13. O auto de acusação

OS MAGISTRADOS TOMARAM ASSENTO em meio ao mais profundo silêncio. Os jurados sentaram-se em seus lugares. O sr. de Villefort, objeto da atenção e, diríamos quase, da admiração geral, instalou-se togado em sua cadeira, passeando um olhar tranquilo à sua volta.

Todos olhavam com espanto para aquele rosto grave e severo, sobre cuja impassibilidade os sofrimentos paternos pareciam não ter influência alguma, e consideravam com uma espécie de terror aquele homem infenso às emoções da humanidade.

— Guardas! — disse o presidente. — Tragam o réu!

A essas palavras, a atenção do público tornou-se mais concentrada e todos os olhos grudaram na porta pela qual Benedetto deveria entrar.

Logo essa porta se abriu e o acusado apareceu.

A impressão foi a mesma em todos, ninguém enganou-se com a expressão de sua fisionomia.

Seus traços não carregavam a marca da emoção profunda que bombeia o sangue para o coração e descolore a testa e as faces. Suas mãos, graciosamente colocadas, uma sobre seu chapéu, a outra no vão de seu colete branco acolchoado, não eram agitadas por nenhum tremor. Seu olho estava calmo, até mesmo brilhante. Mal entrou na sala, o olhar do rapaz começou a percorrer uma a uma as fileiras dos juízes e assistentes, detendo-se mais longamente no presidente e, sobretudo, no procurador do rei.

Junto a Andrea, instalou-se seu advogado, nomeado pela defensoria pública (pois Andrea não quisera em absoluto preocupar-se com detalhes aos quais parecia não dar a mínima importância), um rapaz de cabelos louros esmaecidos, semblante avermelhado por uma alteração cem vezes mais perceptível que a do réu.

O presidente solicitou a leitura do auto de acusação, redigido, como sabemos, pela pena tão habilidosa quanto implacável de Villefort.

Durante essa leitura, que foi longa e, para qualquer outro, aflitiva, a atenção da plateia não cessou de se dirigir para Andrea, que resistiu à carga com a alma jubilosa de um espartano.

Nunca Villefort fora tão conciso nem eloquente. O crime era exposto sob as cores mais vivas; os antecedentes do réu, sua transfiguração, o caráter de seus atos desde uma idade bem tenra, tudo era deduzido com o talento que a prática da vida e o conhecimento do coração humano podiam fornecer a um espírito tão elevado quanto o do procurador do rei.

Esse preâmbulo bastava para destruir Benedetto junto à opinião pública, enquanto não fosse punido mais concretamente pela força da lei.

Andrea não prestou a mínima atenção às sucessivas acusações que se erguiam e caíam sobre ele. O sr. de Villefort, que o observava com insistência, provavelmente dando continuidade aos estudos psicológicos que tantas vezes tivera oportunidade de elaborar sobre os réus, foi incapaz de fazer com que ele baixasse os olhos uma única vez, apesar da intensa fixidez e da profundidade de seu olhar.

Finalmente a leitura chegou ao fim.

— Nome e sobrenome do réu! — comandou o presidente.

Andrea ficou de pé.

— Peço desculpas, sr. presidente — disse ele com uma voz cujo timbre vibrava cristalino —, mas vejo que irá impor uma ordem às perguntas que não posso seguir. Tenho a pretensão, e caberá a mim justificar-me mais tarde, de ser uma exceção aos réus comuns. Peço-lhe, então, a vênia de me permitir responder seguindo uma ordem diferente. Nem por isso deixarei de responder a tudo.

O presidente, perplexo, olhou para os jurados, que olharam para o procurador do rei.

Uma grande surpresa manifestou-se em todos os presentes. Mas Andrea não pareceu perturbar-se nem um pouco com isso.

— Idade? — disse o presidente. — Responderá a esta pergunta?

— Tenho vinte e um anos, ou melhor, irei completá-los dentro de alguns dias, tendo nascido na noite de 27 para 28 de setembro de 1817.

O sr. de Villefort, que fazia uma anotação, ergueu a cabeça a essa data.

— Onde nasceu? — prosseguiu o presidente.

— Em Auteuil, perto de Paris.

O sr. de Villefort ergueu pela segunda vez a cabeça, olhando para Benedetto como teria olhado para a cabeça da Medusa, e ficou lívido.

