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Nas tardes de passeio por La Coruña, sob os alpendres do bairro de Pescadería, Benito Vélez tentava convencer Isabel:

— Como foi mesmo que seu patrão fez fortuna, hein?

Ela dava de ombros. Então, ele respondia à própria pergunta:

— Na América, não aqui. A América está aí para nós, dispostos a correr riscos.

— Que descarado! Está se comparando a meu amo?

O granadino não tinha pudor em situar-se ao lado dos grandes personagens da cidade.

— Só digo que, nesta vida, tudo é possível.

Para ele, não havia obstáculo que não pudesse ser vencido nem objetivo impossível de cumprir. Ele imbuía seu entusiasmo e sua certeza em Isabel, que tanto precisava de afeto concreto. Daí a pedir sua mão em casamento foi um passo, o que o soldado fez com sua sem-cerimônia de praxe:

— Você e eu vamos nos casar e, então, embarcaremos...

— Olhe lá... Amor de soldado non e de fiar... — respondia ela, rindo.

— Voltamos em alguns anos e compramos uma casa na cidade alta. Ou você quer trabalhar como criada a vida inteira?

Fez-se um silêncio, e após alguns instantes ele acrescentou:

— Não dizem que servir é comer o pão que o diabo amassou?

Aquela era uma frase que se dizia muito, e Isabel já havia escutado. Ficou pensativa. Não, não queria. Trabalhar como criada era um passo necessário para abandonar a miséria do campo, mas não um objetivo em si. O objetivo de todas as garotas era o casamento, e quando isso ocorria a maioria deixava o serviço doméstico. Casar-se, ter filhos, uma vida própria não dedicada a alguém. Aquele homem tinha a capacidade de dar um sentido a sua existência.

Por isso, Benito tornou-se sua obsessão. Para uma garota de um povoadinho, perdida na cidade, sem família nem amigos, ele era um salva-vidas, uma luz cujo resplendor, ainda mais potente que o do farol de Hércules, iluminava seu caminho. Pensava nele o tempo todo, via-o na multidão do mercado mesmo quando ele não estava lá, acordava no meio da noite convencida de que ele a esperava do lado de fora. Para reduzir a eternidade entre um domingo e outro, o soldado a surpreendia em dias de semana atrás de uma esquina quando ela saía para buscar as crianças ou para recolher água na fonte, como na primeira vez. Eram encontros fugazes, tão irreais que Isabel se perguntava se não eram fruto de sua imaginação. Às vezes, Benito mostrava um envelope que deixara sobre uma mureta e continha uma mecha de seu cabelo, uma flor ou, como ocorreu certo dia, uma proposta formal de casamento. Emocionada e nervosa, voltou para casa sem saber o que pensar, de modo que, sem planejamento, pôs-se a contar os talheres, trocar a água das jarras, pôr a mesa e limpar o vidro das janelas.

Respondeu poucos dias depois, quando estavam sentados no quebra-mar observando o vaivém dos barcos na baía. Pensou que nenhum homem precisava tanto de companhia quanto ele para empreender seus grandes projetos, aceitou o fato de que necessitava dele como precisava do ar que respirava e disse “sim”. Se fosse para passar o resto de seus dias servindo, preferia fazê-lo para um marido que lhe desse filhos e uma vida digna, não para uma família alheia, por maior que fosse seu afeto por ela. Assim, tornaram-se um dos tantos casais de noivos que percorriam a alameda ou o parque nos domingos à tarde falando sobre o amanhã e escolhendo o nome de seus futuros rebentos, alheios aos eventuais arruaceiros que sussurravam ao passar: “Pega muito mal para uma criada passear por aí com soldados”. Careciam de um plano concreto para as bodas, pois não tinham dinheiro nem para esboçá-lo. Não havia remédio, a não ser conformar-se com a esperança de um futuro juntos, em algum lugar do vasto Império Espanhol onde a vida teria um sabor mais doce que na pobre e chuvosa Galícia. Naquele tempo, Isabel não pensava se o noivo manteria a palavra. A situação se tornara tão normal quanto comer todos os dias e não passar frio.

