9.   Planos de casamento

NO DIA SEGUINTE A ESSA CENA, na hora que Debray costumava escolher para, a caminho do escritório, fazer uma visitinha à sra. Danglars, seu cupê não apareceu no pátio.

A essa hora, isto é, por volta de meio-dia e meia, a sra. Danglars pediu seu coche e partiu.

Danglars, postado atrás de uma cortina, espreitara essa saída, por ele aguardada. Deu ordens para que o avisassem assim que a senhora reaparecesse; mas, às duas horas, ela ainda não voltara.

Às duas horas ele pediu seus cavalos, foi até a Câmara e se inscreveu para discursar contra o orçamento.

Do meio-dia às duas horas, Danglars permanecera em seu gabinete, abrindo despachos, cada vez mais soturno, amontoando algarismos sobre algarismos e recebendo, entre outras visitas, a do major Cavalcanti, que, sempre igualmente azul, igualmente empertigado e igualmente pontual, apresentou-se à hora combinada na véspera para realizar sua transação com o banqueiro.

Ao sair da Câmara, Danglars, que dera violentas mostras de agitação durante a sessão e fora mais acerbo do que nunca contra o Ministério, entrou em seu coche e ordenou ao condutor que o levasse à avenida dos Champs-Élysées nº30.

Monte Cristo estava em casa; porém, como tinha visita, pediu a Danglars que aguardasse um instante no salão.

O banqueiro, enquanto aguardava, viu a porta se abrir e entrar um homem vestido de padre, que, sem esperar como ele, provavelmente por ser mais íntimo da casa, cumprimentou-o, entrou nos aposentos e desapareceu.

Um instante depois, a porta pela qual o padre entrara voltou a se abrir, e Monte Cristo apareceu.

— Peço desculpas, caro barão — disse o conde —, mas um dos meus bons amigos, o abade Busoni, que o senhor viu passar, acaba de chegar a Paris. Havia muito tempo que não nos víamos e não tive coragem de deixá-lo tão rapidamente. Espero que, considerando o motivo, o senhor me perdoe por fazê-lo esperar.

— Ora — disse Danglars —, é tudo muito simples; fui eu quem escolhi mal o momento e vou me retirar.

— Absolutamente, ao contrário, sente-se. Mas, Deus do céu! Que há com o senhor? Parece preocupadíssimo; na verdade, o senhor me assusta. Um capitalista aflito é como um cometa, pressagia sempre alguma desgraça no mundo.

— O que há, meu caro senhor — disse Danglars —, é que de uns dias para cá uma nuvem negra paira sobre mim e só tenho prejuízos.

— Ah, meu Deus — exclamou Monte Cristo —, foi vítima de outra queda na Bolsa!?

— Não, estou curado disso, pelo menos por alguns dias; trata-se simplesmente de uma bancarrota em Trieste.

— É verdade? E o seu falido seria por acaso Jacopo Manfredi?

— Exatamente! Imagine, um homem que fazia comigo, há não sei quanto tempo, negócios de oitocentos ou novecentos mil francos por ano. Nunca uma conta errada, nunca um atraso; um sujeito que pagava como um príncipe… que paga. Empresto-lhe um milhão, e não é que o maldito do Jacopo Manfredi suspende seus pagamentos?!

— De fato?

— Uma incrível fatalidade. Eu tinha com ele apólices de seiscentas mil libras, que me retornaram em aberto, e além disso ainda sou portador de quatrocentos mil francos em letras de câmbio assinadas por ele e pagáveis no fim de maio pelo seu representante em Paris. Estamos no dia 3 de junho, mandei descontá-las; claro, o representante sumiu. Somando isso ao meu negócio da Espanha, eis que tenho um belo fim do mês.

— Mas o negócio da Espanha resultou efetivamente numa perda?

— Com certeza, setecentos mil francos fora do meu caixa, nada menos que isso.

— Como, diabos, um velho chacal como o senhor pôde cair nessa esparrela?

— Ora, tudo culpa da minha mulher! Ela sonhou que don Carlos retornara à Espanha; ela acredita em sonhos. É magnetismo, diz ela, e quando sonha uma coisa, essa coisa, ela garante, acontece infalivelmente. Contando com essa convicção, permito que invista. Ela tem um capital e um corretor de valores: investe e perde. Verdade que não é o meu dinheiro, mas o dela, que aplica. Entretanto, não interessa, o senhor compreende, quando setecentos mil francos saem do bolso da mulher, o marido sempre abre um pouco o olho. Como! Não sabia disso? Mas a coisa fez um barulho dos diabos!

