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28 de abril, 03h39 EDT
Arlington, Virgínia
— Porque estamos sempre enfiados numa cave? — perguntou Monk.
Gray olhou de relance para o seu melhor amigo e colega. Encontravam-se nos níveis subterrâneos da nova sede da DARPA, na Founders Square, em Arlington, Virgínia. Tinham acompanhado o doutor Lucius Raffee de volta à sede. Os escritórios do Departamento de Tecnologias Biológicas ocupavam a maior parte do espaço no sétimo andar. Lá em cima, o diretor do DTB continuava a fazer telefonemas, tentando acordar alguém a meio da noite que tivesse um conhecimento mais aprofundado da investigação que decorria nas instalações da Califórnia.
Entretanto, tinham que fazer aqui em baixo.
— No teu caso — respondeu Gray, esticando o pescoço para se livrar da tensão que acumulara ao estar sentado em frente do computador —, estás destinado a permanecer fechado numa cave ou a baloiçar na torre do sino de uma igreja qualquer.
— Isso é a piada do Quasímodo? — disse Monk do seu terminal com o sobrolho franzido.
— É um facto que estás a ficar com uma corcunda.
— É de carregar duas meninas pequenas nos braços todos os dias. É capaz de dar problemas de costas a qualquer um.
O terceiro membro da equipa emitiu um som de exasperação e debruçou-se ainda mais sobre o computador, escrevendo rapidamente. Kat pedira a Jason Carter para fazer uma análise digital forense dos ficheiros e registos da base, para procurar na imensidão de dados, pedidos de inventário e inúmeros e-mails alguma pista sobre o que estava realmente a acontecer na Califórnia.
Os três estavam fechados no principal centro de dados da DARPA, uma pequena sala com uma janela que dava para filas e filas de mainframes pretos, cada um do tamanho de um frigorífico.
As paredes do andar por baixo da cave tinham noventa centímetros de espessura e eram isoladas de forma a evitar qualquer tipo de intrusão ou ataque eletrónico.
— Acho que encontrei algo — disse Jason, olhando para cima com um ar exausto. Um copo vazio do Starbucks encontrava-se junto ao seu cotovelo. — Executei uma pesquisa utilizando um web crawler, com o nome do doutor Hess e o seu número da Segurança Social. Cruzei esses dados com o termo Neogénesis.
— O que encontraste?
— A pesquisa acabou também por recolher vários terabytes de informação. Levaria dias a escrutinar tudo. Então refinei o algoritmo da pesquisa para cruzar os dados com gás VX.
— Uma das toxinas utilizadas pela base como contramedida?
Jason acenou com a cabeça.
— Deduzi que esses ficheiros pudessem referir qual o organismo que esse gás foi concebido para matar. Mas vejam a primeira diretoria dos resultados.
Gray atravessou a sala para o seu terminal, juntamente com Monk, e leu o nome do ficheiro.
D.A.R.W.I.N.
— Mas que raio? — murmurou Monk.
— O ficheiro é enorme — disse Jason. — Dei uma vista de olhos pelas primeiras pastas. Fazem referência, na sua maioria, ao British Antarctic Survey. São o maior grupo inglês envolvido em pesquisas naquele continente. O primeiro artigo estava destacado e relatava de forma pormenorizada o êxito que o grupo teve em trazer de volta à vida musgo da Antártida com mais de mil e quinhentos anos.
Gray percebia por que razão tal intrigaria um cientista como Hess, um investigador interessado em vida exótica.
— Mas vejam esta pasta que se encontrava dentro da anterior, intitulada História — disse Jason. — Cliquei nela, na esperança de perceber qual a ligação entre este grupo científico inglês e a investigação do doutor Hess na Califórnia. Mas, em vez disso, vejam o que apareceu.
Jason premiu o botão do rato sobre o ícone da pasta e surgiram uma série de mapas. Clicou no primeiro, denominado PIRI REIS-1513.
— Já tinha ouvido falar do mapa — disse Gray, aproximando-se. — Não é bem uma história. Um explorador turco, o almirante Piri Reis, compilou esta carta numa pele de gazela em 1513, mostrando a costa de África e da América do Sul, juntamente com a área mais a norte da Antártida.
Gray percorreu essa linha costeira com o dedo na parte inferior do monitor.
