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Para Balmis, os anos no México foram os melhores de sua vida. Desfrutava de uma liberdade de que jamais gozara antes. Gostava de ser admirado como médico, por seu valor profissional, não por pertencer a determinada família. No Novo Mundo, dedicou-se a estudar, trabalhar e viver plenamente sua juventude. Graças a sua proximidade com o vice-rei, integrou-se com facilidade à sociedade local, participando de festas e da vida cultural. Tornou-se aficionado pelo teatro, que era uma das fontes de financiamento do Hospital Real de Naturales, instituição que atendia aos indígenas. Como a contribuição destes não era suficiente para a manutenção do hospital, as entradas do teatro, entre outras formas de apoio, serviam para o financiamento.

Sempre era convidado por algum notável a um camarote protegido por gelosias, para que pudessem ver sem serem vistos nas apresentações do Teatro do Coliseu, onde se alternavam obras dramáticas espanholas e sainetes, entremezes, tonadilhas e zarzuelas. Foi nesse camarote, após uma apresentação, que conheceu a atriz principal, Antoñita San Martín, gaditana engraçada e tagarela.

— Fui casada com um rufião que me maltratou tanto que acabei pedindo a separação — contava a todos que quisessem ouvir. — E sabem do melhor? A corte do vice-reinado sentenciou a meu favor, e fizeram correr meu marido da cidade “por ter vivido à minha custa”, como dizia o papel.

As pessoas riam com vontade, e Balmis ficou desconcertado, pois jamais vira mulher com um temperamento desses.

— E você? — perguntou a Balmis. — Disseram-me que cura tudo. Isso também vale para as dores do coração?

Balmis corou, começou a gaguejar e respondeu muito sério:

— O coração é um órgão...

Antoñita o interrompeu ao explodir em uma risada.

— Um órgão! Ha ha ha! As dores do órgão, como isso soa mal! Balmis estava pasmo com aquela mulher vulcânica, que o seduziu de uma só tacada, beijando-o e acariciando-o sem pedir permissão, como gostava de contar depois.

O alicantino jamais havia conhecido mulher daquele tipo, sozinha e independente, tampouco estivera em ambiente boêmio como aquele. De braços dados com a bela Antonia San Martín, comparecia a festas e saraus, e enquanto durou o romance ele se sentia o homem mais feliz do mundo. Estar no centro das atenções satisfazia sua necessidade de reconhecimento, fosse profissional, fosse social. Durante um tempo, formaram um casal muito conhecido na sociedade mexicana. Mas ela nunca cedeu aos seus avanços sexuais, o que Balmis atribuía a uma estratégia feminina de sedução. Até que um dia, não aguentou mais e tentou forçá-la, sempre a sua maneira desajeitada:

— Calma, bebê, que é pro seu bem.

— O que você quer dizer?

— O que você acha? Que não tenho vontade de... disso?

Balmis olhou para ela desconcertado e piscou com tanta força que Antoñita caiu na gargalhada.

— Ai, que vida mais desgraçada a minha! Com o tanto que gosto de você!

Ela abraçou e balançou Balmis como se ele fosse um boneco. Então, em voz baixa, contou:

— Sei que, depois do que vou dizer agora, você já não irá me querer. Quero que você saiba que eu, sim, sempre vou querer você, apesar de suas estranhezas... que são muitas.

— Por que diz isso? Estou apaixonado por você. Já não disse mil vezes?

— Virgem Santa! Como um homem tão sábio como você pode ser tão burro? Aposto o que você quiser que não vai mais me querer...

— Vamos apostar.

— Os brincos de argola que vimos na joalheria La Princesa.

— Feito. Você vai perder.

— Vou ganhar. Quer apostar mais?

— Com a vontade que tenho, continuaria apostando.

— As argolas são suficientes, não pedirei outro presente de despedida além desse. Vejamos se você não vai me odiar logo, logo.

— Bom, diga, qual é o problema?

— Tenho o mal francês.

Balmis ficou pálido. Como se houvesse perdido a respiração.

— Foi meu marido quem me passou.

