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Balmis queria conseguir o cargo, mas não a qualquer preço. Aprendera bem a maneira tortuosa como as decisões eram tomadas nas altas esferas de poder e, mesmo que fosse nomeado diretor, temia que cerceassem a liberdade de ação necessária para organizar a expedição tal e qual ele havia planejado. Era um profissional da medicina, não um político. Seus receios não demoraram a se confirmar quando o doutor Requena, o médico que havia sido o primeiro a sugerir que Carlos IV que levasse a vacina à América, fez uma reunião com ele.

— A distribuição dos cargos deveria ser feita entre voluntários — disse Requena, assim que o recebeu.

— Voluntários? — intercedeu Balmis, desconcertado.

— Sim, profissionais que não esperem salário nem compensação econômica. Estamos falando de uma empreitada humanitária.

Balmis estava ciente da precariedade e das dificuldades do Tesouro, mas lhe pareceu descabido que sugerissem tal ideia.

— Com o devido respeito, doutor, devemos priorizar o profissionalismo à filantropia.

— Estou falando de profissionais voluntários... Consegue imaginar o prestígio que essa expedição pode ganhar entre as nações europeias?

— Já será difícil encontrar profissionais que queiram se comprometer com essa expedição em troca das compensações oferecidas... Não se pode pedir que um voluntário carregue tamanha responsabilidade, tampouco seria bom para a expedição. Como exigir que cumpram suas tarefas, se não o recompensarmos?

A atitude de Requena lhe era familiar, muito própria dos médicos mais preparados e cultos, que se sentiam no direito de opinar sobre tudo, muitas vezes por mero desejo de protagonismo. Balmis concluiu que Requena sentia ciúmes por ser tolhido de uma empreitada cuja ideia inicial partira dele próprio e tentava se integrar de alguma maneira ao projeto propondo ideias que gerassem economia para seduzir aqueles no poder. Balmis, que não era um bajulador, respondeu irritado:

— Doutor, entendo que a economia de gastos seja atraente, mas temos de concordar que é utopia.

Requena ficou boquiaberto.

Apesar da interferência de médicos daquele tipo, Carlos IV tinha sua opinião bem formada após ter escutado a de Godoy e ter lido o relatório favorável da Junta de Cirurgiões de Câmara. Em 29 de junho de 1803, publicou uma ordem dirigida a todas as autoridades civis e religiosas nos territórios espanhóis da América e da Ásia, nomeando Francisco Xavier Balmis y Berenguer diretor da Real Expedição Filantrópica da Vacina.

Para o posto de subdiretor, o rei designava o médico catalão Josep Salvany i Lleopart, de vinte e seis anos, natural de Barcelona, cirurgião do Real Sítio de Aranjuez e discípulo do Colégio de Ciudad Condal, que substituiria o diretor em caso de ausência ou morte; como ajudantes, Manuel Grajales, recém-licenciado cirurgião médico, e o doutor Ramón Fernández de Ochoa; designava também dois praticantes e três enfermeiros, cuja função seria ajudar e cuidar do asseio das crianças e acompanhá-las em todos os momentos, tanto no barco quanto em terra.

Salvany era um jovem cirurgião com histórico acadêmico brilhante, um homem cheio de entusiasmo e valores, com fama de ser sério e bondoso. Estava imbuído da missão de salvar o mundo da varíola graças a um idealismo típico do Iluminismo e também por convicção científica. Seu aspecto refletia o contraste entre força intelectual e debilidade física. Enxuto e pálido, tinha um olhar luminoso e um sorriso sempre presente. Balmis o conhecia dos tempos que passara no Exército e, como tinha o dobro de sua idade, sabia que não lhe faria sombra. Não obstante, ficou surpreso por terem designado alguém de saúde delicada, sem experiência nos territórios ultramarinos nem de comando.

— Como convocam um homem doente como substituto? — perguntou Balmis ao colega Ruiz de Luzuriaga, a quem visitava assiduamente desde que ambos haviam se visto na mesma equipe, defendendo com unhas e dentes a invenção de Jenner e sua aplicação na Espanha.

— Ele tem o que podemos chamar de uma má saúde de ferro.

— É tísico, todo mundo sabe.

— E excelente médico, como todo mundo também sabe. Destacou-se nos seis anos que passou no colégio de cirurgia.

Isso não pareceu impressionar Balmis.

— E não teime com as doenças, porque é a melhor aliada dos bons médicos. Se não tivesse sofrido com ataques recorrentes de reumatismo desde criança, você acha que Salvany teria estudado tanto e conquistado o que conquistou? Sendo tão jovem?

— Ele não se saiu muito bem no Exército...

— Balmis, ele teve malária! Além das infecções pulmonares com as quais já sofria. Ele se saiu bem... Queria ver você na mesma situação...

— E além de tudo é poeta! — disse Balmis, erguendo o olhar aos céus, como se considerasse não haver maior estupidez.

Ruiz de Luzuriaga riu.

— O que todos sabemos, amigo Balmis, é que esse jovem sempre se destacou pela precisão nos diagnósticos, pela exatidão de tratamentos e pela habilidade ao operar. Goste você ou não. Já imaginou estar em seu lugar, pobre Salvany, com um chefe como você bufando sem parar?

Balmis sorriu, mas sua preocupação era visível.