— E o que há de estranho nisso? — perguntou Monk.
— A Antártida só foi descoberta três séculos mais tarde, pelo menos oficialmente, mas mais misterioso ainda é o facto de alguns dizerem que o mapa de Piri Reis mostra a verdadeira linha costeira do continente, uma linha de costa sem gelo. — Gray olhou para cima. — É provável que a última vez que a costa não teve gelo tenha sido há seis mil anos.
— Mas isso é tudo muito controverso — disse Jason. — É provável que esta massa continental aqui nem sequer seja a Antártida.
— O que queres dizer com isso? — perguntou Monk. — O mapa é falso?
— Não — respondeu Gray —, o mapa é autêntico, mas o turco admite numa série de notas nas margens que compilou o seu mapa a partir de cartas de navegação mais antigas. Assim, é provável que o surgimento desta linha costeira da Antártida se deva a um misto de confusão ao fazer o mapa e coincidência.
Monk coçou o queixo e disse:
— Então o que faz o mapa numa pasta no meio dos ficheiros do doutor Hess?
Gray não tinha uma resposta, mas Jason aparentemente tinha-a.
O miúdo falou enquanto teclava.
— Este mapa e muitos outros na pasta estão identificados como tendo vindo de um professor, Alex Harrington.
Gray aproximou-se ainda mais.
Jason abriu rapidamente no computador uma série de janelas.
— Acabei de o pesquisar no Google. Diz que ele é um paleobiólogo que trabalha para o British Antarctic Survey.
— Paleobiólogo? — perguntou Monk.
— É uma área que combina arqueologia com biologia evolutiva.
Com os dedos ainda a teclar, Jason acrescentou:
— E parece que o professor tem vindo a trocar uma enorme quantidade de e-mails e telefonemas com o doutor Hess há quase duas décadas. Ambos partilhavam um interesse comum por ecossistemas invulgares.
Jason olhou de relance para Gray com uma sobrancelha levantada.
Gray percebeu. Se alguém sabe pormenores secretos sobre a investigação de Hess, é este tipo.
— Bom trabalho — disse Gray. — No entanto, devíamos ir lá acima falar com o Raffee sobre tudo isto. Talvez o diretor saiba mais alguma coisa sobre esta relação com os ingleses. Podes imprimir este ficheiro?
Jason franziu o sobrolho, baixou-se e retirou uma pen do terminal do computador.
— Já copiei tudo para aqui. Demoraria horas a imprimir tudo isto. Quando chegar ao gabinete do diretor, só tem de encontrar a entrada USB do computador dele e…
— Eu sei utilizar uma pen. Não sou um dinossauro.
— Desculpe. O senhor tem mais doze anos que eu. Em termos digitais, isso equivale à era do Pleistoceno.
Jason escondeu um sorriso por detrás do seu copo do Starbucks, enquanto tentava sugar o que restava do seu café.
Monk deu uma palmada no ombro de Jason e disse:
— Agora percebo o que a Kat vê neste miúdo.
Gray enfiou a pen no bolso e dirigiu-se para a porta.
— Continua a escrutinar esses ficheiros — ordenou Gray. — Vê se consegues descobrir mais alguma coisa enquanto eu falo com o diretor Raffee.
Gray percorreu um pequeno corredor na cave, entrou no elevador de segurança e inseriu o seu cartão da Sigma, com a letra grega ∑ inscrita, o símbolo matemático que significa «a soma de tudo» e que resumia o credo da Força Sigma: combinar a melhor elite em termos físicos e mentais para lidar com ameaças globais. O cartão servia também de chave-mestra para a maior parte das portas trancadas em D.C.
Carregou no botão do sétimo andar. Enquanto o elevador subia suavemente, Gray retirou o telemóvel do bolso para ver se tinha alguma mensagem de Kenny sobre o seu pai. Era a primeira oportunidade que Gray tinha no espaço de uma hora para saber como estava a situação do pai, visto que não havia rede no centro de dados subterrâneo. Suspirou de alívio quando não viu mensagens.
Devia ser, pelo menos, uma noite calma.
