5.   O arrombamento

NO DIA SEGUINTE àquele no qual se deu a conversa que acabamos de narrar, o conde de Monte Cristo partira de fato para Auteuil, com Ali, diversos criados e cavalos que queria testar. O que o determinara acima de tudo a essa partida, sequer cogitada na véspera e tampouco imaginada por Andrea, havia sido a chegada de Bertuccio, que, de volta da Normandia, trazia notícias da casa e da corveta. A casa estava pronta, e a corveta, havia uma semana, fora recebida e ancorada numa pequena enseada, onde permanecia com sua tripulação de seis homens, em condições de fazer-se ao mar, após ter cumprido todas as formalidades exigida.

O conde elogiou o zelo de Bertuccio e sugeriu que se preparasse para uma partida imediata, sua passagem pela França não devendo prolongar-se por mais de um mês.

— Preste atenção — disse-lhe ele —, posso precisar ir de Paris a Le Tréport em uma noite. Quero oito mudas escalonadas na estrada, que me permitam fazer duzentos e cinquenta quilômetros em dez horas.

— Vossa Excelência já manifestara esse desejo — respondeu Bertuccio —, e os cavalos estão preparados. Comprei-os e os distribuí pessoalmente nos locais mais convenientes, isto é, em aldeias em geral onde ninguém faz escala.

— Ótimo — disse Monte Cristo —, ainda fico um ou dois dias por aqui, tome suas providências de acordo com isso.

Quando Bertuccio ia sair para aviar tudo que se relacionava àquele deslocamento, Baptistin abriu a porta. Trazia uma carta numa bandeja de prata.

— Que faz aqui? — perguntou o conde, vendo-o todo empoeirado. — Não creio tê-lo chamado…

Baptistin, sem responder, aproximou-se do conde e apresentou-lhe uma carta.

— Importante e urgente — ele disse.

O conde abriu a carta e leu:

O sr. de Monte Cristo fica avisado de que esta noite um homem penetrará em sua casa dos Champs-Élysées com o fito de subtrair papéis que julga guardados na escrivaninha do toucador. Sabemos que o conde de Monte Cristo é suficientemente corajoso para não recorrer à intervenção da polícia, intervenção que poderia comprometer profundamente quem lhe dá este aviso. O sr. conde, seja por um vão entre o quarto e o toucador, seja emboscando-se no toucador, poderá fazer justiça com as próprias mãos. Muita gente e precauções explícitas decerto afastariam o malfeitor e fariam o sr. conde de Monte Cristo perder essa oportunidade de conhecer um inimigo que o acaso revelou à pessoa que lhe dá este aviso, aviso que ela talvez não tivesse condições de repetir caso, fracassando nessa primeira tentativa, o malfeitor empreendesse uma segunda.

A primeira reação do conde foi acreditar num ardil de ladrões, armadilha tosca que lhe apontava um perigo insignificante para expô-lo a um mais grave. Ia então mandar levar a carta a um comissário de polícia, apesar da recomendação e talvez inclusive em virtude da recomendação do amigo anônimo, quando de repente ocorreu-lhe que podia tratar-se, com efeito, de algum inimigo pessoal, que apenas ele era capaz de reconhecer e de quem, eventualmente, apenas ele podia tirar partido, como havia feito Fiesco com o mouro que quisera assassiná-lo. Conhecemos o conde; logo, não precisamos dizer que era um espírito cheio de audácia e vigor, que se enrijecia contra o impossível com a energia que caracteriza os homens superiores. Por sua vida pregressa e pela decisão inflexível que tomara de não recuar diante de nada, o conde viera a saborear delícias insuspeitadas nas lutas que às vezes travava com a natureza, que é Deus, e com a sociedade, que pode muito bem ser vista como o diabo.

— Eles não querem roubar meus papéis — disse o conde de Monte Cristo —, querem me matar. Não são ladrões, são assassinos. Não quero que o sr. chefe de polícia meta o bedelho nos meus assuntos particulares. Sou suficientemente rico, caramba, para poupar o orçamento da municipalidade nesse caso.

O conde chamou Baptistin, que saíra do quarto após haver entregue a carta.

— O senhor voltará a Paris — ordenou-lhe. — Trará para cá todos os criados que ficaram. Preciso de todo mundo em Auteuil.

