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29 de abril 19h55 PDT
Sierra Nevada, Califórnia

Se me espetarem mais uma maldita agulha…

Jenna andava de um lado para o outro na sua secção da recentemente alargada unidade de isolamento. Estava de quarentena há doze horas.

No interior do hangar, a equipa do CCPD acrescentara novos módulos ao hospital de isolamento existente. Através da janela de um dos lados, conseguia ver Josh, inconsciente, deitado na cama. Sofrera mais dois ataques na tarde anterior, com episódios de alucinações.

Do seu módulo, observou o rapaz a ser sujeito a mais uma bateria de exames. Uma enfermeira segurava-o virado de lado, enquanto o médico realizava uma punção lombar. Restavam poucas dúvidas de que Josh fora infetado pelo microrganismo que se encontrava por aí. Contudo, pelo que sabia, ainda não tinham conseguido isolar a presença do vírus infecioso em nenhum dos tecidos ou no sangue de Josh.

Continuavam a recolher amostras dela, também, à procura do mesmo.

Do outro lado do seu módulo — da minha cela de prisão, pensou ela, furiosa — outra janela dava para Sam Drake, na secção vizinha. Tal como ela, tinha a bata do hospital vestida e não parecia nada contente, sentado na sua cama. Ambos tinham sido completamente desinfetados ao chegar, um procedimento humilhante que incluía respirar por um nebulizador pressurizado que administrava uma dose aerossolizada de um antimicrobiano de largo espetro. Era uma medida de precaução caso tivessem inalado alguma das partículas infeciosas dentro do bangalô de Yosemite… não que o fármaco tivesse uma eficácia comprovada.

Mas, pelo menos, é melhor que nada…

Desde então, ela e Drake foram testados, esfregados, picados e viram todos os seus fluidos corporais serem recolhidos. Até agora, nenhum deles sofria dos sintomas clínicos que Josh manifestara nas primeiras doze horas: nomeadamente, picos de febre e tremores musculares. Por esta razão, os médicos acreditavam que ela e Drake tinham escapado à infeção no bangalô. Ainda assim, por precaução extra, tinham de ficar de quarentena mais um dia. Se continuassem assintomáticos, podiam ter alta.

Podiam, era a palavra-chave.

Neste momento, havia poucas certezas.

Com uma exceção…

Jenna deu outra volta à sua cela. A preocupação fazia-a continuar a mexer-se, agitada, sem conseguir estar muito tempo sentada ou deitada. Havia um terceiro membro da equipa de Yosemite cujo futuro era bastante mais incerto.

Nikko.

O seu parceiro fora levado para o complexo de laboratórios de investigação do outro lado do hangar escuro. Lisa assegurou-lhe que Nikko seria bem tratado e de que ficaria no canil dentro do seu próprio laboratório. Infelizmente, o husky já tinha desenvolvido uma febre muito alta, acompanhada de vómitos e diarreia.

Meu pobre menino…

Jenna estava ansiosa por sair dali, para ir ter com o cão. Nem que fosse apenas para o consolar, para o fazer sentir que o amava. Sentia um misto de raiva e angústia, o que deixava uma dor no seu peito. Detestava imaginá-lo a sofrer sozinho, à procura dela, a pensar que ela o abandonara. Mas, pior que tudo isto, nem conseguia pensar em perdê-lo.

— Vais fazer um buraco no chão de tanto andar de um lado para o outro.

Jenna virou-se e viu Drake junto à janela, o seu dedo sobre o botão do intercomunicador. Ele sorriu de forma suave, triste, sabendo perfeitamente que ela estava a sofrer.

Ela aproximou-se da janela, carregou no botão e disse:

— Se, ao menos, eu pudesse ir ter com ele.

— Eu sei, mas a Lisa vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance. — O olhar de Drake moveu-se para a janela atrás dela. — Especialmente porque ela tem um interesse muito pessoal neste caso.

Jenna sentiu alguma culpa. O que era a perda de um cão comparada à de um irmão? Talvez precisasse de pôr tudo em perspetiva, para ser mais profissional. No final de contas, Nikko era apenas um cão.

No entanto, Jenna recusava-se a aceitá-lo.

Para ela, Nikko era como um irmão.

— O que podemos fazer enquanto esperamos — disse Drake, baixando a voz — é perceber contra o que estamos a lutar. Se descobríssemos o que estava a ser criado naquele maldito laboratório, talvez o Josh e o Nikko tivessem mais hipóteses de sobreviver.