Quando as portas do elevador se abriram, Gray apressou-se a percorrer os corredores escuros e desertos. Era um verdadeiro labirinto lá em cima, tornado ainda mais estreito pelas pilhas de caixas deixadas à porta das salas. Andaimes e latas de tinta também bloqueavam o caminho. A DARPA ainda estava a meio da transição da sede antiga, a poucos quarteirões de distância, para as novas instalações em Founders Square. Algumas divisões ainda se encontravam no edifício antigo; outras já tinham mudado ou estavam agora a instalar-se. Conseguia imaginar o caos durante o dia, mas a esta hora tardia estava tudo sossegado e calmo.
Ao dobrar a esquina, viu uma porta entreaberta que dava para uma sala iluminada por uma lâmpada. Parecia que Raffee tinha conseguido um escritório de canto. Gray apressou-se em direção a ele… quando um grito estridente o fez parar.
Gray encostou-se discretamente a uma parede.
A voz, pouco nítida por causa da distância, não parecia ser a do diretor. Gray retirou a sua arma de serviço, uma SIG Sauer P226, do coldre de ombro por baixo do casaco. Enquanto os seus dedos apertavam o cabo, um distinto pop, pop, pop ecoou na sua direção.
A porta do gabinete do diretor Raffee abriu-se de rompante, iluminando todo o corredor. Gray esgueirou-se e escondeu-se atrás de uma fotocopiadora Xerox. Espreitou o suficiente para conseguir ver quatro homens de camuflado preto e com pistolas com silenciadores em riste saírem da sala e fugirem na sua direção. Gray olhou de relance para trás. A porta mais próxima ficava a vários metros dali.
Demasiado longe.
Gray pensou rapidamente. A sua pistola tinha uma dúzia de munições de calibre .357. Teria que acertar todos os tiros, sobretudo se os adversários tivessem coletes à prova de bala. A sua única vantagem neste momento era o fator surpresa.
Gray ganhou coragem para avançar, concentrando-se na respiração.
O último homem a passar pela porta rosnou para um rádio:
— Os outros estão lá em baixo. Andar menos três. Vão pelas escadas, nós vamos pelo elevador.
Pensou em Monk e Jason, fechados naquela pequena sala, sem fazerem a menor ideia da tempestade que ia na sua direção.
Gray esperou que os dois primeiros homens passassem o local onde se encontrava escondido. Concentrados no seu objetivo, não o viram acocorado atrás da fotocopiadora.
Disparou duas vezes, fazendo pontaria e acertando na cabeça, depois virou-se e rolou rente ao chão para o meio do corredor. Apontou em direção ao gabinete do diretor Raffee e para os outros dois homens. Disparou para o joelho do que se encontrava mais perto, fazendo-o cair, mas, mesmo com dores e apanhado desprevenido, o homem disparou a sua pistola enquanto caía.
A bala passou rente à orelha de Gray.
Raios…
Tornou-se óbvio para Gray que estes homens eram profissionais treinados, provavelmente ex-militares. Quando o ombro do outro homem bateu no chão, Gray disparou à queima-roupa para o seu rosto, não querendo correr mais riscos.
O último atirador escondeu-se atrás de um andaime, disparando incessantemente por todo o corredor. Gray permaneceu rente ao chão, usando o corpo à sua frente como escudo. As munições perfuravam o corpo do colega de equipa do atirador ou ricocheteavam no linóleo.
Gray tinha de agir antes que o seu alvo retirasse para o gabinete do diretor Raffee. Pela forma como o homem olhava de relance naquela direção, era essa a sua intenção: refugiar-se em segurança e chamar reforços.
Não posso deixar que isso aconteça.
Gray levantou-se e correu em direção ao seu adversário. As munições ressaltavam do andaime ou cravavam-se na parede atrás do seu alvo. O homem manteve-se escondido, enquanto Gray apertava o gatilho, o braço esticado, passando por cima do corpo que se encontrava no chão.
Por fim chegou ao décimo segundo tiro… e a corrediça ficou travada.
Sem munições.
O seu adversário apareceu novamente, apontando a sua arma fumegante, um sorriso triunfante estampado no rosto.
Gray largou a SIG Sauer. Enquanto os olhos do atirador seguiam por um segundo a trajetória da arma a cair, Gray aproveitou a distração para levantar o braço, revelando uma pistola escondida por detrás da anca, uma arma que confiscara ao homem morto no chão. Apertou o gatilho duas vezes… mas uma teria sido suficiente.
