32

30 de abril, 18h15 GMT
Terra da Rainha Maud, Antártida

Dylan Wright amaldiçoou o seu tiro falhado.

Puxou para trás com o polegar o cão do segundo cano, consciente da besta que se encontrava à sua frente. A rainha Volitox ainda procurava o corpo da sua cria, arqueando-se mais alto para fora da água, com o seu chamariz fulgurante a rolar pela margem rochosa.

O que quer que aquela recente saraivada de tiros fosse, tinha acabado tão rapidamente como começara. Momentaneamente, afastou aquilo do seu pensamento, concentrando-se na tarefa que tinha agora em mãos, o perigo imediato que se aproximava.

Um caçador não deixa que nada o distraia da matança.

Ignorou o zumbido de fundo vindo do LRAD portátil à sua direita, com a parabólica ainda apontada para o ninho. Ignorou o cintilante e hipnótico brilho do chamariz do Volitox à sua frente. Ignorou mesmo o terror primitivo na base do seu cérebro face ao gigantesco monstro.

Levantou a pistola e fez pontaria à base do tentáculo, onde o gânglio aí situado lhe dava a oportunidade de um tiro mortal.

E disparou.

A bala de grande calibre explodiu ligeiramente à esquerda no grosso tentáculo. Embora não fosse um tiro mortal perfeito, era suficientemente bom.

A rainha Volitox levantou-se acima da água com um espasmo, os seus flancos estremeceram violentamente com energia bioluminescente. A sua boca abriu-se completamente revelando milhares de dentes curvos.

À sua esquerda, Riley recuou alguns passos, esbarrando em Christchurch, que deixou cair a parabólica do LRAD. Esta aterrou com estrondo no chão de pedra, libertando faíscas de eletricidade.

Embora a espécie Volitox fosse cega e surda, era fortemente afetada por campos e correntes elétricas — qualquer corrente.

O chuvisco de faíscas despoletou um ataque por reflexo. O tentáculo chicoteou o ar, encontrando a garganta de Christchurch. Enrolou-se à sua volta, cravando aquela esfera gelatinosa e ardente na sua face. A carne crestou e o soldado gritou, asfixiado num fluxo de ácido que lhe inundou os pulmões.

Christchurch foi arrancado do chão, com o pescoço partido, e lançado para o rio.

Riley passou a correr por Dylan e desapareceu na escuridão, na direção do campo distante.

Cobarde.

Dylan manteve-se firme, imóvel, confiando no seu tiro.

A rainha Volitox — com as suas últimas forças gastas no ataque — desabou no chão, com a sua gigantesca cabeça a bater violentamente contra a rocha.

Ele esperou um minuto, depois aproximou-se com cuidado empunhando o seu punhal. Tirou uma garrafa metálica da mochila.

Cutter Elwes tinha dito que só precisava do sangue da criatura.

Bastante fácil.

Esfaqueou a besta de lado e recolheu o fluxo negro no contentor de alumínio. Uma vez cheio, enroscou a tampa.

Missão cumprida.

Agora sair daqui.

Chegou a ele o retumbar de botas em passo de corrida, tornando-se cada vez mais forte. Inclinou-se sobre o corpanzil do Volitox morto, vendo Riley regressar.

Aparentemente, o jovem soldado tinha encontrado a sua coragem.

Infelizmente, depressa perdeu a cabeça.

Ouviu-se um tiro de espingarda e parte do rosto de Riley explodiu numa massa sangrenta. O seu corpo voou para a frente, caindo a todo o comprimento no chão da gruta.

Dylan saltou para trás da carcaça do Volitox. A sua mão procurou a Howdah no coldre, mas estava descarregada. Ele olhou pela caverna para onde tinha pousado a espingarda automática. Sabia que, se tentasse chegar a ela, sofreria o mesmo destino que Riley.

Quem quer que estivesse lá fora, era um atirador exímio.

