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Isabel logo se esqueceu do rapaz e voltou à rotina normal. Por meio da rede de informações que os curas mantinham em toda a região, recebia notícias pontuais da aldeia. Algumas boas, como a de que sua irmã Francisca havia se casado com um vizinho que conhecia desde a infância; outras ruins, como a de que seu pai havia sofrido uma recaída de pneumonia e estava de cama. Quando as crianças dormiam, Isabel escrevia cartas para a família e imaginava o cura lendo-as para o pai e os irmãos. E então parecia cheirar os aromas do campo e sentir na pele o frio da noite escura na aldeia. Tinha saudades da família, mas não sentia falta daquela vida — pelo contrário. Menos ainda a partir do momento em que o soldado do uniforme deslumbrante reapareceu de surpresa. “Posso ajudá-la?”, perguntou ao ver o esforço dela para encher um cântaro com água da fonte. Reconheceu-o logo; conseguiria reconhecê-lo em meio a mil rostos. Sem dar tempo para que respondesse, o soldado se agachou e se aproximou tanto do rosto de Isabel que ela se sentiu atordoada. Reparou em sua fragrância de couro e terra, que ficou gravada para sempre em sua mente. Não conseguiu responder, tampouco era necessário — o soldado já tinha o cântaro nas mãos.

— Eu me chamo Benito Vélez. Vi você outro dia na procissão da Pólvora e, desde então, sua imagem não me sai da cabeça... Qual é seu nome?

Isabel balbuciou o próprio nome.

— Não existe nome mais bonito — disse ele, com convicção e sotaque andaluz. — Sou de Granada — acrescentou.

O homem dominava a arte do flerte. Falava com voz aveludada, como se conhecesse Isabel desde sempre, como se o encontro com ela fosse predestinado. Devorava-a com os olhos e se atreveu a colocar nela o pano que cobria sua cabeça e estava um pouco fora de lugar.

— Deixe-me ajeitar para você, minha filha...

Aproveitou para passar o dedo indicador pelo rosto dela muito lentamente e com certo descaramento.

— Que rostinho mais lindo...

Paralisada por uma mescla de medo e prazer, Isabel engoliu em seco. Um calafrio percorreu sua espinha. Até sabia o que dizer, mas não conseguia falar nada. Nunca havia conhecido um rapaz tão atrevido, despachado e desenvolto, totalmente diferente dos poucos com quem havia se relacionado até então, que cortejavam educadamente, aparentando mansidão. Aquele era todo fogo, todo paixão. Era cabo na companhia de fuzileiros do Regimento de Infantaria Castilla número 16, unidade do Exército Real recém-criada pelo duque del infantado para defender a Espanha do fervor revolucionário francês.

— Não sou soldado por vontade própria — observou. — Fui convocado, e minha família me obrigou a me alistar. Eu queria me esconder, porque meu negócio é a América...

A verdade era um pouco diferente: a família dele era pobre demais para pagar a taxa que o eximiria do serviço militar. Na verdade, para eles o Exército era um alívio, pois teriam uma boca a menos para alimentar. Eram dez filhos.

— Na América — disse a Isabel, olhando para o horizonte — não é preciso abaixar a cabeça para ninguém. Lá é possível cair e começar de novo; lá até o mais humilde triunfa.

Parecia saber tudo sobre os barcos-correio que haviam percorrido o trajeto entre La Coruña e Buenos Aires carregados de camponeses galegos, que partiam para colonizar o rio de la Plata. Falava da Nova Espanha, de Cuba ou do Peru com profusão de detalhes, como se houvesse provado o frescor do maracujá, negociado esmeraldas em Cartagena das Índias ou andado ombro a ombro com a nata da sociedade criolla. Falava da existência de cidades de ouro, de um reino na selva dominado por mulheres amazonas, de carroças cheias de lingotes de ouro, de águas que curavam doenças... Da riqueza daquelas terras e da facilidade para um homem de sua estirpe fazer fortuna por lá, ele não tinha a menor dúvida.

— Mas de que servem esses sonhos se não tenho ninguém com quem compartilhá-los? — perguntou, encarando-a. — É preciso partir, afastar-se do caos da guerra. Veja o que está acontecendo na França... Aqui tudo vai para o brejo.

Isabel o escutava admirada, esforçando-se para entender. Nunca havia escutado palavras como “oceano”, “indígena” ou “continente”. Teve a sensação de que alguém que se expressava com tanta segurança e conhecimento de causa não poderia estar errado. Ainda menos depois que ele confessou, em tom solene, que não queria partir sozinho; queria constituir família com a moça que lhe roubava o sono desde que seus olhares haviam se cruzado na procissão do Voto. Foi o que ele disse na terceira vez em que se viram. Também confessou que conhecera outras mulheres, mas nenhuma como ela.

Isabel se derretia porque não estava acostumada a ser o centro da vida de ninguém. Não se atrevia a fazer perguntas ou questionamentos — não cabia a ela lustrar a janela pela qual seu soldado enxergava a vida. Era muito mais bonito deixar-se levar pelos sonhos que questionar a rapidez e a intensidade dos sentimentos dele. “Está arrebatado”, pensou, “e isso é o amor”. A verdade é que, passeando ao lado dele, ela tinha a sensação de caminhar sobre nuvens. Quando estava com ele, esquecia tudo, inclusive seu lugar no mundo; não via o tempo passar. Na companhia dele, sentia-se plena, inundada por uma felicidade que não era capaz de definir. Pensava nele o tempo todo, enquanto organizava a casa, lavava a roupa ou servia a mesa. Só conseguia afastá-lo de sua mente quando estava com as crianças, mas por pouco tempo.

Se antes não queria sair nas tardes de domingo, agora contava as horas para que chegasse o momento de encontrar seu rapaz. Ajustava a roupa, que passou a lavar com sabão de rosas, engalanava o cabelo com laços nas tranças e usava um colar emprestado pela cozinheira, que, por sua vez, cantarolava enquanto mexia o cozido: “Não se apaixonem, meninas; meninas, não se apaixonem, pelas palavrinhas de um homem”.

Até então, a única experiência amorosa que Isabel tivera não passara de se deixar tocar pelo filho de outros trabalhadores da aldeia enquanto trocavam uns carinhos nos campos de trigo e, mais tarde, brincar de casamento, simulando a prática sexual, deitados um sobre o outro, mas sem tirar as roupas. A brincadeira acabava quando ela, sentindo-se culpada pela urgência do desejo, recompunha-se, ajeitava os botões e sacudia os fiapos de palha da roupa.

Com Benito, era diferente. Nem a culpa nem a vergonha, tampouco o que diriam os outros, era suficiente para deter o fogo de amor que a consumia. Ainda assim, conseguiu resistir ao beijo na boca que o cabo tentou lhe roubar enquanto passeavam perto da Torre de Hércules em uma tarde ventosa. Era seu dever demonstrar não ser uma garota fácil, embora estivesse necessitada de um gesto de ternura... Como foi difícil! Na segunda tentativa, fechou os olhos, se deixou levar e morreu de deleite com aquele beijo, o momento mais grandioso que já vivenciara. No entanto, não estava disposta a ceder mais terreno, porque aprendera com as amigas da aldeia que a melhor forma de conquistar um homem era negando-lhe afetos, por mais que ele a divertisse com versos e piadas e conseguisse amolecê-la com cantadas e palavras de amor, enquanto a acompanhava da feira até a casa, à noite, entre risadas.