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30 de abril, 17h33 GMT
Terra da Rainha Maud, Antártida
— Quanto tempo falta até termos esta maldita coisa instalada? — perguntou Dylan, apontando o rádio que segurava para a parabólica do LRAD parcialmente montada.
As luzes do enorme CAAT incidiam sobre a equipa de três homens que tentava prender seis painéis gigantescos, cada um pesando cerca de trinta e cinco quilos, a uma estrutura. Outros dois homens ligavam os cabos do gerador portátil a gasóleo. Dylan escolhera um local o mais dentro possível do Coliseum, direcionando a parabólica para a entrada do sistema de cavernas, para a estação de Hell’s Cape.
Até agora, tudo corria bem.
Dylan deixara um pequeno contingente de homens na estação. Tinham conseguido abrir um túnel através da estação utilizando explosivos e maçaricos, abrindo uma passagem para o resto do mundo. Os seus esforços demoraram mais do que inicialmente previsto, devido ao cuidado extra necessário para não detonarem as bombas antibunker, que tinham sido armadilhadas para explodirem se lhes mexessem.
Mas tudo correra bem.
Faltava apenas provocar uma debandada para esta nova saída. O LRAD 4000X que estavam a montar podia emitir uns poderosos 162 decibéis e tinha um alcance de cinco quilómetros ou até mais, devido à acústica destas cavernas.
— Quanto tempo? — perguntou Dylan, novamente.
— Preciso de mais dez minutos! — respondeu um dos membros da equipa, puxando um cabo para fazer pegar o gerador.
Dylan gritou para se fazer ouvir no meio de tanto barulho.
— Christchurch e Riley, venham comigo! Preciso de desencaixar e trazer para baixo o LRAD mais pequeno que está no cimo do CAAT. Agarrem na sua bateria portátil e no controlo remoto do 4000X.
As suas ordens foram imediatamente seguidas, sem qualquer pergunta, apesar de o seu pedido não fazer parte do plano original. Dylan e os seus homens tinham consciência das consequências do que estavam prestes a fazer, compreendiam o dano ecológico que seria provocado ao libertar esta biosfera isolada e agressiva no resto do mundo, mas, tendo em conta que estavam a ser bem pagos, não se importavam. Lidar com os danos ambientais seria problema de outra pessoa.
Ainda assim, inquietava-o o facto de não ter conhecimento de toda a situação. Sobretudo depois daquele telefonema. Olhou fixamente para o rádio que tinha na mão. Recebera uma ligação da estação de Hell’s Cape, retransmitida da América do Sul. Parecia que Cutter Elwes decidira alterar os parâmetros da missão à última hora. Após negociar um avultado bónus de risco, Dylan acabou por concordar, deixando de lado as suas preocupações.
Mais duzentas mil libras compravam muita paz de espírito.
Christchurch saltou de cima do CAAT, carregando a pesada parabólica de sessenta centímetros debaixo do braço, com tanta facilidade como se de uma bola de râguebi se tratasse. Na verdade, o homem tinha a constituição de um fullback, com os seus membros maciços e mãos enormes. Riley, um pouco mais alto e com menos sessenta quilos, seguiu-o com a bateria, enrolando os cabos à volta do antebraço.
Quando chegaram ao pé dele, Dylan apontou para os túneis atrás do CAAT estacionado, para o desconhecido.
— Parece que temos uma caçada pela frente.
— O que vamos caçar? — perguntou Riley.
— Volitox.
Os seus dois colegas de equipa trocaram olhares entre si, não parecendo muito satisfeitos. Dylan não podia censurá-los, mas ordens eram ordens. Além disso, sentia-se à altura do desafio. Pousou a mão sobre a sua pistola Howdah, que se encontrava no coldre. Ansiava testar as suas capacidades contra uma das espécies mais agressivas… e mais perigosas aqui em baixo.
Ainda assim, no que diz respeito a este lugar infernal, pensou Dylan, olhando para o LRAD portátil, nunca se pode ser demasiado cuidadoso.
— Senhor! — gritou um homem, apontando para um par de luzes à distância, vindas na sua direção.
Era a equipa de McKinnon a regressar.
Até que enfim.
— Assim que a equipa dele chegar — disse Dylan —, comecem a arrumar tudo. Mantenham este canal de rádio sintonizado, para o caso de precisar de vos contactar.
Com tudo tratado aqui em baixo, Dylan partiu. Ainda assim, algo o preocupava, algo o mantinha mais nervoso que o habitual. Depois de seguir o rio que fluía do local onde se encontravam por mais cinquenta metros, olhou de relance para o lago de luz do local onde os outros trabalhavam, depois para o par de luzes que ainda percorriam a caverna.