Adivinhava quem ele era, visualizando o americano, sabendo que tinha de ser ele.

Ainda não estás morto, pois não?

Talvez tivesse chegado a altura de mudar isso. Sabia que o seu adversário não tinha tanta experiência como ele em combate no escuro. Resolveu tirar vantagem do facto.

Chamou-o.

— É tempo de falarmos, parceiro!

18h17

— Acerca de quê? — gritou Gray em resposta.

Agachou-se atrás de um afloramento rochoso a cerca de trinta metros de onde Dylan Wright se escondia. Estudou o terreno com os óculos de visão noturna. O corpo do soldado estava estendido no rochedo entre eles. Anteriormente, ouvira outro homem gritar, um som seguido de um grande baque na água — em seguida, o comando que ele alvejara surgiu a correr aterrorizado.

Pelas contas de Gray, só devia restar um homem, o líder do Esquadrão X.

Manteve a sua espingarda automática apontada para o corpanzil da besta morta encalhada na margem do rio. Pelo tentáculo mole estendido ao longo do corpo, devia ser uma dessas lampreias predadoras com os chamarizes bioluminescentes.

— Quero propor um acordo — respondeu Wright. — O tipo para quem trabalho pode ser muito generoso.

— Não estou interessado.

— Não podes dizer que não tentei.

De súbito, o mundo explodiu à frente de Gray, cegando-o. Ele arrancou os óculos de visão noturna — precisamente a tempo de ver Dylan apagar uma lanterna e sair a correr do seu esconderijo. No entanto, o clarão súbito da luz intensa na escuridão, amplificada pelos óculos de visão noturna, deixara uma queimadura na sua retina.

Tiros irromperam do novo esconderijo de Dylan.

Gray recuou, compreendendo o seu erro. O sacana tinha usado a escuridão contra ele de modo a chegar a uma arma. Porém, não era só uma arma. Um pop de eletricidade e um breve hum irromperam num gemido lancinante.

Um LRAD.

O ruído apunhalou os seus ouvidos, abalando as suturas do seu crânio. Desta vez, ele não tinha proteção para aquilo. Rapidamente, ficou com vertigens. Levantou a espingarda e disparou às cegas na direção do som, mas este não parou.

O seu campo de visão estreitou-se ainda mais devido à sobrecarga sensorial.

Ele estava a instantes de desmaiar.

18h18

Posicionando a parabólica do LRAD sobre um pedregulho, Dylan manteve-a apontada para onde o americano estava. Então, colocou a espingarda automática sobre o ombro e deslocou-se para o lado, ficando afastado do raio de ação do canhão sónico. No entanto, algum do refluxo do infrassom rastejou sobre a sua pele, levantando os pelos do seu braço.

Sorriu ao imaginar aquilo que o americano devia estar a sentir.

Disposto a pôr um ponto final naquele impasse, deu mais dois passos para o lado, quase de volta ao local onde se escondera ao lado da carcaça do Volitox. Procurou uma linha de tiro desimpedida para atingir o seu alvo.

Outro passo — e alguma coisa o picou com força na parte de trás da sua perna.

Levou a mão à coxa e arrancou uma lesma do tamanho de uma salsicha, levando um pedaço de pele com ela. Dentes rangeram nos seus dedos, queimando a palma da sua mão com ácido. Enojado e horrorizado, sacudiu a ninfa para o rio.

Olhou para trás, para o ninho. Com o LRAD desviado para outro lado, os construtores daquela pilha de ossos deviam ter voltado. Porém de momento não viu qualquer movimento, qualquer evidência da horda desaparecida. O ninho parecia tão deserto quanto antes.

Então onde é que eles estavam?

Com o medo, o seu ombro roçou no corpo do Volitox. Sentiu um estremecimento naquela carne morta, como se a besta, de súbito, estivesse de volta à vida.

Não…

Cambaleou para longe dela, compreendendo de repente a verdade.

Não era a rainha que se estava a mexer.

