Em um dia de fevereiro de 1801, um acidente trágico no orfanato do hospital mudou o destino de Isabel. Uma criança caiu pela janela do segundo andar e se estatelou na rua. Morreu em meio a gritos que sobressaltaram a cidade inteira. Um acidente que se somava a um caso de grande repercussão que acabara de ir a público: crianças valencianas haviam sido adotadas por comediantes que quebravam as articulações delas para possibilitar mais flexibilidade e restringiam a alimentação para que fossem ágeis. Pela primeira vez, questionava-se a incipiente assistência pública. A poderosa Congregação das Dores, com sua reputação manchada, viu naquele infortúnio o resultado da desordem reinante no estabelecimento, o que, somado à falta de higiene e às contas pouco rigorosas, provocou a demissão da diretora, Lucía Pérez.
— Não existe ninguém em La Coruña com mais aptidões que Isabel Zendal para conduzir as rédeas do orfanato — disse dom Jerónimo na reunião de emergência dos patronos.
Isabel carecia de qualificações para aquele cargo, difícil de ser preenchido porque as exigências eram muito altas, e o pagamento, escasso. Era a segunda diretora a quem despediam; a primeira havia sido acusada de não justificar devidamente os gastos. Embora, de acordo com o regulamento, a designação àquele posto devesse contar com um processo de seleção, no caso de Isabel foi a insistência de dom Jerónimo que determinou sua nomeação. Era imperativo dispor de outra diretora. Outro fator que sem dúvida pesou foi o fato de que seu filho, então com oito anos de idade, começava a ocupar espaço demais.
— Eu disse há pouco que tinha um trabalho em mente para você, lembra?
— Sim, sim, dom Jerónimo.
— O patronato da Congregação das Dores, reunido ontem, decidiu oferecer-lhe o cargo de diretora do orfanato do Hospital Beneficente.
Isabel sorriu. Pés de galinha surgiram nas bordas de seus olhos. Estava contente: os patrões não haviam se esquecido dela.
— As crianças já estão crescidas, e dona María Josefa e eu achamos que você poderá ser mais útil se dedicando ao orfanato.
— O senhor acha mesmo que dou conta desse trabalho?
— Estou convencido de que você é a pessoa ideal para o cargo. Mas não é um trabalho fácil: sua presença é indispensável vinte e quatro horas por dia, de modo que precisará se mudar para lá com Benito. Receberá um salário mensal de cinquenta reales e o pagamento em espécie de uma libra e meia de pão ao dia, com farinha fina de primeiro crivo. Para que tenha ideia, uma torneira recebe quarenta reales; uma professora de costura e tricô, sessenta — e o mesmo ganha um professor de alfabetização.
— Fico muito agradecida ao senhor, dom Jerónimo. Não sei se mereço...
Isabel estava emocionada. Pouco importava o quão difícil seria o trabalho, o importante era que deixaria de ser criada. Devia isso aos patrões, mas também a Ignacia, que a obrigara a aprender a ler e fazer contas na escolinha da paróquia de Santa Mariña de Parada. Sem esses conhecimentos, nem sequer poderia ter almejado algo.
— Você merece isso e mais — disse dom Jerónimo.
Isabel ficou pasma, pois não estava acostumada a receber elogios.
— Veja, minha filha, o que torna atrativo o cargo de diretora são as gratificações: você ganhará presentes em dinheiro na noite de Natal e duas autorizações para comer carne durante a Quaresma.
A primeira coisa que a nova diretora fez foi mandar colocar treliças nas janelas dos quartos dos enjeitados para impedir que caíssem. Então, separou as crianças por sexo, armou camas novas e instalou lampiões nos quartos. Decidiu consigo mesma que as crianças, que estavam em um estado lamentável de desleixo, deveriam ficar tão fortes e saudáveis quanto seu filho Benito, cujo imenso privilégio — de ter uma mãe e dormir no mesmo quarto que ela — provocava nos demais uma mescla de inveja e fascinação. Instaurou normas de higiene, muitas por indicação do doutor Posse: mandou trocar com regularidade a palha dos leitos, comprou pinças de ferro para remover a sarna e cortou os cabelos para acabar com os piolhos. Nos que adoeciam, aplicava compressas de aguardente com panos quentes, além de dar-lhes pão branco e carne para comer. Comprou escovas de mão para limpar a roda e vigiava de perto a responsável por elas para que não se ausentasse em hipótese nenhuma, como era costume antes. No mês em que começou a trabalhar, o orfanato já não se parecia em nada com o que havia sido.
— Para demonstrar minha satisfação e a dos patronos, concordamos em recompensá-la com um pagamento extra mensal de dezesseis reales pela confecção de roupas de uso — disse a ela dom Jerónimo.
O trabalho consistia em preparar camisas e fraldas a partir de lençóis velhos, remendar calças e casacos e repor cordões e botões nas calças. Apesar de toda essa carga de trabalho, Isabel estava contente e não se queixava. De vez em quando, sentia falta da comodidade e da vida plácida na casa dos Hijosa. Mas ruminava pouco acerca de seu destino — era a vantagem de não ter tempo para si mesma.
Em bem pouco tempo, começou a considerar todas as crianças do orfanato como se fossem seus filhos. Admirava a capacidade de sobrevivência deles. Três quartos dos que apareciam na roda morriam antes do fim do terceiro dia; houve épocas em que a porcentagem subia para noventa ou até mesmo cem por cento — nenhum sobrevivia! No início, contava isso alarmada ao doutor Posse, como se ele pudesse fazer algo.