Trovões ribombavam no exterior, fazendo estremecer o hangar e lembrando a Jenna de que não era apenas Josh e Nikko que estavam em perigo. A tempestade chegara finalmente à bacia do lago Mono e a chuva começara a cair nas terras mais altas. Segundo o diretor Crowe, as equipas de emergência estavam a usar helicópteros para largar pilhas de sacos de areia nos regatos mais vazios e nos leitos dos riachos secos, numa tentativa de limitar a disseminação do contágio.

Não que alguém esperasse uma contenção absoluta.

Mesmo que os esforços iniciais de colocar sacos de areia resultasse, quanto tempo durariam essas barragens improvisadas? E se o organismo alcançasse os lençóis de água subterrâneos que corriam por toda a região, contaminando o próprio lençol freático?

Drake tinha razão.

Jenna manteve o dedo sobre o botão do intercomunicador.

— Mas como podemos ajudar a descobrir mais alguma coisa sobre o maldito microrganismo? Sobretudo, aqui fechados. Com a sabotadora morta, essa era a nossa última pista direta.

— Então e indireta? — propôs Drake.

Jenna respirou fundo, tentando controlar a sua ansiedade e frustração. Com a base destruída, o doutor Hess raptado e ainda desaparecido, o rasto parecia impossível de seguir. Ao que se sabia, o círculo de investigadores do doutor Hess estava no laboratório na altura da sua destruição. Amy Serpry fora a sua última esperança.

Com mais tempo, talvez fosse possível encontrar outra pista.

Mas eles não tinham mais tempo.

— Será que nos escapou alguma coisa? — perguntou Drake, claramente escrutinando o seu próprio cérebro.

Jenna reviu tudo na sua cabeça: desde o pedido de socorro inicial recebido por Bill Howard até ao momento em que viu o corpo de Amy Serpry ser levado de avião, selado num saco para cadáveres. O seu corpo tornara-se o centro das atenções no complexo de laboratórios de biossegurança nível 4 do outro lado do hangar.

Jenna fechou os olhos, percorrendo mentalmente os horrores das últimas quarenta e oito horas. Era difícil acreditar que só tinham passado dois dias desde aquela chamada de Bill Howard.

Aquela chamada…

Abriu os olhos, mostrando o seu choque.

— Jenna? — perguntou Drake.

— Tenho de falar com o Painter Crowe! Agora!

20h12

Por enquanto, Painter tinha o gabinete do coronel Bozeman só para si. Era um raro momento de privacidade no que se tornara o centro de comando para operações de emergência na área. Nos últimos dois dias, um furacão de agências políticas, militares e agentes da autoridade caíra sobre esta região, sobretudo em cima de Painter. Se a agência tinha um acrónimo, estava no terreno a necessitar de ajuda, orientação ou aconselhamento.

Tal como era habitual nestas situações, aquilo ameaçara rapidamente tornar-se um caos ineficaz. Felizmente, devido aos esforços anteriores da Sigma, o presidente interviera pessoalmente e concedera autoridade plena a Painter, colocando-o numa posição de chefia.

Mas tem cuidado com o que desejas…

Painter ainda estava com dificuldade em chefiar as várias agências, em fazer com que todos trabalhassem como uma equipa. Deixara-o com pouco tempo para pensar, apenas para agir, para ir remediando o que conseguia.

Assim, aproveitou esta calma momentânea, sabendo que era apenas a tranquilidade antes da tempestade.

Devia ir lá abaixo ver a Lisa.

Já não a visitava há várias horas. Não que falar através de uma janela fosse o mesmo que segurá-la nos braços. Ela não parecia a mesma desde a última vez que a vira. Ele sabia por que razão Lisa se encontrava nesse estado. Josh estava a piorar e não havia esperança de qualquer tratamento eficaz no horizonte.

Painter empurrou a sua cadeira para trás, pronto para a consolar o melhor que sabia… quando a porta se abriu. Era o fuzileiro que fora nomeado para seu adjunto, uma jovem austera com um uniforme impecável e um boné com o nome Jessup.

— Diretor Crowe — disse ela —, a guarda-florestal Beck está em linha. Disse que é urgente.

— Passe a chamada.

