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28 de abril, 06h02 PDT
Sierra Nevada, Califórnia
Espero estar a fazer isto bem…
Jenna encontrava-se dentro da tenda de campanha no ponto de encontro, fora da área afetada. Através das paredes translúcidas, o nascer do sol não passava de uma luminosidade difusa que surgia a leste. O ar dentro da tenda cheirava a um misto de químicos ácidos e odor corporal.
A expressão no seu rosto deve ter revelado algo, pois a doutora Cummings (Lisa, lembrou a si mesma de que a devia tratar pelo nome próprio) veio para junto dela. Ambas já tinham vestido os fatos descartáveis Tyvek de uma só peça, conhecidos por serem impermeáveis à maioria dos químicos.
Pelo menos, espero bem que sejam.
Como salvaguarda adicional, foram instruídas para colar com fita adesiva a parte aberta do punho das luvas que ficava sobre as mangas dos fatos.
— Parece-me tudo bem — disse Lisa, verificando Jenna. — Eu ajudo-te a colocar a próxima camada.
— Obrigada.
Dirigiram-se para uma fila de fatos NBQ vermelhos que se encontravam pendurados num suporte giratório. A segunda camada ia cobri-las da cabeça aos pés, isolando-as por completo da atmosfera exterior. Respirariam dentro do fato através de máscaras e botijas de oxigénios presas num arnês à volta dos ombros.
As mulheres ajudaram-se uma à outra a entrar nos respetivos fatos. Jenna sentiu um momento de pânico claustrofóbico quando o último fecho foi apertado, respirando com dificuldade com a máscara posta. Tentando esconder o seu desconforto, levantou-se e deu alguns passos, como se estivesse a testar o peso das botijas.
— Vejo que estás a desfilar na passarela.
O comentário surgiu através do rádio ativado por voz instalado nas máscaras.
Jenna virou-se e viu o sargento artilheiro Drake cumprimentá-la, também ele encapsulado no que era chamado, de forma eufemística, o fato de coelho.
— Como podia não estar? — respondeu ela. — Sobretudo quando estou a vestir o expoente máximo da moda.
Tentou parecer descontraída, mas pareceu-lhe ter soado bastante desolada.
— Vai correr tudo bem — disse Drake, esticando-se para lhe dar uma palmada no ombro.
Jenna desviou-se, com medo que rasgasse alguma coisa.
— Os fatos são mais resistentes do que parecem — garantiu-lhe Lisa.
O irmão de Lisa, Josh, encontrava-se atrás dela, também equipado com um fato NBQ. Outros dois fuzileiros iam acompanhá-los nesta expedição, mas com todo o seu nervosismo Jenna esquecera-se dos seus nomes.
O rádio emitiu um som digital, em seguida surgiu uma voz. «O transporte está a postos para vos levar.»
Era a voz do diretor Crowe. Encontrava-se a dezasseis quilómetros de distância, na base de fuzileiros, a supervisionar a missão e a coordenar a resposta das equipas de emergência da região.
A sua outra função, e de uma enorme importância, era tomar conta de Nikko.
Jenna já sentia saudades do husky. A sua ausência fazia-a sentir-se perdida, mas ninguém fabricava fatos NBQ para cães.
— Como está a imagem das câmaras? — perguntou Lisa, acenado com a mão em frente do rosto.
— Perfeita — respondeu Painter. — Com a ligação via satélite, devo conseguir olhar por vocês à medida que avançam. Tenham cuidado. Sigam os protocolos adequados e evitem riscos desnecessários.
— Sim, pai — murmurou Josh, embora se tivesse ouvido de forma clara através dos rádios altamente sensíveis.
Painter ignorou-o e continuou:
— Até agora, os limites da zona afetada parecem ter-se mantido estáveis, mas não sabemos que outros riscos existem por aí.
Jenna olhou fixamente para as paredes translúcidas da tenda, a pensar para onde iam. O limite da área de quarentena ficava a quase dois quilómetros de distância de onde se encontravam. O gás tóxico atingira a sua expansão máxima nas últimas horas, tendo já assentado. As estações de monitorização química delimitavam a área, mantendo-se alerta para o caso de os ventos mudarem e provocarem movimentos súbitos na terra batida e na areia.