— Você acha mesmo que a expedição precisa de um poeta doente?

— Ele se candidatou à expedição porque acha que na América encontrará um clima mais benéfico para sua saúde. Cada um tem seus motivos.

— Isso revela muito desconhecimento a respeito da América.

Houve um silêncio. Ruiz de Luzuriaga se virou para ele e olhou em seus olhos:

— Balmis, melhor ter Salvany de substituto que um ressabiado cheio de ambições, como Ramón Fernández de Ochoa. Sabemos que ele está tramando com Godoy e os ministros para roubar a vaga do catalão.

Era verdade. Ramón Fernández de Ochoa, sugerido pelo rei para integrar a expedição, estava furioso por não ter sido nomeado subdiretor. Protestou veementemente e arremeteu contra Salvany, aludindo a seu precário estado de saúde.

Desse modo, Balmis passou defender Salvany muito antes do esperado. Embora lhe parecesse abnegado e de caráter tranquilo, e apesar de sua tosse seca e constante deixá-lo nervoso, acabou reconhecendo que, no fim das contas, Salvany tinha as qualidades necessárias para manter o grupo coeso — algo crucial em uma expedição tão singular. Portanto, sem mais delongas, expulsou Fernández de Ochoa.

— Você não tem autoridade para prescindir de mim — desafiou Ochoa.

— Sou o responsável último e não quero gente como você, que gera desconfiança e desunião na equipe.

Fernández de Ochoa saiu batendo porta e foi ao Protomedicato para se queixar, sem se dar conta de que, assim, ajudava a estabelecer a autoridade definitiva de Balmis, que não se deixaria mandar.

Para consolidar seu poder, Balmis escreveu uma carta a dom José Caballero, ministro de Graça e Justiça, agradecendo pela nomeação e explicando as razões que o haviam levado a prescindir de Ochoa. Também solicitava um salário para cada integrante da expedição, bem como o compromisso da Coroa de sustentar e educar as crianças órfãs até que tivessem idade suficiente e ocupação profissional. Como seus ajudantes lhe haviam sido impostos, pediu também que figurassem três profissionais de sua confiança que trabalhassem na área da saúde — um deles, seu sobrinho, Francisco Pastor y Balmis, que era muito instruído na vacinação, por ter praticado constantemente a seu lado.

Em resposta, o ministro informou-o de que o próprio monarca o apoiava sem ressalvas e que deixava em suas mãos a demissão de qualquer membro da expedição que não fosse de seu agrado. A Coroa se comprometia a cuidar da educação e da eventual adoção dos órfãos por famílias respeitáveis da Nova Espanha e aceitava a nomeação dos três enfermeiros que ele havia proposto, incluindo seu sobrinho.

Balmis respirou fundo: aquela resposta implicava o respaldo definitivo para seu poder. Seria concedido a ele quase tudo o que pedira. O alojamento, a comida e os salários foram designados de acordo com o reconhecimento social e profissional dos expedicionários — o diretor recebia o dobro do subdiretor, que recebia o dobro dos enfermeiros, e assim sucessivamente. A refeição da primeira mesa seria composta por um ensopado, dois ou três acompanhamentos e sobremesas, além de vinho e pão fresco; a da segunda mesa teria o mesmo que a da primeira, exceto por um acompanhamento e uma sobremesa a menos... A terceira seria composta por um bom cozido, e todas as crianças que ficassem doentes receberiam porção dupla de carne.

Tudo muito burocratizado e atento às hierarquias. No entanto, os salários eram tão baixos que Balmis, conhecedor do alto custo de vida na América, voltou a se dirigir ao ministro Caballero: “É impossível para qualquer indivíduo manter-se com os salários designados, de modo que chegaria o dia em que reinaria entre os integrantes de uma expedição tão brilhante a escassez, a miséria e o descontentamento que acompanha essas circunstâncias”, escreveu. O pedido era tão lógico que Caballero ordenou que o Tesouro dobrasse as remunerações. Embora Balmis tivesse percebido que a luta para obter recursos seria uma constante na expedição, pois grande parte dos gastos era imprevisível, ele ganhara das autoridades a confiança de que precisava.

Estava exultante. O próprio rei o havia encarregado de chefiar uma empreitada filantrópica à altura da enormidade do império. Estava ciente de que apenas em raras ocasiões um homem deparava com o privilégio de poder melhorar a vida de seus semelhantes. Por acaso, havia propósito mais nobre? Além disso, Balmis conseguira ser o único comandante; tirara o rival Flores do caminho, e finalmente seria fechada a ferida que outrora lhe infligiram os colegas liderados por aquele médico que lhe tirava o sono, o doutor Bartolomé Piñera. Estava um passo mais perto de realizar seu sonho de infância.

Embora não fosse religioso, sentiu necessidade de entrar na Igreja de São Nicolau de Bari, perto de casa. Sentado no último banco, desfrutava do frescor, do perfume de incenso e do silêncio. Como havia subido degraus desde que ingressara aos dezessete anos no Hospital Militar de Alicante como praticante interino! Cirurgião militar, bacharel em medicina, cirurgião de câmara... Sempre estudando, não apenas cirurgia, mas também química, botânica e medicina prática. Agora estava prestes a dar o passo mais difícil, aquele que poderia situá-lo em um plano superior ao dos reles mortais.