Parte I – 17/8/1980
Palavra e Traço Através dos Tempos
A imagem foi a primeira forma de comunicação a ser utilizada pelo ser humano, desde tempos imemoriáveis. Antigas pinturas nas cavernas pré-históricas já retratavam cenas de caçadas, homens e animais em luta, às vezes em sequência, narrando uma história. A imagem deu origem à escrita, pois as primeiras formas de escrita humana (na China e no Egito) eram esquematizações de figuras humanas, animais, casas, etc. Assim surgiram os hieróglifos egípcios, que Champolion decifrou, revelando toda a história de um povo.
O primeiro desenho de humor que se conhece é egípcio e está no Museu de Turim, e representa animais assumindo papéis humanos e se comportando como se fossem gente. Existe até um burro tocando harpa! Todavia, só na Europa medieval é que a arte da ilustração iria renascer com a xilogravura e a pintura religiosa. É conhecidíssima a sequência da Paixão de Cristo, onde Jesus é mostrado desde sua prisão até sua ressurreição, passando pela crucificação, tudo isso numa sequência de quadros que encontramos até hoje, na maioria das igrejas católicas. No século XVIII surgem as técnicas do pontilhado e da aquatinta, bem como a litografia, possibilitando o aparecimento dos primeiros jornais ilustrados. O talho doce e a água forte precedem um novo processo de xilogravura que veio permitir a junção da imagem com o texto, no ano de 1817, na Inglaterra. Pela vez primeira, a palavra e o traço se uniam.
A palavra e Traço no Brasil
“A Campainha e o Cujo” foi o título da primeira caricatura brasileira que unia a palavra ao traço. O texto é atribuído a Manuel de Araújo Porto Alegre e a estampa da litografia é de Victor Larée. Foi executada a 14/12/1837 e publicada no Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro.
Essa primeira “charge” pertence hoje à Biblioteca Nacional e mostra um fidalgo com uma campainha nas mãos, entregando um saco de dinheiro a uma personagem vestida como um arauto de rua, que se ajoelha para receber a dádiva do primeiro. Essa segunda figura, o “Cujo” da sátira, tem as características do jornalista Justiniano José da Rocha. Ao fundo, numa parede, há uma inscrição: “Com honra e probidade – 3:600$000 – Viva a sinecura!!!” –; a seguir, uma palavra da gíria, “gimbo”, que significa dinheiro, e ainda: “Viva a Pátria” e “Chronica das Parvoíces”. Mais ao fundo, um grupo foge na direção de uma parede onde se lê: “Campainha venha a nós” e, numa placa, “Cemitério dos Desmazelos”. Como se não bastasse, há versos ao pé da ilustração:
“A Campainha – Quem quer; quem quer redigir/ O Correio Oficial!/ Paga-se bem. Todos fogem?/ Nunca se viu coisa igual.
“O Cujo – com três contos e seiscentos,/ Eu aqui’stou, meu Senhor;/ Honra tenho e probidade/ Que mais quer d’um redator?”
Assim surgia a charge (do francês: ataque) em nosso país.
História em Quadrinhos
Paralelamente à arte da charge ou cartum (do inglês, cartoon: desenho, caricatura) surgia também no século XIX a História em Quadrinhos. A 25 de fevereiro de 1894, o jornal NY World publicou uma “história em imagens” que mostrava um bêbado usando uma máscara de teatro chinês para assustar a todos, num bar, e assim poder esvaziar a prateleira.
Todavia, a primeira história em quadrinhos oficialmente reconhecida como tal é de autoria de Richard Felton Outcault, com seu “The Yellow Kid” (O Menino Amarelo), também publicada no NY World, a 16 de fevereiro de 1896.
“The Yellow Kid” ainda não é uma obra dentro dos padrões atuais, mas é uma predecessora imediata do gênero. Foi somente em 12 de dezembro de 1897 que o New York Journal apresentou uma série de desenhos em quadrinhos, feita por um principiante, Rudolph Dirks: “Os Sobrinhos do Capitão”, mostrando as traquinagens de dois garotos terríveis, Hans e Fritz, que são publicadas até hoje!
A Primeira História em Quadrinhos
No mesmo ano de 1897, a revista O Malho publicava “As Aventuras de Zé Caipora”, de Ângelo Agostini, a primeira obra em quadrinhos no Brasil.
A personagem principal, inspirada em lendas indígenas, vivia aventuras nos sertões do nosso país. Mas foi só no século XX que surgiu a primeira revista especializada no gênero, O Tico-Tico.
O Tico-Tico seria um marco histórico. Seu primeiro número foi lançado a 11 de outubro de 1905 e seus primeiros colaboradores foram: Vasco Lima (Histórias Avulsas), Cícero Valadares (Histórias Avulsas) e Alfredo Storni (Histórias Avulsas). Logo em 1906 surgia J. Carlos, com a personagem “Trapisongas”, também publicada em O Malho.
J. Carlos seria considerado o maior desenhista de quadrinhos e cartunista de sua geração.
Mas foi O Tico-Tico que continuou a divulgar novos autores: Mas Yantok (Kaximboun, 1908) Alfredo Storni (Zé Macaco, Faustina e Baratinha, 1910), e Luis Loureiro (Chiquinho, 1914). Foi esse personagem, Chiquinho, que mais se destacou na época. Era inspirado em “Buster Brown”, de Richard Oucault, o mesmo que criou o “Yellow Kid”. Todavia, tinha como companheiro o negrinho Benjamim, introduzido pelo Luis Loureiro.
Outros artistas nacionais criariam e desenhariam o garoto Chiquinho: Rocha, Alfredo Storni, Paulo Affonso, Osvaldo Storni, Miguel Hochman, etc.
Ainda nessa primeira fase do quadrinho brasileiro, destacaram-se: Benedito Bastos Barreto (Belmonte), criador de Juca Pato, publicado na Folha da Manhã, em 1928, e ainda J. Carlos, novamente, com a personagem Lamparina, criada em 1930 e publicada também em O Tico-Tico.
Foi uma fase ingênua, onde todas as histórias eram cômicas e destinadas exclusivamente ao público infantil. Somente no período de 1934 a 1940 é que surgiu a chamada “Época de Ouro”.