La Coruña estava cada vez mais cheia. Todos os dias, chegavam famílias de camponeses do interior da Galícia, de Castilla ou de Astúrias. Isso era reflexo de um plano da Coroa a fim de aliviar tanta pobreza — consistia em contratar famílias para colonizar o rio de la Plata e a costa patagônica. Chegavam em um estado deplorável. No porto, eram examinados, cadastrados e preparados para o dia em que seus respectivos barcos partiriam. O encarregado de supervisionar a saúde dos colonizadores era o doutor Posse, que havia sido nomeado para o cargo por um oficial real do alto escalão. Era uma tarefa ingente, para a qual formou uma equipe com mais quatro médicos, vários cirurgiões e um farmacêutico militar. Sua função era descobrir todos os colonos que, por seu estado físico, não estavam aptos para a viagem.
Dentre as doenças contagiosas, a varíola era a mais comum. Quando encontravam portadores, o médico recomendava que fossem liberados de seus contratos e retornassem às aldeias.
— Sua única possibilidade de cura é o ar limpo da aldeia — dizia.
Pouco a pouco, foram aparecendo cada vez mais camponeses acometidos pela varíola, o que levantou o temor de uma nova epidemia. Imediatamente, Posse mandou sua equipe procurar suspeitas de contaminação entre os camponeses abrigados em casas particulares e galpões do Exército, tanto dentro como fora da cidade. Ordenou fumigações e realizou inúmeras visitas aos colonos, ciente da importância de isolar os contaminados. Mandou proibir a entrada na cidade de qualquer pessoa proveniente de províncias contaminadas, ainda que tivessem passaporte de boa saúde e provassem ter feito quarentena. Trabalhou com afinco no Hospital Militar e, ainda assim, lhe sobrava tempo para passar pela beneficência municipal caso necessitassem de seus serviços. Sua dedicação lhe rendeu um elogio do intendente do reino, que o nomeou médico municipal de La Coruña, qualificando-o como “capaz e de excelente conduta”.
Um dia, o doutor Posse chegou eufórico à casa de dom Jerónimo. Tinha na mão um exemplar do semanário de agricultura e artes dirigidos aos párocos, que, apesar do título, tratava-se uma revista científica. Aquele exemplar reproduzia um resumo do livro do médico inglês Edward Jenner.
— Isso é uma verdadeira revolução, dom Jerónimo. É um marco na história da humanidade.
Dom Jerónimo estava um pouco perplexo diante do entusiasmo transbordante do amigo.
— É o início do fim da varíola! — repetia Posse, exaltado.
— Você não está exagerando, doutor?
— Não, não... Já falei a você dos trabalhos desse médico rural inglês; faz muito tempo que venho acompanhando. Começou por uma observação muito simples: que as campesinas que ordenham vacas nunca pegam varíola. Por quê? Levou vinte anos para encontrar uma resposta.
— E...?
— Descobriu que estavam protegidas da varíola devido a um vírus parecido que só dá nas vacas e provoca uma doença semelhante à varíola humana, mas muito menos maléfica e não contagiosa. Jenner demonstrou que o vírus da varíola bovina imuniza definitivamente contra o da varíola humana.
O doutor Posse passou o exemplar que tinha em mãos, e dom Jerónimo se concentrou na leitura. As experiências do médico inglês consistiam em inocular pus infectado de varíola das vacas em seres humanos. Ninguém havia desenvolvido a doença nem demonstrado efeitos indesejáveis.
— Chamou o procedimento de “vacina”, termo oriundo da palavra “vaca”. É bastante simples, parecido com a variolização, mas com inoculação de pus de vaca em vez de varíola humana. Quero pôr em prática esse remédio e vim para pedir-lhe que me conceda o uso de uma sala do Hospital Beneficente para efetuar as primeiras vacinações.
Dom Jerónimo franziu o cenho.
— Não há risco em infectar gente saudável com material extraído de um animal? — perguntou.
— Continue a ler o artigo... Nenhum risco.
Dom Jerónimo lia com grande interesse, mas certo ceticismo.