McKinnon entrara em contacto antes, relatando pormenorizadamente a emboscada ao veículo de neve de Harrington. Sendo um soldado meticuloso, o escocês fora certificar-se de que não existiam sobreviventes. No entanto, Dylan não ouvira mais notícias do seu segundo em comando.
Distraído pelo telefonema inesperado da América do Sul, Dylan não pensara muito sobre isso. Mas agora…
Lembrou-se do americano expedito a disparar das traseiras daquele veículo de neve.
— Esperem — disse Dylan. Tirou o rádio do cinto e sintonizou o canal de McKinnon. — Daqui Wright. McKinnon, qual é o teu estado?
Esperou trinta segundos e repetiu a pergunta.
Ainda nada.
Suspirando pesadamente, sintonizou o canal da equipa que trabalhava no LRAD e obteve uma resposta imediata.
— Senhor?
— A montagem do LRAD já está completa?
— Sim, senhor.
— Continuem a tentar contactar o McKinnon. Se não obtiverem resposta quando o veículo dele estiver a trinta metros da vossa posição, ativem o LRAD.
— Mas isso fará com que a sua equipa…
— É uma ordem. Assim que pararem, desliguem o LRAD e abordem o veículo armados. Capturem o CAAT.
— Sim, senhor.
Dylan baixou o rádio.
Não quero mais surpresas.
Dylan apontou para a frente.
— Vamos lá apanhar um Volitox.
17h43
Através dos binóculos de visão noturna, Gray observou os homens a trabalhar na enorme parabólica do LRAD. Contou nove homens. Dylan levara consigo outros dois homens para o interior do sistema de cavernas.
A situação não lhes era favorável… mesmo com o fator surpresa do seu lado.
— Pronto? — perguntou Gray, gritando para se fazer ouvir.
Kowalski conduzia o ruidoso CAAT, tendo aprendido a manobrar com mestria o veículo com lagartas no pouco tempo que demorara a percorrer o resto da enorme caverna.
— Estou tão pronto como alguma vez vou estar.
O corpulento homem deu palmadinhas na metralhadora atravessada ao seu colo, como que a verificar que ainda ali se encontrava.
Gray pegou na sua espingarda DSR, a bateria quase no fim devido ao recente uso intensivo.
O rádio no tablier soou novamente.
— Responde, McKinnon. Se as vossas comunicações estiverem em baixo, pisquem as luzes se nos ouvirem!
Kowalski olhou para ele.
— Não o faças — disse Gray. — Isso só os vai deixar mais desconfiados, não menos.
O antigo Esquadrão X Britânico à sua frente podia acreditar que o CAAT estava com as comunicações em baixo — afinal, as antenas tinham sido danificadas durante o confronto —, mas Gray desconfiava que esta última comunicação era do inimigo a lançar o isco. Só em circunstâncias extraordinárias é que o equipamento receberia chamadas mas não transmitiria resposta.
Por agora, era melhor fingirem-se surdos e parvos.
— Estão a ficar impacientes — comentou Kowalski.
Sem escolha, continuaram em silêncio sustendo a respiração, à espera do inevitável. Então, aconteceu.
O mundo explodiu, gritando-lhes, fazendo vibrar o para-brisas. Os ouvidos de Gray pareciam estar a ser apunhalados por picadores de gelo. Deixou de ter visão periférica. A bílis subiu-lhe à garganta enquanto as vertigens o deixavam tonto.
Para lá das janelas que estremeciam, o mundo explodiu à volta do CAAT. Criaturas levantaram voo, fugindo à cacofonia. Outras saltaram dos seus esconderijos, pulando, rastejando. Um enorme Pachycerex passou por eles a grande velocidade, uma visão turva para os olhos de Gray que começaram a lacrimejar. Passado pouco tempo, já era difícil captar quaisquer pormenores, apenas uma onda de movimento a fugir daquele ataque sónico.
Não consigo aguentar muito mais tempo…
Ao seu lado, viu Kowalski cair por cima do volante.
Sem o seu piloto, o CAAT abrandou e parou.
Em seguida, Gray caiu para o lado, deslizando pela janela do passageiro abaixo, mas não sem uma última preocupação.
Não por si, mas pelos outros.
Jason, espero que tenhas conseguido chegar à Porta dos Fundos.
17h44
Façam com que isto pare…
Jason encontrava-se pendurado a meio da parede da caverna, um cotovelo enganchado em volta de uma das barras cravadas na pedra, os seus dedos dos pés fincados no degrau. Colocou o outro braço à volta da cabeça, tentando bloquear o ruído e evitar que o seu crânio se rachasse ao meio. Ranho escorria-lhe pelo rosto, juntamente com lágrimas.
