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Tem quinze anos quando um dia, ao sair da grande igreja com a mãe, passam em frente à sinagoga, na Rue aux Juifs. Um rapaz da sua idade é perseguido por um comerciante a quem pelos vistos tinha roubado uma bolsa. O homem, esbaforido e praguejando, corre atrás do pequeno larápio que está a escapulir-se, mas vê-se obrigado a desistir. No momento em que o rapaz está prestes a desaparecer numa esquina, um cavaleiro sai de um portão, agarra-o pelo pescoço e pergunta-lhe o que se passa. O rapaz esperneia no aperto férreo, deixa cair a bolsa e começa a pontapear o adversário. Este dá-lhe um murro na cabeça com tanta força que ele cai feito um farrapo. Imediatamente, alguns curiosos desatam aos insultos. Mais alguém lhe bate e lhe dá também um pontapé na cara. A cabeça é projetada para trás com um estalo, como se o pescoço se estivesse a partir. O comerciante gordo aproxima-se, ofegante, pega numa pedra solta e dá com ela na cabeça a sangrar do rapaz. Um sujeito magro pontapeia o rapaz na barriga e parece enlouquecido; porco judeu, grita, judeu fedorento, filho da puta porco e sujo. Continua a praguejar e aos pontapés. Agora o cavaleiro empurra a pequena multidão, afastando-os e mandando-os parar. Levanta o rapaz. A cabeça mutilada cai para trás sem apoio algum e o sangue goteja depressa e abundantemente para o chão. Nesse momento passam Vigdis e a mãe. A rapariga dá de caras com o rosto mutilado, o pedaço de carne ensanguentada que sobra, a secreção saindo de um olho, a língua inchada protuberante entre os lábios, o sangue que se espalha na camisa de linho grosso na zona da barriga. O cavaleiro repara nelas, por um instante curva-se com um olhar de desculpa perante a mãe e a jovem, e desaparece com o rapaz morto para dentro do portão. Vigdis está completamente transtornada. Chora aos soluços, treme por todo o corpo e parece desfalecer; é a primeira cena de violência com a qual é confrontada tão de perto. A mãe fala-lhe baixinho, apoia-a e tenta acalmá-la, mas parece que a filha não a ouve. Resvala para o chão, a mãe tenta levantá-la, a rapariga grita algo ininteligível abanando fortemente a cabeça. Então vomita sobre o vestido de brocado.