CAPÍTULO 65

LEONARDO

Leonardo e Marta encontravam-se numa esplanada da baixa lisboeta. A sua posição era facilmente identificável pela estátua de um dos melhores poetas portugueses: Fernando Pessoa. Na Rua Garrett, junto ao Largo do Chiado, encontrava-se um dos cafés mais emblemáticos da capital. Fundado em 1905, A Brasileira fora um ponto de encontro de escritores, jornalistas e outros artistas, entre os quais se destacava o homem que fora imortalizado ao pé da esplanada e que era alvo de inúmeros registos fotográficos.

Beberam umas cervejas bem geladas, para combater o calor. Não falaram enquanto beberam, limitando-se a apreciar a série de selfies tiradas com a estátua de Pessoa e a atuação de um grupo amador musical, que animava os transeuntes, alguns dos quais deixavam um par de moedas num chapéu colocado diante dos músicos.

– Tens noção de que a Joana Santos vai ficar furiosa, quando mostrares o teu novo e redobrado interesse no caso do Carlos Caetano? – perguntou Marta.

– Eu sei, M&M. Achas que estou feliz por isso?

Lida a carta de Diana e decorrido o tempo para assimilar as palavras dela e a sensação de finitude relativamente à esposa, Leonardo conseguira ter cabeça para definirem o passo seguinte. A conclusão era simples e lógica. Tinham de se reunir com a inspetora Joana Santos, agora que Carlos fazia oficialmente parte do caso Puzzle.

Marta deu uma palmada suave no ombro do colega e avistou a inspetora por cima dos seus óculos de sol escuros, avaliando-a. Joana Santos tinha a pele luzidia de transpiração e o cabelo rebelde pelo sopro do vento. Avistou Marta e Leonardo, e aproximou-se da mesa, cumprimentando-os enquanto se sentava e colocava a sua mala ao colo. Um empregado surgiu, qual sombra, e a inspetora pediu um sumo de laranja natural. Para Leonardo, a recém-chegada parecia tensa e nervosa. Joana pegou num cigarro e num isqueiro. Acendeu o cigarro e deu uma passa bem longa, expirando uma nuvem que muito incomodou Leonardo. Ele sabia que ela tinha conhecimento da sua aversão ao tabaco e aos seus malefícios. Decidiu ignorar a provocação.

– Precisamos de encontrar o Carlos Cae…

– Já te disse que não vou deixar-te apropriares-te do meu caso, foda-se! Nem penses, Rosa! Não vou deixar! – A fúria de Joana fez virar várias cabeças na esplanada e parou muitas conversas.

Leonardo comprimiu os lábios e tentou ignorar a onda de raiva que lhe era dirigida. A bem da investigação, tinha de conseguir controlar-se, já que a inspetora Santos não parecia capaz disso.

– O que é que se passa, Santos? Sei que já és intragável normalmente, mas noto que, ultimamente, estás pior que o normal. O que se passa?

A inspetora desviou o olhar e encostou-se na cadeira, fumando mais um pouco.

– Fui ameaçada.

– O quê? – Leonardo julgou ter ouvido mal. – Por quem?

– Pelo Joaquim Coelho.

Joana bebeu o que restava do seu sumo e ficou a olhar pensativamente para o copo. Terminou cigarro e apagou a beata no cinzeiro. Alisou a saia. Parecia estar indecisa sobre se deveria, ou não, contar tudo aos colegas.

– Descobri que ele está envolvido no assassínio do irmão gémeo do Carlos, o Diogo. Reconheci a sua voz no final da gravação que a vítima executou na altura da morte. – Joana inspirou bem fundo e bebeu um pouco de sumo, visivelmente nervosa. – Era ele. O Joaquim Coelho.

Marta quase deixou cair os óculos de sol.

– Aquele que cumpriu dezoito anos de prisão por pedofilia e que saiu há uns meses?

– Exatamente.

– Porquê?

A inspetora Santos contou tudo o que sabia sobre o caso e que lhe fora relatado de forma rancorosa pelo próprio ex-político, quando o visitara em casa nessa manhã. Contou a história de como Joaquim Coelho fora preso, de que tinham sido os pais biológicos de Diogo e Carlos a apresentarem provas de pedofilia contra ele para o encarcerarem e que, agora que Joaquim estava livre, queria vingança. Com Diogo morto, o objetivo dele era capturar Carlos, para levar o casal a sair da sua toca e enfrentá-lo para, depois, os castigar pelo que lhe fizeram.

