11. Despertar

QUANDO FRANZ VOLTOU A SI, os objetos exteriores pareciam uma segunda parte do seu sonho; julgou-se num sepulcro aonde mal penetrava, como um olhar de compaixão, um raio de sol; ele esticou a mão e sentiu a pedra; sentou-se; estava deitado em seu albornoz, sobre um leito de arbustos secos bastante confortáveis e odoríferos.

A visão desaparecera por completo e, como se as estátuas não tivessem passado de sombras saídas de seus túmulos durante o sonho, haviam fugido ao despertar.

Deu alguns passos em direção ao ponto de onde vinha a luz; a toda agitação do sonho sucede a calma da realidade. Viu-se numa caverna, avançou para o lado da entrada e, através da porta cimbrada, avistou um céu e um mar azuis. O ar e a água resplandeciam aos raios do sol da manhã; na praia, os marujos estavam sentados conversando e rindo; dez metros adentrando o mar, o barco balouçava graciosamente sobre sua âncora.

Franz desfrutou então, por um tempo, daquela brisa fria que roçava sua testa; escutou o barulho enfraquecido da onda desdobrando-se e deixando nas rochas uma renda de espuma branca como prata; entregou-se sem refletir, sem pensar, a esse encanto divino que há nas coisas da natureza, sobretudo quando saímos de um sonho fantástico; depois, pouco a pouco, aquela vida ao ar livre, tão calma, tão pura, tão grande, lembrou-lhe a inverossimilhança do seu sono, e as lembranças começaram a voltar à sua memória.

Lembrou-se de sua chegada na ilha, de sua apresentação a um chefe de contrabandistas, de um palácio subterrâneo cheio de esplendores, de uma ceia excelente e de uma colherada de haxixe.

Porém, diante dessa realidade de dia claro, parecia-lhe que havia pelo menos um ano que todas essas coisas tinham acontecido, de tal forma o sonho que tivera estava vivo em seu pensamento e ganhava importância em seu espírito. Assim, de tempos em tempos, sua imaginação fazia sentar no meio dos marujos, ou atravessar um rochedo, ou se balançar no barco, uma daquelas sombras que haviam estrelado sua noite com beijos. Além disso, tinha a cabeça completamente livre e o corpo completamente descansado; nada pesava em sua mente, mas, ao contrário, sentia um bem-estar geral, uma faculdade de absorver o ar e o sol maior que nunca.

Aproximou-se então alegremente de seus marujos.

Estes se levantaram ao vê-lo, e o capitão aproximou-se.

— O sr. Simbad — disse ele — nos encarregou de transmitir todos os cumprimentos à Vossa Excelência pedindo-nos para lhe exprimir o quanto lamenta não poder se despedir; mas espera que lhe desculpe quando souber que um compromisso urgentíssimo o chama a Málaga.

— Quer dizer, meu caro Gaetano — disse Franz —, que tudo isso é então verdadeiramente real? Existe um homem que me recebeu nesta ilha, que aqui me proporcionou uma hospitalidade régia e que partiu durante o meu sono?

— Tanto existe que lá está o seu pequeno iate se afastando, com todas as velas desfraldadas, e no qual, caso se disponha a pegar sua luneta, reconhecerá, segundo toda probabilidade, seu anfitrião em meio à tripulação.

E, ao dizer estas palavras, Gaetano esticou o braço na direção de uma pequena embarcação que fazia velas rumo à ponta meridional da Córsega.

Franz sacou da sua luneta, ajustou o foco e apontou-a na direção indicada.

Gaetano não se enganava. Na popa da embarcação, o misterioso estrangeiro mantinha-se de pé, virado para o seu lado e, como ele, empunhando uma luneta; vestia exatamente o mesmo traje sob o qual aparecera na véspera para o seu convidado e agitava um lenço em sinal de adeus.

Franz retribuiu-lhe a saudação, puxando por sua vez seu lenço e o agitando como o outro agitava o dele.

Um segundo depois uma ligeira nuvem de fumaça desenhou-se na popa da embarcação, destacou-se com graciosidade e subiu lentamente para o céu; em seguida, uma débil detonação chegou até Franz.

— Veja, ouça — disse Gaetano —, ele lhe dá adeus.

O rapaz pegou sua carabina e atirou para cima, mas sem esperança de que o barulho conseguisse transpor a distância que separava o iate da costa.

— Que ordena Vossa Excelência? — disse Gaetano.

— Primeiro, que acenda uma tocha.

