a um silêncio obstinado. Ela contaria a sua história, mas só depois de obter algumas respostas.
Um arrastar de pés e um ruído metálico atraíram a sua atenção para a porta.
Finalmente…
Ela recuou alguns passos e cruzou os braços sobre o peito, pronta a lutar. A porta abriu-se, mas não era o homem de que estava à espera. O sargento de artilharia entrou. Parecia retemperado, o cabelo castanho-escuro estava molhado e penteado para trás. Usava um par de calças de caqui largas e uma t-shirt a condizer colada ao corpo, revelando os seus braços musculados.
Embora ela quisesse mostrar-se perturbada com a intrusão, deu por si a descruzar os braços, fazendo o seu melhor para parecer despreocupada. Tinha a certeza de que estava a falhar redondamente.
Ele sorriu-lhe, o que não ajudou.
— Só vim trazer um presente de um amigo — disse ele. A sua voz era de um baixo profundo, parecendo mais calorosa do que anteriormente, não mais seca e dura pelo peso do comando. — Pensei que talvez gostasse de partilhar comigo.
Ele levantou um braço, mostrando um grande saco de papel pardo, ligeiramente húmido no fundo.
— O que é?
Ela aproximou-se e um aroma familiar assaltou-a.
Não pode ser.
— Costeletas de porco do Bodie Mike’s Barbecue — confirmou ele. — E também salada de repolho e batatas fritas.
— Como…? — perguntou ela gaguejando, confusa.
Ele sorriu ainda mais abertamente, mostrando uns dentes perfeitos.
— Temos gente a voar entre este lugar e o lago Mono, para coordenar a evacuação. Parece que um amigo seu decidiu enviar uma encomenda de Lee Vining antes de a cidade ser evacuada. Ele calculou que pudesse estar esfomeada depois de toda aquela confusão.
Apenas uma pessoa sabia que ela estava ali.
Ela sorriu pela primeira vez no que pareciam séculos.
— Bill, era capaz de te beijar
Os olhos escuros de Drake cintilaram de divertimento.
— Se quiser, posso servir-lhe de mensageiro.
— E que tal limitar-me a dividir as batatas consigo? — Ela dirigiu-se a uma das secretárias.
— E que tal umas costeletas?
— Nem pensar. São todas para mim.
Ele arrastou uma secretária para mais perto de Jenna e passou uma perna sobre uma cadeira para se sentar ao lado dela. Quando ele rasgou o saco para o abrir, Jenna recuperou rapidamente o apetite. Estava ela a meio das costeletas, com Nikko firmemente instalado aos seus pés com uma expressão esperançosa no focinho, quando a porta se voltou a abrir.
Um contingente de estranhos entrou. Devia ser o destacamento de D.C. Depois de ter esperado tanto tempo, agora ela gostaria que se fossem embora e voltassem mais tarde.
Ela limpou os dedos.
Drake pôs-se de pé rapidamente e endireitou-se quando o comandante da base entrou com os outros.
— Coronel Bozeman.
— À vontade, Drake…
O comandante parecia estar no início dos sessenta anos, com cabelo prateado a condizer com a águia pousada sobre filas de fiadas coloridas na sua camisa de caqui. Os seus olhos pousaram na refeição meio acabada.
— Não queria interromper, menina Beck, mas este é o diretor Painter Crowe, adjunto da DARPA. Ele quer fazer-lhe algumas perguntas antes que possa voltar para junto dos seus colegas.
Os dois acompanhantes do homem foram apresentados. Eram claramente aparentados, provavelmente irmão e irmã, talvez mesmo gémeos, mas ela concentrou-se no homem à sua frente. O recém-chegado tinha cabelo negro, com um única madeixa branca puxada para trás da orelha. A cor da sua pele denunciava claramente a sua ascendência nativo-americana, mas os penetrantes olhos azuis indiciavam também sangue europeu. Ela queria zangar-se com ele, mas alguma coisa na sua atitude desarmou-a. Talvez fosse a sombra de um sorriso caloroso ou a centelha de inteligência naqueles olhos. Claramente, aquele homem não era um burocrata intrometido ou um agente dos serviços de informação condescendente.