Era alguma coisa dentro dela.

Como que a provar isto, uma larva cinzenta e gorda torceu-se para fora de uma brânquia e caiu pesadamente na margem do rio.

Sufocado de horror, Dylan recuou para se afastar da carcaça à medida que mais ninfas se torciam para fora de outras brânquias, fluindo daquela boca escancarada ou retorcendo-se para fora das pregas nasais.

Ao fugirem do ninho, as ninfas deviam ter procurado a sua mãe, escapando do ataque sónico num refúgio seguro. Os adultos eram imunes àquele ataque, provavelmente devido à bioenergia que ondeava através deles, o que por sua vez protegia as suas crias em tempos de perigo. Ele conhecia algumas espécies de peixes e rãs que podiam carregar os seus juvenis — mas ninguém suspeitava desta característica no Volitox.

Dylan também podia adivinhar o que é que as tinha acirrado.

Eu…

Olhou sobre o ombro para a unidade do LRAD. Lembrou-se de como o ninho ficara agitado quando a sua equipa chegara ali pela primeira vez, ainda perturbado pelo refluxo infrassónico da parabólica maior. Quando há pouco ele usara a arma mais pequena, a reflexão do infrassom devia ter agitado a horda que se abrigava dentro daquele corpo sem vida, enfurecendo as crias.

Ele sabia o que aí vinha, o que esta atividade significava.

Por agora, as ninfas caíam no rio e nas margens, algumas saltando na sua direção por meio de contrações musculares. Ele esquivou-se e bateu-lhes com a coronha da espingarda até chegar ao LRAD.

Dylan levantou a parabólica do pedregulho e encostou-a ao seu peito como um escudo, virando o canhão sónico para a horda — mesmo a tempo.

Do rio, das rochas e da carne, as ninfas ferveram na sua direção, uma onda carnívora de vingança.

Ele manteve a sua posição, manobrando o canhão sónico à sua frente como uma mangueira de incêndio. As ninfas encolheram-se e retorceram-se para longe. Algumas tentaram voltar para o refúgio da mãe, furando a sua carne morta. Outras voltaram a mergulhar no rio, batendo na água com violência para escapar ao massacre.

Ele deixou escapar um suspiro de alívio — até que duas detonações de espingarda explodiram no túnel.

O primeiro tiro cortou o cabo de alimentação do LRAD.

O segundo destruiu-lhe o joelho direito.

Quando o canhão morreu nos seus braços, ele atirou-o para o lado. O canhão aterrou com força no chão. Virou-se e viu o americano de pé junto a um monte de pedras, com a espingarda fumegante sobre o ombro.

Dylan ficou cara a cara com o seu adversário pela primeira vez.

Não, não pela primeira vez, percebeu de repente, recordando aquele mesmo rosto a fitá-lo através de uma janela no quartel-general da DARPA.

— Isto é pelo doutor Lucius Raffee — disse o homem.

18h19

Basta…

Ainda atordoado e parcialmente surdo com o ataque sónico, Gray afastou-se, deixando Wright a sangrar no chão da caverna — mas não sem antes ver várias daquelas lesmas carnívoras saltarem nas rochas e atacarem o peito e a barriga do homem.

Wright arrancou algumas da sua caixa torácica, mas, quando tentou agarrar a que estava no seu abdómen, as suas mãos estavam demasiado ensanguentadas, a sua pele fumegava dos ácidos. Não conseguiu tirá-la a tempo e a criatura furou para dentro dele, serpenteando, como um verme numa maçã podre.

Wright gritou, contorcendo-se no solo rochoso.

Satisfeito, Gray deu meia-volta e apressou-se pelo túnel para a entrada do Coliseum, perseguido pelos gritos do homem até que finalmente se fez silêncio. Encontrou Kowalski à espera dentro da cabina do CAAT maior. Trepou pelo degrau oposto e arrastou-se pela porta do passageiro.