Um tiro certeiro atravessou o olho do último adversário, fazendo-o cair por terra.
Gray correu e entrou no gabinete do diretor Raffee. Não tinha muita esperança de encontrar o diretor com vida, mas tinha de verificar. Encontrou-o na sua cadeira, sem o casaco e com as mangas arregaçadas. Um círculo vermelho-sangue manchava o centro da sua camisa branca e um buraco cilíndrico perfurava a sua testa.
Controlando a sua fúria face a uma execução tão cruel, Gray pegou no telefone em cima da secretária, mas reparou quase de imediato que o fio fora cortado. Respirou fundo, pensou em procurar outro telefone; mesmo que encontrasse um, não conhecia suficientemente bem o sistema para saber como ligar para a extensão do telefone da cave. E, sem rede lá em baixo, o telemóvel que tinha no bolso era inútil.
Não tinha como avisar Monk e Jason.
04h04
— Talvez aqueles que desacreditaram o mapa de Piri Reis estejam errados — disse Jason, endireitando os ombros curvados de estar debruçado sobre o monitor do computador.
Jason respirou fundo, escondendo o seu nervosismo ao revelar uma conclusão a que chegara sozinho. Ele tinha conhecimento das proezas do comandante Pierce e do seu parceiro e sentia que não estava à altura deles.
Sou apenas um simples cromo informático.
Ainda assim, o seu instinto dizia-lhe que o que descobrira podia ser importante.
— O que queres dizer com isso? — perguntou Monk, deixando escapar um bocejo.
Monk estava sentado com os pés em cima da secretária ao lado.
— É melhor ver isto.
Monk balbuciou qualquer coisa a ver com as crianças o estarem sempre a acordar. Assentou os pés no chão e deslizou a sua cadeira para junto de Jason.
— O que encontraste?
— Tenho estado a analisar os outros mapas históricos que se encontravam na pasta do British Antarctic Survey e a ler as notas que o professor Harrington escreveu sobre eles.
— O paleobiólogo.
— Exato. — Jason aclarou a garganta e engoliu com dificuldade. — Aqui estão outros dois mapas da Antártida, ambos com mais vinte anos que o mapa que Piri Reis elaborou em 1513. Um de um tipo chamado Oronteus Finaeus e outro de Gerardus Mercator.
— Repare que ambos retratam a Antártida sem gelo — disse Jason. — Harrington também anotou que o mapa revela cadeias montanhosas, picos que estão agora por baixo de glaciares e que não seriam visíveis no século dezasseis. Da mesma forma, os mapas incluem pormenores específicos do continente, como por exemplo instruções para navegar até à ilha Alexandre I e pelo mar de Weddell.
Monk franziu o sobrolho e disse:
— E ambos os mapas foram desenhados séculos antes de o continente ter sido oficialmente descoberto.
Jason acenou com a cabeça.
— E muitos milénios depois de a linha costeira da Antártida não ter gelo. Também surgiu este mapa de 1739, elaborado por um cartógrafo francês chamado Buache.
— Repare como esta carta retrata a Antártida como duas massas continentais, separadas por um rio ou mar. Isso é verdade. Apesar de o continente parecer uma massa de terra contínua, se retirar o gelo, é na verdade um arquipélago montanhoso dividido em duas partes principais: Antártida Ocidental e Antártida Oriental. Este pormenor não era conhecido até a Força Aérea dos Estados Unidos da América fazer o mapeamento sísmico em 1968.
— E este mapa é do século dezoito?
— Sim — respondeu Jason, incapaz de esconder a excitação na sua voz.
— Mas o que é que tudo isto tem que ver com a investigação do doutor Hess na Califórnia?
A pergunta fez esmorecer o seu entusiasmo.
— Não sei, mas há muito mais do professor Harrington nesta pasta, muitos dos ficheiros datam da Segunda Guerra Mundial. A maior parte está expurgada por conter informação sensível. Vou precisar de muito tempo para analisar tudo.
— Parece que vais precisar de um barril de café quando voltarmos para a sede da Sigma.
Jason rendeu-se a esse facto.
— Desconfio que, no que diz respeito aos mistérios da Antártida, mais vale ser eu do que outra pessoa qualquer.
Monk fitou-o com um ar severo.
