O dia despontava no horizonte quando Isabel chegou a La Coruña, afundada no assento da diligência que havia seguido durante toda a noite um caminho castigado pelas chuvas. Acordou com dor nos ossos, entristecida, e ao olhar pela janela viu o mar à direita e à esquerda — negro, imenso e tão tenebroso que sentiu medo. Logo a carruagem adentrou a cidade, uma autêntica fortaleza amuralhada, e atravessou o istmo cujos edifícios mais altos davam para a baía, a parte mais protegida, enquanto os que faziam divisa com a tempestuosa enseada de Orzán eram menores e mais modestos. As pracinhas do bairro de Pescadería, mais popular, eram emolduradas por edificações dotadas de pórticos, construções de um estilo que Isabel jamais havia visto. Pelos portões marítimos abertos nas muralhas, ela vislumbrou os pescadores que regressavam da labuta e recolhiam as embarcações nos areais da baía, onde estendiam as redes para fazer reparos. Tudo era novidade naquele enjambre de casas rodeadas pelo mar e açoitadas pela água e pelo salitre. No entanto, as hortas disseminadas pela cidade, a profusão de animais domésticos andando pelas ruas e o acúmulo de imundícies lembravam a proximidade da aldeia que ela acabara de deixar.
As coisas eram diferentes na cidade alta, antigo centro urbano que também era amuralhado; a parte nobre — os edifícios suntuosos da Administração, a Colegiata, a Capitania Geral, as esplêndidas igrejas de Santiago e Santa María e as luxuosas mansões de ilustres aristocratas eram construções deslumbrantes. Mas o que mais lhe chamou atenção foi uma torre no fim do cabo, a qual emitia lampejos de luz e não se parecia com nenhuma outra edificação.
— Chama-se Torre de Hércules — disse o cura. — É um antigo farol romano.
— Farol? O que é um farol?
— Sua luz serve para guiar os barcos na escuridão.
La Coruña era, acima de tudo, um porto resguardado do oceano. Escutavam-se as manobras das embarcações ao entrar na baía, porque não havia moles nem embarcadouros. Um tráfego de botes garantia as operações de carga e descarga dos navios ancorados. Por essa parte da cidade, não circulavam animais soltos, e o ruído dos cascos dos cavalos retumbava sobre os paralelepípedos brilhantes. A diligência parou em frente ao número 36 da rua Real, perante um edifício de quatro andares, propriedade de Jerónimo Hijosa, comerciante próspero e um dos mais ilustres filhos da cidade. O cura deixou Isabel a cargo da servente, que abriu para eles a entrada de serviços. Era uma antiga escrava mulata oriunda de Cuba que trabalhava com o marido nos cuidados da casa. Ao observar a recém-chegada com o aspecto tão empobrecido, as feições marcadas e as olheiras pronunciadas, fez uma careta de desgosto.
— Vem comigo, fia.
Subiram dois andares e entraram pela cozinha. Ela indicou a nova dependência de Isabel e, dobrado sobre a cama, o uniforme que devia vestir para atender aos senhores. Era um quarto pequeno, mas limpo, branco, com uma janela que dava para o mar. Isabel soltou a trouxinha miserável que carregava consigo e teve vontade de desabar na cama e se entregar ao sono, mas a mulata não permitiu. Tinha de apresentá-la à cozinheira e aos demais empregados, ensinar onde se guardavam a louça e os talheres, onde ficava o tanque, a sala de passar, o depósito de lenha, o depósito do lixo e como funcionavam as lareiras.
Foram interrompidas pela voz distante da senhora da casa. Isabel sentiu um frio na espinha. Formou-se um nó em sua garganta devido ao pânico de encontrar aquela que, para todos os fins, era a chefe de sua vida. Teve uma vontade irreprimível de sair correndo. A mulata deve ter percebido, porque perguntou se ela estava bem, e Isabel respondeu que sim ao mesmo tempo que secava com a manga as lágrimas incipientes. Entristecia-se pela forte saudade que sentia da aldeia. Timidamente, perguntou aludindo ao costume que imperava entre os criados das casas galegas:
— Preciso me ajoelhar?
— Não, aqui não precisa disso...
Entraram na sala, e Isabel, já um pouco alheia devido ao cansaço ou ao desconsolo que anuviavam sua mente, pensou estar em um sonho. Aquela casa não se parecia em nada com a do amo e senhor da aldeia, que era o que de mais rico e luxuoso ela conhecia até então. Ela se viu em meio a um universo de estátuas, cristaleiras com relógios incrustados de pedras, poltronas de veludo e ouro, almofadas, lustres cujos cristais refletiam a luz do sol, um piano e um papagaio de penas vermelhas que, dentro de uma gaiola imensa, repetia palavras desconhecidas.
— Dom Cayetano me falou muito bem de você...
