CAPÍTULO 87

LEONARDO

Leonardo sentia-se perto do final. Quase que conseguia sentir o doce sabor da vitória enquanto, pé ante pé, subia os degraus do prédio com muita cautela. Escutava distintamente os passos despreocupados de Edgar, certamente embrenhado em pensamentos relativos ao seu plano. Mas não valia a pena demorar-se muito em elaborar planos. O inspetor já ali estava. Ia tudo acabar. O ciclo de terror ia chegar ao fim, bem como a sucessão de homicídios horripilantes.

Os passos de Edgar cessaram quando chegaram ao que Leonardo deduziu ser o terceiro piso. O inspetor continuou a subir e percebeu que ele morava do lado direito do prédio. Ouviu a porta a fechar-se. Ao alcançar o andar pretendido, sentiu-se nervoso. Nunca estivera tão perto de capturar o assassino. Não era vulgar sentir aquele frémito que lhe percorria o corpo e lhe invadia a mente com imensas questões. Com toda a sua experiência, eram poucos os criminosos que tinham esse efeito sobre si.

Mas Edgar Moisés era diferente.

Há muito que Leonardo não se deparava com um homicida tão astuto e inteligente e, ao mesmo tempo, horrendo e nojento. As imagens dos assassinatos revoluteavam na sua cabeça. Abanou-a. Estava tudo prestes a terminar.

No entanto, a meros centímetros da toca do lobo, não conseguiu evitar que o seu pensamento voasse para Marta. Tocou nos seus lábios. Ainda estavam húmidos do beijo. Por que razão ela o beijara? Seria por achar que ele não sairia vivo daquela missão? Teria ela algum sentimento especial por ele? A bem da verdade, os seus sentimentos por Marta eram confusos, mas compreendê-la era-o ainda mais.

Foca-te. Esses assuntos ficam para depois. Agora tens uma missão a cumprir.

Leonardo já se demorara demasiado. Edgar tivera mais que tempo para julgar que estava seguro. Era hora de agir. Tinha de o apanhar de surpresa. Testou a porta com cuidado. Estava trancada. Ponderou as suas hipóteses e, ao verificar a fragilidade da mesma, optou por arrombá-la. Caminhou até à entrada do apartamento em frente e inspirou fundo. O espaço era reduzido, tal como se adivinhava do exterior. Encarou o seu objetivo e focou a mente. Estava pronto para enfrentar a fera. Iria fazê-lo e sairia vitorioso.

Agora.

Determinado, correu pelo pequeno corredor e atirou todo o seu peso corporal contra a porta. Apontou a sua energia à zona mais vulnerável, ao lado da maçaneta.

Ao embater no obstáculo que o separava do criminoso, sentiu-o ceder perante a sua força e velocidade. A porta saltou das dobradiças superiores, ficando presa apenas pela inferior. Num ato contínuo, Leonardo agachou-se de forma um pouco desequilibrada e esticou os braços à sua frente, unidos na coronha da arma.

– Polícia Judiciária! Edgar Moisés, entrega-te imediatamente.

À sua volta estava tudo vazio e silencioso. Deu dois passos, lentamente, atento a qualquer som. Quando se virou para inspecionar o espaço atrás da porta escancarada, viu-a ser abalroada da dobradiça que ainda a prendia e a avançar na sua direção.

Edgar empurrava a porta contra Leonardo para o desestabilizar. O inspetor disparou imediatamente, contando que a bala trespassasse a porta e acertasse no alvo. Ao sentir a porta a arremeter contra si e a fazê-lo recuar com uma força descomunal, percebeu que falhara o disparo. E percebeu que Edgar tinha uma pujança física invejável.

Com as mãos ocupadas a empurrar a porta, não conseguiu disparar novamente e não tardou a aperceber-se de que estava a recuar demasiado. Não se podia deixar levar. Olhou para trás, libertando alguns gemidos pela força que fazia para contrariar Edgar. Estava a um metro da parede da sala, quase encurralado. Concentrando-se e aplicando a maior resistência possível, conseguiu reverter o movimento. Após poucos segundos de imobilidade, Leonardo colocou a mão esquerda no rebordo da porta e empurrou-a para o lado direito. Ao fazê-lo, ficou frente a frente com um homem robusto, de olhar demoníaco e assassino.
Edgar Moisés. Frente a frente consigo. Finalmente.

Sem que nada o fizesse prever, Edgar atirou-se para o chão e varreu as pernas do inspetor com um pontapé certeiro, como num movimento de breakdance. Leonardo, que estava pronto a disparar, perdeu o equilíbrio e caiu de costas. Ainda com a arma na mão esquerda, tentou levantar-se, mas um pontapé avassalador na cabeça deixou-o sem reação, estendido no chão. Logo a seguir, Edgar colocou-se sobre o corpo do inspetor para o subjugar, mas este já esperava esse movimento do assassino. Com um impulso abdominal, sentou-se e desferiu um soco certeiro na mandíbula do inimigo, que urrou de dor. Como Edgar não arredava de cima dele, Leonardo desferiu outro soco. E mais outro. O assassino tinha o rosto a sangrar. Agarrou-se à boca e ao nariz, e caiu ao lado do inspetor, demasiado magoado.