— Mas não ficará ninguém na casa, sr. conde? — perguntou Baptistin.

— Claro que sim, o porteiro.

— O sr. conde sabe que é longe da guarita até a casa.

— E daí?

— E daí que poderiam limpar a casa toda sem que ele ouvisse o menor ruído.

— Quem faria isso?

— Ora, ladrões.

— O senhor é um pateta, Baptistin. Os ladrões, limpando a casa, nunca me darão o desgosto que me suscitaria um serviço malfeito.

Baptistin inclinou-se.

— O senhor me ouviu — repetiu o conde —, traga seus colegas, do primeiro ao último, mas que tudo permaneça como sempre. Feche os postigos do térreo, só isso.

— E os do andar de cima?

— Sabe que nunca os fechamos. Vá.

O conde mandou avisar que jantaria sozinho em seus aposentos e que queria ser servido apenas por Ali.

Jantou com a tranquilidade e sobriedade costumeiras. Depois do jantar, fazendo sinal para que Ali o seguisse, saiu pelo pequeno portão, enveredou pelo Bois de Boulogne, como se estivesse a passeio, tomou sem afetação o caminho de Paris e, ao cair da noite, viu-se defronte de sua casa nos Champs-Élysées.

Estava tudo na penumbra, apenas uma débil luminosidade brilhava na guarita do porteiro, distante cerca de quarenta passos da casa, como dissera Baptistin.

Monte Cristo recostou-se numa árvore, com aquele olho que tão raramente se enganava, e sondou a dupla aleia, examinou os passantes, mergulhando o olhar nas ruas adjacentes, a fim de verificar se não havia alguém emboscado. Ao fim de dez minutos, teve certeza de que ninguém o espreitava. Correu imediatamente com Ali até o portão menor, entrou precipitadamente e, pela escada de serviço, cuja chave carregava, entrou no seu quarto de dormir, sem abrir ou balançar uma única cortina, sem que nem mesmo o porteiro pudesse desconfiar que a casa, que julgava vazia, reencontrara seu principal morador.

Ao chegar ao quarto, o conde fez sinal para que Ali estancasse; em seguida, entrou no toucador, ao qual examinou; estava tudo como sempre: a valiosa escrivaninha em seu lugar, e a chave na escrivaninha. Deu duas voltas na fechadura, pegou a chave, voltou para a porta do quarto, puxou o trinco duplo do ferrolho, e entrou.

Enquanto isso, Ali colocava sobre uma mesa as armas que o conde lhe pedira, isto é, uma carabina curta e um par de pistolas duplas, cujos canos superpostos permitiam mirar com tanta segurança quanto com pistolas de tiro. Assim armado, o conde tinha a vida de cinco homens em suas mãos.

Eram nove meia; o conde e Ali comeram às pressas um pedaço de pão e beberam um copo de vinho espanhol. Em seguida, Monte Cristo deslocou um daqueles painéis móveis que lhe permitiam ver de um cômodo para outro. Tinha as pistolas e a carabina ao seu alcance, e Ali, de pé junto a ele, empunhava uma dessas machadinhas árabes que não mudaram de forma desde as cruzadas.

Por uma das janelas do quarto, paralela à do toucador, o conde podia ver a rua.

Duas horas assim se passaram; a escuridão era profunda, e entretanto Ali, graças à sua natureza selvagem, e o conde, graças provavelmente a uma aptidão adquirida, distinguiam nessa noite até as mais tênues oscilações das árvores do pátio.

Fazia algum tempo que a luzinha da guarita do porteiro se apagara.

Era de se presumir que o ataque, se realmente houvesse um ataque planejado, aconteceria pela escada do térreo e não por uma janela. Na cabeça de Monte Cristo, os malfeitores queriam sua vida, e não seu dinheiro. Era portanto seu quarto que atacariam, e chegariam lá ou pela escada secreta ou pela janela do toucador.

Ele pôs Ali diante da porta da escada, e continuou a vigiar o toucador.

Onze horas e três quartos soaram no relógio dos Invalides. O vento oeste trouxe em suas úmidas lufadas a lúgubre vibração dos três toques.

