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Foi a insistência do doutor Posse em variolizar Isabel junto com os dois filhos do casal Hijosa que fez com que, por fim, ela contasse seu segredo.

— Não quero pôr em risco a vida do pequeno — disse, entre lágrimas. — Eu suplico, não diga nada aos senhores.

O médico estava estupefato, pois o que acabara de ouvir não se enquadrava na personalidade inquestionável de Isabel. Além disso, aquilo gerava um pequeno conflito de lealdade. Conhecedor do caráter nobre e tolerante de dom Jerónimo e da esposa, decidiu deixá-los a par.

O casal chamou Isabel à sala. A jovem entrou com o rosto desfigurado e os olhos avermelhados, olhando para o chão de tão envergonhada. Começou anunciando que voltaria à aldeia porque havia cometido um pecado imperdoável. Esperava uma reação fulgurante, uma bronca e a expulsão. Mas se equivocou. Não houve reprimendas nem sermões. Ela via reprovação no olhar dos patrões, mas eles na verdade estavam assombrados, porque poderiam imaginar semelhante deslize de qualquer uma das empregadas, menos dela. Entenderam que a jovem se deixara enganar devido a sua confiança e sua ingenuidade. Dom Jerónimo disse que ninguém estava a salvo das fraquezas humanas e acrescentou, em um tom de fria distância:

— Na Galícia, julga-se com menos severidade esse tipo de deslize... Por exemplo, em Castilla, minha terra, o código moral é mais estrito. Portanto, você não precisa deixar a casa. Nós a consideramos parte da família e desejamos que você fique.

Ao escutar isso, Isabel se emocionou.

— Você terá seu filho aqui — prosseguiu dona María Josefa — e poderá viver na casa com ele, então pare de chorar e, quem sabe, vá se confessar.

— Ai, senhora, isso eu já fiz...

— E não carregue lenha nem nada pesado.

A mulher, que estava perdendo a vista devido às sequelas da varíola, concluiu que não poderia ficar sem a preciosa ajuda de Isabel. Além disso, os Hijosa praticavam caridade em todos os níveis, desde o financiamento de parte da construção do novo hospital beneficente até a distribuição de donativos entre as famílias mais necessitadas conforme a recomendação do pároco. Ao término daquele encontro, a senhora foi ao quarto de Isabel e pediu que a garota a acompanhasse. No trocador, abriu os armários e deu a ela um vestido que pegou em meio às roupas que havia comprado.

— Pegue esse, você precisará de vestes mais largas...

Servir a alguém não era comer o pão que o diabo amassou, como um dia lhe havia dito Benito Vélez, seu grande amor. Ao menos, não para Isabel. No momento mais difícil de sua vida, encontrou na família que a empregava um apoio que não tinha preço. Outras de menos sorte acabavam em prostíbulos, e seus filhos, em orfanatos.

Mas ela estava marcada.

“Você deve ter a honrada resolução de apagar seu estigma mantendo uma conduta irretocável”, dissera o sacerdote a ela após a confissão.

Por sorte ela não sabia o significado da palavra “estigma”; de todo modo, saiu da igreja convencida de que apontavam para ela na rua. Sabia que estava maculada, desprovida do direito de aproveitar a vida, condenada a se redimir, como disse o cura. Por mais que disfarçasse a barriga com os vestidos presenteados pela senhora, sabia que nunca seria considerada uma mulher decente. Era preciso renunciar ao velho sonho de todas as jovens — o de encontrar um marido –, pois que homem sério iria querê-la, sabendo que já não seria o primeiro?

— Casar, casar, soa bem e sai mal... — disse a cozinheira para animá-la.

O horizonte de Isabel era monótono e previsível. Seu destino era ocupar-se de filhos dos outros, comer sobras, viver alegrias e amarguras alheias, vestir roupas usadas; em suma, viver a vida secundária de que Benito Vélez prometera livrá-la. Agora que dona María Josefa estava prostrada e meio cega, com menos capacidade para cuidar dos filhos, Isabel passava ainda mais tempo com eles. Sempre que perguntavam da gravidez, ela mencionava o pai do garoto, que estava na América, e dizia que esperava receber dinheiro para um dia se juntar a ele. Era uma mentira piedosa, que lhe permitia manter a honra.

Naquela época, recebeu a notícia de que a doença de seu pai havia se agravado. Seu primeiro reflexo foi viajar para vê-lo, talvez para se despedir de uma vez por todas. Mas então pensou que se apresentar na aldeia com a barriga daquele jeito seria uma tortura. Já imaginava o falatório dos vizinhos, os comentários cruéis, as perguntas das irmãs e as inquisições de dom Cayetano, que sempre demonstrara tanta confiança nela. O sentimento de não ter atendido às expectativas de nenhum dos que haviam acreditado nela era o mais difícil de suportar.

No fim, a vontade de ver Jacobo, nem que fosse apenas para agradecer-lhe por tê-la tirado daquela vida, venceu os incômodos de sua gravidez facilmente perceptível. Juntou o brio necessário, pediu uns dias de folga e chegou a Santa Mariña de Parada em um dia primaveril em que chovia e o sol brilhava ao mesmo tempo. O pai estava tombado no catre da choça escura, inconsciente, rodeado pelos filhos. Talvez esperasse por ela, pois morreu naquela noite. No dia seguinte, enterraram-no no mesmo lugar em que estava Ignacia, no local reservado aos pobres de solenidade. “Vai com Deus, pai...”, foi o que disse Isabel ao atirar um punhado de terra.

