CAPÍTULO 29

CARLOS

Matar duas pessoas era terrível. Matar dois agentes da Polícia era o fim do mundo. Ele só podia imaginar o quão revoltados estariam os polícias do país inteiro.

Pelo canto do olho, observou o segundo agente a tentar acalmar o primeiro, dizendo que seria mais útil se continuassem a patrulhar a zona até o encontrarem. O agente acabou por concordar e seguiram caminho, afirmando que em breve iriam trazer os cães pisteiros.

Carlos manteve-se na mesma posição, enquanto observava os dois agentes a afastarem-se, passando pelo seu esconderijo sem suspeitarem de que ele se encontrava a mais de seis metros acima da cabeça deles.

Quando um silêncio fantasmagórico se sobrepôs às passadas furiosas dos seus perseguidores, permitiu-se relaxar, estendendo com maior conforto as pernas ao longo do ramo. Precisava de falar urgentemente com Fernando. Por muito pequena que fosse, a dúvida de que ele teria cometido o duplo homicídio era um resíduo que lhe perturbava a consciência. Sabia que jamais seria capaz de cometer tal crime, fossem quais fossem as circunstâncias, mas atormentava-o o facto de não ter a certeza de que não o fizera. Como é que ele estava embriagado, se nunca fora de beber? Teria exagerado daquela vez? Nunca o fizera antes.

Pegou na mochila e abriu a bolsa exterior. O seu smartphone reluzia como um troféu sob os poucos raios solares que ousavam passar por entre as folhas. No entanto, receava que pudessem localizá-lo através da chamada. Teria de agir depressa. Ligou o telemóvel e procurou nos contactos o número de Fernando. Encontrou com facilidade e carregou em «chamar».

Ao quarto toque, Fernando atendeu.

– Carlos, o que se passa, meu? Onde estás? – O tom de desespero pontuava cada palavra.

– Ouve com atenção, Fernando. Estás sozinho?

– Sim.

– Ok. Diz-me: alguma inspetora entrou já em contacto contigo?

– Não.

Ao fundo, Carlos detetou o som inconfundível de uma campainha e da mãe de Fernando a gritar, dizendo que iria ela abrir a porta.

– Quem tocou à campainha, Fernando?

Foram três segundos exasperadamente longos.

– É uma mulher de fato. Mostrou um distintivo à minha mãe.

– Merda! É a inspetora encarregue de me capturar. Que raio de sorte a minha…

– Não deve tardar muito e está aqui, Carlos. O que faço?

Carlos respirou fundo e tentou pensar com rapidez e bastante lucidez.

– Primeiro que tudo: lembras-te do que aconteceu na noite da nossa festa?

– Sim, claro. – Sentiu que ele sorrira. – Foi lendária.

– Mas lembras-te de alguma coisa após as três da manhã?

– Porquê essa hora tão específica?

– Porque eu e tu desaparecemos da discoteca por volta dessa hora e não me lembro do que aconteceu depois, a não ser que acordei na minha cama na manhã seguinte.

Captou a voz da mãe do colega gritar o seu nome, para que descesse rapidamente.

– Lembro-me de algumas coisas depois dessa hora, mas está tudo um pouco difuso por causa da bebida, sinceramente. Acho que abusei no álcool. Mas sabes como sou, nunca resisto!

– Mas lembras-te de ver agentes da PSP?

Apercebeu-se de uma breve hesitação de Fernando.

– Preciso de ter a certeza, Nando – reforçou Carlos. – Basta dizeres-me sim ou não.

Ouviu alguém bater à porta do quarto do amigo.

– Precisamos de falar pessoalmente, Carlos. Podes encontrar-te comigo?

– Não vai ser fácil. Ter a Polícia em peso atrás de mim é capaz de dificultar.

Notou que Fernando estava atrapalhado. Precisava de marcar um encontro rapidamente.

– Amanhã, às oito da manhã, onde tudo começou, Nando!

A meio da sua frase, ouviu a porta do quarto a abrir-se e uma mulher chamar por Fernando. No final, a resposta que obteve foi um sinal de que a chamada caíra.

– Merda, merda, merda…

Apetecia-lhe gritar, vociferar de frustração. Teria Fernando ouvido a sua combinação?

Iria comparecer? Iria a PJ monitorizar o encontro?

Desligou o telemóvel e retirou-lhe a bateria, depois de ler a mensagem da namorada, enviada antes do mais recente encontro, e guardou tudo na bolsa exterior da mochila. Tinha até à manhã seguinte para pensar em como sair dali.

O que vou fazer agora?

Aquele silêncio estava a mexer-lhe com os nervos.

Se sou acusado de assassinar dois polícias, este bosque vai continuar a ser vigiado. Não poderei sair daqui sem que me vejam. Eles devem ter todo o perímetro debaixo de olho.

Carlos precisava de pensar numa forma astuta de escapar sem ser visto. E quanto mais cedo, melhor. Era a sua inocência que estava em jogo. A PSP não iria desistir tão cedo e ele nunca iria conseguir passar despercebido. Precisava de uma manobra de diversão que ocupasse a atenção de todos os agentes.

Só poderei sair daqui sem ser visto se conseguir fundir-me numa multidão.

No fundo da sua mente, um plano começou a ganhar forma.

A sua estratégia, apesar de drástica, poderia ser a sua salvação.