O médico espichou o pescoço duas ou três vezes, como se tivesse uma mola na mandíbula, e passou a mão pela cabeleira crespa. Em instantes, atravessou diversas fases: surpresa, decepção, contrariedade, desprezo por aquele marido e, como era rápido e inteligente, aceitação. As peças se encaixavam: Antoñita rechaçava seus avanços não por uma tática feminina de sedução, como havia pensado, mas por uma razão muito mais prosaica.

— Por que não me disse antes?

— Está vendo? Já era! Acabou tudo. Agora você vai me odiar. Eu disse… Mas não pretendo esquecer a promessa dos brincos.

— Não, nunca a odiarei. Se fosse para odiar alguém, seria seu marido.

Então, disse uma frase que só poderia ter saído dele:

— Se não pode ser minha amante, será minha paciente.

Antoñita tinha razão. Ao ter de abandonar seu empenho em levá-la para a cama, a paixão de Balmis perdeu fôlego. Mas ficaram amigos. O médico lhe prescreveu um tratamento enérgico à base de mercúrio. Certa tarde, saiu mais cedo do hospital para comprar os brincos que haviam visto juntos na joalheria La Princesa.

O alicantino não desanimou e prosseguiu com as conquistas, sempre no meio das artes cênicas, que era onde seu lado mundano se expressava com mais desinibição. Não gostava das damas de classe alta, que não caminhavam sozinhas pela rua, exceto para ir à igreja. Obcecadas por aparentar ter pés pequenos, costume que havia chegado da China pelo Galeão de Manila, circulavam no interior das carruagens, recostadas sobre almofadas, cumprimentando de longe os amigos.

Balmis gostava de passear a pé, de braços dados com María, a Carpinteira, ou Anita, a Queretana, dois amores tão intensos quanto fugazes, que lhe renderam uma fama de galã que não correspondia de fato a sua personalidade. Quem o deixou loucamente apaixonado foi a atriz Bárbara Ordóñez, bela e sedutora, alegre e carinhosa. Sua risada cristalina, seu olhar de veludo, o atrevimento de suas mãos... O encanto daquela mulher deu asas a sua imaginação. Só não entendia como uma mulher tão bela e inteligente podia não ter marido. Calejado pela aventura com Antoñita, temia que houvesse cachorro naquele mato. Não sabia que quem tinha cachorro no mato era ele.

— Quero envelhecer contigo — dizia Balmis a ela, de tão enfeitiçado que estava.

Ela esperava que ele um dia pedisse sua mão, porque queria sair da vida de atriz de comédia. Os comediantes tinham uma vida muito difícil: dependiam diretamente do vice-rei, que tinha todos os tipos de poderes sobre eles. A Igreja, por sua vez, dava por garantida sua condenação eterna. Bárbara Ordóñez viu em Balmis a oportunidade de se tornar a mulher de um médico renomado, um passaporte para a respeitabilidade. Mas o pedido nunca chegava.

— Nossa relação é apenas uma ilusão — disse a ele um dia —, não há sentido em continuar com isso.

Balmis retrocedeu.

— Como? — balbuciou, com expressão de absoluto desamparo.

— Sabe por quê? Porque você está mais apaixonado por seu trabalho do que jamais estará por mim.

— Não, não é verdade...

— Sim, senão já teria demonstrado a seriedade de seu compromisso. E não quero mais esperar.

Balmis não tinha como dizer a verdade: que não podia se casar porque corria o risco de acabar na fogueira da Inquisição por bigamia. Ninguém no México sabia que ele já era casado e tinha um filho na Espanha. Tentou desesperadamente continuar o relacionamento com ela, mas Bárbara já havia dado tudo por encerrado.

Frustrado pelas tentativas de recuperá-la, com o coração partido, Balmis se refugiou no trabalho. Era tal sua necessidade de manter a mente ocupada que se matriculou na Universidade do México, onde obteve o título de bacharel em artes. Foi a maneira de superar a angústia do desamor.