— Tudo acabado? — perguntou Kowalski, engatando o veículo, os motores a roncarem.

— Por agora.

— Esteve tudo calmo por aqui… exceto por alguns gritos algures na escuridão. Acho que este sítio tratou da saúde daqueles dois desertores por nós.

E de Wright também…

Gray apontou para as luzes que brilhavam no cimo da parede, preocupado com Jason e os outros. Não queria esperar nem mais um minuto.

— Vamos para essa Porta dos Fundos.

18h22

Jason inclinou-se sobre o painel de controlo da subestação. Stella ficou atrás dele, com os braços à volta do peito e os olhos vítreos de lágrimas. Olhava constantemente para a janela sobranceira ao Coliseum.

Depois de Jason ter subido para ali, tinha-lhe falado do pai dela, do que lhe tinha acontecido. Ela limitara-se a acenar com a cabeça face às notícias esperadas mas não bem-vindas e mal dissera uma palavra desde então.

— Dá-me pormenores desse código — disse ele, tentando fazê-la falar, necessitando da ajuda dela para vislumbrar uma qualquer ideia que solucionasse aquele enigma. — Sabes se a palavra-passe tem de ter um certo comprimento? É sensível a maiúsculas e minúsculas?

Jason olhava fixamente para o ecrã de acesso aos controlos de detonação. Ele tentara cortar caminho passando aquele nível, mas continuava a deparar com sofisticadas firewalls. A segurança era sólida como uma rocha. Sem o software de descodificação da Sigma, esta era uma causa perdida.

Ele precisava daquele código.

Finalmente, Stella falou.

— Se este sistema for como os outros da estação, a palavra-passe pode ser de qualquer comprimento. Mas a sequência deve ter maiúsculas e minúsculas e pelo menos um número e um símbolo.

Aquilo era um protocolo comum.

— Sabes algum dos códigos antigos do teu pai? — indagou ele. Muitas pessoas reutilizavam uma mesma palavra-passe por comodidade.

— Não. — Ela aproximou-se mais dele. — O meu pai não te deu nenhuma pista da palavra-passe dele?

Jason olhou fixamente para o rosto magoado dela.

— Ele estava mais preocupado contigo. Penso que só aguentou tanto para ter a certeza de que tu estavas a salvo.

Por fim, uma única lágrima caiu e rolou pelo rosto dela. Foi rapidamente enxugada.

— E se tudo não fosse sobre mim, sobre a minha segurança?

— O que queres dizer?

— E se a palavra-passe tem alguma coisa que ver comigo? Talvez fosse isso que o meu pai estava a tentar dizer-te.

Jason pensou. Muita gente usava as pessoas mais significativas da sua vida para escolher a sua palavra-passe. Era certo que o professor amava a filha.

— Vamos tentar.

Jason digitou Stella e tentou várias iterações comuns, mas, sendo necessários um número e um símbolo, as possibilidades eram infinitas. Podia ser qualquer coisa.

Fechou os olhos, tentando concentrar-se.

— Fala-me do teu pai — disse ele. — Que tipo de homem era?

Um pequeno laivo de confusão invadiu a sua voz perante aquela pergunta bizarra.

— Ele… ele era inteligente, gostava de cães, apegava-se aos pormenores. Acreditava na ordem, estrutura, tudo no seu lugar. Mas quando gostava de alguma coisa… ou de alguém… fazia-o com todo o seu coração. Nunca se esquecia dos dias de anos ou aniversários, mandava sempre presentes.

Aquelas memórias aqueceram lentamente a dor fria das suas palavras.

Jason esfregou a barba por fazer do seu queixo.

— Se o teu pai era assim tão organizado, então muito provavelmente não escolheria nada aleatório para o seu código. Escolheria algo prático, porém pessoal. — Jason virou-se para Stella e exclamou: — Como o teu aniversário.