O seu objetivo, o local da explosão, estava a trinta quilómetros de distância.
Neste momento, ninguém sabia se o que escapara da base fora neutralizado. Jenna tentou imaginar alguma coisa que fosse capaz de sobreviver tanto ao calor da explosão, como àquela nuvem tóxica.
Tremeu dentro do fato só de pensar.
A sua missão era simples: recolher amostras, avaliar os danos e procurar pistas relativamente ao que acontecera.
Painter tentara convencê-la a ficar na base naval, próximo dele, a observar à distância a excursão à zona afetada. No entanto, ela sempre fora o tipo de rapariga de meter mãos à obra. Fora por esta razão que se tornara guarda-florestal, para sujar as mãos.
Jenna também insistira em fazer parte da excursão por outra razão. Uma preocupação que a incomodava e a mantinha acordada a maior parte da noite, às voltas na cama: se eu tivesse chegado à base mais cedo, poderia ter evitado tudo isto?
Talvez fosse uma presunção estúpida, que mais se devia ao seu orgulho do que à realidade, mas não conseguia deixar de pensar nisso. Sobretudo depois de saber que mais de trinta pessoas tinham morrido na estação. Enquanto guarda-florestal, sob juramento solene de defender a lei, recusava-se a ser afastada desta investigação.
Não no meu território.
— Então, rapazes e raparigas — disse Drake, liderando o caminho —, vamos.
Jenna seguiu com os outros, mudando o arnês do ombro de posição a fim de equilibrar melhor as botijas. Já estava a ficar calor dentro do fato. Saíram da tenda, como um grupo de astronautas a pisar uma superfície extraterrestre. Jenna lembrou-se de um turista dizer no dia anterior que o lago Mono parecia a superfície de Marte.
E aqui estou eu agora… a provar ainda mais este facto.
No exterior, um Hummer militar verde encontrava-se estacionado na estrada que conduzia à zona afetada. O veículo fora concebido para transportar tropas, com um compartimento à frente para a equipa encarregada de o conduzir e um atrás com bancos corridos para os soldados. Um dos elementos da marinha que os acompanhava — o primeiro-marinheiro Schmitt, lembrou-se ela de repente — pôs-se atrás do volante. Os restantes foram encaminhados para a retaguarda do Hummer.
Quando todos se sentaram, Drake bateu com a mão enluvada na chapa.
— Podemos arrancar, Schmitty.
O motor despertou para a vida e rugiu. Em seguida, arrancaram, subindo a colina em direção à zona de quarentena. Jenna engoliu com dificuldade e continuou a verificar os fechos do seu fato.
Lisa estava sentada ao lado de Jenna.
— Não estejas tão preocupada. A maior parte da toxina já assentou e está a perder força rapidamente.
Ainda assim, Jenna sentiu pouco alívio, sobretudo depois de ver a nuvem de poeira levantada pelos pneus largos enquanto se deslocavam pela estrada de gravilha. Esforçou-se por controlar a respiração, para preservar as suas reservas de oxigénio. Tinham botijas sobresselentes a bordo, mas o objetivo era não precisar de as trocar na zona afetada, se possível.
Passados alguns minutos, o primeiro-marinheiro Schmitt buzinou e estendeu um braço para fora da janela.
Um cilindro da altura da cintura de um homem (um dos monitores químicos) encontrava-se na berma da estrada. Uma antena alta saía do topo, juntamente com um anemómetro utilizado para medir a velocidade do vento. Graças a Deus que a pequena vareta estava completamente parada.
Drake olhou para o monitor quando passaram por ele e disse:
— Despeçam-se do ar puro, pessoal.
Estavam agora a entrar na zona afetada.
A estrada tornou-se ainda mais íngreme enquanto continuavam a subir as colinas cobertas de vegetação, a vista ocasionalmente obstruída por pinheiros. Tudo parecia bem ao início, apenas mais um passeio pelas montanhas. Depois, apareceu o primeiro veado-mula na berma da estrada. Estava deitado de lado, o pescoço torcido por uma derradeira convulsão, uma língua grossa e cor-de-rosa saída para fora dos lábios moles.
Jenna engoliu em seco e olhou para o outro lado, mas passados alguns metros já não podia olhar para nenhuma direção. Os animais selvagens eram difíceis de avistar no vale, sobretudo durante o dia. Contudo, a explosão, o fumo e o veneno pareciam ter feito os animais saírem dos seus covis, tocas e buracos.