Ele trocara poucas palavras com Jenna e Drake depois de eles regressarem de Yosemite. Até ao momento, ambos estavam saudáveis e era provável que tivessem evitado a contaminação. Eram boas notícias num dia tão mau, sobretudo porque ainda não havia notícias da equipa de Gray na Antártida desde que chegara à estação inglesa no gelo. Até agora, Kat não estava demasiado preocupada, sabendo que um enorme erupção solar limitava as comunicações na maior parte do hemisfério sul.

Deveriam ter notícias de Gray em breve.

Por enquanto…

Crowe atendeu a chamada.

— Daqui fala o diretor Crowe.

— Senhor! — Jenna parecia agitada. — Acabei de me lembrar de uma coisa que é capaz de ser importante.

Painter endireitou-se na cadeira.

— O quê?

— No bangalô, antes de entrar, antes de ouvir o último pedido de ajuda de Amy, ouvi um telemóvel tocar no interior. Depois de tudo o que aconteceu, esqueci-me de o mencionar.

— Tem a certeza de que era um telemóvel e não o telefone do quarto?

— Tenho. Talvez fosse alguém a saber como ela estava. Um cúmplice, quem a contratou. Não sei.

— Mas isso não faz sentido. Nós recolhemos o telemóvel e os pertences da Serpry que se encontravam no bangalô antes de o interditar. Examinámos tudo minuciosamente. Eu revi pessoalmente os registos de chamadas do telemóvel dela, na esperança de encontrar uma ligação ao exterior, como a Jenna acabou de mencionar.

— E?

— E não havia nada significativo. Umas quantas chamadas para familiares e amigos. Mas, ainda mais importante, não havia uma única chamada feita ou recebida naquele telemóvel nas últimas vinte e quatro horas. Mesmo que ela não tivesse atendido, a chamada perdida apareceria nos registos.

Fez-se uma pausa demorada na linha.

— Tenho a certeza de que era o telemóvel dela — disse Jenna, com firmeza. — Alguém estava a tentar contactá-la.

Painter ganhara respeito pela guarda-florestal e acreditou na sua palavra.

— Vou pedir a um técnico que examine novamente o telemóvel.

Se Jenna estivesse certa e os registos tivessem sido de alguma maneira apagados ou corrompidos, tal ato seria significativo. Poderia indicar que a última chamada fora feita por alguém do grupo de Serpry, talvez até pela pessoa que estava acima dela.

— A Jenna é capaz de nos ter dado uma nova pista — admitiu Painter.

— Ainda bem. Então, se surgir alguma coisa, quero estar envolvida na sua investigação.

Ao fundo, ouviu uma voz impetuosa a expressar o mesmo desejo, vinda do sargento artilheiro Drake.

— Eu também!

Painter sabia o quanto ambos estavam determinados a ajudar, sobretudo depois do que acontecera ao cão da guarda-florestal.

— Vamos ver onde isto vai dar primeiro — disse ele, sem se comprometer.

— Nós não estamos doentes! — gritou Drake do fundo. — Nós vamos sair daqui! Nem que eu tenha de pegar num bisturi e cortar um caminho daqui para fora.

Painter compreendeu a determinação de ambos. Via o mesmo nos olhos de Lisa sempre que a visitava. Mas, por vezes, nem toda a determinação do mundo era suficiente. Por vezes, só havia um caminho a seguir.

Tomar decisões complicadas e difíceis.

20h22

— Doutora Cummings, acho que devíamos abater o cão.

Lisa virou-se para o doutor Raymond Lindahl. O diretor do Centro de Desenvolvimento de Testes dos Estados Unidos estava agachado no seu fato NBQ em frente da jaula de aço inoxidável onde o husky se encontrava.

Nikko estava deitado de lado, a respirar com dificuldade, com uma agulha colocada. Fora-lhe administrado um sedativo ligeiro para o manter calmo, juntamente com antieméticos para controlar os vómitos e uma mistura de antivirais.

Ainda assim, o estado do cão continuava a piorar.

— Ele está a sofrer — disse Lindahl, endireitando-se para estar de frente para ela. — Vai fazer-lhe um favor. No nível de infeção em que se encontra, uma necropsia ia permitir-nos uma melhor compreensão da doença nesta fase inicial. É uma oportunidade rara.

Lisa manteve a voz no mesmo tom, apesar da raiva que fervia dentro de si.

— Podemos aprender o mesmo se continuarmos a monitorizar os sinais clínicos do paciente e a sua resposta a vários tipos de tratamento.

O homem revirou os olhos.

— Até compreendermos com o que estamos a lidar, qualquer tratamento será apenas um tiro no escuro. É um desperdício desnecessário de recursos e tempo.

