A chuva não dava trégua. O inverno mais chuvoso de que se tinha memória foi sucedido pela primavera e pelo verão mais úmidos. As colheitas de trigo e painço perderam-se. O míldio atacou o linho, e as maçãs se encheram de vermes. Família de camponeses minguados pela fome e pelo frio arrastavam idosos e crianças pelas estradas em busca de oportunidades de trabalho. Em pouco tempo, acabavam pedindo esmolas, de forma que os campos foram se enchendo de mendigos. Jacobo, que via neles um reflexo de sua existência precária, teve medo de acabar na mesma situação. Em casa, só restavam um porco pequeno, uma galinha e uma esquálida reserva de toucinho. Depois disso, não haveria mais nada. Era difícil prever futuro que não implicasse mais fome. E provavelmente doenças, como a que levara Ignacia.
Certa manhã, Jacobo levantou-se mais cedo que de costume, saiu de casa com cuidado para não acordar ninguém e aproximou-se sigilosamente da reentrância na parede que servia de dispensa. Pôs a mão ali e pegou dois ovos, que guardou com cautela em um bolso.
— Pai, deixe isso aí!
As palavras de Isabel, que passava as noites entre cochilos, sobressaltaram-no.
— Vou dá-los a dom Cayetano — disse Jacobo.
— Vamos comê-los hoje!
— Comeremos outra coisa.
— Outra coisa? Não nos resta nada!
Isabel continuou protestando com veemência, até que Jacobo mandou-a se calar. E o fez em um tom tão firme que a filha abaixou o olhar. Resignada e chorosa, adentrou a casa e deixou-se cair na cadeira, pois suas pernas fraquejavam.
O cura vivia ao lado da igreja, cujas pedras brilhavam por causa do chuvisco constante. Uma governanta vestida de preto abriu a porta e pediu que Jacobo entrasse. Antes, ele limpou o barro dos tamancos. A lareira estava acesa; a temperatura estava agradável, e os eflúvios de pimentão e cebola que chegavam da cozinha o sobressaltaram. Ao ver as estantes tão carregadas, seus olhos foram atraídos por pães, linguiças, cestos de frutas, queijos, garrafas de aguardente e demais delícias que outros pobretões como ele haviam oferecido em troca de missas, bodas, batizados e funerais. O cura recebeu-o à sua maneira bonachona e afetuosa. Jacobo lhe estendeu os ovos.
— Não, meu filho. Não posso aceitar. Sei muito bem pelo que estão passando e, acredite, rezo por vocês.
— Padre, por favor...
Jacobo insistiu tanto que o pároco pensou que ele aparecera para pedir um favor tão grande que seria impossível satisfazê-lo. Já fazia conjeturas para preparar uma negativa enquanto colocava os ovos em um cesto que havia na estante.
— Padre, o senhor é o único que pode nos ajudar.
— Não sou mais que um instrumento de Deus, meu filho.
Fez-se um silêncio, que Jacobo interrompeu com um pigarreio. Estava envergonhado. Por fim, disse:
— Preciso oferecer minha filha para servir.
Dom Cayetano ergueu o olhar para o céu. Já imaginava.
— A mais velha?
— Minha Isabel...
— Mas já não há casas para tantos criados! — disse ele, dando um tapinha no ombro de Jacobo. — Todos vêm me pedir a mesma coisa.
— É que, se Ignacia fosse viva...
— Eu sei, meu filho, eu sei — disse o cura, fazendo careta diante do semblante desamparado de Jacobo. — Ela protege vocês e os ajuda lá do céu.
— Sem dúvidas, padre... Vamos, arranje um trabalho para a rapaciña, pois ela leva jeito com crianças e não tem medo de trabalhar. Deus o recompensará.
— Se eu souber de algo, não tenha dúvidas de que tentarei, mas desde já prefiro dizer que a coisa anda muito difícil. Não quero lhe dar falsas esperanças.
Jacobo baixou a cabeça. O cura se levantou.
— Espere um pouco... — disse.
Aproximou-se da governanta e sussurrou para ela algo que Jacobo não conseguiu escutar. A mulher desapareceu, retornou em seguida e entregou a pároco um pacote.
— Pegue, meu filho... Fará bem para vocês.
— Não, padre, não... Ainda estou devendo para o senhor.
— Vamos, vamos, você não me deve nada.
— Mas padre, eu queria ver se o senhor arranjava um...
— Leve isso e tenha fé — interrompeu dom Cayetano. — Ignacia olha por vocês. Ande, vá com Deus...
Não havia mais nada a ser dito, e o pároco acompanhou-o até a porta. Jacobo saiu apertando o pacote contra o corpo, como se tivesse medo de que o roubassem. Assim que deixou o campo de visão do cura, abriu: era um bom pedaço de carne em salga. Não era a solução que havia pedido, mas era uma boa esmola, um esplêndido que o deixou muito agradecido. “Isa ficará contente”, pensou.