Quando o último toque extinguiu-se, o conde julgou ouvir um rumor para os lados do toucador. Esse primeiro rumor, ou melhor, esse primeiro rangido, foi seguido por um segundo, depois por um terceiro; no quarto, o conde sabia do que se tratava. Uma mão firme e experiente cortava os quatro lados de uma das vidraças com um diamante.

O conde sentiu seu coração bater mais rápido. Por mais calejados pelo perigo, por mais avisados do risco, os homens compreendem sempre, pela palpitação do coração e pela palpitação da carne, a enorme diferença que existe entre o sonho e a realidade, entre o plano e a execução.

Entretanto, Monte Cristo fez apenas um sinal para avisar Ali. Este, compreendendo que o perigo vinha do toucador, deu um passo para se aproximar de seu amo.

Monte Cristo estava ansioso para saber com que inimigos estava lidando, e quantos eram eles.

A janela onde trabalhavam ficava em frente ao vão através do qual o conde mergulhava seu olhar no toucador. Por conseguinte, seus olhos fixaram-se nessa janela. Ele viu uma sombra desenhar-se mais densa na penumbra. Em seguida, uma das vidraças tornou-se repentinamente opaca, como se tivessem colado por fora uma folha de papel, então a vidraça estalou sem cair. Pelo buraco, passou um braço procurando a maçaneta; um segundo depois as dobradiças rangeram e um homem entrou.

Ele estava sozinho.

— Eis um malandro atrevido — murmurou o conde.

Nesse momento, percebeu que Ali tocava-lhe levemente o ombro. Voltou-se: Ali apontava para a janela do quarto onde estavam, que dava para a rua.

Monte Cristo deu três passos em direção a essa janela; conhecia a sutil acuidade dos sentidos do fiel serviçal. Com efeito, percebeu outro homem que se descolava de uma porta e que, subindo num pequeno poste, parecia procurar ver o que acontecia na casa do conde.

— Bom — pensou ele —, são dois: um age, o outro espreita.

Fez então sinal para Ali não desgrudar os olhos do homem da rua, e voltou ao do toucador.

O cortador de vidros entrara e orientava-se, com os braços esticados para a frente.

Finalmente, pareceu ter identificado todas as coisas. Havia duas portas no toucador, ele foi fechar os ferrolhos de ambas.

Quando se aproximou da porta do quarto, Monte Cristo julgou que ele entraria e armou uma de suas pistolas, mas ouviu simplesmente o barulho dos ferrolhos deslizando em seus anéis de cobre. Era uma precaução, só isso; o visitante noturno, ignorando a providência tomada pelo conde de tirar os trincos, podia agora julgar-se em casa e agir com toda a tranquilidade.

Sozinho e à vontade, o homem então sacou do seu amplo bolso alguma coisa que o conde não conseguiu distinguir, colocou essa alguma coisa sobre uma mesa pequena e redonda, depois foi direto à escrivaninha, apalpou-a no lugar da fechadura e percebeu que, contrariando suas expectativas, a chave não estava lá.

Mas o depredador de vidros era um homem previdente e tudo antecipara; o conde logo ouviu o serrilhar do ferro contra o ferro, produzido, quando é manipulado, por aquele molho de gazuas que os chaveiros trazem quando chamados para abrir uma porta, e às quais os ladrões apelidam de “rouxinóis”, provavelmente em virtude do prazer que sentem ao ouvir seu canto noturno, quando rangem contra a lingueta da fechadura.

— Ahá! — murmurou Monte Cristo, com um sorriso de desapontamento. — É apenas um ladrão.

Mas o homem, na penumbra, não conseguia escolher a ferramenta adequada. Recorreu inicialmente ao objeto que colocara sobre a mesinha. Manipulou uma mola, e logo uma luz pálida, mas não obstante bem viva para que se pudesse enxergar, enviou seu reflexo dourado sobre as mãos e o rosto desse homem.

— Quem diria! — fez de repente Monte Cristo, recuando num movimento de surpresa. — É…

Ali ergueu a machadinha.

— Não se mexa — sussurrou-lhe Monte Cristo. — E largue sua machadinha, não precisamos mais de armas aqui.

