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Balmis estava longe da península Ibérica havia onze anos. Tinha aprendido a amar os contrastes e as paisagens do México, as comidas e os costumes, a tolerância e o trato solene e educado dos habitantes. Sentia-se respeitado e querido. Mas pesava mais sua ambição. Voltar com uma descoberta como aquela era garantir um lugar no olimpo da medicina. Outra razão o levou a regressar: sua mulher, Josefa, havia pedido ajuda ao rei por ter ficado sem meios de sobrevivência. O rei, tendo se inteirado por informes verídicos da boa conduta da interessada, ditou uma ordem real que foi enviada ao vice-rei da Nova Espanha obrigando Balmis a auxiliar Josefa nos custos de vida. Para o médico, aquela foi a confirmação de que seu pai, que dava proteção e auxílio a Josefa, estaria morto. Assim, assumiu de imediato a função de ajudá-la e passou a mandar-lhe uma quantia em dinheiro todos os meses.

Balmis saiu da Nova Espanha com cem arrobas de agave e trinta de begônia coletadas por ele mesmo nos arredores de Pátzcuaro, onde cresciam os melhores espécimes. De Cádiz, onde aportou, enviou seu precioso carregamento a Madri enquanto tomava o rumo de Alicante.

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— Mãe?

Recebeu apenas o eco de suas palavras como resposta. A casa que outrora havia sido um lar alegre agora estava mergulhada em penumbra e silêncio.

— Francisco...!

A mãe falava com um fiapinho de voz. Abraçou-o chorando.

— E meu pai?

Embora já soubesse a resposta, sentiu uma pontada no peito.

— No céu, meu filho, está no céu.

Toda a sua infância passou por sua mente, tantas memórias impregnadas de ternuras, de momentos felizes passados naquela casa sempre apinhada de crianças, parentes, pacientes e amigos. Tanto tempo compartilhado com o pai. Como pareciam distantes aqueles dias em que não conhecia a solidão! Agora as irmãs haviam se casado, e Josefa e seu filho haviam se instalado em outro lugar. A mãe estava sozinha com suas lembranças.

— Venha comigo ao cemitério para depositarmos flores em sua sepultura, então levo você até onde estão Josefa e o garoto.

Caminharam devagar, pois a mãe já era idosa. Depois de visitar a sepultura de seu pai, seguiram até a casa de sua esposa. Quem abriu a porta foi uma mulher que ele não reconheceu: tinha o rosto murcho, o cabelo grisalho e aparentava mais idade do que tinha.

— Sinto muito por tê-lo importunado ao pedir ajuda para o rei, mas não tínhamos nem o que comer — confessou Josefa.

— Houve uma seca e uma escassez de alimentos muito fortes... — acrescentou sua mãe.

Seu filho apareceu. Vinha da casa do tio, onde trabalhava como aprendiz de arranca-dentes. Era um rapaz de dezesseis anos que olhava para ele com receio. Quem era aquele pai que surgia de novo em sua vida, aquele médico famoso que abandonara ele e a mãe?

— Também vai ser cirurgião? — perguntou Balmis.

— Não, não quero ser como você.

— Miguel, não fale assim! — repreendeu Josefa.

O que Balmis poderia esperar após uma ausência tão longa? Que o filho o recebesse de braços abertos? O garoto estava ressentido e quase não fez perguntas sobre a vida no México ou seu trabalho, o que levou Balmis a deduzir que não tinha interesse nele. Como poderia ser diferente?

— O garoto não o conhece — disse a avó.

Ele foi tomado por um sentimento de culpa ao comparar a relação que tivera com o pai e aquela que agora tinha com o filho, se é que aquilo podia ser chamado de relação.

— Uma vida de estudos e trabalhos consome tanto tempo que pouco resta para cultivar a afeição — disse Balmis, como desculpa.

Sempre encontrava maneira de se justificar.

— Não, você não escolheu a vida familiar — respondeu sua mãe, sempre tão compreensiva —; escolheu servir à humanidade.

Então Balmis lhe contou tudo sobre o remédio revolucionário que trouxera do México e da pressa que tinha em chegar a Madri e apresentá-lo.

— Mãe, estou a um passo da glória.

— É o que você sempre quis, filho. Cada um tem seu destino. Sempre digo isso a Josefa, para ajudá-la a suportar tanta solidão.

