20

Depois de criar seu filho e com as crianças da casa já mais velhas e exigindo menos atenção, o sonho de independência de Isabel começou a tomar forma. Acabou aceitando que provavelmente jamais encontraria um marido que desse a ela e ao filho uma vida digna e olhava com inveja para as mulheres que trabalhavam na incipiente indústria de La Coruña e regressavam às suas casas após a jornada. Não poderia ela ser como uma das mil e quinhentas fiandeiras que faziam os dedos dançarem nos teares da fábrica de toalhas, a mesma que abastecia desde o rei até os ricos nobres americanos? Ou arranjar um emprego na fábrica de enxárcias e cordoarias de um amigo de seu patrão — ou melhor ainda, na fábrica de chapéus do francês Barrié d’Abadie, um dos negócios mais prósperos da cidade? Continuaria dentro da parcela da população considerada pobre, mas certamente seria um avanço em relação à condição de criada. Quando se inteirou de que o patrão, que não queria ficar atrás da tímida melhoras das manufaturas que ocorria na cidade, havia aberto a primeira fábrica de indianas, tecidos estampados de algodão, Isabel se atreveu a pedir emprego:

— Isso não é para você.

“Estou condenada a ser criada”, interpretou Isabel, mas dom Jerónimo acrescentou em seguida:

— Tenho outra ideia em mente.

Pouco tempo depois, dom Jerónimo precisou fechar a fábrica, alegando baixa demanda. Para ele, era uma perda sem importância; seus negócios, baseados no comércio de produtos coloniais transportados em sua frota de caravelas, iam de vento em popa. Agora que sabia que sua riqueza bastava para que várias gerações de descendentes vivessem bem, ganhar dinheiro deixara de ser o grande estímulo de sua vida. A varíola de sua mulher o havia quebrantado, e, sendo um homem religioso nos umbrais da velhice, preocupava-se com a vida pós-morte. Em seu afã de cair nas graças de Deus e dos homens, dedicava parte de seu tempo à administração do Hospital de Caridade Beneficente, o primeiro grande hospital público da cidade, obra impulsionada pela muito admirada Teresa Herrera, solteira de ouro que deixou sua marca na história da cidade e morreu antes de ver seu sonho realizado. Era tão devota que as pessoas se lembravam dela percorrendo de joelhos o caminho entre sua casa e a Igreja de São Nicolau para se livrar dos demônios que abrigava no corpo. A vida inteira, ajudou mulheres doentes que não tinham como se sustentar; transformou a própria casa no que chamavam de “hospitalzinho de Deus”. Então, quando recebeu a herança da mãe, doou-a integralmente à Congregação das Dores (de cuja junta diretiva Jerónimo Hijosa fazia parte) para que fosse erguido o hospital, a obra de sua vida. No dia em que colocaram a pedra fundamental, ela não pôde firmar a ata de doação por ser analfabeta.

Se por toda a Espanha surgiam hospitais, casas de enjeitados e as conhecidas casas Galera — casas de recolhimento para as mulheres públicas, que serviam também para a reclusão e castigo de mulheres casadas a pedido dos maridos –, era porque o governo de Carlos IV fomentava as obras de caridade para se opor à influência republicana francesa. Além disso, a ingente quantidade de excluídos, mendigos, loucos, crianças abandonadas e prostitutas que habitavam as ruas se chocava com o espírito humanista do Iluminismo. A pobreza galopante se devia, em parte, aos intermináveis conflitos bélicos daquele século. La Coruña havia sido fortificada, foram construídos paióis, baluartes, revelins, fossos e baterias que protegiam a entrada do porto. Mas faltavam quartéis para alojar tantos soldados; muitos moravam nas casas dos vizinhos. Essa copiosa presença, somada aos migrantes do campo, formava a clientela que alimentava o “crescente número de mulheres entregues à ociosidade e à mais infame prostituição”, como descreveu em 1793 o procurador síndico geral. O resultado era um número altíssimo de abortos e filhos ilegítimos cujas possibilidades de sobrevivência eram praticamente nulas. As crianças eram abandonadas, mortas ou vivas, em pórticos, lixeiras, nichos e debaixo de arbustos; eram atiradas no meio da rua em momentos intempestivos, e algumas eram encontradas parcialmente devoradas por animais. Para evitar o número crescente de infanticídio, o Hospital Beneficente abriu uma sala de partos secretos que garantia o anonimato das gestantes, onde não eram aceitas aquelas que haviam manifestado em público a gravidez. “Uma ideia benéfica, digna de aplauso”, considerou dom Jerónimo.

Uma vez que sabia que era eficiente e, sobretudo, discreta, dom Jerónimo indicou Isabel para trabalhar como ajudante da parteira, que estava sobrecarregada com a quantidade de mulheres que solicitavam internação e que compareciam com o rosto coberto para que ninguém as reconhecesse. A equipe do hospital era proibida de indagar qualquer coisa sobre a vida delas. A salvaguarda da identidade era tão extrema que, se alguma morria durante o parto, o cadáver não era removido antes da meia-noite. Isabel aceitou. Precisava deixar de ser criada, queria sair de sua prisão dourada, mesmo que fosse para um mundo restrito e marginal.

A sala de partos secretos era dividida em vários aposentos: alguns para mulheres pobres, cujas paredes estavam manchadas, e outros mais limpos, para aquelas que eram capazes de pagar os custos. Só estavam autorizados a entrar ali o capelão, uma guarda, a parteira e Isabel. A maioria das mulheres estava desgrenhada e praticamente em farrapos, outras apareciam bem-vestidas, e todas compartilhavam o mesmo olhar de desesperança total. Aquelas mulheres quase não falavam, devido ao bochorno e à aflição. Uma rezava um terço, outra alisava os cabelos, outra oferecia o peito ao bebê, sabendo que o abandonaria assim que encontrassem uma ama de criação. O regulamento era estrito: o capelão deveria entregar a criança batizada a uma ama de leite. Se, mais tarde, a mãe estivesse em condições de recuperá-la, poderia solicitar. Mas a maioria estava ali em segredo, com escassíssimas probabilidades de ficar com o filho, que acabaria adotado ou em um orfanato. Isabel se reconhecia naquelas mulheres desgarradas e dava graças a Deus — e a Ignacia — pela sorte que tivera ao cruzar com os Hijosa em seu caminho. Talvez algumas daquelas mulheres tivessem pecado por luxúria, mas a maioria havia sido enganada, como ela; outras foram violadas — como a sobrinha do bispo, muito jovem e de sorriso angelical, com ar de pássaro ferido, que repetia feito mantra uma frase ininteligível. Quanto sofrimento se escondia entre os muros daqueles cômodos... O fato de existir aquela sala para o cuidado dos abandonados era certamente um avanço, um sinal de que os tempos estavam mudando.

Não demorou para Isabel se tornar indispensável ao funcionamento da sala de partos secretos e, durante aqueles anos, aprendeu tudo o que uma parteira devia saber sobre nascimentos e primeiros cuidados de uma criança, bem como noções de administração. Fazia de tudo, desde limpar até comprar varas de pano para fralda, flanela inglesa, sabão, botões... Registrava os gastos meticulosamente no livro de contabilidade, que era revisado pelos patrões da Congregação das Dores. Tudo era anotado, desde o menor dos gasto até esmolas, roupas ou joias doadas, com a respectiva data e a descrição das características e do estado de cada objeto. O controle das finanças era a maior preocupação da Congregação.