— Talvez…

Jason inclinou-se sobre o teclado, olhando de relance para ela. Digitou à medida que ela lhe dizia a data do seu aniversário, usando a ordem britânica para as datas.

17 JANEIRO, 1993

Suspendeu um dedo sobre a tecla enter.

— Esta palavra-passe tem uma maiúscula e minúsculas, números e um símbolo.

A mão de Stella procurou a dele, apertando-a cheia de esperança.

Ele carregou no botão.

A mesma mensagem de erro apareceu.

— Não é esta — disse ele.

Tinha tido tanta certeza. Tinha sentido que era aquela.

Tentou a versão americanizada.

JANEIRO 17, 1993

Outro falhanço.

O rosto de Stella voltou a refletir desânimo.

— Talvez devêssemos desistir.

Jason considerou a opção. Visualizou aquela maré que vira lá em baixo a fugir daquela primeira explosão no campo de Wright. Aquele maremoto de pânico segura e inevitavelmente rolava para a estação.

Mas talvez eu esteja errado… talvez uma explosão não fosse suficiente…

Além disso, até agora, o canhão continuava em silêncio.

Certamente que era bom sinal.

18h23

Dylan Wright jazia numa poça de sangue, atormentado pela dor, mal conseguindo mexer-se. Sentia as ninfas contorcerem-se dentro dele.

Eu tornei-me o ninho delas.

Outras alimentavam-se da sua carne, agarradas às suas pernas, braços, rosto. Rastejavam por baixo da sua roupa, enterravam-se na sua pele e exploravam cada orifício.

Na sua mão direita, os três dedos que restavam apertavam um pequeno dispositivo. Pouco depois de ter sido abandonado à sua sorte, tinha-o tirado do cinto onde se encontrava. Devia ter desmaiado por alguns minutos, mas a morte não o levaria.

Ainda não.

Não até fazer o que devo.

Moveu o polegar para o botão do detonador remoto do LRAD 4000X — e pressionou-o.

À distância, o mundo gemeu, chorando a sua própria condenação.

Se tenho de morrer deste modo, então que o inferno leve também o resto da Terra.

18h25

Gray tapou os ouvidos contra o ataque sónico, olhando fixamente para o caminho que tinham deixado para trás.

— Dá a volta — gritou.

Kowalski tinha parado o CAAT à beira do rio, não longe da ponte explodida. Já quase tinham feito o caminho de volta para a subestação quando o LRAD foi ligado de novo.

— Que raio aconteceu?

Mesmo àquela distância, a emissão sónica abanou tudo no veículo e todos os que estavam lá dentro.

Há pouco, os dois tinham procurado equipamento de supressão de ruído a bordo do CAAT, mas só haviam encontrado tampões moldáveis para os ouvidos, que se apressaram a colocar. A equipa que trabalhava no LRAD devia ter levado os auscultadores mais eficazes para abafar o som.

— Nunca conseguiremos chegar ao campo com isto — avisou Kowalski. — Quando lá chegássemos, já os nossos olhos estariam a sangrar e provavelmente o cérebro também.

Gray sabia que o seu parceiro tinha razão. Olhou fixamente para lá do rio, para o brilho da Porta dos Fundos.

Sendo assim, Jason, é contigo. Tens de ser tu a conter isto.

— O que fazemos? — perguntou Kowalski.

Gray ponderou as possibilidades.

— Há uma peça do equipamento de supressão de ruído que não considerámos.

— O quê?

Gray levantou-se do seu assento e retirou alguma coisa de baixo dele. Voltou-se com aquilo nos braços.

Kowalski acenou com a cabeça quando o viu.

— Isso deve funcionar.

Esperemos que Jason seja tão desenrascado.

18h26

Lá em cima na subestação, o gemido do LRAD abanou o vidro nas suas armações e fez vibrar o chão sob os seus pés. Stella e Jason estavam junto à janela, a olharem fixamente por cima do Coliseum para a lagoa de luz junto da parede das traseiras.

Será que Gray não conseguiu parar Wright?