Balmis permanecia calado. Não tinha compaixão por Josefa nem por seu filho. Vivia em um mundo sem espaço para esses afetos.

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Já era primavera quando se instalou no número 26 da rua da Montera, em Madri. Retomou seus experimentos no Hospital San Juan de Dios, sob supervisão do Protomedicato. Em seguida, sentiu que aquele não era o mesmo ambiente tranquilo e aberto do Hospital de San Andrés, onde um indígena podia chegar com plantas curativas e ser levado a sério, onde cometer um erro não implicava ser crucificado. Aquilo era Madri, a capital de um império onde reinava o despotismo ministerial e a corrupção, onde tudo desmoronava, exceto os preconceitos, a soberba e a inveja.

Balmis, que tentava aclimatar suas plantas no novo Jardim Botânico, deparou com uma atitude cética, fechada e hostil por parte dos membros do Protomedicato, que, antes mesmo de dar início aos testes, questionaram as virtudes daquelas plantas. Uma mentalidade que podia ser resumida em uma pergunta: “Por acaso um cirurgião chegado da Nova Espanha poderia ensinar-lhes algo?”. Balmis aprendeu uma amarga verdade: chegar com um histórico brilhante não garantia o respeito dos colegas.

Justo quando considerava estar a caminho do sucesso profissional, viu-se diante do abismo da incompreensão. Os médicos mais hostis às inovações denegriam seus achados, convencidos de que o único tratamento possível para o morbo gálico era o mercúrio.

— Veio nos propor uma terapia de curandeiros! — diziam, com malícia. — Foi ele mesmo quem nos contou!

Logo, Balmis e seus tiques se tornaram alvo de piadas. Sabia que os colegas o insultavam pelas costas. Quando precisou apresentar resultados diante da comissão médica, armou-se uma discussão inflamada entre os tradicionalistas e os inovadores, a qual terminou em vaias e insultos. O renomado doutor Bartolomé Piñera deixou a sala e saiu gritando pelos corredores do hospital:

— Fraude! Enganação, enganação!

Balmis não estava preparado para uma reação tão violenta. Ficou claro que queriam acusá-lo de fraude para acabar com sua carreira. “Mas por quê?”, perguntava-se.

“Aqui somos assim...”, essa foi a explicação que obteve de um de seus colegas, um inovador. Balmis desabou, ferido na parte mais profunda de seu ser, como um navio de carga avariado na linha de flutuação.

— Sou apenas um professor que persegue o conhecimento, sou honrado e de boa-fé. Por que estão fazendo isso comigo?

— Você é um charlatão! — gritava o doutor Piñera.

Balmis se esforçava para conter a raiva diante dos ataques daquele inimigo mortal, o qual ele não conseguia afastar de sua mente nem durante o sono. Piñera provocava pesadelos e pânico extremo, que o faziam sentir-se um jovem diante de um professor demasiado exigente e severo.

Mas era inteligente o suficiente para não entrar no jogo dos que buscavam sua humilhação pública. Pelo contrário, reagiu com moderação e sabedoria. Pôs mãos à obra e escreveu um relatório sobre “as virtudes eficazes do agave e da begônia na cura da vicissitude venérea e escrofulosa” no qual, além de rebater com contundência as acusações, explicava detalhadamente suas observações clínicas. Na conclusão, lamentava a atitude exageradamente desafiante que encontrara na classe médica da península Ibérica e afirmava seus princípios: “Não vim à Espanha como charlatão, mas como professor instruído nessa matéria, com o desejo de buscar o bem público e de cumprir a importante missão de ser útil à saúde dos homens”.

No entanto, a polêmica suscitada deixou Balmis desiludido, dolorido e abatido. Arrependia-se de ter voltado à Corte. Como fora ingênuo ao acreditar que tudo seria um caminho de rosas, ao convencer-se de que o mérito seria reconhecido de imediato! Agora, seu orgulho e seu nome estavam maculados para sempre.