Lisa colocou-se entre Lindahl e a jaula de Nikko.

O diretor suspirou.

— Não quero ter de a mandar fazer isso, doutora Cummings. Pensei que ouvisse a voz da razão.

— Eu não acato ordens suas, doutor Lindahl.

Lindahl olhou para Lisa de cima a baixo.

— Foi-me dada autoridade total sobre estes laboratórios pelo comando militar. Além disso, pensei que queria fazer o humanamente possível para ajudar o seu irmão.

Lisa reagiu bruscamente à acusação de Lindahl.

— Não há nada de humano no que está a propor fazer.

— Não pode deixar que os sentimentos interfiram no seu profissionalismo — argumentou ele. — A ciência tem de ser, necessariamente, desprovida de paixão.

— Até os seguranças me arrastarem à força deste laboratório, não vou deixar que ninguém faça mal ao meu paciente.

A discussão sobre o destino de Nikko foi interrompida pelo sibilar da porta do laboratório a abrir. Ambos se viraram e viram o virologista, Edmund Dent, a entrar no laboratório, acompanhado pelo geneticista da equipa, o doutor Henry Jenkins, um prodígio louro de apenas vinte e cinco anos.

Pela expressão do rosto de Edmund, visível por detrás da máscara, tinha más notícias.

— Queria que ouvisse isto pessoalmente — começou o virologista. — Recebemos os resultados dos últimos testes que fizemos ao seu irmão.

Lisa sentiu um nó no estômago, juntamente com alguma sensação de alívio, tendo uma ideia do que Edmund lhe vinha dizer. Já há muito que esperava que isso acontecesse.

— Embora continuemos sem encontrar uma viremia ativa no sangue de Josh, o que é bom sinal, analisámos as últimas amostras de líquido cefalorraquidiano.

Edmund fez sinal ao seu acompanhante para o seguir até ao computador. Henry entrou no sistema e acedeu à ficha clínica de Josh. A fotografia do seu irmão apareceu momentaneamente no monitor, retirada da sua carta de condução, o seu rosto sorridente e queimado pelo vento na última excursão que fizera pelas montanhas.

O coração de Lisa ficou apertado ao ver a imagem.

Esta foi rapidamente substituída pela microfotografia eletrónica.

A imagem mostrava um conjunto de viriões, recolhido do sedimento de líquido cefalorraquidiano do seu irmão depois de processado pela ultracentrifugadora do laboratório. Até agora, Lisa não tinha qualquer dificuldade em reconhecer a forma característica do inimigo.

No entanto, sentia dificuldade em contrabalançar o rosto sorridente do irmão com o horror exibido no monitor. As lágrimas vieram-lhe aos olhos. Não conseguia falar.

Edmund apercebeu-se do seu sofrimento.

— Achamos que a evolução da doença de Josh foi tão prolongada porque o vírus viajou pelos nervos da perna até atingir o sistema nervoso central. O caminho semelhante ao utilizado pelo vírus da raiva. Também é capaz de explicar por que razão ainda não encontrámos uma presença viral ativa no seu sangue e porque demorou tanto tempo para detetarmos a sua existência.

Henry clarificou a importância da descoberta.

— Quando lhe amputaram a perna no terreno, a hemorragia deve ter removido as partículas virais que se tinham começado a instalar nos sistemas circulatório e linfático do membro.

— Mas não as removeu do sistema nervoso periférico — acrescentou Edmund. — Algumas partículas devem ter alcançado o nervo tibial ou talvez até o nervo fibular comum antes da amputação. Permaneceu ali e começou a espalhar-se lentamente para o sistema nervoso central.

Lisa parecia nauseada.

Edmund tocou-lhe no braço e disse:

— Ainda assim, isto prova que a sua ação rápida no terreno deu mais algum tempo precioso ao seu irmão.

Lisa sabia que Edmund estava a tentar atenuar a culpa que sentia, mas tinha noção da verdade fundamental.

Eu devia ter cortado a perna toda de Josh.

Em vez disso, Lisa tentara que o irmão ficasse com um joelho funcional, o que lhe proporcionaria uma melhor mobilidade com o uso de uma prótese. Ativo como ele era, Lisa tentara dar-lhe a melhor hipótese de regressar a uma vida o mais normal possível.

Se ao menos eu tivesse seguido a filosofia de Lindahl de há pouco.