Dona María Josefa del Castillo, esposa de dom Jerónimo Hijosa, era uma mulher bonita, distinta, simpática e comedida, que se vestia de maneira simples, sem joias nem galas, e tinha o cabelo loiro preso em um coque. Isabel havia escutado tantas histórias de criadas tratadas pior que cachorros, vítimas de reprimendas, insultos e até mesmo de agressões na frente de outras pessoas que, no mesmo instante em que conheceu sua senhora, compreendeu a sorte que tivera. Aquela mulher era o contrário da rica da aldeia, que olhava para todos com desdém.
— Você está puro osso, minha filha... — comentou, com voz terna. — Aqui você comerá bem.
Intimidada, Isabel assentiu com a cabeça.
A mulata se adiantou:
— Já expliquei que ela deve servir a mesa, levar o café da manhã aos quartos, manter a chama das lareiras acesas e ajudar a senhora a se vestir e calçar os sapatos.
— Essa última instrução não é necessária; tenho você para isso — estabeleceu a senhora.
Ela se virou para Isabel e disse, olhando diretamente em seus olhos:
— Isabel, o cura explicou por que a trouxemos para trabalhar aqui?
— É sobretudo para cuidar de meus filhos, duas crianças que você conhecerá quando voltarem do colégio. Disseram-me que você sabe ler e escrever.
— Entendo um pouco de escrita.
— Pode saber disso, mas de servir mesa não sabe nadica de nada — interrompeu a mulata.
— É verdade... — disse Isabel, envergonhada e cabisbaixa.
— Bom, logo você aprenderá. O essencial é que você tome conta das crianças, vista-as, leve-as à escola, brinque com elas, faça-as ler e revisar as lições... Foi para isso que a trouxemos.
— Sim, senhora...
— Você folgará aos domingos, das três às sete.
— Está bem, senhora.
Agora ela percebia. As aulas de alfabetização que tivera com o cura da aldeia constituíam o pequeno diferencial que a destacava para conseguir aquele emprego. Afastou da mente a ideia de que não estaria à altura da tarefa, pois temia ler e escrever pior que as crianças. Lembrou-se da mãe, Ignacia, e sentiu que, do além, ela continuava a tecer os fios de seu destino.
Estava esgotada com tantas emoções, pelo tanto que tudo era diferente, pelo contato com pessoas estranhas. O mais difícil de suportar foi o tratamento que recebeu dos demais criados, oscilando entre o desdém e a reprovação. As garotas pobres como ela, recém-chegadas da aldeia, eram consideradas do mais baixo escalão. O fato de saber ler não fez mais que jogar lenha na fogueira do escárnio. Ignorando as palavras de dona María Josefa, a mulata a fez limpar e raspar o fogão de ferro com pedra-pomes até que esfolasse as mãos, obrigou-a a esfregar o chão de madeira com escova e sabão, ensinou-a a deixar os calçados brilhando e a engomar as roupas e forçou-a a mostrar seus dotes de passadora. Quando, exausta, ela vestiu o uniforme preto com avental branco e babados no pescoço e nos punhos para se apresentar ao dono da casa, sentiu novamente o impulso de voltar correndo para aldeia. Mas dom Jerónimo Hijosa se revelou tão amável quanto a esposa.
— Aqui não lhe faltará nada, minha filha — disse, em tom paternal.
Devido à empatia que ele lhe transmitiu, Isabel teve vontade de chorar.
Mais tarde, conheceu as crianças. A mais velha, Mariana, tinha dez anos; Gonzalo, sete. Andavam muito bem-vestidos, eram alegres e educados. Isabel logo os conquistou. Bastava imitar sons de animais do campo para fazê-los rir. Por ter um repertório vasto, imitou ganso, galinha, vaca, pássaro, cão e grilo. Como eram diferentes de seus sobrinhos! Tinham a pele muito branca e lisa, a dicção perfeita e tocavam piano. Eram tão altos quanto os adultos da aldeia. Liam melhor que ela, tal como havia temido, mas os pais deles não pareceram surpresos e não a censuraram por isso. Ao contrário, deram-lhe um maço de cordéis e folhetins para melhorar a leitura. De noite, na cama, de onde via através de um canto da janela a Lua e as nuvens velozes, lia-os do início ao fim, sem pular sequer os anúncios. Aquelas crianças não eram apenas um dique de contenção contra os abusos dos outros criados — logo se tornaram seu refúgio emocional. Apertava-as em seus braços, mimava-as, beijava-as, brincava de esconde-esconde, amarelinha e pega-pega. Pela manhã, sacodia a modorra dos dois com o café da manhã, colocava neles as meias, vestia-lhes o uniforme, as luvas e o cachecol e os levava ao colégio em meio à bruma da cidade. De noite, brincava com eles, vestia-lhes o pijama, lia em voz alta um conto e levava-os ao urinol antes de pô-los para dormir. Em pouco tempo, formaram uma pequena família dentro da família.