Passado pouco tempo, os pneus do Hummer começaram a esmagar corpos de gaivotas, Salpinctes e esquilos. Pedaços peludos de coelhos-de-cauda-de-algodão e lebres salpicavam as colinas em redor. Sombras grandes evidenciavam uma manada de veados-mula caída. Noutro lado, um dos raros carneiros-selvagens da região encontrava-se prostrado sobre as patas dianteiras, os chifres em espiral emaranhados num arbusto espinhoso.
Uma lágrima correu-lhe pelo rosto. Não conseguia secá-la. Mesmo sendo guarda-florestal, Jenna não sabia que existia tanta vida escondida nestas colinas.
Agora estão todos mortos.
A carrinha parava a cada dois quilómetros. Drake recolhia amostras do solo enquanto Lisa reunia espécimes de pelo e tecido dos animais mortos. Jenna ajudou-a a recolher uma amostra de sangue de um urso preto. Infelizmente, quando o rolaram para terem acesso à jugular, Jenna encontrou uma pequena cria esmagada por baixo do corpo da mãe.
Ao ver isto, Jenna parou e afastou-se.
— Já chega — disse ela. — Já chega.
A conversa animada entre eles esmorecia a cada quilómetro percorrido, até restar apenas o som das suas respirações, o barulho do motor e o ranger dos pneus.
Quando estavam a cerca de cinco quilómetros da zona de impacto, Drake voltou a falar.
— Reparem na vegetação que cobre a colina à nossa frente.
Jenna levantou-se do banco para ver melhor.
Até agora, as colinas pareciam bastante normais, cobertas por artemísias, mímulos, flox e alguns pinheiros. Contudo, à frente tudo mudou. De ambos os lados da estrada, as colinas estavam escuras, sem um único laivo de verde à vista.
— A explosão poderia ter provocado um incêndio nos arbustos? — perguntou Lisa.
Jenna abanou a cabeça. Tinha bastante experiência com fogos semelhantes, alguns provocados por relâmpagos, outros por campistas descuidados. Com a erva seca e os arbustos altamente combustíveis, as chamas devorariam hectares de mato em poucos minutos. Apenas restariam cinzas e alguns troncos de pinheiro queimados.
— Isto não foi um incêndio — disse Jenna.
— Vamos observar mais de perto — disse Lisa, tocando no braço do sargento artilheiro.
— Para a carrinha — ordenou Drake.
O condutor travou à beira dos campos negros.
Drake virou-se para Lisa e Jenna e disse:
— Talvez devessem ficar aqui até termos a certeza de que é seguro.
Jenna revirou os olhos.
Nada era seguro no meio de tudo isto.
Dirigiu-se para a parte de trás do Hummer e saltou para fora. Lisa seguiu-a, acompanhada pelos outros.
— Traz os kits de recolha — ordenou Lisa ao irmão.
— Já os tenho — respondeu Josh, saltando da carrinha e aterrando suavemente.
Com o condutor instruído para permanecer atrás do volante, o grupo fez-se ao caminho pelo campo. Jenna caminhava cuidadosamente. Grande parte do que conseguira crescer neste ambiente agreste e alcalino desenvolvera defesas bastantes perigosas: espinhos longos, picos recurvados, ramos afiados. Jenna receava furar ou comprometer a integridade do fato.
Todos atravessavam cuidadosamente a paisagem repleta de verdes, roxos e vermelhos em direção à escuridão. Parecia que uma sombra caíra sobre a parte de cima da colina. A linha que separava as duas áreas parecia nítida à distância, mas quando se aproximaram repararam que esta era bastante menos definida, uma mistura de flora saudável e morta.
Lisa orientou o irmão.
— John, recolhe uma planta que pareça saudável nesta zona. Eu vou colher um dos espécimes que parece esturricado. — Lisa apontou para Drake. — Vamos recolher também amostras do solo aqui.
Enquanto todos se afastavam para fazer o que Lisa mandara, Jenna permaneceu ao seu lado. Juntas, entraram nos campos sombrios e agacharam-se junto a um tufo de plantas altas e esguias, cada caule coroado de pétalas negras.