Quanto a Benedetto, passou graciosamente nos lábios o canto bordado de um lenço de fina cambraia.

— Profissão? — perguntou o presidente.

— Primeiro fui falsário — disse Andrea, com a maior tranquilidade do mundo —, depois passei a ser ladrão e, muito recentemente, virei assassino.

Um murmúrio, ou melhor, uma tempestade de indignação e perplexidade explodiu em todos os cantos da sala. Os próprios juízes entreolharam-se estupefatos, com os jurados manifestando profunda repulsa por aquele cinismo, inesperado num homem elegante.

O sr. de Villefort levou uma das mãos à testa, que, a princípio pálida, tornara-se vermelha e febril. Levantou-se então bruscamente, olhando ao redor como um homem desvairado: sentia falta de ar.

— Procura alguma coisa, sr. procurador do rei? — perguntou Benedetto com seu sorriso mais amável.

O sr. de Villefort não respondeu nada e voltou a sentar-se, ou melhor, a desabar em sua poltrona.

— O réu agora consente em dizer seu nome? — perguntou o presidente. — A brutal afetação que o senhor usou para enumerar seus diferentes crimes, aos quais o senhor qualifica de profissão, a espécie de ponto de honra a que se apega, atitudes que a corte, em nome da moral e do respeito devido à humanidade, deve censurar-lhe severamente, talvez seja essa a razão que tanto o faz hesitar em dizer o próprio nome, desejando que esse nome sobressaía-se pelos títulos que o precedem.

— É incrível, sr. presidente — disse Benedetto, no tom de voz mais gracioso e com as maneiras mais polidas —, como conseguiu ler no fundo do meu pensamento. Foi realmente com esse fim que lhe pedi para inverter a ordem das perguntas.

O estupor estava em seu auge. Não havia mais nas palavras do réu nem bravata nem cinismo. Os presentes, aturdidos, pressentiam algum raio explosivo no fundo daquela nuvem escura.

— E então! — disse o presidente. — Seu nome?

— Não posso dizer-lhe o meu nome, pois não sei, mas sei, o do meu pai, e posso dizer-lhe.

Um ofuscamento doloroso cegou Villefort. De suas faces, viram-se cair, sobre os papéis que ele manuseava com uma mão convulsiva e alarmada, gotas de suor ácidas e graúdas.

— Diga então o nome do seu pai — volveu o presidente.

Nenhuma respiração ou bafejo perturbavam o silêncio daquela imensa assembleia. Todos aguardavam.

— Meu pai é procurador do rei — respondeu tranquilamente Andrea.

— Procurador do rei! — reagiu com estupefação o presidente, sem notar a revolução que se operava no semblante de Villefort. — Procurador do rei!

— Sim e, uma vez que desejam saber seu nome, ouçam bem: chama-se de Villefort!

A explosão, por tanto tempo contida graças ao respeito que temos pela justiça numa corte de tribunal, irrompeu, como uma trovoada, do fundo de todos os peitos. Nem mesmo o júri cogitou reprimir a reação da massa. As interjeições, os palavrões dirigidos a Benedetto, que permanecia impassível, os gestos enérgicos, o movimento dos policiais, o escárnio da parcela abjeta que, em toda aglomeração, vem à superfície nos momentos de perturbação e escândalo, tudo isso durou cinco minutos, antes que magistrados e meirinhos conseguissem restabelecer o silêncio.

Em meio a todo esse alvoroço, ouvia-se a voz do presidente, que gritava:

— O réu estaria a brincar com a justiça? Atrever-se-ia a dar a seus concidadãos tal espetáculo de vileza que, mesmo numa época que nada deixa a desejar nesse aspecto, nunca se viu até hoje?

Dez pessoas precipitaram-se para o sr. procurador do rei, quase esmagado em seu assento, oferecendo-lhe consolações, encorajamentos, protestos de apoio e simpatia.

A calma restabelecera-se na sala, à exceção de um canto, aonde agitava-se e cochichava um grupo bastante numeroso.

Uma mulher, diziam, acabava de desmaiar. Fizeram-lhe aspirar sais, ela voltara a si.