Grande parte das conversas tinha a ver com os delírios de grandeza de Benito Vélez, que, para celebrar sua onomástica, insistiu em convidá-la para uma apresentação de ópera no Teatro de Setaro.

— Mas é muito caro — disse ela.

— Tenho entradas! — respondeu ele, brandindo os pedaços de papel como se fossem um troféu.

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Isabel passou a semana inteira na expectativa de ir à ópera, que lhe parecia algo luxuoso e exótico. Pediu à costureira que ajustasse seu traje de domingo, vestiu uma anágua para a ocasião, pôs um belo xale emprestado sobre os ombros e polvilhou ruge nas bochechas para afugentar a palidez. Não fosse a ausência de joias, pareceria mais uma filha de boa família que uma criada. De braços dados com seu militar uniformizado, formavam um esplêndido casal. Mas foi grande a decepção que Isabel teve ao descobrir que o teatro era um edifício decrépito, um local sem adornos, com a pintura descascando e goteiras no teto. Para aumentar a surpresa, a entrada que seu noivo lhe presenteara não dava direito a assento, o que não parecia perturbá-lo. Tiveram de permanecer de pé, ao fundo, junto à plebe barulhenta, enquanto os senhores desfrutavam do espetáculo acomodados nas poltronas e as famílias distintas ficavam nos camarotes. O espetáculo começou com um homem subindo no telhado, agarrando-se em uma soga e atirando-se no vazio. Isabel viu estenderem uma grande rede, que amortizava a queda do homem. Assim começou uma apresentação sem brilho e tão longa que Isabel acabou com dor nos pés.

De repente, já perto do fim da sessão, os músicos pararam de tocar. Os atores se calaram enquanto um murmúrio rouco se elevava do público. Irrompeu em cena o diretor do teatro, rodeado por oficiais do Exército e autoridades civis, e em seguida os atores se amontoaram ao redor dos intrusos. Isabel pressentiu que algo grave estava acontecendo. O público ficou nervoso. Depois de um conciliábulo, a soprano se dirigiu ao auditório e anunciou:

— No dia de hoje, 7 de março de 1793, a França declarou guerra à Espanha!

Isabel e Benito trocaram um olhar de pânico. Em meio a uma mistura ensurdecedora de assovios, vaias e esperneadas, além de vivas à Espanha e gritos de júbilo, a cantora anunciou que os revolucionários franceses, irritados com os esforços do rei espanhol, Carlos IV, para salvar seu primo Luís XVI da guilhotina, haviam declarado guerra contra a Espanha a fim de derrubar outro Bourbon e levar a revolução ao povo vizinho. Em sua ofensiva, haviam tomado o vale de Arão.

As paredes do edifício pareciam tremer. A atriz que poucos momentos antes se derretia de amor ao cantar se transformou em uma panfletária furibunda: os franceses queriam acabar com a religião, defender a Espanha era defender Deus, era preciso unir esforços para repelir a agressão revolucionária, os militares se aquartelavam em todo o país, a nação precisava de voluntários e donativos patrióticos. Isabel e Benito não escutaram o resto da diatribe. Aquela notícia ameaçava despedaçar o futuro do casal, e os dois saíram do teatro às pressas. Isabel mal conseguia caminhar.

— O que você tem?

Tinha dor nos pés, mas, como o amor é complacente, optou por não dizer nada e perdoou-o internamente pelo sofrimento de ter assistido à ópera. A ideia de que pudessem mandá-lo para a guerra, de perdê-lo, a angustiava. Sob os alpendres, beijou-o como nunca havia feito, pressentindo que aquela bolha de felicidade estava prestes a estourar. Nessa noite, chegou tarde a casa. Sem fazer barulho, entrou no quarto das crianças, cobriu-as e deu um beijo em cada uma. Então, vestiu a camisola e deitou-se na cama com vontade de chorar.