Ao longe, uma estrela distante cintilava, assinalando o local de acampamento de Dylan Wright. Enquanto subia a escada, Jason olhava frequentemente nessa direção, receoso de que a equipa britânica terminasse o seu trabalho e ativasse o LRAD antes que o grupo de Jason conseguisse chegar à estação bem isolada.
Os seus piores receios tinham-se concretizado há poucos momentos.
Também reparou numa estrela mais pequena no chão da caverna. Era o CAAT que Gray tomara de assalto. Enquanto escalava a parede, Jason monitorizara o seu progresso lento, mas naquele momento reparou que o veículo parara. Nem conseguia imaginar a intensidade daquela barreira sónica tão perto da sua fonte.
Requereu todo o seu esforço esticar o pescoço e olhar para cima. Stella e o pai encontravam-se vários metros acima dele. Uma pequena lanterna estava pendurada no cinto do professor. Depois de a DSR ficar sem bateria, aquela era a única fonte de iluminação do grupo, a qual fora encontrada na mochila de Stella. Ela dera-a ao pai para que ele conseguisse ver melhor os degraus enquanto subiam a escada.
Foi um erro.
O ruído cessou de repente, de forma tão abrupta quanto começara. Apanhado desprevenido, os dedos dos pés de Jason escorregaram do degrau por um milésimo de segundo arrepiante. Ele voltou à sua posição com alguma dificuldade, arfando, agarrando-se novamente com ambas as mãos. Era como se a força do som o tivesse mantido agarrado à parede e, quando cessou, o seu corpo fosse impulsionado na direção oposta.
Ele sabia que era apenas uma ilusão causada pela confusão dos seus sentidos. Ainda assim, agarrou-se com força durante mais alguns segundos antes de levantar a cabeça.
Stella olhava fixamente para ele, as costas iluminadas pela lanterna do pai.
— Estou bem — disse ele, os ouvidos ainda a zunir, respondendo apenas à preocupação no rosto dela.
Por cima do ombro dela, algo fez uma razia à parede.
Um Hastax.
Ainda estava visivelmente em pânico devido ao ruído e atacou o alvo mais próximo, aquela irritante luz intensa que invadia o seu território aéreo. Mergulhou a pique e atingiu o pai de Stella com força suficiente para o fazer cair dos degraus.
Em câmara lenta, Jason viu o professor passar por ele aos trambolhões, caindo silenciosamente e desaparecendo na escuridão, agora nada mais que uma estrela cadente.
Stella gritou, um clamor de angústia, um braço esticado, como que prestes a seguir a queda do pai.
— Fica aí! Eu vou lá abaixo! — disse Jason, descendo rapidamente, embora não tivesse muita esperança. — Lamento, Stella, mas tens de continuar para a estação. Faz explodir aquelas bombas.
Mas seria demasiado tarde?
Um vislumbre do que se passava lá em baixo revelava uma migração sombria em progresso, iluminada por pedaços de bioluminescência a fugir da fonte do ataque sónico. Até mesmo aquela pequena explosão poderia ter consequências graves. O pânico ia inevitavelmente espalhar-se aqui e aumentar ao longo do túnel comprido em direção à saída, como uma bola de neve a rolar por uma encosta abaixo.
Jason olhou para as luzes distantes do acampamento de Wright, com mais uma certeza: aquela explosão não será a última. Com cada soar daquela corneta, o pânico aumentaria. Se aquela saída distante não fosse selada, o mundo à superfície estaria condenado.
— Espera! — gritou Stella, com lágrimas na voz. — Eu não consigo…
Jason não tinha tempo para discutir.
— Tens de conseguir!
— Ouve-me, raios!
Jason parou e olhou para ela.
— Eu… eu não sei o código — disse ela, engolindo um soluço. — Só o meu pai sabe.
Jason não considerara essa possibilidade. Ele presumira que Stella também soubesse a palavra-passe. Olhou para baixo, entre os pés, para um pequeno ponto de luz junto à base da escada. Fechou os olhos e respirou fundo para se recompor, depois abriu-os.
— Continua a subir, de qualquer forma — disse ele. — Prepara tudo. Eu vou ter contigo assim que conseguir.
— Está bem — respondeu ela, a sua voz baixa e frágil.
Ótimo.
Mesmo que ela não conseguisse fazer nada lá em cima, Jason não queria que ela visse o seu pai no chão, pelo menos não no estado em que ele esperava encontrar o velhote.
Jason apressou-se, rezado para que o professor ainda estivesse vivo.