— Ah, sim, compreendo — respondeu o capitão —, para procurar a entrada dos aposentos encantados. Com todo o prazer, Excelência, se isto o diverte, vou lhe dar a tocha solicitada. Também já me ocorreu essa ideia que lhe ocorre, e tive o mesmo capricho por umas três ou quatro vezes; mas acabei por desistir. Giovanni — acrescentou ele —, acenda uma tocha e traga para Sua Excelência.

Giovanni obedeceu. Franz pegou a tocha e entrou no subterrâneo, seguido por Gaetano.

Reconheceu o lugar onde despertara pelo leito de arbustos ainda remexido; mas em vão passou a tocha por sobre a completa superfície externa da caverna; não percebeu nada, a não ser, pelos vestígios de fumaça, que outros antes dele já haviam tentado inutilmente a mesma investigação.

Entretanto, não deixou um centímetro daquela muralha granítica, impenetrável como o futuro, sem exame; não encontrou uma fissura em que não houvesse introduzido a lâmina de seu facão de caça; não observou uma saliência que não tenha empurrado, na esperança de que cedesse; mas foi tudo inútil, e ele perdeu, sem qualquer resultado, duas horas nessa busca.

Ao fim desse tempo, desistiu; Gaetano estava triunfante.

Quando Franz voltou à praia, o iate aparecia apenas como um pontinho branco no horizonte; ele então recorreu à luneta, mas mesmo com o instrumento era impossível distinguir alguma coisa.

Gaetano lembrou-lhe que ele viera para caçar cabras, do que se esquecera completamente. Franz então pegou seu fuzil e começou a percorrer a ilha com a expressão de um homem que cumpre seu dever mais do que desfruta de um prazer; quinze minutos mais tarde, matara uma cabra e dois cabritos. Mas essas cabras, embora selvagens e ariscas como camurças, apresentavam grande semelhança com nossas cabras domésticas, e Franz não as via como caça.

Além disso, ideias poderosas e de outro tipo ocupavam seu espírito. Desde a véspera ele se tornara indubitavelmente o herói de um conto das Mil e uma noites. Sem poder evitá-lo, retornou à caverna.

Logo, a despeito da inutilidade de sua primeira exploração, começou uma segunda, após ter dito a Gaetano para assar um dos cabritos. Essa segunda visita durou muito tempo, pois, quando voltou, o cabrito estava assado e o almoço pronto.

Franz sentou-se no lugar aonde, na véspera, tinham vindo, da parte daquele anfitrião misterioso, para convidá-lo a cear; então continuou a vislumbrar, como uma gaivota aninhada na crista de uma onda, o pequeno iate, que continuava a avançar para Córsega.

— Mas — disse ele a Gaetano —, o senhor anunciou que o sr. Simbad fazia velas para Málaga, ao passo que me parece que ele navega diretamente para Porto Vecchio.

— Não se lembra — disse o capitão — que eu lhe disse que sua tripulação incluía no momento dois ladrões corsos?

— É verdade! E ele vai deixá-los na costa? — perguntou Franz.

— Exatamente. Ah, é um indivíduo — exclamou Gaetano — que não teme a Deus nem ao diabo, ao que dizem, e que desviará cinquenta léguas de sua rota para fazer um favor a um pobre homem.

— Mas esse tipo de favor poderia muito bem complicá-lo com as autoridades do país onde ele exerce esse gênero de filantropia — disse Franz.

— Pois sim! — gracejou Gaetano. — O que podem as autoridades com ele? Ele ri na cara delas! Basta tentar persegui-lo. Em primeiro lugar, seu iate não é uma embarcação, é um pássaro, que deixaria uma fragata bem para trás; depois, se resolvesse aportar, não teria ele amigos em toda parte?

O que havia de mais claro nisso tudo era que o sr. Simbad, o anfitrião de Franz, tinha a honra de se relacionar com os contrabandistas e os ladrões de toda a costa do Mediterrâneo; o que não deixava de lhe conferir um status bem estranho.

Quanto a Franz, nada mais o retinha em Monte Cristo; perdendo toda a esperança de encontrar o segredo da caverna, apressou-se em almoçar e ordenou a seus homens que preparassem o barco para quando tivesse terminado.

Meia hora depois estava a bordo

Lançou um último olhar para o iate, prestes a desaparecer no golfo de Porto Vecchio.

Deu sinal de partida.

Enquanto o barco punha-se em movimento, o iate desaparecia.

Com ele apagava-se a última realidade da noite precedente; da mesma forma, ceia, Simbad, haxixe e estátuas, tudo começava, para Franz, a se fundir no mesmo sonho.

O barco navegou o dia inteiro e a noite inteira; no dia seguinte, quando o sol nasceu, a ilha de Monte Cristo é que havia desaparecido.

