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Dom Jerónimo foi taxativo:

— Não quero que meus filhos passem por isso.

— Se eu fosse você, faria como o rei — respondeu o médico.

Carlos IV havia passado por uma experiência semelhante. Sua filha, a infanta María Luisa, sobreviveu, como que por milagre, a um ataque de varíola que a deixara desfigurada. Assustado, o monarca quis evitar o contágio dos outros filhos. Farto da eficácia reduzida dos métodos tradicionais de cura — como sangrias, purgantes, dietas, o mercúrio, a salsaparrilha ou o bálsamo de copaíba –, decidiu tentar o único remédio preventivo que a ciência incipiente então propunha: a variolização.

— Consiste em injetar pus de varíola humana em pessoas saudáveis — explicou o doutor Posse.

Dom Jerónimo fez uma careta.

— Introduzir-lhes o mal no corpo? Em crianças?

— Sim, contágio voluntário. Para provocar uma infecção atenuada, mais ou menos benigna, e proteger contra a doença natural.

Dom Jerónimo ficou pensativo. Repugnava-lhe a ideia de infectar os filhos.

— E isso é lícito aos olhos de Deus? — perguntou timidamente.

— Você teria de perguntar a um cura, mas acho que não. As novidades são sempre perigosas quando se trata de crenças, mas não para a medicina, área que a cada dia faz novos progressos muito úteis para a humanidade.

— E se a infecção sair de controle? Você tem como me garantir que ela pode ser mantida em nível atenuado?

— Não posso garantir, porque pode acontecer de ela se desmandar. Houve um caso em que seis criados contraíram a enfermidade após uma das crianças da casa ser inoculada. Por isso, alguns de meus colegas acham que a variolização ajuda a disseminar a varíola. Não vou enganá-lo: muitos são contrários ao método, pois é inegável que há riscos. Mas esses riscos são reduzidos, se o sujeito estiver saudável. Acredite em mim, dom Jerónimo, foi comprovada a eficácia do método, que nunca é mortífero. Nenhum dos infantes desenvolveu a doença. Por isso, o rei incentiva sua utilização em todos os hospitais e os orfanatos que dependem de seu patrocínio.

— O fato de os curas desconfiarem das descobertas científicas não significa que devamos abraçar qualquer avanço com entusiasmo cego... O príncipe Carlos María Isidro não ficou gravemente enfermo? Até onde sei, a infanta María Amalia perdeu a visão...

— Padeceu de uma grave inflamação nos olhos, é verdade. Mas se recuperou. Dom Carlos também. Os dados dizem que aproximadamente três por cento dos variolizados desenvolvem a doença e morrem; outros podem ficar mal e levar semanas para se recuperar; alguns poucos desenvolvem infecções diferentes em paralelo, como a sífilis ou a tuberculose... É o preço a pagar para se livrar da varíola.

O rosto de dom Jerónimo refletia a angústia causada pelas palavras do médico, que prosseguiu com os argumentos.

— Ainda assim, é preferível assumir esses riscos a contrair a varíola por meio de contágio. Nesse caso, a mortalidade sobe para algo entre vinte e quarenta por cento; pode-se até perder a visão. Os que têm sorte ficam apenas com as cicatrizes.

A ideia do contágio voluntário para incitar a resposta imunológica do organismo era tão antiga quanto o desejo do homem de acabar com aquela mácula. O médico contou a ele que na China antiga sopravam no nariz das pessoas saudáveis um pó de crostas provenientes de doentes em processo de cura; na Índia, uma casta de brâmanes ficava encarregada de injetar uma gota de varíola extraída de um doente por meio de agulhas finas. Na Europa, seguiam-se vários desses métodos, desde “comprar varíolas”, ou seja, a crosta quase secas de crianças que estavam nos últimas estágios da doença, até colocar jovens saudáveis para dormir com os doentes e, assim, transmitir a varíola natural.

— A variolização não é algo novo, dom Jerónimo — continuou a explicar o doutor Posse. — Sabe há quanto tempo é praticada na Europa? Há cinquenta anos, desde que uma inglesa, mulher do embaixador britânico em Constantinopla, importou a técnica da Turquia. Chamava-se Mary Montagu. Era uma mulher sagaz e estava desesperada, pois seu irmão havia morrido de varíola e ela havia terminado desfigurada. Após observar como inoculavam em pessoas saudáveis, por meio de punções na pele, o pus proveniente das lesões cutâneas de doentes já convalescentes, experimentou em seu filho... E sabe o que aconteceu?

Dom Jerónimo negou com a cabeça.

— O garoto nunca desenvolveu a doença. Então ela inoculou a filha, que também se safou. A mulher conseguiu tornar o procedimento popular entre a aristocracia britânica, ao ponto de as filhas do príncipe de Gales serem variolizadas. E sabe por que o procedimento era popular na Turquia?

— Como é que vou saber?

— Por causa dos haréns, dom Jerónimo. Nesses lugares onde ganhavam a vida, a beleza era o principal bem das mulheres. Por isso, eram inoculadas muito jovens em algum ponto em que a cicatriz da chaga não fosse visível.

As palavras do médico acabaram convencendo dom Jerónimo, que não quis tomar a decisão sem antes consultar a esposa. Já era capaz de imaginar o pároco de São Nicolau alegando que nunca é lícito fazer o mal, por menor que seja e ainda que em busca do bem, e um amplo setor da sociedade corunhense indignada com o risco a que inocentes seriam submetidos. Ela não hesitou nem por um instante. A dolência era tão horrível e trágica, e o temor de padecer, tão extremo, que decidiu salvar os filhos, como havia feito lady Mary Montagu com os dela.

— Também devo me submeter ao procedimento? — perguntou dom Jerónimo.

— O rei não fez isso, e você provavelmente já está imunizado. Isso funciona principalmente com jovens saudáveis. Deveríamos fazer com Isabel, por exemplo; não tenho certeza de que está imunizada.

Ao ouvir seu nome, Isabel ficou tensa. O médico chamou-a de lado e contou sua intenção.

— Você terá que passar longas horas ao lado da cama das crianças, que vão ficar mal. Terão febres e dores musculares, o mesmo processo enfrentado pela mãe, mas com menos virulência e menor duração. Para que a variolização tenha sucesso, é preciso seguir normas higiênicas estritas, as quais você já conhece.

Isabel assentiu. O médico prosseguiu:

— Convém que você também se submeta à prática e que seja a primeira a fazê-lo para que esteja bem recuperada e com as forças recobradas quando chegar a vez deles.

Isabel ficou petrificada. Mesmo que quisesse fazê-lo, não podia. Carregava um bebê no ventre e intuía que algo assim só poderia machucá-lo.

— Não, eu não... O senhor cura disse que isso não é bom, que se Deus...

— Você é jovem e saudável, deveria fazer. É para seu bem, seu futuro, pelos filhos que um dia terá. Pense nisso.

Ao ouvir aquele último comentário, Isabel irrompeu em lágrimas. Olhou para o médico com uma expressão de quem estava completamente perdida. Por um breve intervalo de tempo, teve a tentação de confessar a gravidez para que o médico entendesse que o corpo dela já não lhe pertencia de todo. Cedo ou tarde, teria de fazê-lo — por que não agora? Mas era como dar um salto no vazio, como descer todos os degraus no conceito que tinham dela, como mergulhar no lodo. Tinha a impressão de que perderia tudo de bom que havia conseguido; de que, entre confessar o pecado e voltar ao buraco negro de sua aldeia, era apenas um passo.