Em seguida, acrescentou algumas palavras falando ainda mais baixo, pois sua exclamação anterior, por mais abafada, arrancada ao conde pela surpresa, bastara para fazer estremecer o homem, que permanecera na pose do antigo amolador de facas. Era uma ordem que o conde acabava de dar, pois Ali afastou-se imediatamente na ponta dos pés, extraindo da escuridão da alcova uma roupa preta e um chapéu triangular. Enquanto isso, Monte Cristo tirava rapidamente seu redingote, seu colete e sua camisa, e era possível, graças ao raio de luz que atravessava a brecha do painel, reconhecer no peito do conde uma daquelas cotas finas e flexíveis de malhas de aço, a última das quais, nessa França onde os punhais não são mais temidos, deve ter sido usada pelo rei Luís XVI, que temia uma faca no peito e foi golpeado por um machado na cabeça.

Essa cota logo desapareceu sob uma longa sotaina, assim como os cabelos do conde sob uma peruca tonsurada. O chapéu triangular, colocado sobre a peruca, terminou de transformar o conde em abade.

Enquanto isso, o homem, não ouvindo mais nada, se reerguera e, durante o tempo em que Monte Cristo operava sua metamorfose, fora direto à escrivaninha, cuja fechadura começava a estalar sob seu “rouxinol”.

— Bom! — murmurou o conde, que provavelmente fiava-se em algum segredo de chaveiro desconhecido do arrombador de portas, por mais hábil que fosse. — Bom! Dou-lhe mais alguns minutos.

E foi até a janela.

O homem que ele vira subir num pequeno poste descera dele e continuava a perambular pela rua. Mas, estranhamente, em vez de se preocupar com aqueles que pudessem aparecer, fosse pela avenida dos Champs-Élysées, fosse pelo faubourg Saint Honoré, parecia preocupado apenas com o que acontecia na casa do conde, e todos os seus movimentos tinham como objetivo espiar o que se passava no toucador.

Monte Cristo, de repente, bateu na testa e deixou errar em seus lábios entreabertos uma risada silenciosa.

Em seguida, aproximando-se de Ali, disse-lhe baixinho:

— Fique aqui, escondido na penumbra, e, seja qual for o barulho que ouça, aconteça o que acontecer, não entre e não se mostre a não ser que eu lhe chame pelo nome.

Ali fez sinal com a cabeça de que compreendera e obedeceria.

Então Monte Cristo pegou num armário uma vela já acesa e, quando o ladrão estava mais concentrado na fechadura, abriu lentamente a porta, fazendo com que a luz que levava na mão direita incidisse integralmente sobre seu rosto.

A porta abriu-se tão lentamente que o ladrão não ouviu seu ruído. Por outro lado, para seu grande espanto, viu de repente o quarto iluminar-se.

Voltou-se.

— Olá! Boa-noite, caro sr. Caderousse — disse Monte Cristo. — Que diabos está fazendo aqui a uma hora dessas?

— O abade Busoni! — exclamou Caderousse.

E, não sabendo como aquela estranha aparição viera até ele, uma vez que fechara as portas, deixou cair seu molho de chaves falsas e permaneceu imóvel, como se abatido pelo estupor.

O conde foi instalar-se entre Caderousse e a janela, obstruindo assim, para o ladrão aterrado, sua única possibilidade de fuga.

— O abade Busoni! — repetiu Caderousse, fitando o conde com olhos esbugalhados.

— Muito bem! Isso mesmo, o abade Busoni — respondeu Monte Cristo — ele mesmo, em pessoa, e folgo ao ver que o senhor me reconhece, meu caro sr. Caderousse. Isso prova que temos boa memória, pois, se não me engano, lá se vão dez anos que não nos vemos.

Essa calma, essa ironia e essa força suscitaram no espírito de Caderousse um terror vertiginoso.

— O abade! O abade! — murmurou, crispando os punhos e batendo os dentes.

— Quer dizer que pretendem roubar o conde de Monte Cristo? — prosseguiu o suposto abade.

— Sr. abade — murmurou Caderousse, tentando alcançar a janela que o conde interceptava-lhe impiedosamente —, sr. abade, não sei… peço-lhe que acredite… juro…

— Uma vidraça cortada — continuou o conde —, uma lanterna fosca, um molho de rouxinóis, uma escrivaninha em vias de ser arrombada: o que pode ser mais claro?

Caderousse sufocava em seu colarinho, procurava um canto onde se esconder, um buraco por onde sumir.