Com ambas as mãos a latejar, Leonardo levantou-se e preparava-se para apontar definitivamente a arma a Edgar, para pôr um ponto final naquela história. Mas o outro não o deixou completar o movimento vitorioso. Com o instinto de sobrevivência a sobrepor-se à dor, retirou uma faca do tornozelo e lançou-a. A lâmina perfurou o antebraço esquerdo de Leonardo no momento em que tinha disparado, fazendo-o falhar o alvo novamente. O inspetor exalou um grito e soltou a sua Glock, sentindo que o seu braço esquerdo estava inutilizável.

Aproveitando o breve momento de desatenção do inspetor, Edgar pontapeou a arma, atirando-a para perto do que seria o acesso aos quartos.

Leonardo deu dois passos em frente, agachou-se e usou a mão direita para esmurrar Edgar. Acertou no abdómen do inimigo, mas não surtiu grande efeito. Como resposta, o inspetor foi socado no nariz, estalando-o, e novamente na face. Leonardo caiu no chão, desamparado, com sangue a escorrer-lhe para a boca, pintando-lhe os dentes de um vermelho assustador.

Edgar saltou novamente para cima de Leonardo e, desta vez, conseguiu sentar-se em cima do seu peito ainda ofegante. O inspetor parecia não conseguir respirar. Sentiu, então, dois murros fortes na cara, que aumentaram a dor no nariz e nas maçãs do rosto, deixando-o à beira da inconsciência. As duas mãos fortes apertaram-lhe o pescoço e agitaram-no de modo a bater com a cabeça no chão repetidamente. Depois, a mão de Edgar imobilizou-lhe o braço direito, enquanto o esquerdo parecia inútil.

Leonardo gritava com dores. Tinha de agir, de fazer alguma coisa. Não o podia deixar vencer. Estava tão perto…

Assustou-se ao aperceber-se de que a lâmina de uma segunda navalha se aproximava perigosamente do seu olho direito.

– O meu nome há muito que deixou de ser Edgar – afirmou, com o rosto bem perto do de Leonardo. – O Edgar era um rapaz fraco e abandonado pela família. Eu sou o Lúcio, um assassino profissional que segue a «conduta» e que, da primeira vez que decide infringir uma regra, vê-se numa situação destas, lendária, digna de um herói.

Leonardo nunca se sentira tão perdido em ação. A investida de Lúcio fora contínua e brutal, sem lhe dar tempo para reagir. Não conseguia acreditar que fora dominado.

Lúcio inclinou-se sobre o ouvido do inspetor, o seu hálito quente a arrepiar o corpo de Leonardo. A dor que sentia bloqueava-lhe qualquer pensamento racional. Não conseguia virar o jogo a seu favor. Sentia-se inútil.

– Sabes uma coisa? Eu sei que não tenho muito tempo. Por um lado, porque tenho assuntos a tratar. Por outro, porque imagino que tenhas enviado reforços e que eles estejam a caminho. Portanto, infelizmente não posso desfrutar de ti no meu Palco. Mas não penses que me vou embora sem ficar com uma recordação tua, inspetor Leonardo Rosa. Vai ser a recordação mais valiosa da minha coleção. Certamente que sabes do que estou a falar.

Lúcio levantou-se e, com uma brutalidade animalesca, retirou a navalha que perfurara o braço esquerdo de Leonardo, provocando uma onda de choque e muitos gritos no inspetor. De seguida, virou-o de barriga para baixo. O impacto do golpe do antebraço contra o chão foi terrível, levando-o para perto da inconsciência. Ficou com a cabeça virada para o lado direito, a face espalmada contra o piso. Perto de si, perdido no meio da sala devido à luta feroz que ali acontecera, encontrava-se um post-it cujo título lia-se: Missão Final. Leonardo leu o conteúdo do post-it instintivamente, mas não retirou dele qualquer significado, pois o seu sofrimento era atroz, deixando-o irracional.

Subitamente, sentiu a mão esquerda ser esticada contra o chão. Depois, os dedos grossos de Lúcio isolaram o seu dedo mindinho.

Não. Não pode ser.

Assustado, o inspetor virou a cabeça para o lado esquerdo a tempo de ver o rosto sedento e ganancioso de Edgar enquanto empunhava a navalha acima da sua cabeça, pronta a cumprir o seu propósito.

– Não!

Num movimento cheio de intenção, como se de um talhante experiente se tratasse, Lúcio golpeou a lâmina com toda a força e precisão rumo ao seu alvo.