— Chegam em um estado muito ruim, doutor. Têm a cabeça amassada, o corpo coberto de chagas e o umbigo pendurado. Vêm de aldeias distantes e são trazidos em cestas ou mesmo em alforjas.
O médico sabia bem da situação: ele visitava assiduamente os estabelecimentos de beneficência. A mortalidade era tão alta que duas funerárias de La Coruña se encarregavam exclusivamente do cadáver de jovens e recém-nascidos. O rabecão da Gloria, construção barroca pintada de branco que suscitava grande curiosidade, era reservada para as famílias de posses. Os enjeitados mortos acabavam junto aos pobres de solenidade, no átrio das paróquias.
As mães, desesperadas, levavam os filhos à noite para não serem reconhecidas. Isabel, obrigada a substituir a torneira sempre que esta ficava doente, escutava os passos na rua, depois o pranto de um bebê que era depositado na roda, e então o choro da mãe, que provavelmente não mais o veria e, como forma de adeus, os rangidos da roda ao girar sobre o próprio eixo, além da irônica nota alegre da campainha que alertava para a chegada de mais um infante. Do outro lado, no interior do prédio, Isabel recebia esses filhos da vergonha e da pobreza.
Alguns já chegavam batizados; outros recebiam o nome do santo do dia, conforme mandava o regulamento. A maioria aparecia envolta em trapos simples, até mesmo em um guardanapo, em um pedaço de manta ou em uma folha de calendário; em 19 de março de 1800, apareceu um bebê nu dentro de um chapéu. Foi batizado José. Às vezes, não era a mãe quem levava a criança ao orfanato, mas alguém que a havia encontrado abandonada em um curral, um palheiro, uma fonte ou uma estrumeira. Um jovem de três anos foi levado por um homem que o encontrou abandonado ao lado da Igreja de São Nicolau, com os pés atados para que não fosse atrás dos pais. Muitos carregavam um bilhete com o nome, a filiação, a data de nascimento ou do batizado: “Juan Pérez, filho de dois pobres honrados, prestes a completar um ano”; em geral, terminava com uma súplica: “Deem a ele de comer, porque não tem se alimentado”. No caso de Vicente María, deixado na roda em 13 de maio de 1800, um bilhete em uma fita atada à orelha dizia que os pais voltariam para buscá-lo quando as coisas estivessem melhor; junto deixaram uma generosa quantia “para colaborar com a criação”. Qual não devia ser a miséria daquele lar para que os pais achassem que o orfanato seria um destino preferível.
Isabel acariciava os enjeitados enquanto tirava a roupa deles e observava cada centímetro de pele para ver se havia sinal de maltrato — como ocorreu com uma garota que chegou com manchas roxas na cara e hematomas no corpo — ou alguma marca que sugerisse contaminação por varíola ou sífilis — casos repassados ao médico do hospital. Tais crianças estavam condenadas a morrer rapidamente, pois o risco de contágio impedia que fossem amamentadas por amas de leite; recebiam um pobre substituto, leite de cabra, até que apagavam. Os que passavam por essa primeira triagem eram batizados e entregues às amas de leite. Como as colaboradoras fixas do orfanato estavam sobrecarregadas, amamentando até seis crianças cada, Isabel recorria ao que se chamava de amamentação mercenária. Era terrível para ela saber dos muitos descuidos e das fraudes das amas, que em troca de trinta reales por mês levavam as crianças para casa. Descobriu que algumas deixavam que morressem e não comunicavam isso ao orfanato a fim de continuar recebendo; outras retornavam ao orfanato com uma criança diferente da que haviam recebido; outras restringiam o leite que davam ao enjeitado para favorecer o próprio filho. Descobriu o caso de uma mãe que, após depositar seu filho na roda, ocultando sua identidade, voltou para buscá-lo e, assim, receber o mísero salário pago pelo orfanato a quem cuidasse das crianças.
Cansada de tanta enganação, Isabel não teve remédio senão impor a mesma norma vigente no sanatório de Santiago: a marcação, sistema humilhante e cruel. Pediu ao cirurgião que fizesse uma incisão com sangue no braço de todos os recém-chegados, profunda o suficiente para deixar uma marca indelével. Assim, dava-lhes uma identidade protetora que durava até que deixassem o orfanato em definitivo, entre os dez e os catorze anos.
Ainda que não fosse o caso, Isabel viveu seu novo trabalho como se fosse uma libertação. Ocupar-se dos filhos de uma família rica era diferente de cuidar de crianças abandonadas. Em sua vida, esse era um progresso importante, que ajudaria a limpar sua reputação. Sentia um afã doentio de demonstrar que era digna de confiança e de recuperar sua honra, pois não havia remédio para curar sua maior dor — o estigma da ilegitimidade que pesava sobre seu filho, do qual ela nunca poderia livrá-lo. Como era dolorido para ela quando Benito chegava a casa chorando porque haviam gritado obscenidades contra ele na rua! A gagueira do garoto se desenvolvia com o tempo e, embora o doutor Posse dissesse que era porque os professores obrigavam-no a ser destro quando na verdade era canhoto, Isabel estava convencida de que era por causa do assédio a que era submetido.
— Ma... mãe, ma... mãe, me chamaram de filho da... filho da...
— Quieto, Benito, não precisa terminar — dizia Isabel, abraçando-o e tremendo de raiva.