Alguém tinha simplesmente ligado a grande parabólica.

— Olha lá para baixo — exclamou Stella. — Há um CAAT parado na margem mais afastada do rio.

Jason já tinha reparado nos feixes gémeos de luz que brilhavam ao longo do solo.

— Mas serão amigos ou inimigos?

A resposta não era tão importante como parar aquele assobio ensurdecedor que estava a afugentar toda a vida ali existente para a superfície — ou, melhor ainda, selar aquela saída distante para sempre.

Jason voltou para o painel de controlo. A sua última entrada — o aniversário de Stella — ainda estava no ecrã com a mensagem de erro escrita a vermelho. Não tinha tentado mais nada, preso na vaga certeza de que tinha razão quanto à palavra-passe ser a data de aniversário de Stella.

O que é que me está a escapar?

Digitando rapidamente, tentou outras variações, abreviando JANEIRO para JAN. Mudou 17 para 17.º. Tentou escrever as palavras equivalentes em latim e grego, as línguas antigas que o pai dela preferia.

Nada, nada e mais nada.

Jason deu um murro no painel.

— Há alguma coisa que nos esteja a escapar na tua data de nascimento?

Stella abanou a cabeça.

— Não que eu me lembre.

Jason lutou para se concentrar, o que era particularmente difícil por causa do grito surdo do LRAD.

— Pela tua descrição dele, o teu pai era um homem atento aos pormenores, não dado a fantasias.

— Sim — disse ela. — Talvez o fosse em relação a este lugar. Antártida. Para ele, o fim do mundo era sempre um lugar mágico.

Tão mágico como a sua filha…

Nesse momento, ele teve um vislumbre da resposta.

Claro.

As pessoas muitas vezes usavam um truque simples para fazerem parecer complicados códigos óbvios, mantendo, porém, a sua simplicidade ou significado. Essa solução teria sido particularmente divertida para alguém cuja única fantasia fosse a Antártida, a terra no fim do mundo.

Jason digitou a nova palavra-passe e carregou no enter.

Uma janela verde abriu-se.

— Conseguiste! — exclamou Stella.

Jason olhou fixamente para o código aceite.

3991, ORIENAJ 71

Era a data de aniversário de Stella escrita ao contrário, uma versão invertida, como se se tivesse de inverter o globo para poder ver aquele continente devidamente.

Jason clicou na janela para ter acesso aos controlos de detonação. Um novo ecrã com instruções simples abriu-se. Jason seguiu-as à letra até que, por fim, apareceu um aviso vermelho a piscar com um botão onde se lia Detonar.

Jason afastou-se para trás e fez sinal a Stella para tomar o seu lugar.

— Deves ser tu a fazer isto.

Ela anuiu, chegou-se à frente e tocou no botão.

18h28

Gray estava de pé no cimo do CAAT quando o mundo abanou debaixo dele, balançando o veículo nas lagartas. Um estrondo ensurdecedor ouviu-se ao mesmo tempo. Ele olhou para trás, para a estação distante — depois voltou a olhar para a Porta dos Fundos.

Bom trabalho, miúdo.

Porém, para o caso de aqueles explosivos antibunker não conseguirem fazer colapsar inteiramente a abertura do sistema da caverna, Gray levantou o seu improvisado supressor de ruído e colocou-o sobre o seu ombro. Considerando que fora a arma de eleição de Dylan Wright, não era de admirar que Gray a tivesse descoberto no CAAT do homem.

Ele apontou o longo tubo do lança-granadas-foguete e fixou a mira no brilho distante da estação do LRAD — em seguida, premiu o gatilho.

A granada-foguete disparou pelo tubo e atingiu o Coliseum quase deserto. Explodiu com um clarão de fogo na parede traseira, acertando em cheio. A explosão depressa ecoou para longe.

Ele fechou os olhos, saboreando aquele momento.

Por fim, o silêncio regressara ao inferno.