— Claro, o negócio chegou aos meus ouvidos, mas eu ignorava os detalhes. A propósito, sou completamente ignorante nesses negócios da Bolsa.

— Então não investe?

— Eu! E como quer que invista? Eu, que já tenho tanta dificuldade em cuidar das minhas rendas, seria obrigado a contratar ainda um amanuense e um tesoureiro, além do intendente. Mas, a respeito da Espanha, parece-me que a baronesa não sonhou totalmente a história do retorno de don Carlos. Os jornais não falaram alguma coisa sobre isso?

— Acredita então nos jornais?

— Eu, de forma alguma; mas achava que esse honesto Messager fazia exceção à regra e só publicava notícias precisas, as notícias telegráficas.

— Pois bem! Eis o que é inexplicável — continuou Danglars —, esse retorno de don Carlos era efetivamente uma notícia telegráfica.

— De modo — disse Monte Cristo — que é mais ou menos um milhão e setecentos mil francos que está perdendo este mês?

— Não tem mais ou menos, é exatamente a minha cifra.

— Diabos! Para uma fortuna de terceira categoria — disse Monte Cristo, compassivo —, é uma baixa pesada.

— De terceira categoria! — exclamou Danglars, um pouco humilhado. — Que raios quer dizer com isso?

— Pois é — continuou Monte Cristo —, divido as fortunas em três categorias: fortuna de primeira categoria, fortuna de segunda categoria, fortuna de terceira categoria. Chamo fortuna de primeira categoria aquela que se compõe de tesouros de que dispomos, terras, minas, títulos de Estados como a França, a Áustria e a Inglaterra, na medida em que esses tesouros, essas minas e essas rendas formem um total de uma centena de milhões. Chamo fortuna de segunda categoria os empreendimentos manufatureiros, as sociedades empresariais, os vice-reinados e principados que não ultrapassem um milhão e quinhentos mil francos de renda, o conjunto formando um capital de uns cinquenta milhões. Chamo finalmente fortuna de terceira categoria os capitais que se multiplicam por juros compostos, os ganhos dependentes da vontade de outras pessoas ou das vicissitudes do acaso, que uma bancarrota destrói, que uma notícia telegráfica abala; as especulações eventuais, as transações submetidas, em suma, aos caprichos dessa fatalidade que poderíamos designar como força menor, comparando-a à força maior, que é a força da natureza; o conjunto formando um capital fictício ou real de uns quinze milhões. Não é esta mais ou menos a sua posição, ou estou enganado?

— Caramba, sim! — respondeu Danglars.

— Daí resulta que, com meia dúzia de fins de mês como este — continuou Monte Cristo, imperturbável —, um banco de terceira categoria estaria agonizante.

— Oh — suspirou Danglars, com um sorriso bem amarelo, como o senhor anda rápido!

— Vamos estipular sete meses — replicou Monte Cristo no mesmo tom. — Diga-me, já pensou por acaso que sete vezes um milhão e setecentos mil francos dão doze milhões ou perto disso? Não? Muito bem, tem razão, pois com reflexões desse tipo ninguém aplicaria seu capital, que é para o financista o que a pele é para o homem civilizado. Temos nossos hábitos mais ou menos suntuosos, é o nosso crédito; ao morrer, porém, o homem tem apenas sua pele, assim como, ao sair dos negócios, o senhor terá apenas seu patrimônio real, cinco ou seis milhões no máximo. Afinal, as fortunas de terceira categoria montam a tão somente um terço ou um quarto de sua aparência, assim como a locomotiva de uma estrada de ferro não passa, em meio à fumaça que a envolve e amplia, de uma máquina mais ou menos forte. Ai está! Desses cinco milhões que constituem seu ativo real, o senhor acaba de perder cerca de dois, o que diminui em outro tanto sua fortuna fictícia ou seu crédito; ou seja, meu caro sr. Danglars, sua pele acaba de ser rasgada por uma sangria que, reiterada quatro vezes, provocaria a morte. Ei! Ei! Olho vivo, meu caro sr. Danglars. Precisa de dinheiro? Quer que eu lhe empreste um pouco?