Andrea, durante todo esse tumulto, dirigira seu rosto sorridente para a assembleia. Em seguida, apoiando-se com uma das mãos no braço de carvalho de seu banco, e isso com o gesto mais gracioso, disse:

— Cavalheiros, Deus me livre insultar a corte e provocar, na presença desta honrosa assembleia, um escândalo inútil. Perguntam a minha idade, respondo; perguntam onde nasci, respondo; perguntam meu nome, não posso responder, já que fui abandonado pelos meus pais. Mas posso muito bem, sem dizer meu nome, uma vez que não tenho um, dizer o do meu pai. Ora, repito, meu pai chama-se sr. de Villefort, e tenho como prová-lo.

Havia no tom do rapaz uma certeza, uma convicção e uma energia tais que reduziram o tumulto ao silêncio. Os olhares dirigiram-se por um momento ao procurador do rei, o qual, em seu assento, mantinha a imobilidade de um homem que o raio acaba de transformar em cadáver.

— Cavalheiros — continuou Andrea, impondo o silêncio com o gestual e a voz —, devo-lhes a prova e a explicação de minhas palavras.

— Mas — exclamou o presidente, irritado —, no interrogatório o senhor declarou chamar-se Benedetto, ser órfão e ter a Córsega como pátria.

— No interrogatório eu disse o que me convinha dizer no interrogatório, pois não queria ver amenizada ou eliminada, o que não teria deixado de acontecer, a repercussão solene que eu desejava dar às minhas palavras. Repito agora que nasci em Auteuil, na noite de 27 para 28 de setembro de 1817, e que sou filho do sr. procurador do rei de Villefort. Querem os detalhes, agora? Pois não. Nasci no primeiro andar da casa número 28, na rua de la Fontaine, num quarto forrado de damasco vermelho. Meu pai pegou-me em seus braços dizendo à minha mãe que eu estava morto, embrulhou-me numa toalha de mesa marcada com um H e um N e carregou-me para o jardim, onde sepultou-me vivo.

Um calafrio percorreu todos os presentes quando estes viram que a segurança do réu aumentava com o pavor do sr. de Villefort.

— Mas como sabe todos esses detalhes? — perguntou o presidente.

— Respondo, sr. presidente. No jardim onde meu pai acabava de me sepultar, introduzira-se, nessa mesma noite, um homem que o odiava mortalmente. Fazia tempo, ele o espionava a fim de premiá-lo com uma vingança corsa. O homem estava escondido numa moita. Viu meu pai enterrar uma arca de madeira no solo e desferiu-lhe uma facada exatamente durante o desenrolar dessa operação. Em seguida, julgando que aquela arca era algum tesouro, abriu o buraco e me encontrou ainda vivo. Esse homem levou-me para o albergue das Crianças Abandonadas, onde fui matriculado com o número 59. Três meses depois, sua cunhada fez a viagem de Rogliano a Paris, procurou-me, reivindicou-me como filho e me levou com ela. Eis como, embora nascido em Auteuil, fui criado na Córsega.

Houve um instante de silêncio, mas de um silêncio tão profundo que, sem a ansiedade que mil peitos pareciam respirar, diríamos tratar-se de uma sala vazia.

— Prossiga — disse a voz do presidente.

— Naturalmente — continuou Benedetto —, eu poderia ter sido feliz na casa dessas honestas pessoas, que me adoravam. Mas a minha inclinação perversa prevaleceu sobre todas as virtudes que a minha mãe adotiva tentava despejar em meu coração. Cresci no mal e cheguei ao crime. Finalmente, num dia quando eu amaldiçoava a Deus por me ter feito tão cruel e me dado tão sórdido destino, meu pai adotivo veio me dizer: “Não blasfeme, desgraçado! Pois Deus trouxe-o ao mundo sem cólera! O crime vem do seu pai, não de você; do seu pai que o destinou ao inferno se você morresse, e à miséria se um milagre o restituísse à vida!” Desde então parei de blasfemar contra Deus, mas amaldiçoei meu pai. Eis por que pronunciei aqui as palavras pelas quais me recriminou, sr. presidente, eis por que provoquei o escândalo que ainda faz tremer o público. Se este é mais um crime, castigue-me, mas se o convenci de que, desde o dia do meu nascimento, meu destino era fatal, sofrido, triste, lamentável, tenha compaixão por mim!