— Castilleja — disse Jenna. — Pincel-do-deserto. Por vezes é chamada fogo-da-pradaria, devido às suas flores vermelho-vivo. Elas começam a florir nesta altura do ano.
Jenna apontou para uma extensão saudável destas plantas nas áreas mais baixas da colina, onde floriam em tons de vermelho-escarlate.
Lisa pegou no pé de uma das plantas doentes e arrancou-a da terra, com raízes e tudo. Contudo, quando a tentou dobrar para colocar no saco grande de plástico, próprio para a recolha de amostras, o caule e as folhas desfizeram-se, como uma escultura feita de areia.
Jenna ajudou-a, segurando o saco aberto para recolher os detritos que caíam. Quando terminaram, levantaram-se. Lisa olhou fixamente para o topo da colina.
— Vamos dar uma vista de olhos — disse Jenna, querendo perceber a dimensão dos estragos.
Assentando cada bota no chão com imenso cuidado, subiram a colina até ao cume. Jenna engoliu em seco com a vista que surgiu perante os seus olhos. Colinas negras estendiam-se até onde o olhar alcançava e uma acalmia absoluta cobria toda a área.
À distância, uma cerca de arame atravessava a colina morta, demarcando o limite oficial da estação de investigação.
— Poderia aquela nuvem tóxica ter causado esta destruição? — perguntou Jenna. — Será que o gás era, de alguma maneira, ainda mais mortífero tão próximo da base?
— Talvez, mas duvido.
Jenna ouviu o medo na voz de Lisa e sabia o que a preocupava.
Seria um indício de que algo escapara da base? Jenna olhou em redor. E, pior ainda, será que ainda está ativo?
Lisa afastou-se, arrastando Jenna consigo, e disse:
— Vamos continuar até ao local de impacto. Procurar indícios e regressar à nossa base com as amostras. Assim, talvez tenhamos algumas respostas.
De volta aos limites do campo escuro, encontraram Drake e o fuzileiro a fixar uma fila de estacas de madeira ao chão ao longo das bermas, delineando a fronteira. Do outro lado, Josh encontrava-se de pé, segurando uma caixa com as amostras do resto da equipa, tanto do solo, como das plantas.
Regressaram juntos para o Hummer, subiram a bordo e continuaram a sua viagem em direção ao centro devastado da zona de impacto.
Jenna estava boquiaberta face à destruição que os rodeava, reparando no cadáver de um coiote na valeta, quase sem pelo, o seu corpo tão escuro como os campos.
Jenna olhou fixamente em direção à base.
Que horror criou, doutor Hess?
06h43 PDT
Baja California, México
Kendall Hess encontrava-se de pé junto ao pequeno avião enquanto este era abastecido. Tinha-lhe sido dada autorização para esticar as pernas. O homem corpulento que o guardava, Mateo, entregou um maço de notas de cem dólares preso com um elástico a um homem local com olhos desconfiados a espreitarem por baixo da aba do chapéu de vaqueiro.
Deve ser um traficante de droga, pensou Kendall. A pista de aterragem não assinalada e o camião de abastecimento solitário davam credibilidade à sua dedução.
Depois dos acontecimentos nas montanhas, Kendall esforçara-se ao máximo por monitorizar o seu percurso para sul. Mateo abandonara o helicóptero no deserto do Nevada e mudara para um avião privado num pequeno aeródromo. Mudara outra vez para este Cessna no Arizona e usara-o para atravessar a fronteira antes do amanhecer. Desde então, viajavam pela península de Baja. Kendall desconfiava que se encontrava algures a sul da cidade de San Felipe.
À distância, o mar de Cortez brilhava de forma esplendorosa, com uma luminosidade azul-celeste que contrastava com as dunas do deserto circundante. Era uma paisagem agreste e árida, salpicada por uns quantos catos.
Kendall reconhecia as plantas altas e espinhosas. Pachycereus pringlei, chamados catos-elefante, pela sua dimensão. Esta espécie em particular cativara a sua atenção científica devido à sua capacidade de sobreviver em territórios tão hostis. Crescia bem acima dos dez metros de altura e era capaz de viver mais de mil anos, geralmente em solo constituído por pouco mais que rocha. Conseguia isto através de uma relação simbiótica com uma bactéria única. O microrganismo ajudava a quebrar a pedra e a converter o nitrogénio em compostos biológicos capazes de serem assimilados pela planta. A relação era de tal forma bem-sucedida que o cato acumulava a bactéria nas suas próprias sementes.