— Mas que péssimo matemático o senhor é! — exclamou Danglars, chamando em seu socorro toda a filosofia e toda a dissimulação das aparências. — A uma hora dessas, o dinheiro voltou aos meus cofres mediante outras especulações bem-sucedidas. O sangue perdido com a sangria voltou por meio da nutrição. Perdi uma batalha na Espanha, fui derrotado em Trieste, mas a minha frota naval da Índia terá saqueado alguns galeões, meus pioneiros do México terão descoberto alguma jazida.

— Excelente, excelente! Mas a cicatriz subsiste e, à primeira perda, reabrirá.

— Não, pois eu esmago certezas — prosseguiu Danglars, com a facúndia banal do charlatão, cujo papel é apregoar seu crédito. — Para me derrubar, seria preciso a queda de três governos.

— Ora! Já vimos isso.

— Que a escassez se disseminasse pela terra.

— Lembre-se das sete vacas gordas e das sete vacas magras.

— Ou que o mar se abrisse, como na época dos faraós; mesmo nessa hipótese, muitos mares e os galeões estariam prontos para compor uma frota.

— Melhor assim, mil vezes melhor assim, caro sr. Danglars — disse Monte Cristo. — E vejo que me enganei e que o senhor se classifica entre as fortunas da segunda categoria.

— Julgo poder aspirar a essa honra — gabou-se Danglars, com um dos sorrisos estereotipados que causavam em Monte Cristo o efeito de uma dessas luas difusas com que os maus pintores ornam suas ruínas. — Mas, uma vez que estamos falando de negócios — acrescentou, animado por encontrar esse motivo para mudar de assunto —, gostaria então de saber o que posso fazer pelo sr. Cavalcanti.

— Ora, dar-lhe dinheiro, se ele dispuser de um crédito junto ao senhor e se esse crédito lhe parecer bom.

— Excelente! Ele se apresentou esta manhã com um título de quarenta mil francos, pagável à vista em seu nome, assinado Busoni e enviado pelo senhor a mim com seu endosso. Percebe que descontei prontamente suas quarenta promissórias.

Monte Cristo fez um sinal com a cabeça que indicava toda a sua aprovação.

— Mas isso não é tudo — continuou Danglars. — Ele abriu um crédito para o filho dele no meu banco.

— Sem querer ser indiscreto, quanto ele dá ao rapaz?

— Cinco mil francos por mês.

— Sessenta mil francos por ano. Já desconfiava disso — disse Monte Cristo, sacudindo os ombros. — Esses Cavalcanti são uns poltrões. O que ele quer que um rapaz faça com cinco mil francos por mês?

— Mas, veja, se o rapaz precisar de uns mil francos a mais…

— Não se fie nisso, o pai os deixaria por sua conta do senhor. O senhor não conhece os milionários ultramontanos: são autênticos avarentos. E por meio de que banco abriu esse crédito para ele?

— Oh, pelo Banco Fenzi, um dos melhores de Florença!

— Não quero dizer que o senhor vá perder, longe de mim; porém, não obstante, atenha-se aos termos da letra.

— O senhor não confia nesse Cavalcanti!

— Eu! Eu lhe entregaria dez milhões apenas com sua assinatura. Esta fortuna corresponde às da segunda categoria, de que lhe falava havia pouco, meu caro sr. Danglars.

— E, com tudo isso, como ele é simples! Eu o teria tomado por um major, nada além.

— E o teria lisonjeado; pois, o senhor tem razão, a cara dele engana. Quando o conheci, pareceu-me um velho tenente mofando sob suas insígnias. Mas todos os italianos são assim, lembram velhos judeus, salvo quando nos deslumbram como magos do Oriente.

— O rapaz é melhor — disse Danglars.

— Sim, um pouco tímido, talvez; mas, em suma, pareceu-me bem-comportado. Eu estava preocupado.

— Por que motivo?

— Porque o senhor o viu na minha casa de certa forma fazendo sua estreia na sociedade, pelo menos ao que me disseram. Ele viajou com um preceptor muito severo e nunca tinha vindo a Paris.

— Todos esses italianos de estirpe têm o hábito de se casar entre si, não é mesmo? — perguntou Danglars displicentemente. — Eles adoram associar suas fortunas.

