A jovem abriu caminho aos empurrões entre os animais amontoados na entrada de casa, sempre na penumbra. Além do bodum habitual de urina, suor animal e palha molhada, sentiu um traço de mandrágora que a deixou alerta. “O médico?”, perguntou-se, estranhando. Escutava apenas o resfolegar da vaca e os piados dos pintinhos que ciscavam o chão com afã. Nenhuma voz, nenhum som humano, nenhum latido saía do interior da casa, normalmente apinhada de animais e gente. “Que estranho”, pensou Isabel. Sabia que a mãe encontrava-se ali dentro, pois estava acamada. Então, acomodou em uma reentrância da casa a couve que o pai a encarregara de colher, tirou as tamancas sujas de barro e empurrou o portão. O cheiro era de fumaça, umidade e ranço.
Espremeu os olhos, que levaram alguns segundos para se adaptar à escuridão. O facho de luz que se infiltrava pela rachadura em uma das paredes fez com que ela descobrisse, para sua surpresa, que toda a família estava reunida naquele único cômodo que fazia as vezes de estábulo, cozinha, curral, dormitório, sala e até mesmo enfermaria. No catre de madeira cheio de palha e coberto por um lençol de estopa, onde costumavam dormir todos juntos, jazia de barriga para cima uma mulher de meia-idade que aparentava ser idosa. Sua mãe. Ignacia. Aquela que não parava de saracotear, que dava ânimo aos demais, que não se amedrontava nem com o frio nem com a fome, que parecia imortal. No entanto, havia três dias que era acometida por febres, calafrios, vômitos e convulsões. Isabel se assustou ao ver que haviam surgido manchas vermelhas no rosto da mãe.
Ajoelhado no chão com um rosário na mão, o cura dom Cayetano Maza, homem robusto de bochechas rosadas, murmurava uma oração. Isabel sentiu o estômago revirar. O pároco não costumava entrar nas casas, pois não gostava de se misturar com a pobreza nem com a doença. A última vez em que fizera isso fora para batizar o irmão recém-nascido, mas, quando chegou, o bebê já estava morto.
— Mãe? — perguntou Isabel, com a voz trêmula.
Viu que as irmãs mais novas, María e Francisca, choravam em silêncio. Juan, o primogênito, contemplava absorto o corpo imóvel; a seu lado, estava seu pai, Jacobo Zendal, camponês musculoso de pele curtida e enrugada que se virou em direção à filha. Tinha os olhos inchados, febris.
— O que houve? — perguntou Isabel.
Em vez de responder, o homem lançou para ela um olhar impotente. Ao lado dele, tia María, irmã de Ignacia, encolheu os ombros. O bebê que tinha no colo estendeu os bracinhos na direção de Isabel, que lhe direcionou um gesto de ternura.
— Varíola — disse o médico. — Varíola maligna.
Isabel percorreu com o olhar a casa, que nem sequer dispunha de chaminé. O teto, as paredes e as vigas estavam pretos de fuligem. Sobre o fogão a lenha, amontoavam-se panelas, pratos, conchas de madeira e um cesto com ameixas; dois cântaros, uma cadeira e uma infinidade de arados e ferramentas estavam espalhados pelo chão, onde um bezerro e vários pintinhos perambulavam à vontade. Isabel reparou na roda de fiar apoiada contra o fogão, uma daquelas encontradas em qualquer casa da Galícia e que sempre fora companheira inseparável de sua mãe; foi então que se deu conta da realidade. A mãe acabara de morrer. Era quinta-feira, 31 de julho de 1788.
O contraste entre a miséria escura do interior da casa e o esplendor da natureza do exterior não poderia ser mais pujante. Os campos de trigo, centeio e milho que se estendiam pelas colinas suaves dos arredores da freguesia de Santa Mariña de Parada, no município de Ordes, estavam tingidos de ouro. Logo seria época de ceifar. As pequenas flores amarelas do tojo, arbusto que servia de adubo quando misturado com esterco de vaca, pontilhavam o monte. Sobrepondo o canto dos pássaros, os sinos dobravam. De casas dispersas e tão miseráveis quanto a dos Zendal, os vizinhos se dirigiam ao enterro de Ignacia, muitos deles descalços, porque o campo estava seco. As roupas remendadas com retalhos escuros ou pardos, impregnadas de cheiro de fumaça, enganchavam-se nos espinhos das amoreiras. Não muito longe da igreja a que se dirigiam, erguia-se o paço do dono e senhor da maioria das terras do município, situado junto a um gigantesco celeiro de pedra em que se armazenavam castanhas e mel.