— Não adianta — disse o conde —, vejo que continua o mesmo, sr. assassino.

— Sr. abade, uma vez que sabe tudo, sabe que não fui eu, que foi a Carconte. Isso foi admitido no processo, uma vez que fui condenado apenas às galés.

— Então cumpriu sua pena e já está arranjando um jeito de voltar para lá?

— Não, sr. abade, fui libertado por alguém.

— Esse alguém prestou um magnífico favor à sociedade.

— Ah! — disse Caderousse. — Apesar de tudo, eu realmente tinha prometido…

— Então fugiu da cadeia? — interrompeu Monte Cristo.

— Ai! Sim — admitiu Caderousse, preocupadíssimo.

— Péssima reincidência… Isso irá levá-lo, se não me engano, à Place de Grève. Paciência, paciência, diavolo! como diz o povo da minha terra.

— Sr. abade, cedi a um impulso…

— Todos os criminosos dizem isso.

— A necessidade…

— Deixe disso — desdenhou Busoni —, a necessidade pode levar alguém a pedir esmola, a roubar um pão na porta de um padeiro, mas não a vir arrombar uma escrivaninha numa casa que julga desabitada. E quando o joalheiro Joannès contava os quarenta e cinco mil francos em troca do diamante que lhe dei e o matou para ter o diamante e o dinheiro, era também a necessidade?

— Perdão, sr. conde — disse Caderousse —, o senhor já me salvou uma vez, salve-me uma segunda.

— Nada me estimula a fazê-lo.

— Está sozinho, sr. abade? — perguntou Caderousse, juntando as mãos. — Ou está com policiais prontos para me prender?

— Estou absolutamente sozinho — disse o abade. — Se me disser toda a verdade, terei pena do senhor e o deixarei partir, ainda que correndo o risco de novas desgraças provocadas pela minha fraqueza.

— Ah, sr. abade! — exclamou Caderousse, juntando as mãos em súplica e dando um passo na direção do conde de Monte Cristo. — Posso muito bem dizer-lhe que o senhor é o meu salvador!

— Está querendo me dizer que o libertaram da prisão?

— Oh, palavra de Caderousse, sr. abade!

— Quem fez isso?

— Um inglês.

— Como se chamava?

— Lorde Wilmore.

— Conheço-o; portanto, saberei se está mentindo.

— Sr. abade, digo apenas a verdade.

— Esse inglês então o protegia?

— Não, a mim não, mas a um jovem corso que era meu companheiro de corrente.

— Como se chamava esse jovem corso?

— Benedetto.

— É um prenome de batismo?

— Ele não tinha outro, era uma criança abandonada.

— Então esse rapaz fugiu com o senhor?

— Sim.

— Como?

— Trabalhávamos em Saint-Mandrier, perto de Toulon. Conhece Saint-Mandrier?

— Conheço.

— Pois bem! Enquanto dormíamos, entre meio-dia e uma hora…

— Forçados que tiram a sesta! Esses rapazes deveriam ser denunciados… — ironizou o abade.

— Puxa vida! — fez Caderousse. — Não podemos trabalhar o tempo todo, não somos cachorros.

— Felizmente para os cachorros — disse Monte Cristo.

— Enquanto os outros faziam a sesta, afastamo-nos um pouquinho, serramos nossos ferros com uma lima que o inglês conseguira nos passar e fugimos a nado.

— E por onde anda esse Benedetto?

— Não sei de nada.

— No entanto, devia saber.

— Não sei, eu juro. Separamo-nos em Hyères.

E, para dar mais peso ao seu juramento, Caderousse deu outro passo em direção ao abade, que permaneceu imóvel em seu lugar, sempre calmo e indagador.

— Está mentindo! — afirmou o abade, num tom irresistível de autoridade.

— Sr. abade…!

— Está mentindo! Esse homem ainda é seu amigo e talvez faça uso dele como cúmplice.

— Oh, sr. abade…!

— Depois que o senhor deixou Toulon, como sobreviveu? Responda.

— Como pude.

— Está mentindo! — repetiu pela terceira vez o abade, num tom ainda mais imperativo.

Caderousse, aterrado, olhou para o conde.

— O senhor sobreviveu — emendou este — com o dinheiro que ele lhe deu.