Kendall estudara brevemente aquele micróbio como parte da sua investigação sobre extremófilos, mas provara ser um beco sem saída.
Vamos esperar que não seja o meu caso.
— Volta para dentro — ordenou Mateo, bruscamente.
Sabendo que não tinha alternativa, Kendall baixou-se para passar debaixo da asa e subiu para a cabina, seguido de perto pelo seu maciço guarda. O piloto do avião era o mesmo que os trouxera da Califórnia. Assim que Kendall se sentou, o Cessna começou a percorrer a pista, depois levantou voo, novamente em direção a sul.
Para onde me estão a levar?
Kendall não sabia a resposta a esta pergunta, mas sabia quem o esperava no destino. Era o mesmo homem que orquestrara o ataque e que, provavelmente, manipulara a investigação de Kendall à distância ao longo da última década.
O sacana, outrora colega, fora dado como morto há onze anos. O seu avião despenhara-se no Congo e, uma semana depois, uma equipa de salvamento encontrara os destroços, juntamente com os restos mortais carbonizados do que parecia ser a tripulação e os passageiros. Kendall sabia agora que isso era mentira, mas na altura ficara secretamente aliviado com a sua morte, receoso dos caminhos obscuros que a sua investigação estava a levar.
Se ele ainda está a seguir a mesma linha de investigação…
Kendall estremeceu de horror, sabendo o que criara no seu próprio laboratório, o que fora lançado sobre a Califórnia. Com um arrepio, Kendall era capaz de adivinhar por que razão fora raptado.
Deus nos ajude a todos.
06h46 PDT
Painter inclinou-se ainda mais sobre o monitor, com o coronel Bozeman, o comandante da base, colado a si como uma sombra. O monitor do computador estava dividido em cinco secções, com as imagens de vídeo provenientes dos vários membros da equipa da expedição. Através das suas câmaras, Painter estudava a paisagem destruída à medida que a carrinha se aproximava da rede de segurança que delimitava a antiga base.
— Não se aproximem demasiado da estação em si — disse pelo rádio, avisando a equipa. — A maior parte dessa base está debaixo de terra. Quem sabe se ainda mantém a integridade estrutural depois daquela explosão? O peso da carrinha, até mesmo dos vossos próprios corpos, pode despoletar um desabamento. Não queremos que vocês caiam acidentalmente dentro de um buraco tóxico.
— Nós também não queremos isso, senhor — respondeu Drake.
O coronel Bozeman inclinou-se sobre o ombro de Painter e falou para o microfone.
— Ouve o que o diretor diz, Drake. Não resmungues. Ele é que manda.
— Sim, senhor.
Quando o coronel se voltou a endireitar, Painter continuou:
— De acordo com as plantas da base, não deverão avançar mais de cento e oitenta metros. Se se aproximarem mais, ficarão literalmente estacionados em cima da estação.
— Acho que isso não vai ser problema — respondeu Drake.
No monitor, o Hummer atravessou os portões abertos e percorreu uma curta distância do caminho de entrada, onde parou.
— Estão a captar isto? — perguntou Drake.
Para conseguir ver melhor, Painter selecionou uma secção no monitor, aproximando a imagem. Vinha da câmara embutida no fato de Lisa, que se encontrava de pé na caixa da carrinha, proporcionando uma vista panorâmica da estrada em frente.
A cinquenta metros de distância, uma explosão fizera uma enorme cratera no flanco da colina. Uma nuvem densa de fumo pairava sobre o local. A extensão da destruição era bem maior do que ele antecipara. Parece que o doutor Hess não estava disposto a correr qualquer tipo de risco quando concebera esta salvaguarda.
— Acho que não foi apenas a base que desabou — disse Jenna via rádio.
Nikko ficou agitado aos pés de Painter, erguendo-se sobre as patas traseiras, uma orelha levantada ao ouvir a voz da sua dona.
— O que quer dizer com isso? — perguntou ele.