Os Zendal seguiam por uma das trilhas, caminhando atrás do cadáver estendido em um carro que rangia ao ser puxado por uma vaca. O caminho ladeado por macieiras, pereiras e castanheiras, além de grandes carvalhos em que rolinhas e gaios faziam ninhos, era o mesmo que Isabel percorria todos os sábados para assistir à aula de alfabetização ministrada pelo cura da paróquia. Embora fosse anormal uma única mulher em um curso “para homens”, o professor a aceitara porque era espevitada e também porque cansara de discutir com Ignacia. Farta de sentir-se enganada nas pesagens e com as contas, a mulher havia dedicado toda a sua energia para vencer a oposição ferrenha de muitos vizinhos, e até do marido, que não desejavam que a garota aprendesse a calcular. Não suspeitava nem de longe que aquelas aulas transformariam o destino da filha. Para Isabel, aqueles momentos que pareciam descolados do cotidiano, os únicos em que aprendeu algo que não estivesse diretamente relacionado ao mundo em que havia nascido, extinguiram-se com a varíola da mãe.
Na sacristia, dom Cayetano apontou-lhe um papel sobre a mesa: o atestado de óbito.
— Assine aqui — disse-lhe o pároco —, você que entende de letras.
Hesitante e com a melhor caligrafia possível, escreveu seu nome. Então, leu três palavras na parte inferior do documento.
— Padre, o que significa pobre de… solen…?
— Nada, filha. Isso é para que o enterro não lhes custe nada.
Para o pároco, “pobre de solenidade” não era apenas uma definição, era um termo jurídico que permitia que Ignacia Gómez, mulher de Jacobo Zendal, trabalhador durante toda a vida, homem quieto, de boa índole, sem posses nem terras, fosse “credora dos benefícios processuais da pobreza”. Um desses benefícios era ser enterrada gratuitamente em uma sepultura individual dentro dos recintos da igreja, com o custo assumido pela própria instituição.
Assim, a poucos metros da igreja, cujas paredes estavam cobertas de rosas-silvestres, ao redor das cruzes do cemitério, foram se reunindo os vizinhos, sem se aproximar em demasia dos familiares para evitar um eventual contágio. A varíola provocava um medo extremo, sobretudo entre as mulheres. Embora a peste ou o tifo pudessem matar mais rapidamente, a varíola despertava um terror devido às sequelas das erupções na pele, capazes de deformar para sempre os mais belos rostos. Para as moças em idade de casar, aquilo era pior que a morte.
Isabel não se lembrava de ter visto tantos vizinhos juntos desde que o bispo de Santiago aparecera, sete anos antes, com o objetivo de perpetuar a fé católica dos paroquianos. Agora, todos compartilhavam a mesma expressão de perplexidade atravessada por uma pontada de pânico. A morte havia levado uma boa mulher, que menos de uma semana antes estava bem. Ela fora vista ordenhando as vacas do senhorio na manhã em que ficou doente e transportando grandes novelos de fio naquela mesma tarde. De repente, sentiu um sufocamento, e em seguida veio a febre alta. À noite, retorcia-se de dor na cama. Ao ser avisado, o cura mandou chamar o médico que vivia em Ordes, mas o homem só apareceu no terceiro dia. Tarde demais — ainda que, caso houvesse chegado antes, nada pudesse ter feito. A “flor negra”, como a varíola era conhecida, era cruel e cheia de caprichos, sobretudo com os pobres.
No momento de enterrar o cadáver envolto em um sudário sujo de barro, Isabel abriu espaço entre seus irmãos. Ela queria participar do último adeus à mãe; assim, juntos, depositaram o corpo em uma vala funda e, com uma pá, despejaram cal viva e terra. Acima, na beira da vala, o jovial dom Cayetano, abraçado a Jacobo, rezava um responso pelo eterno descanso da defunta. Suas palavras, as mesmas que usam os homens desde a aurora dos tempos para se proteger da morte, não ofereciam grande consolo. Ignacia havia partido cedo demais, semeando terror e desconcerto. A partir de então, uma pergunta inevitavelmente pairava no ar: quem seria a próxima vítima? Ao erguer a cabeça, Isabel viu uma revoada de pássaros riscando o azul do céu. Pensou na alma da mãe, que, por não ter nem um real, viajava sem nada para o além. Ainda assim, deviam agradecer ao pároco, que, para aliviar a situação, disse que arranjaria com o dono e senhor das terras uma missa no valor de dois reales em honra a Nossa Senhora dos Desamparados e talvez outra, na Capela das Almas de Santiago.