MARTA
Marta tentava controlar a ansiedade. Sentia-se impotente por estar ali em baixo, longe do perigo, enquanto o seu colega arriscava a vida. Estava à porta do prédio, com a porta entreaberta para escutar todos os sons. Uns minutos depois de Leonardo ter subido as escadas, ligara ao inspetor-chefe para pedir que enviasse reforços para a localização deles. Incluindo os peritos, porque teriam um apartamento inteiro para analisar em busca do misterioso e poderoso cliente que era, também, o criador do Segredo Mortal. O superior hierárquico acedera ao pedido e ia satisfazê-lo brevemente com celeridade.
Mais tranquila, começou a pensar no colega. A sua atração por Leonardo nascera ainda antes da morte de Diana. Sempre o admirara como inspetor. Marta era sete anos mais nova e, antes de se tornarem parceiros, já ela admirava a forma como ele comandava as suas equipas e todas as operações. Era excitante vê-lo a liderar. Ele conseguia levar os seus colegas a fazerem tudo por ele. Cegamente. Mesmo quando era estagiária, vinda da Escola da Polícia Judiciária, reparara em como ele era diferente.
O recente envolvimento de ambos deixara-a desarmada. Sempre tivera fantasias com Leonardo, mas nunca as levara a sério. Afinal de contas, ele era casado. No entanto, desde o homicídio de Diana que não sabia se deveria avançar ou não. Leonardo poderia achar pouco apropriado o envolvimento de dois colegas. Na verdade, Marta não sabia a opinião dele, uma vez que não tinham ainda conseguido conversar depois da primeira relação física. Receava que ele a rejeitasse ou que dissolvesse a parceria de ambos. Não queria ser forçada a optar entre a relação de parceiros na PJ ou a de amantes. Era o pior cenário possível.
Ouviu passos no interior do prédio. Alguém descia as escadas com uma certa urgência.
Arrancada dos seus devaneios, Marta entrou no vestíbulo e retirou a pistola, não fosse o diabo tecê-las.
O sangue gelou ao ver Edgar Moisés surgir com um sorriso triunfante e o rosto ligeiramente ensanguentado. Marta ergueu imediatamente a sua arma e sobressaltou-se quando Edgar fez o mesmo. Mas a arma dele não era uma qualquer. Era a pistola de Leonardo, uma Glock 19 preta e polida.
– Para imediatamente, Edgar!
Edgar ficou furibundo, as narinas a dilatarem-se com a respiração furiosa, os olhos a emanarem a raiva que explodia dentro de si. Continuou a descer as escadas até ficar à frente de Marta.
– Eu não me chamo Edgar. Sou o Lúcio!
Marta achou que ele estava a enlouquecer.
– Onde está o Leonardo?
– Está num sítio muito melhor.
– O que aconteceu, cabrão?
Lúcio sorriu maliciosamente.
– Vais ter de descobrir. Mas de certeza que não o conseguirás se ficarmos aqui, neste impasse. Quanto mais tempo demorarmos, pior poderá ser para ele. Cada segundo pode ser decisivo. Deixa-me passar e nenhum de nós se magoará. Não pretendo matar-te. Tenho assuntos mais prementes a tratar do que lidar com cabras como tu.
Marta odiou-se por não ter a confiança de Leonardo para disparar e pôr fim àquela situação. O certo é que, se ela disparasse, Lúcio poderia ter tempo e destreza suficientes para disparar também, e matar-se-iam um ao outro. Por isso, Marta começou a andar, com passos cuidadosos. Lúcio fez o mesmo, em sentido contrário. Cruzaram-se, sempre de frente e de arma apontada, até que trocaram de posições. A inspetora reparou que ele levava às costas uma pequena mochila.
Assim que Lúcio desapareceu para o exterior, Marta galgou as escadas, parando apenas ao avistar um apartamento com a porta destruída. Entrou a correr e reparou imediatamente numa confusão de destroços de mobília e manchas de sangue por todo o lado. No centro da sala, a dominar todo o espaço, estava Leonardo. O seu parceiro estava estendido, de barriga para baixo, com os braços afastados do corpo. Uma poça de sangue crescia por baixo do braço esquerdo.
Com o coração na boca, Marta correu para junto do colega e ajoelhou-se ao seu lado.
– Leonardo! Leo! – chamou-o, com um tom de voz estridente, fruto da sua aflição.
Virou-o ao contrário com algum esforço. O corpo do parceiro era magro, mas muito pesado pela sua massa muscular.
A sua roupa ficou manchada de sangue, mas ela não queria saber. Ao ver o rosto sem reação do colega, colocou o dedo na jugular. Tinha pulso. Leonardo estava vivo, mas inconsciente. Por isso, Marta bateu na face do inspetor com insistência.
– Vá lá, Leo. Acorda!
Continuou a bater, cada vez com mais força. Uns momentos depois, pareceu-lhe ver os lábios moverem-se lentamente. Aproximou o seu rosto do de Leonardo, à escuta.
– O que foi, Leo? Não percebi.
– Para… de bater. Não… te aproveites… situação.
Marta começou a chorar ao mesmo tempo que se ria por o saber vivo e com o seu sentido de humor intacto. Reparou que o golpe que ele tinha no antebraço continuava a perder sangue e que o colega estava a ficar lívido. Agindo por instinto, pegou nas suas algemas de metal, que era obrigatório ter sempre consigo, e colocou um grilhão no antebraço de Leonardo, acima do golpe. Fechou a algema até esta estar apertada o suficiente para servir de garrote. Apertou devagarinho, ignorando o esgar de dor que ouvia ao pé de si, até que lhe pareceu que estancara a hemorragia do golpe. Ia servir até chegar ajuda.
Quando pegou no seu telemóvel com as mãos cobertas de sangue para chamar o INEM, reparou, horrorizada, no que Lúcio fizera ao parceiro. Era algo com o qual Leonardo teria de saber viver o resto da sua vida. O seu dedo mindinho fora removido.