— O que queres dizer com isso?
— A Kat… quero dizer, a comandante Bryant… nunca lhe contou?
— Há muitas coisas que a minha mulher não me conta. A maior parte para o meu próprio bem. — Monk apontou o dedo a Jason. — Desembucha, miúdo.
Jason olhou fixamente para a mão levantada do homem, reparando no brilho pouco natural da sua superfície. Era uma prótese, surpreendentemente realista, com pelos finos nas costas da mão e nós dos dedos. Jason sabia a história de como Monk perdera a mão e respeitava-o ainda mais por isso. Mais tarde, a DARPA substituíra-lhe a mão por esta maravilha da bioengenharia, incorporando mecanismos e estimuladores avançados, o que lhe permitia receber feedback sensorial e executar movimentos com precisão cirúrgica. Jason também ouvira dizer que Monk retirava a mão e podia controlá-la à distância através de pontos de contacto no punho de titânio que lhe fora cirurgicamente ligado ao coto do pulso.
Jason adoraria assistir ao procedimento um dia.
— Se já te cansaste de olhar… — avisou Monk, com um leve rosnar na voz.
— Desculpe.
— Disseste que tinhas um contacto na Antártida.
— Eu já lá vivi, mas há muito tempo. A minha mãe, o meu padrasto e a minha irmã ainda lá estão… junto à estação McMurdo.
Monk semicerrou os olhos, com a sensação de que havia mais para contar, aventuras nunca dantes reveladas, mas não insistiu.
— Então, dado o teu historial, talvez devesses ser tu a entrevistar este tipo, o Harrington. Descobre o que o inglês sabe.
Jason ficou animado. Sempre quisera trabalhar no terreno um dia e talvez esta fosse a oportunidade de que precisava. Tudo para se ver livre de motherboards, circuitos e algoritmos descodificadores.
Fechou-se uma porta ao fundo do corredor, o som ecoou até eles.
Monk levantou-se.
Jason olhou de relance por cima do ombro.
— Parece que o comandante Pierce voltou.
Com alguma sorte, traz-nos qualquer coisa mais interessante para fazer do que olhar para mapas.
— Miúdo, tens alguma arma contigo?
Somente agora se apercebera do quanto o seu colega ficara tenso. Toda a descontração se dissipara como uma nuvem de fumo.
— Não… — disse Jason numa voz esganiçada.
— Nem eu, mas este som veio da porta das escadas. Não do elevador. Acho que o Gray não precisa de fazer exercício a esta hora.
O som dos passos pesados de várias botas a bater no cimento chegou até eles.
Monk virou-se para Jason e disse:
— Estou aberto a alguma das tuas ideias brilhantes, miúdo.
04h06
Gray moveu-se rapidamente, sabendo que cada segundo contava.
Enquanto percorria o corredor do sétimo andar, Gray recolhia os carregadores dos cadáveres, garantindo que eram compatíveis com a arma que recolhera anteriormente. Não sabia quantos mais estariam lá em baixo, mas não queria correr riscos desnecessários. Num tiroteio, a diferença entre a vida e a morte podia estar numa única munição.
— Vou para baixo — disse, segurando o telemóvel contra o ouvido com o ombro.
Depois de encontrar o diretor Raffee morto, fez um telefonema para a Sigma a pedir auxílio.
— Vou enviar reforços assim que possível — disse Kat. A sua voz parecia tensa, mas mesmo com o marido em perigo manteve-se calma. — Tem cuidado.
— Apenas o cuidado que for estritamente necessário.
Gray desligou quando chegou ao fundo do corredor. Parou tempo suficiente para tirar um martelo da caixa de ferramentas de um construtor. Apesar dos esforços de Kat, Gray sabia que a polícia demoraria vários minutos a chegar ao local.
Demasiado tarde para ajudar Monk e Jason.
Gray aproximou-se do alarme de incêndio na parede e puxou para baixo a alavanca vermelha. Soou um alarme de imediato. O objetivo de Gray era provocar um incêndio por baixo do inimigo, na esperança de os fazer fugir. Se isso falhasse, poderia, pelo menos, apressá-los, talvez até cometessem algum erro.
Além disso, o barulho poderia ajudar a camuflar a sua própria aproximação.