— Mas, e sua mãe? — perguntou o presidente.

— Minha mãe me julgava morto. Minha mãe não tem culpa. Nunca quis saber o nome da minha mãe, não a conheço.

Nesse momento, um grito agudo, que expirou com um soluço, ecoou no meio do grupo que rodeava, como dissemos, uma mulher.

Essa mulher sucumbiu a uma violenta crise nervosa e foi retirada do pretório. Enquanto a levavam, o espesso véu que escondia seu rosto moveu-se e a sra. Danglars foi reconhecida.

A despeito do esgotamento à flor da pele, a despeito do zumbido que fustigava seus ouvidos, a despeito da espécie de loucura que chacoalhava seu cérebro, Villefort reconheceu-a e levantou-se.

— As provas! As provas! — exigiu o presidente. — Réu, lembre-se de que esse tecido de horrores precisa ser sustentado pelas provas mais irrefutáveis.

— Provas? — disse Benedetto, rindo. — Quer provas?

— Sim.

— Pois bem! Olhe para o sr. de Villefort e peça-me provas de novo.

Todos voltaram-se para o procurador do rei, que, sob o peso desses mil olhares pregados nele, avançou até o recinto do tribunal, vacilante, desgrenhado e com o rosto marmorizado pela pressão das unhas.

Em uníssono, a assembleia emitiu um longo murmúrio de espanto.

— Estão me pedindo provas, meu pai — disse Benedetto —, deseja que eu as apresente?

— Não, não — balbuciou o sr. de Villefort com uma voz estrangulada —, não, é inútil.

— Como, inútil? — espantou-se o presidente. — O que quer dizer com isso?

— Quero dizer — exclamou o procurador do rei — que eu me debateria em vão sob o abraço mortal que me esmaga, cavalheiros. Encontro-me, reconheço, nas mãos do Deus vingador. Nada de provas! Isso não é necessário. Tudo o que esse homem acaba de dizer é verdade!

Um silêncio sinistro e opressivo, como o que precede as catástrofes da natureza, envolveu com seu manto todos os espectadores, que ficaram de cabelo em pé.

— O quê! Sr. de Villefort! — exclamou o presidente. — Não estará cedendo a uma alucinação? O quê! Está de posse da plenitude de suas faculdades? Será possível que uma acusação tão estranha, tão imprevista e tão terrível tenha perturbado suas ideias? Vamos, componha-se.

O procurador do rei balançou a cabeça. Seus dentes tiritavam com violência, como os de um homem devorado pela febre, embora estivesse mortalmente pálido.

— Gozo de todas as minhas faculdades, senhor — disse ele —, apenas o corpo sofre, o que é compreensível. Reconheço-me culpado de tudo o que esse moço acaba de articular contra mim, e ponho-me desde agora, em minha casa, à disposição do sr. procurador do rei, meu sucessor.

E, ao pronunciar essas palavras, com uma voz cava e quase rouca, o sr. de Villefort dirigiu-se cambaleante para a porta, que o meirinho de plantão lhe abriu com um gesto automático.

A assembleia inteira permanecia muda e arrasada com aquela revelação e aquela confissão, ambas conferindo um desenlace tão terrível às diferentes peripécias que, havia quinze dias, agitavam a alta sociedade parisiense.

— E essa! — exclamou Beauchamp. — Que venham me dizer agora que o drama não existe na natureza!

— Caramba — disse Château-Renaud —, eu ainda preferia terminar como o sr. de Morcerf. Um disparo de pistola parece uma bênção perto de uma catástrofe como essa.

— O melhor é que o disparo mata — ironizou Beauchamp.

— E eu, que por um instante tive a ideia de me casar com a filha dele! — disse Debray. — A infeliz criança fez bem em morrer, meu Deus!

— A corte está suspensa, cavalheiros — disse o presidente —, e o caso, adiado para a próxima sessão. Ele exige um novo inquérito e um novo magistrado.

Quanto a Andrea, com a mesma tranquilidade e muito mais bem-aceito, deixou a sala escoltado pelos policiais, que involuntariamente davam-lhe provas de gentileza.

— Muito bem! O que acha disso, meu velho? — perguntou Debray ao guarda, enfiando-lhe um luís na mão.

— Circunstâncias atenuantes — respondeu este.