– Se não querem que o outro filho morra, têm de aparecer – concluiu Santos.

– Então, o Carlos não é o culpado pela morte dos dois agentes. É tudo uma conspiração – comentou Leonardo.

Santos negou com o dedo indicador.

– Em relação às três mortes, ele ainda é o culpado em termos legais. As provas são irrefutáveis. – Retirou outro cigarro e acendeu-o, inspirando bem fundo o fumo. – E vocês, que descobriram que tem que ver comigo?

– Eu e a M&M concluímos que os dois casos estão realmente ligados. Não é só coincidência, Santos. Há mesmo uma pista que traz o Carlos para o caso Puzzle.

Joana Santos tentou manter a sua postura impassível. Mas os dentes cerraram-se e o rosto fechou-se, furioso.

Em poucas palavras, Leonardo começou por falar de Ricardo Silva, que fora o mentor do Esquartejador e, supostamente, assassinado por Carlos. Explicou tudo sobre o Segredo Mortal, excluindo o que era exatamente, referindo-se a ele como «algo que poderá destruir o planeta, se a pen que contém toda a informação cair nas mãos erradas». Falou do grupo de físicos, meteorologistas, engenheiros e professores que constituía a equipa de investigação e de como tinham resistido à ameaça e à subsequente morte dos filhos, por tratar-se de algo que era maior que eles e que todo o sofrimento que pudessem sentir. Referiu a parte da carta de Diana, na qual ela indicava que a localização do Segredo Mortal tinha que ver com Carlos Caetano.

– O que me interessa agora é compreender o cenário completo – afirmou Leonardo, no final. – Pelo que posso analisar, parecem existir duas grandes conspirações em torno do Carlos Caetano, embora não consiga perceber porquê ele. Não sei por que razão está ligado à localização da pen do Segredo Mortal. Por isso, temos de o encontrar, antes que a equipa do Joaquim o faça. Sabes qual é a localização dele?

Santos acenou afirmativamente.

– Foi avistado há pouco na sua própria casa.

Leonardo julgou não ter ouvido bem.

– Ele foi a casa esta tarde? Deve saber que é o local mais vigiado por vocês. Isso foi suicídio. Obviamente que já o apanharam. Quando podemos falar com ele? – perguntou, chamando o empregado para pagar a conta.

Santos sorriu nervosamente, aborrecendo o inspetor Rosa.

– O Carlos foi a casa, porque descobriu que fora adotado e queria confrontar os pais. No entanto, quando lá foi, aconteceu um incidente numa feira que se realiza ali perto e os dois veículos policiais destacados para vigiar a casa tiveram de se ausentar no período em que ele lá esteve.

Os ombros de Leonardo descaíram, desamparados.

– Então, ele conseguiu escapar?

– Não. – Santos inspirou fundo e desviou o olhar. – Quando ele estava a falar com os pais, surgiram três pessoas que o raptaram.

Leonardo abanou a cabeça, irritado.

– Ao menos, conseguiram alguma identificação?

Santos remexeu na sua mala, pegou no seu tablet e pousou-o delicadamente em cima da mesa. Certificou-se de que ninguém olhava para eles. Pressionou o ecrã várias vezes, até encontrar o que pretendia.

– Quando fui a casa do Carlos pela primeira vez e ele me escapou por uma unha negra, mandei que fosse instalado um circuito de vigilância, com diversas câmaras espalhadas por pontos estratégicos da casa. Tudo no maior secretismo, claro. Só os pais dele é que sabem disso. São câmaras muito discretas, quase invisíveis.

Leonardo tinha de reconhecer que fora uma atitude acertada e digna de uma boa inspetora. Se pudesse, tirava-lhe o chapéu.

– O que descobriste?

– Que o Carlos Caetano foi capturado por pessoas que trabalham para o Joaquim Coelho.

Leonardo expirou, agastado por este atraso no caso.

– Conseguiste alguma identificação?

Joana Santos pousou o tablet à frente dos dois inspetores.

– Temos a matrícula do veículo que usaram para a fuga.