Ao se despedir, o cura não pôde conter a ânsia de mencionar seu estado pecaminoso.

— Foi melhor Jacobo não a ter visto assim.

Então disse que estava contente por encontrá-la outra vez e que soubera que os Hijosa continuavam muito satisfeitos com o trabalho dela na casa; Isabel deixou de escutá-lo, agradeceu-lhe outra vez e seguiu seu caminho com um nó na garganta. A frase cruel de dom Cayetano feriu-a em seu âmago. Foi o único comentário desagradável, pois afora isso nenhum vizinho ou parente disse nada; pelo contrário, olhavam para ela com curiosidade e carinho, sempre cordiais. Em Santa Mariña de Parada, as pessoas não eram intransigentes. Ser mãe solteira não era uma condição desesperadora nem sequer era considerado uma desgraça, mas antes um contratempo, como disse sua irmã. Isabel permaneceu mais uma noite na choça em que passara a infância. O que alguns anos antes lhe parecia normal agora a chocava: dormir no colchão de palha, os animais pululando, os toscos saiotes que a irmã vestia... Percebeu como sua gente era sofrida e modesta, insensível ao padecer físico. Nada havia mudado, mas ela, sim — já não pertencia àquele mundo. Na diligência, retornando a La Coruña, intuiu que não voltaria mais à aldeia.

Exatos quatro meses depois, em 31 de julho do ano de 1793, deu à luz em seu quarto na casa dos Hijosa. Era um dia quente. Pariu com a ajuda de todos os serventes e de uma parideira que trabalhava na sala de partos secretos do Hospital de Caridade, inaugurado três meses antes, e cuja presença foi solicitada por dom Jerónimo. O garoto nasceu em um piscar de olhos, e enquanto a parteira cortava o cordão umbilical, a cozinheira ergueu-o de cabeça para baixo e deu nele duas palmadas de boas-vindas, as quais possibilitaram sua respiração e desencadearam o primeiro de muitos choros. Quando colocaram o bebê em seu colo e Isabel viu sua carinha, pareceu-lhe o retrato vivo do único homem que havia amado e, exausta como estava, irrompeu em prantos.

— Como vai se chamar? — perguntaram a ela.

— Meu filho não é de pai desconhecido — disse. — Tem pai. Então, que tenha o mesmo nome: Benito Vélez.

Os demais criados dos Hijosa, que haviam acompanhado o calvário de Isabel durante a gravidez, não entendiam aquela obstinação em perpetuar a memória de um homem que a havia abandonado. A vaga esperança de que ele voltaria um dia ajudava Isabel a suportar a vergonha de ser mãe solteira. Além disso, ao batizar o rebento com o nome do pai, dava a ele uma identidade respeitável; se usasse o sobrenome da mãe, ficaria marcado como filho do pecado. Assim, transmitia a mensagem de que seu filho não havia sido um tropeço — o que a situaria entre as mulheres fáceis –, mas fruto do abandono de alguém que havia se comprometido, o que de certa forma era verdade. Além disso, um abandono sempre podia ser provisório. Melhor passar por vítima que por libertina.

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Ao criar o filho, o sofrimento causado pela vergonha e pelo sentimento de culpa que a vinham martirizando nos últimos tempos não se desvaneceu. Por mais que aquela criança despertasse nela uma emoção profunda, ela se sentia triste e entrou em uma espiral de melancolia.

— Isso é porque o bebê não deixa você dormir — disse a cozinheira.

Isabel também perdeu o apetite e a vontade de viver; era tomada por um sentimento de tristeza e sofria com a ansiedade. Custava-lhe levantar da cama.

— Tenho a sensação de que vai me acontecer algo ruim — disse ao doutor Posse.

— Não vai lhe acontecer nada — disse o médico. — O que está acontecendo com você é algo frequente, melancolia depois do parto. Você sente alguma dor de cabeça, fadiga?

— Sim, doutor, e um nó no estômago que não me deixa nem respirar.

— Vai passar. Mas você não pode ficar na cama, é bom passear e tomar algumas infusões de tília. Esse humor é uma reação a todas as coisas pelas quais você passou, minha filha.

Cada um buscava animá-la à própria maneira.

— Com um filho, já pode ficar velha, pois não estará sozinha e desamparada — disse a cozinheira.

A crise de Isabel durou um mês, depois do qual ela voltou suas atenções ao filho, que passou a ser sua maior fonte de alegria, embora sempre lhe desse pena o fato de não ter pai presente. O tempo passava, as circunstâncias mudavam, aqueles ao redor demonstravam compreensão, mas, no fundo, Isabel não se adaptava à condição de mãe solteira. Esse caos interior produzia alterações em seu estado de ânimo, o que ela conseguia controlar se entregando ao trabalho, que nunca faltava na casa dos Hijosa.

“Quer ser criada a vida inteira?” — a pergunta que um dia Benito Vélez pronunciara e fizera com que ela percebesse sua condição perturbava-a com constância.