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No dia do aniversário do rei da Espanha, Balmis foi convidado ao palácio vice-real para a inauguração do novo e magnífico Salão de Beija-Mãos. Sua charrete puxada por um pangaré contrastava com as luxuosas carruagens de cavalos ricamente ajaezados, nas quais se deslocavam os aristocratas. Outros cortesãos chegavam em liteiras carregadas por escravos negros ou criados de libré. Balmis, que tinha contato com indígenas e marginalizados de todos os tipos, sabia que em muito pouco tempo o vice-rei Bernardo de Gálvez havia se tornado popular entre as pessoas do povo. Para lutar contra a fome causada por uma seca pertinaz, comprou com o próprio dinheiro (além daquele que conseguiu por meio de empréstimos) milho e feijão para distribuir entre os pobres. Então, empreendeu uma série de obras públicas para criar empregos e se dedicou a intensificar o trabalho no campo a fim de aumentar a produção e evitar a escassez. Costumava aparecer em público em uma charrete descoberta, de dois cavalos, que muitas vezes ele mesmo conduzia, e gostava de comparecer a touradas, romarias e festas públicas, onde sempre era recebido com alegria e aplausos. O povo da Nova Espanha estava tão contente com seu vice-rei que o próprio ministro Floridablanca felicitou-o de Madri. Mas tanta popularidade também podia ser contraproducente. Balmis sabia que os hispano-americanos endinheirados e parte da nobreza viam com maus olhos o viés pró-indígena de sua política. Havia algo de revolucionário na atitude de Bernardo de Gálvez que os deixava inquietos.

No interior do palácio, uma soberba tapeçaria de damasco carmesim com franjas, fitas e borlas de ouro se desprendia do teto, de frente para um retrato de Carlos IV. Dez dúzias de cadeiras de madeira fina estavam dispostas para receber os augustos convidados que, de um em um, inclinaram-se diante do vice-rei.

— Vossa mercê... — disse Balmis.

— Não vos agachai — disse Gálvez —; se alguém aqui deve fazer reverência, esse alguém sou eu. Fico muito feliz de ver-vos.

Passando o braço por cima de seu ombro, apresentou-o aos nobres e aos cortesãos:

— Temos a sorte aqui, na Nova Espanha, de contar com um dos melhores médicos que existem — disse.

Era o momento de glória de Balmis. Sua única preocupação era controlar a intensidade de seus tiques, sempre disparados pelas emoções.

— Quero apresentar-vos ao explorador científico Martín de Sessé, que está aqui de passagem no comando de uma expedição patrocinada pelo rei com o objetivo de recompilar um catálogo completo de espécies de plantas, aves e peixes da Nova Espanha.

Sessé, assim como Balmis, era um antigo médico militar, mas que havia deixado de praticar a medicina para dedicar-se plenamente à botânica e criara uma cátedra na Universidade do México. Aquele encontro fortuito despertou ainda mais a curiosidade científica de Balmis, que começou a se interessar muito seriamente pela botânica, convencido de que estava nas plantas a cura de doenças.

Ao cabo de um ano de sua chegada, o arcebispo Núñez de Haro convocou-o outra vez. Ia fundir o Hospital de San Andrés com o Hospital Militar do Amor de Deus, que se dedicava principalmente ao tratamento do “morbo gálico”, a sífilis.

— O que vos proponho, doutor Balmis, é que assumais a direção da divisão de gálicos do novo hospital após a fusão, além de seguir com vosso trabalho de cirurgião.

Como todos os médicos militares, Balmis tinha experiência no tratamento de doenças venéreas. Tal promoção lhe daria mais trabalho, mas também a possibilidade de experimentar e testar diferentes tratamentos, pois aquele que era utilizado, à base de mercúrio, apresentava uma taxa de mortalidade muito alta em médio prazo.

— Aceito vossa generosa oferta, Eminência.

Então, o prelado acrescentou:

— Quero informar-vos de que encaminhei uma proposta ao rei para que vos nomeie cirurgião-chefe do novo hospital.

Balmis sentiu um tremor percorrer seu corpo: era a satisfação íntima e intensa de ver como seu sonho caminhava para se realizar. Aquilo compensava todos os bubões, as fístulas, as úlceras, os tumores calosos e viscosos, as verrugas e os condilomas em que precisaria aplicar unguentos mercuriais de questionável eficácia. Cirurgião-chefe! Naquela noite, escreveu à família para dar a grande notícia.