Naquele campo, Lisa deixara as suas emoções interferirem na sua decisão profissional. E, agora, isso podia custar a vida de Josh.

Edmund apontou para o monitor do computador, provavelmente para a distrair.

— Devo dizer-lhe que o doutor Henry descobriu um pouco mais sobre o que faz este monstro reagir.

Lisa lutou contra o desespero que sentia, sabendo que não ia ajudar Josh em nada.

Henry explicou:

— Tenho estado a trabalhar com o biólogo molecular da equipa para fazer uma análise genética do que está no interior da cápside sintética do virião.

Lisa imaginou o invólucro de proteína esférico, sustentado por um revestimento de fibras resistentes de grafeno. Na altura perguntara-se o que estaria escondido por baixo daquele exterior duro.

— Macerámos e centrifugámos amostras do vírus de forma a libertar os ácidos nucleicos que compõem a sua codificação genética…

Lindahl chegou-se à frente, acenando com impaciência.

— Não precisamos que nos diga como se faz a salsicha, doutor Jenkins. Não somos alunos de biologia do primeiro ano. Diga-nos apenas o que descobriu.

Edmund olhou para o diretor com um ar reprovador e disse:

— O doutor Jenkins estava a tentar explicar a dificuldade que teve. É importante para percebermos o que ele descobriu.

— Que dificuldade? — perguntou Lisa.

Henry olhou fixamente para ela, com a sua aparência extremamente juvenil, os seus óculos de armações grossas pretas e um ar calmo.

— As nossas tentativas de extrair ADN falharam. Na verdade, utilizando um indicador de difenilamina, não conseguimos identificar qualquer tipo de ADN. Tentámos outras técnicas, claro, mas sem melhor sorte.

— E ARN? — perguntou Lisa.

Ela sabia que os vírus estavam divididos em duas categorias: os que utilizavam ácido desoxirribonucleico, ADN, como base genética, e os que usam ácido ribonucleico, ARN.

— Também não encontrámos qualquer tipo de ARN — respondeu Henry.

— Isso é impossível! — Lindahl deixou transparecer a sua irritação. — Então, o que é que encontraram?

Henry olhou para Edmund, que respondeu pelo geneticista mais tímido.

— O doutor Jenkins e o biólogo molecular descobriram uma forma de AXN.

Lisa franziu o sobrolho, sem perceber.

Edmund explicou:

— Depois de extraírem com sucesso ácidos nucleicos do invólucro duro do virião, não encontraram desoxirribose ou ribose. Em vez disso, descobriram que o seu material genético era composto por algo estranho.

— O X é de xeno — disse Henry —, que significa «o que vem de fora».

— Mas não quer dizer extraterrestre — acrescentou Edmund rapidamente. — Achamos que este material genético foi criado. Há mais de uma década que os cientistas se aventuram numa tentativa de criar tipos exóticos de AXN, demonstrando nos seus laboratórios que estas moléculas são capazes de se replicar e evoluir, tal como o nosso ADN.

— Mas o que é diferente no caso deste virião? — perguntou Lisa. — O que se encontrava no lugar da desoxirribose ou da ribose nestas moléculas genéticas?

Henry mordeu o lábio inferior, depois respondeu:

— Ainda estamos a investigar isso, mas até agora detetámos vestígios de arsénico e níveis demasiado elevados de fosfato de ferro.

Arsénico e ferro…

Lisa franziu a sobrancelha, lembrando-se de que o doutor Hess viera até ao lago Mono por causa da descoberta de uma bactéria na sua lama que prosperava em arsénico. Será que existia alguma ligação?

— Mas o que será que o doutor Hess pretendia criar com tudo isto? — perguntou Lindahl. — Qual era o objetivo do projeto?

Edmund encolheu os ombros e disse:

— Só podemos tentar adivinhar. Mas há um pormenor importante relativamente aos AXN criados em vários laboratório e de que se tem conhecimento. Foi provado que todos eles são mais resistentes à degradação.

Por outras palavras, mais tenazes.

— Tal como aquele invólucro exterior — disse Lindahl. — Não é de admirar que não consigamos destruir aquela maldita coisa.

— Pelo menos, por enquanto — argumentou Henry. — Mas, se conseguíssemos perceber melhor o que compõe essa molécula exótica, basicamente descobrir o que é o X neste AXN, teríamos alguma hipótese de desenvolver não só um virucida para matar o organismo, mas também um regime terapêutico para qualquer pessoa infetada pelo vírus.