Imóvel, percebeu que a sua mão dissimulava o telemóvel no seu bolso.
Quero respostas.
Crowe virou-se para o coronel.
— Podemos falar em privado?
— Certamente. — Bozeman acenou a Drake. — Vamos deixá-los a sós.
Drake seguiu-o para fora da sala, mas não sem antes cumprimentar com o punho o homem louro que continuava encostado à porta.
— É bom ver-te, Josh.
— Gostaria que fosse noutras circunstâncias.
— Eu também. — Sorriu abertamente. — Mas é por isso que nos pagam tão bem, não é?
Quando os dois fuzileiros saíram fechando a porta, Crowe virou a sua atenção para Jenna.
— Menina Beck, passou por muita coisa, mas gostaria que nos desse alguma informação adicional sobre o que aconteceu hoje. Conte-me o que se passou com tanto pormenor quanto possível. Estou particularmente interessado no grupo de homens que a atacaram no topo da colina.
Ela manteve-se firme.
— Não antes de me dizer o que é que realmente se passa dentro desta instalação de pesquisa, que está a pôr toda a bacia em risco. Não apenas o já frágil ecossistema que demorou milénios a formar-se, mas também os meus amigos e colegas.
— Gostaria de lhe poder dizer — retorquiu ele.
— Gostaria, mas não o fará?
— Para ser honesto, não sabemos qual é exatamente a natureza da investigação. A base era chefiada pelo doutor Kendall Hess, um sujeito muito reservado.
Jenna franziu a testa, lembrando-se do exobiólogo que tinha ido ao lago Mono. Recordou a conversa com ele enquanto tomavam um café no Bodie Mike’s. Mesmo nessa altura, chamara-lhe a atenção o facto de ele ser tão reservado, de escolher tão cuidadosamente as palavras.
— Eu conheci-o — admitiu ela — quando ele andou a recolher amostras da lama do fundo do lago.
Crowe virou-se para trás para a sua companheira, Lisa Cummings. Trocou um olhar de entendimento com ela, como se os dois estivessem a avaliar se este pormenor era importante ou não.
Jenna olhou para um e para outro, franzindo ainda mais a testa.
— Em que é que o doutor Hess estava a trabalhar?
Crowe virou-se para ela outra vez.
— Tudo o que sabemos com alguma certeza é que ele estava a estudar e a fazer experiências com formas de vida exóticas.
— Extremófilos — exclamou Jenna acenando com a cabeça, recordando os pormenores da sua breve conversa. — Ele disse que andava à procura de organismos fora do comum… bactérias, protozoários… qualquer coisa que pudesse ter desenvolvido estratégias únicas para sobreviver em ambientes inóspitos.
Lisa aproximou-se.
— Mais precisamente, ele estava a investigar biosferas-sombra, ambientes em que vida não standard possa existir em segredo. Pensamos que o seu interesse nesta área surgiu quando alguns cientistas da NASA encontraram bactérias no lago Mono que conseguiam desenvolver-se utilizando o arsénio.
Jenna percebeu.
— Então foi por isso que o doutor Hess escolheu este local.
Crowe anuiu.
— Provavelmente para continuar essa linha de investigação ou mesmo ir mais longe. Pensamos que ele estava a tentar criar alguma coisa nova, alguma coisa que nunca existiu neste planeta.
— E que fugiu ao seu controlo.
— É o que pensamos, mas não sabemos se foi um acidente industrial, um erro laboratorial ou algo criminoso.
Jenna afagou Nikko. Ele mantinha-se calmo e relaxado ao seu lado, não revelando qualquer tensão. Ele simplesmente não sentia qualquer receio na presença daqueles estranhos. Ao longo dos anos, ela aprendera a confiar na avaliação de carácter do seu companheiro. Ao mesmo tempo, não sentia qualquer subterfúgio nas atitudes do trio e apreciava a sua boa vontade em partilhar informações.
Resolvendo arriscar, abriu-se um pouco mais.
— Não acredito que tenha sido um acidente, diretor Crowe.
— Painter, por favor, mas porque que é que pensa isso?