— De acordo com os boatos, os militares construíram esta estação dentro de uma mina que já existia. Uma mina da época da febre do ouro. Parece que a estação ao explodir fez desabar também partes dos túneis circundantes.
Isso não pode ser uma coisa boa.
Painter virou-se para Bozeman e disse:
— Temos algum mapa ou planta da velha mina?
— Vou verificar.
O coronel Bozeman saiu apressadamente, gritando ordens ao seu pessoal.
Painter respirou fundo e falou novamente:
— Vocês devem recuar, até sabermos a extensão desses velhos túneis.
— Então e a investigação da zona de impacto? — perguntou Lisa.
— Ao que parece, não vão conseguir encontrar nada de útil, de qualquer maneira. É mais seguro se…
A imagem estremeceu no monitor.
Ouviram-se gritos.
Painter viu as mãos de Lisa segurarem a barra na caixa aberta da carrinha. A dianteira do Hummer inclinou-se para baixo, o chão a desfazer-se por baixo. Estalaram fendas no terreno onde a carrinha se encontrava em direção à enorme cratera.
No monitor, Painter conseguia ver Drake bater repetidamente no topo da carrinha. «Vai, vai, vai!»
O motor rugiu em marcha atrás. Painter ouviu os pneus chiarem na gravilha.
Nikko levantou-se rapidamente, rosnando para igualar o timbre do motor em esforço.
De forma lenta, a carrinha recuou, a dianteira saindo a custo do buraco cada vez maior. O condutor conduziu para trás, ziguezagueando para obter alguma tração no piso instável. Passado um momento de cortar a respiração, atravessaram os portões e seguiram pela estrada em marcha atrás.
À sua frente, o buraco continuou a abrir e o chão desabou para dentro da mina abandonada, mas deixou de os perseguir.
Drake disse em voz alta:
— Acho que é melhor ouvirmos o diretor e desandarmos daqui.
Ninguém se opôs.
Painter recostou-se na cadeira e deu uma palmada no flanco de Nikko.
— Eles estão bem.
Tentou acalmar o cão tanto quanto o seu próprio coração, que batia acelerado. Mudou a imagem de vídeo para outra câmara, a de Josh. Enquanto o jovem ajudava a irmã a sentar-se, Painter analisou o rosto dela, as suas feições parcialmente tapadas pela máscara. Reparou que tinha madeixas de cabelo coladas ao rosto por causa do suor, mas não parecia perturbada e ainda mais importante que isso…
Estava sã e salva.
Isso era o que lhe bastava.
A expedição podia não ter descoberto nada de significativo relativamente ao que se passara na base, mas, com alguma sorte, as amostras que tinham recolhido poderiam orientá-los na direção certa.
A carrinha começava a dar a volta fora do portão quando Jenna gritou:
— Esperem!
Drake mandou o condutor parar.
Painter endireitou-se na cadeira.
— Acabei de me aperceber de uma coisa. Não sei se é importante, mas esqueci-me de o mencionar antes. — Jenna apontou para o portão. — Quando aqui cheguei ontem à noite, o portão estava aberto. Como agora. Não pensei muito nisso na altura, mas agora deixou-me curiosa.
Painter seguiu a linha de pensamento de Jenna. O inimigo fugira de helicóptero. É provável que também tenha chegado dessa forma.
— Quem deixou o portão aberto? — perguntou Jenna. — E se não tiver sido alguém a entrar na base, mas sim a fugir dela?
Painter pensou na sucessão temporal dos eventos e disse:
— Quando o pedido de ajuda foi emitido pela analista de sistemas, ela mencionou uma falha de contenção, mas nada sobre um ataque.
— O que significa que é provável que alguém, alguém de dentro, tenha sabotado a base com antecedência, pondo tudo em movimento. E, sabendo o que estava por vir, o sabotador fugiu antes que o inferno se abatesse sobre a Terra.
Painter considerou a probabilidade deste cenário.
— Faz sentido. O caos resultante ajudaria a encobrir a chegada da equipa de assalto, permitindo-lhes aterrar e raptar o Hess.
Jenna apontou para a cratera.
— E com este nível de destruição levaria semanas, se não meses, a encontrar e a identificar os corpos. Ninguém ficaria a saber que o professor Hess fora raptado por muito tempo.