Lisa pensou em Josh, do outro lado do hangar, e permitiu-se sentir alguma esperança, ainda que pouca.

— Há outro pormenor relativamente ao AXN que é capaz de ser importante — acrescentou Edmund. — Está ligado à origem da vida. A investigação atual sobre a capacidade que o AXN tem de se replicar e evoluir sugere que talvez tenha existido um sistema genético mais primitivo neste planeta, um sistema genético mais antigo que o ADN e o ARN e que precede o mundo moderno.

Lisa considerou esta possibilidade e as suas implicações.

— O cerne da investigação do doutor Hess era arranjar uma forma de parar a atual extinção em massa. Será que essa experiência com formas de vida sintética tinha algo que ver com isso? Estaria ele a tentar construir um ecossistema mais resistente, que tivesse por base ou fosse sustentado pelo AXN, algo que conseguisse aguentar a poluição ou sobreviver ao aquecimento global? — perguntou Lisa.

— Quem sabe? — admitiu Edmund. — Vai ter de lhe perguntar, se alguma vez o encontrarmos. Mas o Henry tem uma última preocupação relativamente ao problema que temos em mãos.

— E qual é? — perguntou Lindahl.

Henry virou-se para eles.

— Eu não acho que este virião seja artificial… pelo menos não completamente.

— Porque acha isso? — perguntou Lisa.

— Até à data, ninguém foi capaz de fabricar, com sucesso, um organismo AXN totalmente funcional. O número de variáveis necessárias para conseguir isso é astronómico. Parece-me um salto científico demasiado grande, mesmo para o doutor Hess.

Lindahl apontou para a microfotografia que ainda se encontrava no monitor e disse:

— Mas ele conseguiu. Aí está a prova.

Henry abanou a cabeça e disse:

— Não, necessariamente. Penso que ele tenha dado esse salto científico utilizando um modelo. Acho que ele descobriu algo exótico, um organismo AXN vivo, e simplesmente manipulou-o para criar a sua forma atual, dando origem a um híbrido da biologia natural e sintética.

Lisa acenou com a cabeça lentamente.

— O doutor Jenkins é capaz de ter razão. O doutor Hess tinha um grande interesse por extremófilos. Procurava por todo o mundo coisas invulgares e bizarras. Talvez tenha encontrado alguma coisa.

Seria essa a razão por que fora raptado?

— E se conseguirmos descobrir o que ele encontrou — acrescentou Edmund —, talvez fiquemos a saber o que significa o X e possamos começar a resolver esta trapalhada imensa.

O rádio de Lisa soou e a voz de Painter surgiu na frequência privada. Estava ansiosa por falar com ele, para partilhar o que acabara de descobrir, tanto o horrível, como o que lhe trazia alguma esperança.

— Acho que temos mais uma pista — disse Painter antes de Lisa conseguir falar. — A Jenna sugeriu que examinássemos novamente o telemóvel da Amy Serpry. Parece que alguém se esforçou muito para apagar a sua comunicação com Serpry, eliminando os registos de chamadas junto da própria operadora de telecomunicações. No entanto, nem tudo desapareceu, sobretudo quando se sabe como e onde procurar.

— O que descobriste? — perguntou ela, afastando-se dos outros.

Painter explicou:

— Conseguimos recuperar registos suficientes para descobrir que foi efetuada uma chamada para a Amy Serpry da América do Sul. Da cidade de Boa Vista, a capital do estado brasileiro de Roraima, na região norte do país.

Lisa ajoelhou-se junto à jaula de Nikko. O husky levantou a cabeça, os seus olhos vítreos moveram-se na sua direção. Ele abanou a causa uma vez.

Lindo menino.

— Antes que a pista desapareça — disse Painter —, vou levar uma equipa comigo para lá a fim de investigar. Vou mantendo contacto com o coronel Bozeman, que vai ficar encarregado das operações por aqui durante a minha ausência.

Lisa queria ir com ele, para ficar ao lado de Painter, mas cruzou o olhar com o husky em sofrimento e percebeu que o seu lugar era ali. Também se lembrou do aviso de Lindahl.

Não pode deixar que os sentimentos interfiram no seu profissionalismo.

Não podia cometer esse erro novamente. Ainda assim, isso não impedia que se sentisse preocupada. Quando Painter desligou, uma pergunta ecoava na sua cabeça.

O quê ou quem estaria à espera de Painter no Brasil?