— Pois bem! É verdade — reconheceu Caderousse. — Benedetto tornou-se filho de um fidalgo.

— Como pode ele ser filho de um fidalgo?

— Filho natural.

— E como se chama esse fidalgo?

— O conde de Monte Cristo, esse mesmo na casa de quem estamos.

— Benedetto, filho do conde? — surpreendeu-se Monte Cristo.

— Para o senhor ver! E temos que acreditar, pois o conde arranjou-lhe um falso pai, o conde dá-lhe quatro mil francos por mês, o conde deixa-lhe quinhentos mil francos em testamento.

— Ah! Ah! — fez o falso abade, que começava a compreender. — E que nome usa, enquanto isso, o tal rapaz?

— Andrea Cavalcanti.

— Então é o rapaz que o meu amigo o conde de Monte Cristo recebe em sua casa e que vai se casar com a srta. Danglars?

— Exatamente.

— E o senhor permite isso, miserável! O senhor, que conhece sua vida e sua ignomínia?

— Por que acha que devo impedir o sucesso de um colega? — perguntou Caderousse.

— Está certo, não cabe ao senhor avisar o sr. Danglars, mas a mim.

— Não faça isso, sr. abade!

— E por que não?

— Porque é o nosso pão que o senhor confisca.

— E acha que, para preservar o pão de miseráveis como vocês, eu me rebaixaria a ser instigador de sua trama, cúmplice de seus crimes?

— Sr. abade! — exclamou Caderousse, aproximando-se mais.

— Direi tudo.

— A quem?

— Ao sr. Danglars.

— Com mil raios! — exclamou Caderousse, sacando uma faca já aberta de seu colete e golpeando o conde no meio do peito. — O senhor não dirá nada, abade!

Para grande espanto de Caderousse, o punhal, em vez de penetrar no peito do conde, retornou todo amassado.

Simultaneamente o conde agarrou com a mão esquerda o pulso do assassino e o torceu com tal força que a faca caiu de seus dedos hirtos, e Caderousse soltou um grito de dor.

Mas o conde, sem se deter com esse grito, continuou a torcer o punho do bandido até que, desarticulando seu braço, ele caiu primeiro de joelhos, depois de cara no chão.

O conde apoiou um pé em sua cabeça e disse:

— Não sei o que me impede de rachar seu crânio, celerado!

— Ai, misericórdia, misericórdia! — suplicou Caderousse.

O conde retirou o pé.

— Por Deus! Que punho o senhor tem, abade! — disse Caderousse, acariciando o braço todo marcado pelas tenazes de carne que o haviam comprimido. — Por Deus, que punho!

— Silêncio. Deus é quem me dá forças para domar uma besta feroz como você. É em nome desse Deus que ajo. Lembre-se disso, miserável, e poupá-lo neste momento ainda é servir os desígnios divinos.

— Ufa! — fez Caderousse, todo dolorido.

— Pegue esta pena, este papel e escreva o que irei ditar.

— Não sei escrever, sr. conde.

— Está mentindo; pegue esta pena e escreva!

Caderousse, subjugado por aquela força superior, sentou-se e escreveu:

Senhor, o homem que está recebendo em sua casa e a quem destina sua filha é um ex-forçado, evadido comigo da cadeia de Toulon; ele usava o nº59 e eu o 58.

Ele se chamava Benedetto, mas ignora seu verdadeiro nome, nunca tendo conhecido seus pais.

— Assine! — continuou o conde.

— Mas quer acabar comigo?

— Se quisesse acabar com você, imbecil, eu o arrastaria até a primeira casa de guarda. Além disso, na hora em que o bilhete for entregue no seu destino, é provável que você não tenha mais nada a temer; portanto, assine.

Caderousse assinou.

— O destinatário: Ao sr. barão Danglars, banqueiro, rua de la Chaussée d’Antin.

Caderousse escreveu o endereço.

O abade pegou o bilhete.

— Agora — disse —, está tudo certo: vá.

— Por onde?

— Por onde veio.

— Quer que eu saia por essa janela?

— Você entrou por ela.

— Está tramando alguma coisa contra mim, sr. abade?

— Imbecil, o que posso estar tramando?

— Por que não abre a porta para mim?