— O que explica por que razão a equipa de assalto estava tão interessada em silenciá-la, Jenna. Não faziam ideia do quanto a Jenna vira e não podiam arriscar que se soubesse do rapto.
— Mas falharam — acrescentou Jenna. — E agora sabemos que é provável que alguém tenha fugido por aqui também. A única estrada para sair destas colinas passa por Mono City ou por Lee Vining. Ambas as cidades têm inúmeras câmaras de vigilância de trânsito. Se conseguíssemos descobrir o padeiro do sabotador…
Podíamos descobrir o que realmente se passou aqui… e porquê.
Anteriormente, Painter fora informado dos acontecimentos em Washington D.C., com pormenores sobre o ataque à sede da DARPA e a execução do doutor Lucius Raffee. Era evidente que alguém estava a tentar apagar todas as ligações a esta base.
Contudo, agora tinham alguma esperança de os apanhar.
Painter coçou Nikko atrás da orelha.
Tens uma dona muito inteligente.
Painter debruçou-se sobre o microfone.
— Okay, bom trabalho a todos. Vamos trazer-vos para casa sãos e salvos.
06h55
Lisa permaneceu em silêncio enquanto o Hummer descia as colinas. Na sua mente, revia os protocolos de ação para quando regressassem ao centro de operações da missão.
Na fronteira, um grupo de fuzileiros, trabalhando em conjunto com membros do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CCPD), já tinha construído uma garagem de quarentena improvisada para a carrinha. Depois de descarregar a carrinha lá dentro, Lisa e os outros tinham de despir os fatos e passar por uma série de fases de descontaminação. Além disso, a equipa teria de ficar isolada durante doze horas para observar quaisquer indícios de contágio ou contaminação.
Lisa olhou fixamente para as colinas negras, reconhecendo a seriedade desta ameaça. Estimava que a área destruída chegasse aos cento e trinta quilómetros quadrados.
Mas o que significava? Será que a explosão dispersara o que quer que estivesse a ser produzido naquele laboratório, espalhando-o por todo o lado? Se sim, teria a contramedida tóxica do doutor Hess conseguido neutralizá-lo?
As únicas respostas encontravam-se na base da marinha, onde um laboratório de experimentação biológica de nível 4 estava a ser estabelecido dentro de um hangar. Lisa estava ansiosa por voltar para lá a fim de estudar as amostras e os espécimes.
Por fim, surgiram à sua frente colinas verdes, pacificadas pela luz da manhã. Parecia que estavam a sair de um filme a preto-e-branco e a entrar noutro a cores. Alimentou-se de esperança na beleza da paisagem, na resiliência da natureza.
Em seguida, avistou todos os corpos espalhados pelas colinas… pássaros, veados, até mesmo lagartos e cobras… e um desespero pesado caiu-lhe sobre os ombros. Ou talvez fosse o peso dos malditos tanques de oxigénio. Mudou a posição do arnês que os segurava, tentando ficar mais confortável.
— Olha para ali — disse Jenna, apontando para os limites da área destruída.
Depois, Lisa também viu.
— Pare a carrinha — ordenou a Drake.
Ele obedeceu, e o veículo parou bruscamente.
Na berma da estrada, a fila de estacas de madeira que os fuzileiros tinham colocado para delimitar a zona afetada ainda lá se encontrava. Mas agora a sombra escura espalhara-se para lá da demarcação, cada vez mais perto da área verdejante.
— Ainda se está a espalhar — observou Jenna, quase a murmurar.
Drake praguejou.
Lisa engoliu o medo que lhe secava a boca e disse:
— Devíamos medir a distância a que se espalhou para lá das estacas. — Lisa baixou-se para ver as horas no painel de instrumentos do Hummer. — Podemos fazer uma estimativa aproximada da velocidade a que se está a espalhar.
— Vou tratar disso — disse Drake.
O sargento de artilharia tirou uma fita métrica da mala do equipamento que se encontrava na caixa da carrinha e voltou para a estrada.
Josh seguiu-o.
— Eu ajudo-o.
Lisa moveu-se na sua direção com o intuito de os ajudar, mas a voz de Painter fez-se ouvir no rádio.
— Lisa, sintoniza uma frequência privada.
Lisa parou, segurando com força a borda da caixa da carrinha. Acenou para os outros para continuarem.
— O que se passa?