Atravessou o corredor para junto dos elevadores, sabendo que as escadas estariam sob vigilância, e entrou no mesmo que o trouxera ali. Carregou num dos botões para os andares de baixo, mas, assim que sentiu o elevador descer meio andar, carregou no botão para parar. Um alarme estridente soou quando o elevador parou de forma brusca, mas o barulho era facilmente abafado pelo som ainda mais alto do sistema de incêndios.
Com a ajuda do martelo forçou a porta do elevador pelo interior até esta abrir. Tal como esperava, o elevador parou quase no sexto andar, ficando a parte de cima da porta exterior exposta nesse andar. Esticou-se e deu um safanão no fecho para abrir manualmente as portas. Esgueirou-se para fora da caixa do elevador, depois virou-se e rastejou para baixo do elevador parado.
O poço encontrava-se por baixo dele, totalmente desimpedido.
Com a caixa do elevador por cima da cabeça, balouçou-se em direção às escadas de emergência que se encontravam na parede à sua esquerda. Quando as alcançou, deslizou por elas abaixo, ignorando os degraus Usou as mãos e os pés para travar ocasionalmente e controlar a velocidade, contando os andares enquanto passava por eles. Em vinte segundos, chegou às portas do andar abaixo da cave, assinaladas com L3.
Pendurado com uma mão, puxou o fecho para abrir as portas, depois atirou-se assim que estas se abriram. Aterrou e deslizou de joelhos pelo chão, o seu corpo virado de frente para a porta que dava acesso às escadas mais próximas. Tal como desconfiava, um único homem armado encontrava-se de vigia, mantendo a porta aberta com um pé e vigiando as escadas.
Gray já tinha a pistola que roubara em riste, ainda com o silenciador. Disparou e atingiu o homem na cabeça, o som do tiro abafado parecendo pouco mais que alguém a tossir. Apontou rapidamente a sua arma para o centro de dados ao fundo do corredor.
Sombras moviam-se no interior, juntamente com vozes apressadas, furiosas.
«Talvez nunca tenham cá estado», ouviu um dos homens gritar bruscamente. «Aquele tipo que matámos pode ter-nos mentido em relação a estar alguém cá em baixo.»
Gray suspirou de alívio. Então Monk e Jason não tinham sido encontrados. Talvez já estivessem lá em cima. Contudo, queria ter a certeza, sobretudo depois de ouvir uma voz firme ladrar:
«Estamos a ficar sem tempo!»
Outra voz:
«Já está! O vírus já está nos servidores. Vai apagar todos os ficheiros aqui e quaisquer cópias de segurança que tenham sido feitas.»
«Então, coloca os últimos explosivos e vamos sair daqui!»
Com o alarme de incêndio ainda a tocar, Gray percorreu o corredor até à porta aberta do centro de dados. Espreitou rapidamente para dentro da sala antes de se voltar a esconder.
Quatro homens.
Estavam todos a olhar fixamente pela janela para as filas de mainframes na sala ao lado.
Devem estar mais homens lá dentro, a preparar os últimos explosivos.
A sua missão era, claramente, danificar os servidores. Lembrou-se de Lucius Raffee lá em cima. Pensou na quantidade de seguranças que teriam sofrido um destino semelhante. Será que o diretor se encontrava simplesmente no local errado na altura errada ou seria a sua execução um dos objetivos desta equipa de assalto? Há apenas uma hora, Gray ouvira Painter falar da tentativa de eliminar a única testemunha do que acontecera na Califórnia. Seria este ataque parte disso ou uma tentativa de fazer desaparecer todas as pistas relacionadas com aquela base militar?
Não tinha como saber… porém, o líder da equipa de assalto tinha sotaque britânico. Lembrou-se que Jason descobrira uma ligação entre o trabalho do doutor Hess e a equipa de investigação de Inglaterra.
Pode ser apenas uma coincidência, ou talvez não.
«Tudo a postos!», gritou uma voz da sala dos servidores.
«Saiam todos», ordenou o líder. «E rápido, antes que fiquemos todos colados à parede.»
Gray manteve-se encostado ao lado da entrada da sala, parcialmente escondido atrás de um caixote de lixo. Ainda estava bastante visível, mas Gray tinha esperança de que, com a pressa de fugir, os homens passassem por ele.