— Para que acordar o porteiro?

— Sr. abade, diga que não quer a minha morte.

— Quero o que Deus quiser.

— Mas jure que não vai me atacar enquanto eu estiver descendo.

— Além de burro, é covarde!

— Que pretende fazer de mim?

— Eu é que pergunto. Tentei fazer um homem feliz, e fiz apenas um assassino!

— Sr. abade — disse Caderousse —, tente uma última vez.

— Muito bem! — disse o conde. — Escute, sabia que sou um homem de palavra?

— Sim — disse Caderousse.

— Se você chegar em casa são e salvo…

— Sem ser o senhor, que tenho a temer?

— Se chegar em casa são e salvo, saia de Paris, saia da França, e em qualquer lugar que se encontre, enquanto se comportar honestamente, farei com que receba uma pequena pensão; pois, se chegar em sua casa são e salvo, então…

— Então? … — perguntou Caderousse, tremendo.

— Então acreditarei que Deus o perdoou, e o perdoarei também.

— Pela minha fé cristã — balbuciou Caderousse, recuando —, o senhor me faz morrer de medo!

— Basta, vá! — ordenou o conde, apontando a janela para Caderousse.

Caderousse, não de todo tranquilizado por tal promessa, passou a perna pela janela e pôs o pé na escada.

Então, parou, tremendo.

— Agora, desça — disse o abade, cruzando os braços.

Caderousse começou a compreender que nada tinha a temer desse lado, e desceu.

O conde aproximou-se com a vela, de maneira que, dos Champs-Élysées, podia-se ver um homem descendo por uma janela iluminado por outro homem.

— Que está fazendo agora, sr. abade? — inquietou-se Caderousse. — Se passar uma patrulha…

E soprou a vela. Depois continuou a descer; mas só quando sentiu a terra do jardim sob seus pés foi que sossegou completamente.

Monte Cristo voltou para o seu quarto de dormir, e, dando uma olhadela rápida do jardim para a rua, viu primeiro Caderousse, que, após ter descido, fazia um desvio no jardim e ia instalar sua escada na ponta do muro, a fim de sair num lugar diferente daquele por onde entrara.

Em seguida, passando do jardim para a rua, viu o homem que parecia esperar correr paralelamente e postar-se atrás da esquina perto da qual Caderousse iria descer.

Caderousse subiu lentamente a escada e, atingindo os últimos degraus, passou a cabeça por cima do espigão do muro para certificar-se de que a rua estava de fato vazia.

Não se via ninguém, não se ouvia nenhum ruído.

Deu uma hora nos Invalides.

Então Caderousse pôs uma perna de cada lado do muro, puxando a escada e passando-a por cima do muro. Depois tratou de descer, ou melhor, de se deixar escorregar ao longo dos dois apoios, manobra executada com uma habilidade que comprovou o quanto estava habituado a esse exercício.

Porém, uma vez embalado, não conseguiu parar. Em vão percebeu um homem projetar-se na sombra quando estava na metade do caminho; em vão percebeu um braço levantar-se no momento em que tocava o chão. Antes que pudesse se defender, esse braço golpeou-o tão furiosamente nas costas que ele soltou a escada gritando:

— Socorro!

Um segundo golpe atingiu-o quase instantaneamente no flanco, e ele caiu gritando:

— Assassino!

Por fim, enquanto rolava no chão, seu adversário agarrou-o pelos cabelos e lhe desferiu um terceiro golpe no peito.

Caderousse quis gritar mais uma vez, porém não conseguiu emitir senão um gemido, fazendo correr, enquanto gemia, os três riachos de sangue que saíam de seus três ferimentos.

O assassino, vendo que ele não gritava mais, soergueu-lhe a cabeça pelos cabelos. Caderousse tinha os olhos fechados e a boca retorcida. O assassino julgou-o morto, deixou a cabeça tombar e desapareceu.

Então Caderousse, ao perceber que ele se afastava, apoiou-se no cotovelo e, com uma voz agônica, gritou num supremo esforço:

— Peguem o assassino, estou morrendo! Socorro, sr. abade, socorro!

Esse lúgubre apelo trespassou a penumbra da noite. A porta da escada secreta se abriu, depois o portãozinho do jardim, e Ali e seu patrão acorreram com luzes.