— Se esse organismo ainda estiver vivo, se não foi destruído pelas toxinas do gás, podemos ter de incinerar toda a área.
— Mas será que o fogo o mata?
— Penso que sim.
— Porquê?
— A equipa de assalto chegou com um lança-chamas como parte do seu arsenal. É uma escolha invulgar.
Lisa compreendeu e concluiu:
— A não ser que estivessem a antecipar a necessidade de recorrer a tal arma.
— Exatamente. A equipa foi enviada para fazer uma incursão num laboratório com uma falha de contenção. Alguém os deve ter enviado com os meios necessários para abrir um caminho seguro para chegar ao doutor Hess.
— Espero que tenhas razão. — Lisa olhou para as carcaças espalhadas pela paisagem. — Talvez o objetivo secundário do gás tóxico, se as toxinas não conseguissem eliminar o organismo, fosse matar tudo o que mexia, tudo o que pudesse levar consigo este organismo para fora desta área.
— Para manter o contágio localizado.
Lisa acenou para si mesma. Esta conversa deixara-a ainda mais ansiosa por regressar ao laboratório para testar estas teorias.
Um grito estridente captou a atenção de Lisa para trás da carrinha. Josh encontrava-se de joelhos. Drake ajudou-o a levantar-se.
— Tens de ter cuidado com as pedras escondidas que há por aqui — disse Drake.
Josh deu um safanão para se soltar da mão do homem e deu um passo para trás. Olhava fixamente para a sua perna esquerda.
— Alguma coisa se espetou na minha pele. Um espinho, acho eu.
— Deixa-me ver.
Drake começou a examiná-lo, mas Lisa gritou-lhe:
— Para trás! — Lisa correu para junto deles. — Josh, não te mexas.
Chegou ao pé dos dois homens, reparando que o rosto do irmão ficara pálido.
Agachou-se e examinou o corte no fato dele e o raminho preso à sua perna por um espinho.
O pedaço do caule e a folha estavam ambos negros.
— Vai buscar fita adesiva! — gritou Drake ao outro fuzileiro; depois disse para Lisa: — Podemos remendar o fato dele. O rasgão não é assim tão grande.
Em vez disso, Lisa, com os dedos enluvados, abriu um buraco ainda maior. Conseguiu ver a canela de Josh. A pele à volta do espinho preto empalado já ficara de um tom vermelho-arroxeado.
— Arde tanto! — exclamou Josh, contorcendo-se.
Lisa voltou-se para Drake.
— Precisamos de corda. Um cinto. Algo para fazer um torniquete.
Drake foi procurar.
— Vais ficar bem — disse Lisa, mas até as suas palavras soavam forçadas e pouco convincentes. Permaneceu junto ao seu irmão mais novo, encontrando a sua mão e apertando-a com força.
Por trás da máscara, Josh respirava com dificuldade, os seus olhos semicerravam-se de dor. Parecia dez anos mais novo, o medo transformara-o num miúdo que procurava conforto na irmã mais velha.
Palavras ecoavam na sua cabeça.
Matem-nos… matem-nos a todos.
Drake voltou a correr, arrastando toda a gente com ele, à exceção do condutor. Trazia nas mãos uma corda de escalada. Lisa ajudou-o a prendê-la à volta da coxa de Josh.
— Aperta o mais que conseguires — disse ela.
Jenna encontrava-se de pé, com os braços cruzados, ansiosa, obviamente reconhecendo a ameaça.
— O torniquete vai impedir que se espalhe? — perguntou ela.
Lisa não respondeu, não querendo mentir.
Quando a corda se encontrava devidamente apertada, comprimindo os músculos da coxa de Josh, os fuzileiros içaram-no para dentro do Hummer. Enquanto o levantavam e o colocavam na caixa aberta do veículo, Lisa dirigiu-se à mala de equipamento e retirou o que precisava.
A voz de Painter surgiu na frequência privada.
— Lisa…
— Tem de ser feito — sussurrou ela.
— Ao menos espera até chegarem aqui.
— Vamos perder demasiado tempo.
Quando Lisa se virou, Drake ficou boquiaberto ao ver o que ela tinha na mão. Ela passou-lhe o machado de incêndios.
— Pelo joelho — disse ela. — Corta-a pelo joelho.