Parte VIII – 05/10/1980
Desde os tempos da ditadura de Getúlio Vargas (1930/45), o humor brasileiro tornou-se muito político. Todavia, havia alguns humoristas, apolíticos ou voltados para outras formas de humor, que criticavam mais os costumes e a sociedade do que os governantes, propriamente ditos. O mais importante desses elementos, surgido profissionalmente na década de 1940, foi, sem dúvida, Millôr Fernandes, que escrevia em O Cruzeiro e também desenhava, usando o pseudônimo de Emmanuel Vão Gogo. Millôr foi (e ainda é) o grande mestre que iria influenciar todas as gerações de humoristas e cartunistas vindas depois dele. Sua obra era tão importante que, ao ser despedido de O Cruzeiro somente porque criticara a criação do mundo segundo a Bíblia em suas páginas humorísticas, criou uma lacuna tão grande que a revista, iniciada no começo do século, fechou logo depois.
Outro que se lançou através de O Cruzeiro foi Carlos Estevão, criador de tipos os mais variados que criticavam as nossas falhas sociais e morais. Também através dessa revista apareceu Péricles Maranhão, criador do famoso “Amigo da Onça”, personagem que se divertia em prejudicar os outros e que, todavia, era muito simpático. Depois, na década de 1951 a 1960, surgiria outro cartunista, este na revista Manchete: Borjalo (Mauro Borges Lopes), que também teria grande influência sobre as novas gerações.
Outro grande precursor do humor atual foi Sérgio Porto, mais conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, que escrevia textos de humor mas não desenhava. Criador de personagens famosas, como “Tia Zulmira”, “Primo Altamirando”, Stanislaw fez escola, dando ensejo ao nascimento de outro cartunista que se tornaria famoso: Sérgio Jaguaribe, o Jaguar. Jaguaribe iria ilustrar as obras de Ponte Preta e, posteriormente, criar o rato mais famoso do Brasil: “Sigmund”, mais conhecido pelo diminutivo de “Sig, o rato que ruge”. Sérgio Porto faleceu em 1964, após criar o “Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País”. Jaguar, anos mais tarde, falando sobre ele, diria: “O criador do ‘Febeapá’, ao morrer, não poderia imaginar o quanto foi profético. Como sempre acontece, a realidade, ao copiar a caricatura, consegue no máximo chegar ao grotesco”.
E SURGE “O PASQUIM”
No Rio de Janeiro, Jaguar, Millôr, Ziraldo e outros cartunistas e humoristas, sentindo o mercado de trabalho trancado pelo Golpe Militar de 1964 (e depois pelo AI-5, em 1968), tentaram lançar revistas próprias, como o Urubu, Pif-Paf e outras, que não conseguiram manter-se por longo período. Mas, em 1969, uniram-se a Sérgio Cabral, Henfil (Henrique de Souza Filho), Paulo Francis, Tarso de Castro, Ivan Lessa e outros grandes nomes do humor. A 26 de junho daquele ano, surgia o semanário O Pasquim.
Esse jornal iria renovar o conceito de humor em nosso país, atingindo a incrível tiragem de 200 mil exemplares por semana, em 1970! Sendo um semanário humorístico de fundo político, não poderia deixar de criar problemas com a censura então existente, logo de início. Poucos meses depois de lançado o número 1, dez dos 12 elementos que faziam O Pasquim (Só escaparam Millôr e Henfil, por não serem localizados) foram presos arbitrariamente, ficando retidos num quartel durante meses, até que foram impronunciados por um promotor público, que leu toda a coleção do jornal e declarou nada ter encontrado de atentatório à moral e aos bons costumes, à Segurança Nacional, etc., mas sim ter quase morrido de tanto rir…
E o “Pasca” Deita e Rola
O Pasquim virou “Pasca” na gíria popular. A turma que o fazia virou “patota” e logo surgiram as musas que inspiravam os cartunistas: primeiro Odette Lara, depois a inesquecível Leila Diniz (tragicamente falecida num desastre aéreo, em 1972). Embora sofrendo limitações da censura, O Pasquim conseguiu reunir em suas páginas a nata do humor e dos quadrinhos nacionais. Entre outros, trabalharam nesse semanário: Luís Carlos Maciel, Martha Alencar, Claudius, Fortuna, Haroldo Zager, Nelma Quadros, Edélsio Tavares (pseudônimo de Ivan Lessa), Lúcio Rangel, Hélio Fernandes, Nássara, Tristão de Athayde, Dodóis (pseudônimo do autor Ivan Saidenberg), Armindo Blanco, Carlos Drummond de Andrade, Ferdy Carneiro, Fausto Wolff, Carlos Lyra, etc.
Os Quadrinhos sob o AI-5
No campo dos quadrinhos, também O Pasquim foi o responsável pela continuidade do trabalho de inúmeros artistas, entre eles Henfil, criador do “Fradim”, “Zeferino”, “Orelhão”, “Graúna”, “Bode Orellana”, “Urubu”, “Ubaldo, o Paranoico”, “Xabu, o Provocador”, etc. Henfil (Henrique de Souza Filho) é hoje um dos mais completos artistas brasileiros, sendo tanto humorista quanto quadrinista, fazendo o argumento, o desenho e a arte final (inclusive letras) de suas historietas, tudo ao mesmo tempo.
Também Ziraldo (Ziraldo Alves Pinto) publicou quadrinhos em O Pasquim, ainda que esporadicamente, assim como Dodois (com argumento de Ivan Saidenberg e desenhos de Luiz Saidenberg), Nani, Luscar, Claudius, Paulo Caruso, Reinaldo, Nilson, Guidacci, Agner, Cláudio Paiva, Duayer, Coentro, Ivan Lessa (argumentos), Redi, Jaguar (Sérgio Jaguaribe) e muitos outros.
Mauricio de Souza, em São Paulo, criou uma produtora e distribuidora de quadrinhos, dando continuidade a “Bidu e Franjinha”, “Mônica e Cebolinha”, além de criar novas personagens, como “Pelezinho”, “Rolo” e outros. Também Ely Barbosa conseguiria se impor com “Cacá e sua Turma”. Na Editora Abril, um grupo se formava, criando no Brasil os argumentos dos estúdios de Walt Disney, tentando também criar histórias nacionais, lançando a revista Crás! e movimentando os quadrinhos brasileiros. A luta continuava, com AI-5 e tudo.