— É verdade, em geral fazem assim; mas Cavalcanti é um excêntrico que não faz nada igual aos outros. Não me sai da cabeça que ele está estabelecendo o filho na França para encontrar esposa.

— Acha isso?

— Tenho certeza.

— E ouviu falar de sua fortuna?

— A questão é apenas essa; enquanto uns atribuem-lhe milhões, outros supõem que ele não possui um paul.

— E qual a sua opinião?

— O senhor não precisa concordar; ela é absolutamente pessoal.

— Mas, afinal…

— Minha opinião particular é que todos esses velhos potentados, todos esses antigos condottieri, pois esses Cavalcanti comandaram exércitos, governaram províncias… minha opinião, como eu ia dizendo, é que eles enterraram milhões em recantos que apenas seus ancestrais conhecem e dão a conhecer a seus descendentes de geração em geração. A prova disso é que são todos amarelos e ressequidos como seus florins da época da República, cujo reflexo absorvem de tanto mirá-los.

— Exatamente — disse Danglars —, e tanto isso é verdade que não conhecemos uma polegada de terra de nenhum deles.

— Muito pouco, pelo menos. De minha parte, posso dizer que, dos Cavalcanti, conheço apenas seu palácio de Lucca.

— Ah, ele tem um palácio! — disse Danglars rindo. — Já é alguma coisa.

— Sim, e ainda o aluga ao ministro das Finanças, morando enquanto isso numa casinha. Oh, já lhe disse, julgo o bom homem remediado!

— Ora, ora, o senhor não está sendo gentil com ele.

— Veja bem, mal o conheço. Creio tê-lo visto três vezes na vida. O que sei é por intermédio do abade Busoni e pelo próprio Cavalcanti. Esta manhã, ao comentar comigo seus planos para o filho, ele me sugeriu que, cansado de ver um capital considerável dormindo na Itália, um país defunto, gostaria de descobrir um jeito, fosse na França, fosse na Inglaterra, de ver seus milhões frutificarem. Mas não deixe de notar que, embora deposite grande confiança na pessoa do abade Busoni, da minha parte eu não garanto nada.

— Em todo caso, obrigado pelo cliente que me enviou. É um belíssimo nome para inscrever nos meus registros, e meu tesoureiro, a quem expliquei o que significava os Cavalcanti, está todo prosa. A propósito, e isso é uma simples pergunta de turista, quando essas pessoas casam o filho, elas contribuem com um dote?

— Oh, meu Deus, depende! Conheci um príncipe italiano, rico como uma mina de ouro, um dos primeiros nomes da Toscana, que, quando seus filhos se casavam segundo sua vontade, dava-lhes milhões, e, quando se casavam à sua revelia, contentava-se em lhes conceder uma renda de trinta escudos por mês. Digamos que, se Andrea se casasse de acordo com os anseios do pai, este talvez lhe desse um, dois, três milhões. Se fosse com a filha de um banqueiro, por exemplo, talvez se interessasse pelo negócio do sogro do filho. Suponhamos então que a nora o desagrade: adeus, o velho Cavalcanti pega a chave do seu cofre, dá duas voltas na fechadura e eis que temos o seu Andrea obrigado a viver como um malandro parisiense, escondendo cartas ou viciando dados.

— Esse rapaz vai encontrar uma princesa bávara ou peruana; vai querer uma coroa sólida, um Eldorado atravessado pelo Potosí.

— Não, todos esses grãos-senhores ultramontanos casam-se frequentemente com simples mortais; são como Júpiter, gostam de cruzar as raças. Mas, cá entre nós, por acaso está querendo casar Andrea, meu caro sr. Danglars, para me fazer todas essas perguntas?

— Palavra de honra! — exclamou Danglars. — Isso não me parece uma especulação descabida, e sou essencialmente um especulador.

— Não seria com a srta. Danglars, presumo? Eu não gostaria de ver o ingênuo Andrea degolado por Albert…

— Albert! — exclamou Danglars, dando de ombros. — Ah, bem, sim, para ele isso é completamente indiferente.

— Mas ele está noivo da sua filha, creio…

— Quer dizer, o sr. de Morcerf e eu conversamos algumas vezes sobre esse casamento; mas a sra. de Morcerf e Albert…

— Não vai me dizer que não é um bom partido?