— Não vou negar que há algo que me incomoda nisso tudo... Ao fim e ao cabo, estão misturando as espécies ao inocular fluido de vaca em seres humanos.
— É fato que até o momento não se pôs em prática nenhuma medida que introduzisse matéria animal na espécie humana. Imagino que muitos curas reclamarão aos céus, mas o que importa é o resultado.
— Sim, mas não sabemos o que pode ocorrer ao misturarmos as espécies. Quem pode saber que efeitos de longo prazo dessa mescla de fluidos de espécies distintas?
— Todo avanço da ciência vem acompanhado de riscos, dom Jerónimo. Se podemos conter uma doença que acomete sessenta por cento da população e é responsável por dez por cento das mortes com um procedimento que não oferece risco, vamos ficar de braços cruzados?
— É preciso ter certeza de que não há perigo. Deixe-me consultar os demais patronos da congregação a respeito do uso da sala.
A publicação do relatório de Edward Jenner atravessava o mundo, suscitando tanto críticas ferozes quanto felicitações. O principal argumento dos detratores era o mesmo que havia apontado dom Jerónimo. Parecia-lhes imoral e um sacrilégio infectar gente saudável com o fluido repugnante e sujo de um animal. Na Inglaterra, um médico se atreveu a dizer em público:
— Asseguro-os de que a vacinação fará com que nasçam chifres bovinos na testa dos vacinados! Não se podem desafiar as leis da natureza, que são também as leis de Deus, sem que se pague um preço alto!
A ameaça às fronteiras entre as espécies produziu tanto pânico que, no início, o papa proibiu testes com a vacina nos Estados Pontifícios. Mas os resultados falavam por si — era um procedimento tão fácil, inócuo e eficaz que o mundo médico e científico europeu aderiu à prática com entusiasmo. Dos Estados Unidos, o presidente Thomas Jefferson enviou uma carta de congratulação a Jenner; na França, Napoleão ordenou que as tropas fossem vacinadas; e na Rússia a imperatriz mandou que o primeiro garoto vacinado fosse chamado de Vaccinoff e recebesse uma renda vitalícia por conta do governo imperial. Dom Jerónimo, que era esclarecido e tinha uma fé cega no doutor Posse, convenceu os patronos a instaurarem uma sala de vacinação no Hospital Beneficente. Um passo gigantesco havia sido dado rumo à compreensão da imunização, e Posse não descansou até ficar a par de tudo o que se sabia a respeito dos efeitos benéficos.
O primeiro problema enfrentado foi a obtenção do vírus bovino. A varíola das vacas era uma doença verificada apenas no gado do norte da Europa, e por isso as tentativas de conseguir o vírus na Espanha fracassaram. Posse escreveu ao doutor Piguillem, pioneiro da vacina na Catalunha, solicitando que enviasse linhas impregnadas com pústulas de vacas doentes de varíola.
Alguns dias mais tarde, enquanto preparava a sala de vacinação no Hospital Beneficente, deparou com Isabel, sempre muito atarefada.
— Dessa vez não há riscos — disse a ela, após explicar o novo procedimento. — Para que você veja como tenho certeza, o primeiro que vou vacinar será a criatura que mais amo, meu neto de cinco meses. E também quero vacinar seu filho. Serão os primeiros da Galícia.
— O doutor tem certeza de que ele não ficará mal, como os filhos de dom Jerónimo?
— Absoluta. Não tem nada a ver com o que fizemos daquela vez. Pense que ele ficará livre da varíola para sempre.
Isabel sentiu certo receio, mas não encontrou forças para recusar. Já não tinha desculpas, como na ocasião em que propuseram variolizá-la durante a gravidez. Assim, em 16 de agosto de 1800, o doutor Posse realizou as primeiras vacinações da história da Galícia em seu neto e no pequeno Benito, que tinha sete anos, no Hospital Beneficente, com as linhas de algodão enviadas de Barcelona pelo doutor Piguillem. Continuou vacinando muitas crianças com o mesmo método — a vacina transportada em fios –, mas sempre com medo de que o vírus houvesse deixado de ser ativo e o procedimento não funcionasse.