Tal como esperado, os homens saíram da sala a correr e percorreram o corredor ruidosamente em direção às escadas… onde o corpo do vigia ainda se encontrava caído nas sombras.
Gray não tinha muito tempo para agir.
Assim que o último homem saiu a correr, Gray rolou pela soleira da porta e entrou no centro de dados. Fechou a porta atrás dele com um pontapé e passou o seu cartão de acesso preto da Sigma para a trancar por dentro.
Um grito irrompeu vindo do corredor do lado de fora da sala.
Gray pôs-se de pé, a olhar fixamente pelo vidro à prova de bala da porta.
Uma lanterna foi ligada ao fundo do corredor, revelando um grupo de homens à volta do colega de equipa caído no chão. O mais alto de todos, corpulento e com feições aristocráticas bem definidas, virou-se e olhou para Gray.
Fitaram-se à distância, o outro olhava para Gray furioso.
Um colega de equipa tocou-lhe no ombro e apontou para o relógio. Era evidente que não tinham tempo para obrigar Gray a sair da sala trancada, não com a polícia prestes a apertar o cerco e a carga prestes a explodir.
Com um rosnar silencioso preso nos lábios, o líder fez sinal aos outros em direção às escadas e depois fugiu com eles.
Gray virou-se e abriu a porta que dava para a sala dos servidores. Meio lanço de escadas metálicas conduzia ao espaço ventilado e isolado. De onde se encontrava, procurou entre as filas de mainframes pretas e altas. Reparou nas cargas de C-4 fixadas às estantes mais próximas, os seus temporizadores a brilhar, todos em contagem decrescente a partir dos 90 segundos.
Gritou pela sala.
— Monk! Jason!
Na última fila, a porta para uma das enormes mainframes, do tamanho de um frigorífico, abriu-se. Monk e Jason caíram lá de dentro, desembaraçando-se um do outro.
Graças a Deus.
Gray acenou com as mãos.
— Vá, mexam-me esses rabos!
Vieram os dois a correr, desviando-se das filas de servidores. Ambos subiram as escadas metálicas apressadamente para chegar à sala do centro de dados.
Gray destrancou a porta para o corredor com o seu cartão de acesso.
Monk deu uma palmada nas costas de Jason.
— Pensamento rápido, miúdo.
Jason foi projetado para a frente, mas recompôs-se.
— Geralmente, as salas de servidores são construídas de forma a sobrar espaço — explicou ele —, para haver estantes livres para acomodar futuras expansões. Presumi que a DARPA fizesse o mesmo.
Gray conduziu-os para fora da sala e correu para as escadas.
— Por aqui.
Quando chegou à porta que dava para as escadas, Gray não encontrou um corpo, apenas uma poça de sangue.
— Já vi que tiveste alguns problemas para chegar até nós — disse Monk, reparando na mancha.
— Também havia mais homens lá em cima. Executaram o doutor Raffee.
Monk praguejou enquanto subiam as escadas a correr a grande velocidade.
— Fazes ideia de quem eram?
— Levaram o corpo lá em baixo, mas há mais quatro no sétimo andar. Somos capazes de os conseguir identificar.
Isto é, se ainda restar alguma coisa depois disto tudo.
Chegaram ao piso térreo e atravessaram o átrio a correr. Gray reparou na silhueta de um dos seguranças do edifício caído no chão atrás da sua secretária. A raiva apoderou-se dele novamente. Lembrou-se do rosto do líder da equipa de assalto e prometeu em silêncio que ia fazer justiça.
Contudo, isso teria de esperar.
Gray saiu do edifício e atravessou a correr com os outros os muitos pátios. Quando chegaram ao passeio da North Randolph Street, um estrondo fez o chão estremecer, acompanhado por uma explosão violenta. Muitas das janelas dos pisos de baixo do edifício estilhaçaram para fora. Momentos depois, nuvens de fumo negro dissipavam-se pela noite dentro.
À distância ecoaram sirenes, vindas na sua direção.
Monk suspirou profundamente.
— Lá se vai o grande trunfo da DARPA.
Gray afastou-os do caminho, deixando o trabalho de limpeza a cargo das equipas de emergência que se aproximavam. Queria regressar à sede de comando da Sigma, mas, mais importante que isso, queria respostas.
Quem enviou aquela equipa… e porquê?