Parte II – 24/8/1980

Palavra e Traço no Século das Luzes

A charge ou cartum surgiu no Brasil em 1837, mas a história em quadrinhos levou 60 anos para aparecer na nossa imprensa. Todavia, essas duas artes gráficas, que unem a palavra ao traço, passaram a coexistir no nosso século, de vez que muitos cartunistas foram argumentistas ou desenhistas de quadrinhos e vice-versa. Como a charge é mais antiga, os primeiros autores brasileiros eram somente cartunistas e, no período de 1837 a 1897, destacamos alguns dos mais importantes chargistas nacionais, a saber:

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Depois dos pioneiros Manuel Araújo Porto Alegre e Victor Larée, surgiram ilustradores que, na maioria das vezes, não assinavam seus trabalhos, ficando anônimos, ou só assinavam um sobrenome ou pseudônimo. No catálogo da exposição de 1881, promovida pelo Comendador José Tomas de Oliveira Barbosa, no Rio de Janeiro, há uma série de 13 estampas litografadas por Lopes e de autor anônimo (talvez o próprio Lopes).

Mas o grande litógrafo da época foi Frederico Guilherme Briggs, que se instalou no Rio de janeiro em 1837. Suas obras são anônimas, de um modo geral, mas há uma, de 1840, que é atribuída a Rafael Mendes de Carvalho, denominada “O Sapateiro Eleitor”. Briggs não era autor das charges que litografava, já que era uma prática comum o trabalho em dupla: um redator ou jornalista criava a charge e um litógrafo apenas a executava graficamente.

A Sátira Política sob a Forma de Charge

A charge (ou cartum) já nasceu voltada para a política, como seu próprio nome indica (carga ou ataque, em francês). Em 1844, surgiria a “Lanterna Mágica”, espécie de pioneira da imprensa alternativa, sob a direção de Manuel Araújo Porto Alegre. Essa publicação exibia sempre ilustrações humorísticas e satíricas, com desenhos de Rafael Mendes de Carvalho. A seguir, surgiria a “Marmota Fluminense”, cujo primeiro número saiu a 7 de setembro de 1849, sob o título de “Marmota da Corte” e sob a direção de Próspero Ribeiro Dinis e Francisco de Paula Brito. A 2 de julho de 1857, iria denominar-se apenas “Marmota”.

Outras publicações se seguiram trazendo charges: “Brasil Ilustrado” (1855/56), a “Semana Ilustrada” (1860/76) e a “Revista Ilustrada” de Ângelo Agostini, o mesmo que iria criar a primeira personagem de quadrinhos do Brasil, o “Zé Caipora”. Essa revista começou a circular em 1876. Em 1859, surgiria o “Charivari”, logo substituído pelo “Charivari Nacional”, surgido em 1862. Já era um tipo de jornal alternativo, que ironizava os desmandos do Imperador D. Pedro II, como se vê na charge de 4 de maio de 1862, de autor anônimo, one uma estátua do Imperador segurando um exemplar da “Confederação dos Tamoios” numa das mãos e um cacho de bananas na outra, equilibrada sobre um jumento e uma pirâmide de tijolos colocada sobre o “Pão de Açúcar”, é contemplada pelo próprio Imperador e seus ministros, com a seguinte legenda: “D. Pedro II – Safa!… Ao menos não se dirá que nunca escrevi para a imprensa; sou sábio, e sou também jornalista! É minha opinião geral que minha análise à ‘Confederação dos Tamoios’ foi um verdadeiro chef d’oeuvre… até me saí bem no grego… decididamente, vou chegar ao Capitólio…”

O Humor no Final do Século XIX

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Em fins do século XIX, surge a publicação: “Bazar Volante” (1863/67), com a colaboração de Henrique Aranha, A. Seelinger, Flúmen Junius e Pinheiro Guimarães. A 28 de abril de 1867, passou a se chamar “O Arlequim”, com charges de Flúmen Junius, J. Mill, V. Mola e outros. Em1868, no dia 7 de janeiro, surgia “Vida Fluminense”, em substituição ao “Arlequim”, onde colaboram Ângelo Agostini, Candido Aragonês de Faria, Pinheiro Guimarães, e o italiano Luigi Borgomainerio, autor da famosa charge “Empréstimo Inglês – A Transfusão de Sangue” (20/2/1875).

Em 19 de setembro de 1869, iria aparecer “O Mosquito – Jornal Caricato e Crítico”. Esse antecessor de “O Pasquim” estendeu-se até 1877 e teve como colaboradores Cândido Faria, Flúmen Junius, Pinheiro Guimarães e Antônio Augusto do Vale, cujo periódico “O Lobisomem” se fundiu com “O Mosquito” em 14 de abril de 1871. Ângelo Agostini e Rafael Bordalo Pinheiro passam a integrar o corpo de colaboradores e “O Mosquito” engloba outras publicações, tais como: “A Comédia Social” (1870/71) e “O Mefistófeles” (1874/75). O primeiro era desenhado por Pedro Américo, Aurélio de Figueiredo e Décio Vilares. Foi o fabuloso Pedro Américo o autor de uma charge famosa: “O Que Deveria Fazer a Humanidade” (“A Comédia Social” – 29/9/1870) – caricatura profética, pois mostra, enforcados, o Imperador da Alemanha, Bismark, e Napoleão III, responsáveis pela Guerra Franco-Prussiana de 1870. Antecipa, assim, o Julgamento de Nuremberg, de quase um século depois.

Ainda no Rio, surgiu o famoso “Ba-ta-clan” (1867/71), curiosíssimo periódico redigido em Francês! Seu diretor era Charles Berry e trazia charges de cartunistas franceses importados pelo periódico e aqui residentes. Alf. Michon foi o grande cartunista dessa revista curiosa.

Em 1875, surgiu “O Mequetrefe”, que duraria até 1893, com trabalhos de Cândido Faria, Antônio Alves do Vale, Pereira Neto, Joseph Mill e Aluízio Azevedo, nele estreando Bambino (Artur Lucas) em 1891. Nesse período ainda tivemos as revistas “Psitt” (1877), “O Besouro” (1873), “O Ganganelli (1876) e a “Zigue-Zague” (1878). Depois vieram “O Binóculo” (1881) e “Rataplan” (1886).

Ao apagar das luzes do século, surgiria “Dom Quixote” (1895) e ainda se destacariam os artistas Julião machado, Hilarião Teixeira, Bento Barbosa e Antonio do Vale, encerrando um ciclo da antiga caricatura brasileira e iniciando um novo, após a proclamação da República.