Tinha a impressão de ter dado um enorme passo atrás em sua carreira. Para alguém que vivia por e para o reconhecimento profissional, o que acabara de acontecer com ele era o pior. Para lutar contra o desencanto, deixou-se levar por sua curiosidade inata, sua fixação pelos estudos e seu amor pela medicina. Balmis precisava pouco dos outros; tinha um mundo interior rico e estimulante e preferia ficar trancado em casa lendo as últimas revistas médicas a participar das tertúlias com outros colegas para criticar seus detratores ou falar de como sua profissão era injusta e difícil. Como vivia em estado de formação permanente, preferiu queimar as pestanas com dois cursos de medicina clínica a fim de obter o título de doutor. Era um sonho antigo: fazer parte dos homens que trabalhavam com o intelecto. Pensou no pai, no avô e em como ficariam orgulhosos dele caso realizasse esse objetivo.

Sentado na poltrona desconjuntada de seu apartamento na rua da Montera, com as pernas sob os lençóis da cama dobrável para aproveitar o calor do braseiro alimentado pelo carvão que um dos criados repunha regularmente, quando cansava de estudar, fechava os olhos e lembrava dos dias vividos no México, da temperatura amena, do sabor do mole de peru, do caldo de carne, do chocolatinho e da dose de mescal, das apresentações no Coliseu, dos cheiros do mercado de Parián e do trato cortês das pessoas. Em Madri, tudo lhe parecia duro, abrupto, cortante, desde o frio inclemente até o contato com as pessoas, passando pelo sotaque, que agora lhe soava ríspido.

Um dia, ao folhear um exemplar de La Gaceta de Madrid, voltaram a sua mente outros tipos de recordações: Oaxaca devastada pela varíola; aldeias selvagens repletas de indígenas prostrados, com o rosto marcado pelos grânulos; discussões intermináveis com os curas que se negavam a autorizar a variolização. O jornal falava de um livro publicado na Inglaterra por um tal de doutor Edward Jenner, com o título Uma investigação sobre as causas e os efeitos da vacina da varíola, que estava dando muito o que falar nos círculos médicos e científicos de toda a Europa. Citava um médico catalão, Francisco Piguillem, que glosava os benefícios do invento de Jenner e se dispunha a realizar as primeiras vacinações em Puigcerdá assim que recebesse o fluido vacinífero de Paris ou Londres. Para um médico como Balmis, apaixonado pelas inovações científicas, tais informações eram como um elixir de vida. Confirmavam-se suas suspeitas a respeito da imunologia do corpo humano, de modo que imediatamente quis saber tudo sobre aquela descoberta.

Por outro lado, e para sua satisfação, o debate médico sobre seu tratamento contra a sífilis foi pendendo a seu favor, tanto que até mesmo o papa ordenou que fosse adotado em um hospital de Roma.

— É evidente que funciona, doa a quem doer — dizia seu amigo, o doutor Ruiz de Luzuriaga.

Haviam se conhecido porque ambos precisaram defender a ideia da vacina de Jenner diante dos mesmos médicos que haviam atacado Balmis, que agora confrontavam o médico inglês.

O tratamento à base de agave e begônia teve tão boa aceitação que outros médicos o indicavam para tratar não apenas a sífilis, mas também erupções cutâneas, gota, artrite e obstruções intestinais.

Era um consolo para um homem que havia apostado tanto naquela cura. Balmis tinha consciência de que sua reputação estava manchada. Quando, em 1801, obteve o título de doutor em medicina, sentiu a imensa felicidade de realizar suas maiores ambições. Dava assim um salto social que levara anos para se concretizar, embora outros conseguissem em pouco tempo por serem filhos de famílias nobres. Sabia que, a partir de então, as portas da Academia de Medicina de Madri se abririam para ele, permitindo que circulasse em meio ao mais elevado círculo médico e científico. Mas nem esse marco em sua vida nem o reconhecimento oficial do dicionário de botânica mexicana, que alterou o nome da Begonia syphilitica parar Begonia balmisiana, tampouco os três cursos de botânica que Balmis fez no Jardim Botânico Real de Madri, os dois anos de química no Real Laboratório ou o título de cirurgião de câmara outorgado por sua Majestade, o rei Carlos IV, com seis mil reales a mais de salário por ano, serviram para apagar a memória daquela humilhação.

A experiência com o agave e a begônia deixou a lição de sempre desconfiar dos colegas, tal e qual havia aconselhado Bernardo de Gálvez quando lhe dissera, antes de morrer, que os piores inimigos são aqueles que temos ao redor; manteve-se com a firme e tenaz determinação de seguir mostrando ao mundo seu valor.