A declaração de guerra dos franceses serviu para galvanizar os espanhóis. Tantos voluntários se apresentaram que não havia meios suficientes para armá-los. Assim como os atores nos teatros, curas e frades predicaram nos púlpitos a favor do apoio àquela guerra de religião, como a consideravam.
— Nós, espanhóis, não desejamos a revolução! — clamavam.
Os espanhóis pouco sabiam sobre a revolução; no país, eram proibidas a importação de jornais e a entrada de livros em cuja capa figurasse a palavra liberdade.
Benito Vélez se salvou de ir à guerra porque seu destacamento ficou na retaguarda, à espera de ser chamado como reforço, enquanto mil e quinhentos homens do regimento foram destinados à Catalunha sob os mandos do general Ricardos com a missão de ocupar a região francesa de Roussillon.
Isabel respirou aliviada. Tinham escapado do primeiro golpe. Retomaram o cotidiano, mas sem a alegria de antes. Viver com a espada de Damocles que representava o fato de que o Exército poderia mandá-lo à frente de batalha fez com que se sentissem mais unidos, se é que isso era possível. Os passeios, as trocas de mensagens, os beijos furtivos sob os alpendres, os carinhos nas ruas escuras — tudo adquiria um caráter dramático agora que tinham consciência da fragilidade de tal felicidade. O ânimo de Isabel oscilava conforme as informações que chegavam até eles. Temiam que o conflito se intensificasse, porque então a probabilidade de enviarem reforços aumentaria. Mas durante um ano e meio — dezoito meses de relacionamento ininterruptos e sem conflitos, de um amor tranquilo e já assentado –, só chegaram boas notícias da frente de batalha. Benito achava que a partida estava ganha.
— Ricardos contra-atacou e derrotou o Exército francês! Ocupamos Roussillon! — informou a Isabel certo dia, com um jornal na mão.
— Ignacia ouviu nossas preces! Vou à Igreja de São Nicolau acender uma vela para ela...
Mas a alegria foi curtíssima. Pouco tempo depois, um levante massivo na França alterou o curso dos acontecimentos. Os sans-culottes recuperaram o território perdido e adentraram a Catalunha.
— Os espanhóis estão em debandada — disse Benito, que falava em primeira pessoa quando os espanhóis venciam, mas na terceira quando eram derrotados. — Atravessaram Navarra e estão em Miranda de Ebro. Que catástrofe, Isabel!
Percebia-se o medo em sua voz. Isabel retornou à igreja para acender velas para a mãe e para grande parte dos santos. O que mais podia fazer, se não estava em suas mãos alterar o curso dos acontecimentos? Naquela mesma noite, chegou a notícia da morte do general Ricardos, que estava em Madri para pedir reforços e teve pneumonia. “Fomos mobilizados, Isabel. Em menos de vinte e quatro horas, precisamos deixar La Coruña”, Benito escreveu a ela em uma mensagem que depositou no parapeito da janela da cozinha.
O momento tão temido havia chegado. Isabel sempre confiara na sorte e, se não nela, na divina providência e nas rezas para Ignacia. Agora as forças sobrenaturais a haviam abandonado. Naquela tarde, pediu permissão para sair e encontrar-se com Benito. Ele estava sereno. “Ou dissimilava sua preocupação ou não estava plenamente ciente do que tinha pela frente”, pensou ela.
— Estarei de volta na primavera... — disse, com convicção, pois era um otimista inveterado, e era isso que haviam informado seus superiores.
Isabel queria acreditar nele. Lutava para conter suas emoções, uma vez que o sofrimento da separação avivava ainda mais o amor que sentia. Caminharam bastante, até as imediações da Torre de Hércules, de onde divisavam os telhados da cidade salpicada de luzes.
— Vai me mandar notícias, não é?
Isabel parecia um animalzinho encurralado. Benito entrelaçou as mãos com as dela.
— Se eu conseguir, todos os dias.
— Jura?
— Pela minha mãe e por todos os santos — disse, cruzando os dedos e levando-os aos lábios.
Isabel sorriu para ele, abraçou-o e fechou os olhos quando ele começou a sussurrar frases em seu ouvido. Depois de um tempo, conduziu-a até darem a volta na torre.
Era quase noite quando chegaram a um local com restos de naufrágio — era um dos muitos barcos que haviam encalhado ao adentrar a baía e se espatifado contra os abrolhos. A intervalos regulares, os lampejos do farol iluminavam a silhueta do casco, as rodas de proa arrancadas, o castelo de proa arrebentado, os mastros quebrados e os cabos desfeitos. Mas era um refúgio, um lugar mais seguro do que as rochas contra as quais colidia a espuma das ondas. Aninharam-se um contra o outro enquanto, com sussurros, ele pedia a ela paciência e falava do momento do regresso, da viagem prodigiosa em que cruzariam o mar, de como viveriam na América — onde não teriam patrão nem amo nem capitão —, do sonho de um futuro juntos que, embora adiado, seguia intacto, pois era sagrado. Enquanto murmurava nas sombras, desabotoou a camisa dela e, então, o corpete.
— Não — ela disse —, para...
Isabel não insistiu mais por medo de desfazer o encanto, enquanto ele seguia se apoderando de seu corpo. Com a ponta dos dedos, ele acariciou-a nos braços, no pescoço e na orelha, encontrando um caminho até o ventre, e ela, com os sentidos à flor da pele e a alma dolorida, esqueceu-se dos conselhos das amigas da aldeia, voltou a dizer um “não” que se perdeu em meio ao estrondo das ondas e se atreveu a acariciar os braços dele e a fundir seu rosto naquele torso peludo. Grata à escuridão que escondia o rubor que tomava conta dela, entregou-se, morta de amor e desesperança.
A ressaca surgiu assim que ela chegou em casa. Olhou-se no espelho: faltavam diversos botões de seu corpete, havia perdido o lenço e estava de cabelo solto. Entre outros vestígios do amor, encontrou marcas na altura do pescoço e nos seios, e um ou outro arranhão. Estando sozinha, percebeu a enormidade do que acabara de ocorrer e se repreendeu por ter baixado a guarda — de que serviram tantos meses de indefessa resistência, se havia fraquejado de tal maneira em um momento de debilidade? Então se lembrou do remédio utilizado pelas mulheres da aldeia. Procurou uma esponja, foi até a cozinha na ponta dos pés, empapou-a de vinagre e introduziu-a em seu corpo para não engravidar. Restava rezar para a Virgem e para São Nicolau na paróquia mais próxima, da qual já era frequentadora assídua.