— Vi um helicóptero a sair da base entre o período em que o pedido de ajuda foi emitido e quando tudo se transformou num inferno. Era o mesmo helicóptero que descarregou uma equipa de mercenários no cume da colina. Devem ter-me avistado a fugir da nuvem tóxica.
— E foram atrás de si para eliminar a única testemunha.
Ela acenou afirmativamente.
— E estiveram muito perto de o conseguir.
— Pode descrever o helicóptero? Reparou em alguma insígnia ou números?
Ela abanou a cabeça.
— Mas consegui tirar uma fotografia.
Jenna sentiu-se algo divertida com a sua expressão chocada. Tirando o telemóvel do bolso, relatou o que tinha acontecido na cidade-fantasma com toda a minúcia de que foi capaz, mostrando as fotografias no ecrã do telemóvel. Parou na fotografia do gigante a empunhar um lança-chamas.
— Este tipo parecia ser o chefe da equipa de assalto.
Painter agarrou no telemóvel e fez um zoom do seu rosto.
— Fez uma fotografia nítida dele. Bom trabalho.
Ela sentiu uma onda de orgulho.
— Esperemos que ele esteja em alguma base de dados.
— Também o espero. Certamente, vamos fazê-la correr num programa de reconhecimento facial, tanto aqui como no estrangeiro. Também vamos pôr a fotografia do helicóptero nos boletins informativos das autoridades do Sudoeste. Não podem ter ido muito longe.
— Eles têm um prisioneiro — avisou ela. — Um dos cientistas. Pelo menos, o homem usava uma bata branca do laboratório. Ele tentou fugir, mas o tipo do lança-chamas recapturou-o, arrastou-o de volta ao helicóptero e levantaram.
Painter olhou para o telemóvel.
— Conseguiu tirar uma fotografia do prisioneiro?
— Receio que não. Naquela altura eu já tinha escondido o telemóvel no Nikko.
Ela deu uma palmadinha no lombo do husky.
Painter observou-a mais de perto, depois falou como se lhe tivesse lido os pensamentos.
— Deixe-me adivinhar. Você esperava que, logo que a tivessem matado, o inimigo partiria. Mais tarde, alguém encontraria Nikko e o telemóvel.
Ela estava impressionada. Não mencionara nada daquilo, mas o homem deduzira tudo.
Lisa falou.
— Se eles raptaram alguém, aposto que foi o doutor Hess. Ele seria o alvo mais valioso naquela base.
Painter virou-se para Jenna.
Ela encolheu os ombros.
— Não posso dizer que fosse ele. Foi tudo muito rápido e nunca consegui ver bem a cara do homem. Mas podia ser o doutor Hess. No entanto, há outra coisa. Fosse ele quem fosse, estava a tentar correr para a nuvem tóxica antes de ser recapturado, como se preferisse morrer a ser levado dali.
— O que sugere que o prisioneiro devia saber coisas que não queria que o inimigo soubesse. — Painter parecia seriamente preocupado.
— Que coisas? — perguntou ela.
— É o que temos de descobrir.
— Gostaria de ajudar.
Painter estudou-a demoradamente.
— Admito que poderíamos usar os seus olhos nesta investigação inicial. Pode haver mais alguns pormenores de que se tenha esquecido ou que não tenha achado que fosse importante na altura. Porém, devo avisá-la de que vai ser perigoso.
— Já é perigoso.
— Mas penso que vai ser muito mais. O que quer que tenha começado aqui é provavelmente a ponta de alguma coisa muito maior e bastante mais mortal.
— Então ainda bem que tenho alguém a ajudar. — Jenna pôs a palma da sua mão sobre a cabeça de Nikko. Este abanou a cauda, pronto para tudo. — O que fazemos primeiro?
Painter olhou de relance para a doutora Cummings.
— Logo que amanheça, vamos àquela terra de nenhures tóxica procurar pistas do que aconteceu ali.
— E talvez do que saiu dali — acrescentou o seu companheiro.
Jenna sentiu o sangue gelar nas suas entranhas ao imaginar-se a reentrar na ratoeira de que tinha escapado.
No que é que eu me meti?