— Calma lá! Parece-me que a srta. Danglars não fica nada a dever ao sr. de Morcerf!

— Com efeito, o dote da srta. Danglars será esplêndido, não duvido disso, principalmente se o telégrafo não fizer novas loucuras.

— Oh, não é apenas o dote! Mas, a propósito, gostaria de lhe perguntar uma coisa…

— Pois não!

— Por que não convidou Morcerf e família para o seu jantar?

— Eu havia convidado também, mas ele alegou ter uma viagem a Dieppe com a sra. de Morcerf, a quem recomendaram o ar marinho.

— Claro, claro — disse Danglars, rindo —, isso deve lhe fazer bem.

— Por quê?

— Porque é o ar que ela respirou na juventude.

Monte Cristo deixou passar a epigrama sem parecer percebê-la.

— Por outro lado — disse o conde —, se Albert não é tão rico quanto a srta. Danglars, não se pode negar que possui um belo nome…

— De acordo, mas gosto do meu igualmente — retrucou Danglars.

— Claro, seu nome é popular, enfeitando o título com que julgaram enfeitá-lo; mas o senhor é um homem suficientemente inteligente para não ter compreendido que, segundo certos preconceitos excessivamente arraigados para serem extirpados, a nobreza de cinco séculos vale mais que a nobreza de vinte anos.

— E eis justamente por quê… — disse Danglars com um sorriso que tentava tornar sardônico — prefiro o sr. Andrea Cavalcanti ao sr. Albert de Morcerf.

— Mas não obstante — disse Monte Cristo —, suponho que os Morcerf não fiquem nada a dever aos Cavalcanti…

— Os Morcerf…! Preste atenção, meu caro conde — emendou Danglars —, o senhor é um homem galante, concorda?

— Assim o creio.

— Além disso, conhecedor de brasões…

— Um pouco.

— Pois bem! Observe a cor do meu; é mais forte que a do brasão de Morcerf.

— Por que será?

— Porque eu, embora não seja barão de nascença, pelo menos me chamo Danglars.

— E daí?

— Ao passo que ele não se chama Morcerf.

— Como assim, ele não se chama Morcerf?

— Longe disso.

— O senhor está brincando!

— No meu caso, alguém me fez barão, de maneira que o sou; já ele, fez-se conde por conta própria, de maneira que não o é.

— Impossível!

— Escute, meu caro conde — continuou Danglars —, o sr. de Morcerf é meu amigo, ou melhor, conhecido, há trinta anos; quanto a mim, sabe que faço um bom uso dos meus armoriais, considerando que nunca esqueci de onde vim.

— O que é prova de grande humildade ou imenso orgulho — disse Monte Cristo.

— Pois ouça! Na época em que eu era um modesto contador, Morcerf era um simples pescador.

— E chamava-se então?

— Fernand.

— Só isso?

— Fernand Mondego.

— Tem certeza?

— Por Deus! Ele me vendeu muito peixe, claro que o conheço.

— Então por que entrega-lhe sua filha?

— Porque, sendo Fernand e Danglars dois arrivistas, ambos nobilitados, ambos enriquecidos, no fundo ambos se equivalem, exceto, porém, por umas coisinhas que disseram sobre ele e nunca disseram sobre mim.

— O que seria?

— Nada.

— Ah, sim, compreendo; isso refresca minha memória a propósito do nome Fernand Mondego: ouvi esse nome na Grécia.

— A propósito do caso Ali Paxá?

— Exatamente.

— É aí que mora o mistério — emendou Danglars —, e confesso que daria muitas coisas para desvendá-lo.

— Não é difícil, se tiver muita vontade.

— Como assim?

— O senhor, sem dúvida, tem algum representante na Grécia…

— Claro!

— Em Janina?

— Tenho-os por toda parte…

— Ótimo! Escreva ao seu representante de Janina e pergunte que papel um francês chamado Fernand desempenhou na catástrofe de Ali Tebelin.

— Tem razão! — exclamou Danglars, levantando-se com ímpeto. — Escreverei hoje mesmo!

— Faça isso.

— Farei.

— E se receber alguma notícia escandalosa…

— Eu a comunicarei ao senhor.

— Isso muito me agradaria.

Danglars lançou-se para fora dos aposentos e precisou de apenas um pulo para chegar ao seu coche.