Uma vez com os pés em terra firme, Franz esqueceu os fatos que acabavam de acontecer, pelo menos momentaneamente, para terminar sua temporada de prazer e elegância em Florença e se juntar ao seu companheiro, que o aguardava em Roma.

Partiu, então, e no sábado à noite a diligência deixou-o na praça di Pietra.

Seus aposentos, como dissemos, estavam reservados com antecedência. Ele só precisava dirigir-se ao hotel de mestre Pastrini, o que não era coisa muito fácil, pois a multidão apinhava as ruas e Roma já se encontrava às voltas com aquele rumor surdo e febril que precede os grandes eventos. Ora, em Roma, há quatro grandes eventos por ano: Carnaval, Semana Santa, Corpus Christi e São Pedro.

Todo o resto do ano, a cidade recaía em sua monótona apatia, estado intermediário entre a vida e a morte, que a torna semelhante a uma espécie de escala entre este mundo e o outro; escala sublime, pouso impregnado de poesia e caráter onde Franz já se deleitara cinco ou seis vezes e que a cada vez achava mais maravilhoso e fantástico.

Enfim, atravessou aquela multidão cada vez maior e mais agitada e alcançou o hotel. À sua primeira pergunta, recebeu como resposta, com aquela impertinência peculiar a determinados cocheiros de fiacre e aos hoteleiros em geral, que não havia mais lugar para ele no Hotel de Londres. Então enviou seu cartão a mestre Pastrini e mandou chamar Albert de Morcerf. O recurso deu certo, e o próprio mestre Pastrini acorreu, desculpando-se por haver feito Sua Excelência esperar, repreendendo seus rapazes, pegando o castiçal da mão do cicerone que já se apoderara do forasteiro e se preparava para conduzi-lo até Albert, quando este veio ao seu encontro.

O apartamento reservado compunha-se de dois pequenos quartos e um banheiro. Os dois quartos davam para a rua, circunstância que mestre Pastrini valorizou acrescentando-lhe um mérito incalculável. O resto do andar estava alugado para um personagem riquíssimo, que julgavam siciliano ou maltês; o hoteleiro não pôde dizer ao certo à qual das duas nações pertencia o forasteiro.

Este forasteiro chamava-se conde de Monte Cristo.

— Está tudo muito bem, mestre Pastrini — disse Franz —, mas precisaríamos imediatamente de uma ceia qualquer para esta noite, e uma caleche para amanhã e os outros dias.

— Quanto à ceia — respondeu o hoteleiro —, serão servidos agora mesmo; mas, quanto à caleche…

— Como quanto à caleche?! — exclamou Albert. — Um momento, um momento! Nem brinque, mestre Pastrini! Precisamos de uma caleche.

— Senhor — disse o hoteleiro —, faremos tudo que for possível para arranjarmos uma. É tudo que posso dizer.

— E quando teremos a resposta? — perguntou Franz.

— Amanhã de manhã — respondeu o hoteleiro.

— Que diabos! — disse Albert. — Vamos pagar mais caro por ela, e pronto: sabemos como é; com Drake ou Brion, vinte e cinco francos nos dias da semana e trinta ou trinta e cinco nos domingos e festas; ponha cinco francos por dia de comissão, saindo tudo por quarenta e não se fala mais nisso.

— Tenho inclusive receio de que esses senhores, mesmo recebendo o dobro, não lhes conseguisse nada.

— Em último caso, mandaremos atrelar cavalos na minha; está um pouco avariada pela viagem, mas não importa.

— Não há cavalos disponíveis.

Albert olhou para Franz como um homem que recebeu uma resposta que lhe parece incompreensível.

— Está ouvindo, Franz! Não há cavalos — disse ele —, mas será que não arranjaríamos nem mesmo cavalos de viagem?

— Estão todos alugados há quinze dias, sobraram apenas os absolutamente necessários ao serviço.

— Que me diz disse? — perguntou Franz a Albert.

— Digo que, quando uma coisa vai além da minha inteligência, tenho o hábito de não me aferrar a ela e de passar para outra. A ceia está pronta, mestre Pastrini?

— Sim, Excelência.

— Ótimo, vamos cear primeiro.

— Mas e a caleche, e os cavalos? — indagou Franz.

— Fique tranquilo, caro amigo, virão sozinhos; basta chagarmos ao preço. E Morcerf, com essa admirável filosofia que nada crê impossível enquanto sua bolsa encontra-se estufada ou a carteira recheada, ceou, deitou-se, dormiu a sono solto e sonhou que desfilava no Carnaval, numa caleche de seis cavalos.